«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Uma Igreja diferente!

As enormes consequências do escândalo
dos abusos sexuais

Massimo Faggioli
L’Huffington Post
25-02-2019

Tempos novos para a Igreja:
cultura da transparência e da responsabilidade,
saber lidar com a indignação dos fiéis,
renegociação das relações entre Igreja e Estado.
MASSIMO FAGGIOLI
Historiador italiano radicado nos Estados Unidos

O escândalo dos abusos sexuais na Igreja Católica é um capítulo na história dos desafios trazidos pela modernidade ao fenômeno religioso institucionalmente organizado. De fato, no horizonte da crise dos abusos sexuais, podem ser intuídas enormes consequências de longo prazo para o papel e a vida da Igreja:
* o efeito da cultura da transparência e da responsabilidade sobre a religião organizada;
* a capacidade da Igreja de gerir a psicologia da indignação desafogada nas mídias sociais;
* uma epocal renegociação das relações entre Igreja e Estado.

Na história dos abusos sexuais na Igreja Católica, a cúpula no Vaticano de fevereiro de 2019 é um momento importante. Se a história da sex abuse crisis na Igreja Católica como crise global ainda deve ser escrita, o Papa Francisco inaugurou uma nova fase, aberta não apenas por causa dos novos desdobramentos da crise global entre 2017 e 2018 (em particular na Austrália, no Chile e nos Estados Unidos), mas também devido a uma abordagem diferente para a questão do governo da Igreja por parte do jesuíta Bergoglio.

Acima de tudo, o pontificado de Francisco coincide com a explosão da crise no centro do governo da Igreja com o caso do ex-cardeal McCarrick e a tentativa de golpe de Viganò. Francisco reagiu levando a crise ao Vaticano, que decidiu convocar uma cúpula sem precedentes.
PAPA FRANCISCO
recebe do cardeal Sergio da Rocha, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
um souvenir da campanha por Brumadinho (MG), vítima do rompimento de uma barragem
Encontro "A Proteção dos Menores na Igreja"
Sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019 - Vaticano

Isso significou uma mudança de significado:
Roma não é mais o centro de comunicação às periferias de decisões tomadas
de cima ou a sede para encontros bilaterais
(como João Paulo II com os cardeais dos EUA em 2002),
mas é um dos lugares para o amadurecimento de decisões importantes
para a vida da Igreja.

Aqui está a convergência entre a percepção de Francisco sobre o CATOLICISMO COMO COMUNHÃO PLENAMENTE GLOBAL E A ECLESIOLOGIA DA SINODALIDADE pós-Vaticano II: todos os países do mundo estavam representados na reunião dos dias 21 a 24 de fevereiro; todas as áreas do mundo estavam representadas por oradores convidados para falar; uma contribuição essencial para a conferência veio das mulheres convidadas para falar ao lado e no mesmo título dos cardeais.

Segundo: a eclesiologia da sinodalidade é relevante para compreender o modo pelo qual Francisco pretende gerir a crise dos abusos como crise global. A crise revelou a insustentabilidade de um modelo eclesiológico que, no segundo período pós-Vaticano II (entre João Paulo II e Bento XVI), frustrara o papel teológico das Igrejas locais e nacionais. Nesse sentido, a ação de Francisco também une aos impulsos necessários do centro (da criação da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores em 2014 até a cúpula de fevereiro de 2019) uma nova abertura de espaços para a colegialidade e a sinodalidade das Igrejas locais [= dioceses].

Essa é uma abordagem que reflete a necessidade de criar relações de tipo novo entre o nível central-universal e o nível local no catolicismo romano. Vale a pena lembrar que, antes da eleição do Papa Francisco, no Vaticano e nos altos níveis da hierarquia católica mundial, quase ninguém falava da colegialidade e da sinodalidade da Igreja como dimensões necessárias para combater o clericalismo, causa principal do escândalo.

Terceiro: uma Igreja católica sinodal precisa de discernimento e, portanto, também precisa de espaços e de tempos para uma conversa eclesial que deve preceder qualquer decisão. Esse evento no Vaticano tentou encontrar um equilíbrio entre transparência e acessibilidade através da mídia, por um lado e, por outro, a exigência de criar um clima de discernimento reservado aos participantes.

A escolha de “proteger” o evento do exterior também era motivada por razões de segurança, em um encontro realizado simbólica e materialmente em um clima de assédio por parte das organizações de vítimas e sobreviventes de abusos sexuais. Mas também se deveu à escolha de fazer da cúpula um evento espiritual, e não apenas um evento midiático.

As liturgias do sábado e do domingo foram preparadas de maneira diferente de outros modelos e, em particular, dos de João Paulo II – por exemplo, a solene e pública liturgia de 12 de março de 2000 na Basílica de São Pedro, durante o Grande Jubileu.

Quarto: uma Igreja sinodal está aberta a diversos tipos de contribuições provenientes do mundo exterior. Isso era muito visível nas fontes e organizações citadas pelo Papa Francisco no seu discurso final: Organização Mundial da Saúde, Unicef, Interpol, Europol etc. Um papel especial durante a cúpula foi dado à mídia e aos jornalistas, atores-chave na história da crise dos abusos sexuais na Igreja. Tratou-se, por parte da estratégia vaticana, de uma captatio benevolentiae e também da reparação de uma história – eram os anos de João Paulo II – de jornalistas insultados e difamados por terem investigado os padres pedófilos.

Por outro lado, a cúpula pôs em cena a versão simplificada (as hierarquias eclesiásticas, as vítimas e a mídia) de uma situação muito mais complexa. A cúpula vaticana não incluía outros atores-chave para compreender a complexidade da crise dos abusos: representantes da polícia, advogados, seguradoras e, sobretudo, procuradores gerais e promotores públicos que trabalham pela justiça secular – para silenciar o impacto das mídias sociais.

Quinto: Igreja sinodal significa Igreja aberta à mudança que não é somente estrutural, mas também teológica. A cúpula no Vaticano esclareceu o quanto a Igreja precisa de mulheres que sejam vozes presentes e ativas nos órgãos de governo da Igreja. O Papa Francisco usa uma linguagem típica da sua geração para se dirigir às mulheres, que soa inadequada aos ouvidos de muitos. Mas é inegável que, durante este pontificado, foram dados passos à frente nesse sentido.
PAPA FRANCISCO
ora juntamente com todos os bispos participantes do Encontro
"A Proteção dos Menores na Igreja" - 22/fevereiro/2019 - Vaticano

No entanto, o espectro das questões de longo prazo é muito mais amplo. Os abusos sexuais são um problema não só das Igrejas ocidentais que enfrentam uma crise de civilização que tem em seu centro a questão sexual e biopolítica. É um problema global e hoje mais grave naqueles países onde ele foi subestimado até agora (incluindo a Itália).

Não se trata apenas de reprimir um fenômeno criminoso, mas também de uma questão teológica: da teologia dos sacramentos (especialmente a ordenação ao sacerdócio) aos modelos eclesiológicos; do papel das mulheres na Igreja ao magistério do último século sobre a moral sexual.

A questão mais complicada diz respeito às reformas estruturais exigidas por uma cultura do sacerdócio e do episcopado que muitas vezes significam honras, mas sem as responsabilidades que delas derivam.

O espectro das questões a serem abordadas é amplo: nesse sentido, o pedido de “tolerância zero” pode se tornar um slogan que não ajuda a compreender a vastidão dos problemas. Para fazer uma comparação, o Concílio de Trento, no século XVI, não respondeu à Reforma Protestante apenas com um programa anticorrupção, mas também com uma reavaliação de algumas categorias teológicas.

Esse é um trabalho que, para a Igreja, ainda está no início e não só por culpa do Vaticano ou das hierarquias eclesiásticas. O escândalo abalou Igrejas em países distantes de Roma: geográfica e culturalmente distantes (especialmente a Austrália e os EUA), onde a teologia é vital, mas, nas últimas décadas, teve pouco impacto sobre a elaboração de políticas doutrinais e o magistério da Igreja.

Com Francisco, o papado deu passos importantes na história da luta contra os abusos sexuais de menores. Mas é uma crise que, nos últimos meses, se ampliou para outros tipos de vítimas (as freiras, os seminaristas) e de culpados (bispos e cardeais). Na Igreja global, nessa comunhão global totalmente feita de periferias, ainda há muitas esquinas para virar.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 26 de fevereiro de 2019 – Internet: clique aqui.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

VENEZUELA: o uso político da miséria!

“O que está acontecendo nas fronteiras da Venezuela não é fornecimento de ajuda humanitária, mas o uso político dela”

Astrid Prange
Deutsche Welle
22-02-2019

Revoltante e irresponsável. E de ambos os lados.
O que está acontecendo nas fronteiras da Venezuela não é fornecimento
de ajuda humanitária, mas o uso político dela.
Isso é um crime!
Venezuelanos atravessam a fronteira com a Colômbia e se dirigem
à Cúcuta na tentativa de sobreviver

Vamos deixar uma coisa bem clara: a população da Venezuela precisa de ajuda humanitária. O número de pessoas que luta pela simples sobrevivência aumenta a cada dia, e o fornecimento de alimentos e medicamentos é uma catástrofe no país.

Tanto pior, portanto, que o autointitulado presidente interino Juan Guaidó e seus apoiadores abusem da ajuda humanitária e a usem como instrumento de poder. Aparecer do lado de pacotes de comida para bebê rende boas imagens para a televisão, mas pouca credibilidade política.

Pior ainda é o presidente Nicolás Maduro. O sucessor de Hugo Chávez arruinou economicamente o país, e de forma sistemática. Ele mandou prender os adversários políticos, tirou poder do Parlamento, que é dominado pela oposição, e abandonou a população à própria sorte.
DOIS PRESIDENTES: UM ELEITO FRAUDULENTAMENTE E OUTRO AUTOPROCLAMADO
Nicolás Maduro (à esquerda) e Juan Guaidó (à direita)

Agora, a ajuda humanitária deve servir, para os dois lados, de cobertura para o fracasso político. As sanções contra o regime de Maduro, impostas desde 2015 pelos Estados Unidos, não tiveram o “sucesso” esperado, ou seja, a queda do “Socialismo do Século 21”.

Elas apenas aceleraram o declínio da Venezuela e empurraram Maduro cada vez mais para os braços de Moscou e Pequim. Na semana passada, Maduro falava que não havia fome na Venezuela. Agora, ele anuncia, às vésperas do embate de 23 de fevereiro, que 300 toneladas de ajuda humanitária estão chegando da Rússia.

A Rússia é o principal aliado da Venezuela. Já nos tempos de Chávez, o Kremlin enviava armas para as Forças Armadas venezuelanas. Além disso, Caracas deve 12 bilhões de dólares para Moscou – como garantia para empréstimos, a Venezuela empenhou nada menos que a metade das ações da Citgo, uma rede de postos de gasolina nos Estados Unidos que pertence à estatal petrolífera PDVSA.

A Rússia tem, com isso, dois trunfos contra o presidente Donald Trump:
1) por meio da Citgo, pode influenciar o abastecimento de combustíveis nos Estados Unidos; e,
2) por meio da presença na Venezuela, se estabeleceu como importante ator internacional, ao lado da China e dos Estados Unidos, na América Latina.

O mais novo exemplo é o veto da Rússia no Conselho de Segurança da ONU, na semana passada. À resolução dos Estados Unidos que exigia novas eleições e ajuda humanitária, Moscou contrapôs seu próprio projeto de resolução.

O imbróglio deixa antever um retorno à Guerra Fria. Que ela tenha como palco justamente a América Latina é especialmente trágico. Afinal, a confrontação entre os Estados Unidos e a Rússia foi oficialmente encerrada apenas em 2014, com a normalização das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba.
PROGRAMA ALIMENTAR MUNDIAL (PAM) DAS NAÇÕES UNIDAS:
avião sendo abastecido de víveres e suprimentos variados para vítimas de furacão
Aeroporto de Kuala Lumpur (Malásia)

Como a ajuda poderia ser realizada

Se houvesse um real interesse em enviar ajuda humanitária para a população da Venezuela, agências da ONU, como o Programa Alimentar Mundial, poderiam levar alimentos para o país – se necessário, com um mandato do Conselho de Segurança. Organizações de ajuda humanitária americanas e russas, bem como doadores de todo o mundo, poderiam entregar suas remessas para a ONU em vez de usá-las para elevar a divisão política dentro do país.

E ainda mais importante: o governo da Venezuela poderia, ele mesmo, pedir ajuda à comunidade internacional. Ajuda humanitária também poderia ser transportada a pé, por voluntários, por outros pontos da fronteira além de Cúcuta – sem toda essa cobertura midiática.

O atual uso político da ajuda humanitária é tudo menos humanitário. Ele faz uma população inteira refém e transforma quem presta ajuda humanitária em cúmplice de uma acirrada disputa política de poder. Isso é um crime.

Fonte: Deutsche Welle – Mundo/Opinião – Sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019 – Internet: clique aqui.

Venezuela é uma fria

Eliane Cantanhêde
Jornalista

Impasse: o Brasil não pode lavar as mãos nem vai usar a
força militar, mas qual a alternativa?
ANTÔNIO HAMILTON MOURÃO
Vice-presidente da República do Brasil

Direto e realista, como sempre, o vice-presidente Hamilton Mourão admite que “um dos cenários na Venezuela é de guerra civil, o que pode respingar para todo lado”. Ele ressalva que, mesmo assim, trata-se de uma questão interna do país vizinho e cabe à ONU interferir, não ao Brasil.

Enquanto eles continuarem matando uns aos outros, a gente não pode fazer nada”, disse Mourão, que viaja ainda neste domingo para Bogotá, na Colômbia, para a reunião, amanhã [segunda-feira], em que o Grupo de Lima discutirá a situação de emergência na Venezuela.

Uma das grandes preocupações do governo brasileiro é com o grau de beligerância entre Venezuela e Colômbia. Segundo Mourão, que é general de exército, “80% do dispositivo militar venezuelano é voltado para a fronteira com a Colômbia. Na fronteira com o Brasil, tudo o que Maduro tem é uma brigada de engenharia de selva muito capenga”.

O Grupo de Lima foi criado justamente por causa da dramática crise venezuelana e, dos seus 14 países, só um, o México, se manteve aliado ao inacreditável Nicolás Maduro e se recusou a reconhecer Juan Guaidó como presidente interino. Além de Mourão, a reunião contará também com a presença de presidentes da região e do vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence. Os dois vices discursarão.

Maduro pode ser louco, irresponsável e patético, deu um xeque-mate na comunidade internacional e jogou a Venezuela no centro de uma delicada questão geopolítica. Ilhado, rejeitado por meia centena de países, ele contrapôs Estados Unidos, de um lado, e China e Rússia, de outro. E o Brasil, como a Colômbia, foi arregimentado por Washington para agir.
USO POLÍTICO E IDEOLÓGICO DA CRISE E MISÉRIA DO POVO:
Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional Venezuelana,
Iván Duque, presidente da Colômbia e Mike Pence, vice-presidente dos Estados Unidos,
posam para foto durante encontro do Grupo de Lima, em Bogotá - 25/02/2019

(Foto: Martin Mejia/AP)

Parece absurdo, mas as potências reagem ao colapso da Venezuela, que mata pessoas e gera o êxodo de milhares de famílias, como questão meramente ideológica. Os Estados Unidos tentam recuperar a velha hegemonia na América Latina, a China e a Rússia usam o pobre país contra a grande potência, ou contra um mundo unipolar.

A ação brasileira, a reboque dos Estados Unidos, combina com o discurso de campanha do presidente Jair Bolsonaro e com os escritos do chanceler Ernesto Araújo, mas deixa setores produtivos, exportadores e até oficiais de alta patente de cabelo em pé. Segundo um deles, que não quis se identificar, “nós entramos numa fria”. E explicou:

 “Não faz muito sentido essa aliança tão incondicional com os Estados Unidos.
Qualquer consequência negativa (da ação na Venezuela) não vai recair sobre eles,
vai recair sobre nós”.

A verdade é que era impossível simplesmente lavar as mãos diante do caos na Venezuela, mas são poucas as alternativas. As pontes diplomáticas implodiram, uma invasão militar é fora de cogitação e não dá para recuar. O impasse é que o Brasil tem de fazer alguma coisa, mas não tem ideia do que fazer.

Um grande complicador, como reconhece o vice Mourão, é a falta de canais com o governo e as instituições venezuelanas. “Estamos sem informações fidedignas, sem ter com quem falar e em quem confiar”, admitiu. Como já dito neste espaço, militares brasileiros olham com desconfiança os venezuelanos, considerados muito vulneráveis à corrupção.

Quanto mais o regime fazia água, mais oficiais iam sendo promovidos e hoje há 1.300 generais, o que seria cômico, não fosse trágico. Essa gente toda está pendurada na PDVSA (a petroleira equivalente à Petrobrás), nos projetos e obras ao longo do Rio Orinoco, em confortáveis embaixadas mundo afora.

Quem sofre é o povo, como sempre na história. A Venezuela virou um bunker de Maduro, enquanto Brasil, Colômbia e Chile, entre outros, quebram a cabeça para intervir sem uso de armas. “Ninguém vai entrar numa canoa furada”, diz Mourão, rechaçando ação militar. Ainda bem, mas só fazer show na fronteira não vai resolver nada. Qual a alternativa?

[Comentário pessoal: A alternativa é a diplomática, sempre! De nada serve encurralar Nicolás Maduro com ameaças, pois quanto mais acuado ele se sentir, mais resistirá! Será necessário oferecer-lhe uma via de saída do poder que não lhe seja, completamente, desfavorável, a bem do povo que sofre e morre! Em seguida, assim que possível, deverão ocorrer eleições para todos os cargos, de presidente até prefeitos, pois o país está passando por uma crise insolúvel de credibilidade! Isso porque, o atual autoproclamado Presidente da Venezuela – Juan Guaidó – não foi eleito para este cargo, na realidade!]

Fonte: O Estado de S. Paulo – Colunista / Política – Domingo, 24 de fevereiro de 2019 – 05h00 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

O que a Igreja deve fazer diante dos abusos?

Entrevista com Valentina Alazraki,
convidada a falar no Vaticano sobre
“a proteção dos menores na Igreja”

Elena Llorente
Página/12
23-02-2019

Convidar uma mulher para falar sobre as feridas da Igreja
é convidar a Igreja a falar de si mesma sobre suas feridas
VALENTINA ALAZRAKI
Jornalista e escritora mexicana que trabalha cobrindo notícias do Vaticano

Ser mulher na Igreja, ter um papel importante, nunca foi fácil. E as mulheres que trabalham para o Vaticano reconhecem isso. Algumas coisas começaram a mudar com o Papa Francisco. E neste encontro internacional sobre abusos sexuais, “A proteção dos menores na Igreja”, que está acontecendo no Vaticano, três mulheres foram convidadas a expor suas reflexões sobre o tema. Uma europeia, uma africana e uma latino-americana. “Convidar uma mulher para que fale não é entrar na modalidade do feminismo eclesiástico (...). Não. Convidar uma mulher para falar sobre as feridas da Igreja é convidar a Igreja a falar de si mesma sobre suas feridas (…) Porque a Igreja é mulher, esposa e mãe”, disse ontem à tarde o Papa Francisco depois que falou a primeira mulher no encontro, a professora Linda Ghisoni. E depois acrescentou: “Trata-se de integrar em nosso pensamento a mulher como figura da Igreja”.

Valentina Alazraki, jornalista e escritora mexicana, correspondente de Noticieros Televisa na Santa Sé, é a latino-americana que interveio na conferência que conta com a participação de 190 bispos, cardeais, freiras e prelados de todo o mundo. Autora de vários livros como Em nome do amor, A luz eterna, Viagem ao coração da fé, México sempre fiel, entre outros, Alazraki, que conversou com Página 12, vive na Itália desde 1974 e é possivelmente a jornalista mulher que fez mais viagens com os pontífices dos últimos decênios: 100 das 104 viagens apostólicas de João Paulo II, todas as de Bento XVI e todas as de Francisco.

Eis a entrevista.

O que você pensa acerca do que está acontecendo no Vaticano sobre o tema dos abusos?

Valentina Alazraki: O que me parece importante é que, pela primeira vez, estão reunidos bispos de todo o mundo para tratar deste tema. Porque, depois de ter falado com bispos de diferentes países, tive a impressão de que a sensibilidade a respeito deste tema é muito diferente, muito variada. Há países onde os bispos tomaram consciência do problema e estão tratando de resolvê-lo. E há nações onde ainda hoje os bispos dizem que não é um problema de seu país. Surgiram centenas de casos em alguns países e, em outros, a Igreja nem sequer assume o problema. Creio que esta diversidade cria graves problemas. Não acredito que num passe de mágica sairão desta reunião no Vaticano crendo que o problema existe em todos os lados. O primeiro passo é que assumam que se trata de um problema global. Se não explodiu é porque não se falou, porque as vítimas não tiveram a coragem de sair para denunciar.

Quais são os pontos que você considera imprescindíveis para um futuro plano de trabalho da Igreja neste âmbito?

Valentina Alazraki: Cada país é diferente. O Vaticano tem normas já elaboradas, mas que não se aplicam ou se aplicam mal. Por isso é necessário o vade-mécum do qual o Papa Francisco falou no primeiro dia do encontro. Assim todos entenderão qual é o procedimento que deve ser seguido. É preciso que se esclareça além de um ponto vital, que é a colaboração com as autoridades civis. É necessário deixar bem claro qual é a responsabilidade do bispo perante a justiça civil. O outro tema é a relação com as vítimas. Se as vítimas não são a prioridade, não saberão como enfrentar o problema. As vítimas não são inimigas da Igreja.
MARCIAL MACIEL - sacerdote mexicano, fundador dos "Legionários de Cristo"
cumprimenta o Papa João Paulo II

Qual é a situação do México em matéria de abusos sexuais?

Valentina Alazraki: No México o grande problema foi Marcial Maciel (fundador dos Legionários de Cristo, acusado de pederastia e de ter tido duas mulheres e filhos e obrigado pelo Vaticano a se retirar para uma vida de oração em 2006. Morreu logo depois). Depois dele vieram à tona casos isolados. O presidente da conferência episcopal mexicana, que se chama Rogelio Cabrera, e que está em Roma, disse que houve 152 sacerdotes afastados do sacerdócio. Mas não se conhecem os nomes. Esta é a ponta do iceberg. Talvez ainda não apareceram todos os casos. Não se sabe nem sequer quantos são porque cada diocese tem sua jurisdição. Uma diocese não sabe nada sobre o que aconteceu na outra, mesmo que pertençam à mesma conferência episcopal. E este é um problema porque cada bispo se resolve diretamente com o Vaticano. Por isso no México se está pedindo que a conferência episcopal tenha uma maior autonomia com relação ao Vaticano. Esta é outra coisa que teria que ser resolvida para poder fazer um mapa da situação em um determinado país.

Depois de todos esses anos de seu trabalho no Vaticano, ficou sabendo de muitas denúncias?

Valentina Alazraki: Não tenho provas de que foram muitas ou poucas. Somente conheci os casos grandes. Mas não tenho elementos para dizer que por trás deles houve outros casos. De qualquer maneira, na Igreja existe um sistema, e no Vaticano também, de cima para baixo, que faz pensar que talvez houvesse mais casos de encobrimento. Mas isto é só uma teoria.

Para você, qual é a medida imediata que o Vaticano deveria tomar?

Valentina Alazraki: Há várias, mas a transparência é uma delas. Nesta crise um dos problemas que temos visto é o da comunicação. Quando não há transparência, as pessoas pensam que todas as acusações são reais, mesmo que não estejam provadas. A credibilidade da Igreja não só tem sido posta em questão pelos abusos e pelos encobrimentos dos abusos, como também pela falta de transparência no momento de comunicar os fatos. Quando se prefere o silêncio, as pessoas pensam que alguém está escondendo algo. Também o quanto antes deve ser esclarecida a relação com a justiça civil.

Traduzido do espanhol por Graziela Wolfart. Acesse a versão original do artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019 – Internet: clique aqui.

Conclusão do encontro sobre abusos na Igreja

Francisco encerra encontro no Vaticano
com promessa de que a Igreja irá
“enfrentar com decisão” os abusos

Joshua J. McElwee
National Catholic Reporter
24-02-2019

O Papa Francisco encerrou sua cúpula com 190 bispos católicos
sobre os abusos sexuais do clero, no dia 24 de fevereiro,
com uma promessa de que a Igreja irá
“enfrentar com decisão” o abuso de menores
PAPA FRANCISCO
preside a missa conclusiva do encontro com os bispos presidentes das conferências episcopais
de todo o mundo - Vaticano, 24 de fevereiro de 2019

Mas também alertou que a instituição global deve evitar “as polêmicas ideológicas e as políticas jornalísticas” que, segundo ele, exploram os escândalos.

Em um longo discurso de encerramento do primeiro encontro desse tipo, com os chefes das Conferências Episcopais do mundo inteiro, o pontífice condenou os abusos na Igreja e fez referências à sua prevalência em outras áreas da sociedade, advertindo contra o fato de a comunidade de fé ser muito radical em sua resposta.

Em um ponto no discurso de meia hora, o papa chamou os clérigos que abusam de crianças de “instrumentos de Satanás” e declarou abertamente que tal comportamento criminoso “contrasta com a sua [da Igreja] autoridade moral e a sua credibilidade ética”.

Em outro ponto, Francisco disse que, ao responder aos abusos, a Igreja deve evitar o que ele chamou de “extremo” do “justicialismo, provocado pela sensação de culpa pelos erros passados e pela pressão do mundo midiático”.

“O objetivo da Igreja será o de escutar, tutelar, proteger e cuidar dos menores abusados, explorados e esquecidos, onde quer que estejam”, prometeu o papa.

Francisco, então, continuou: “A Igreja, para alcançar tal objetivo, deve se colocar acima de todas as polêmicas ideológicas e as políticas jornalísticas que muitas vezes instrumentalizam, por vários interesses, os próprios dramas vividos pelos pequenos”.

Durante a cúpula de quatro dias, o papa e os prelados concentraram suas discussões sobre três temas principais:
1. a responsabilidade,
2. a prestação de contas e
3. a transparência.
Eles também ouviram testemunhos de sobreviventes de abuso e também escutaram um dos sobreviventes tocar violino para eles em uma noite de liturgia penitencial no dia 23 de fevereiro.
"Impressionante decepção" diante do resultado do encontro no Vaticano

Sobreviventes de abusos e seus defensores rapidamente criticaram o discurso de encerramento de Francisco por ter sido curto em detalhes específicos sobre como a Igreja irá combater o abuso sexual.

Anne Barrett Doyle, codiretora do site de rastreamento de abusos BishopAccountability.org, chamou o discurso de “uma impressionante decepção”. Ela acrescentou: “Nós precisávamos que ele oferecesse um plano ousado e decisivo. Ao contrário, ele nos deu uma retórica defensiva e reciclada”.

Medidas

Em um briefing no fim do dia 24 de fevereiro, o padre jesuíta Federico Lombardi anunciou quatro medidas que serão postas em prática após a conclusão da cúpula.

Lombardi, que moderou a cúpula, disse que uma dessas medidas seria a combinação de um novo motu proprio e de uma nova lei para “fortalecer a prevenção e a luta contra os abusos” dentro da cidade-estado do Vaticano.

O jesuíta disse que a Congregação para a Doutrina da Fé também publicará um novo Vademecum, ou manual, para “ajudar os bispos de todo o mundo a entender claramente os seus deveres e tarefas” em relação ao combate aos abusos.

Francisco falou no dia 24 de fevereiro após a missa de encerramento da cúpula no Palácio Apostólico. A homilia da missa foi proferida pelo arcebispo australiano Mark Coleridge, que refletiu sobre como os prelados católicos usaram mal o poder que lhes foi confiado.

“Mostramos muito pouca misericórdia e, portanto, receberemos o mesmo, porque a medida que damos será a medida que receberemos em troca”, disse Coleridge, presidente da Conferência dos Bispos da Austrália. “Nós não ficaremos impunes”.
PAPA FRANCISCO
discursa na missa conclusiva do encontro dos presidentes das conferências episcopais
Domingo, 24 de fevereiro de 2019

Discurso do papa

Antes de abordar diretamente o abuso de crianças por membros da Igreja em seu discurso posterior, Francisco passou os primeiros minutos de seu discurso discutindo o impacto sociológico mais amplo do abuso. Citando um estudo do Unicef de 2017 sobre os abusos em 28 países, ele observou que 9 em cada 10 meninas vitimizadas foram abusadas por “uma pessoa conhecida ou próxima da família”.

O papa, então, falou de casos de abuso cibernético e daquilo que ele chamou de “chaga da pornografia”, que ele disse ser “um fenômeno em constante crescimento”, e do turismo sexual, citando estatísticas da Organização Mundial do Turismo de 2017, segundo a qual três milhões de pessoas viajam a cada ano em busca de relações sexuais com um menor.

“Estamos, portanto, diante de um problema universal e transversal, que infelizmente se encontra em quase toda a parte”, disse Francisco. “Devemos ser claros: a universalidade de tal chaga, embora confirme a sua gravidade nas nossas sociedades, não diminui a sua monstruosidade dentro da Igreja.”

Chegando ao abuso na Igreja, o pontífice disse que “não há explicações suficientes” para os padres que agrediram crianças.

“Devemos reconhecer com humildade e coragem que estamos diante do mistério do mal, que se enfurece contra os mais vulneráveis”, disse o papa.

“É por isso que, na Igreja, atualmente, aumentou a consciência de ter que não só tentar conter os abusos gravíssimos com medidas disciplinares e processos civis e canônicos, mas também enfrentar com decisão o fenômeno, tanto dentro quanto fora da Igreja”, continuou.

O papa disse que, na raiva das pessoas pelo abuso, “a Igreja vê o reflexo da ira de Deus, traído e esbofeteado por esses desonestos consagrados”.
CHARLES SCICLUNA
arcebispo maltês, sub-secretário adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé,
encarregado dos casos de abuso contra menores

Estratégias contra a violência

Francisco encerrou seu discurso com uma referência à iniciativa INSPIRE, da Organização Mundial da Saúde, que propõe sete estratégias para acabar com a violência contra as crianças e, em seguida, apresentou oito pontos que ele afirma que a Igreja se concentrará a partir de agora para desenvolver o seu “itinerário legislativo” sobre os abusos.

1º) O primeiro desses pontos foi uma promessa de que as crianças serão protegidas e de que ocorrerá uma mudança de mentalidadepara combater a atitude defensivo-reativa em salvaguarda da instituição, em benefício de uma busca sincera e decidida do bem da comunidade, dando prioridade às vítimas de abuso em todos os sentidos”.

e 3º) O segundo e terceiro pontos foram um compromisso com a “seriedade impecável” em casos de abuso e com uma “verdadeira purificação” na Igreja.

e 5º) O quarto e quinto pontos consideraram a formação dos padres e o “reforço e verificação” das várias diretrizes de salvaguarda das Conferências Episcopais.

“Nenhum abuso jamais deve ser encoberto, como era habitual no passado, ou subestimado,
pois o encobrimento dos abusos favorece a disseminação do mal e acrescenta mais
um nível de escândalo", disse Francisco.

6º) O sexto ponto referiu-se ao acompanhamento daqueles que sofreram abusos.

e 8º) O sétimo, ao abuso no mundo digital, e o oitavo, ao turismo sexual.

No sétimo ponto, Francisco propôs que as normas da Igreja sobre pornografia infantil devem ser alteradas para elevar o limiar de idade dos menores que aparecem em imagens pornográficas para acima dos 14 anos atuais.

No briefing posterior, no dia 24 de fevereiro, dois dos organizadores da cúpula sugeriram uma nova mudança que Francisco pode estar levando em consideração: livrar-se do uso do sigilo pontifício, ou confidencialidade, em casos de abuso.

O cardeal indiano Oswald Gracias disse que essa é uma reforma para a qual a Igreja “certamente deve olhar”. O arcebispo maltês Charles Scicluna disse: “Não há nenhuma necessidade dessa lei desproporcional, especialmente em relação a casos de abuso sexual”.

Scicluna, que também é secretário-adjunto da Congregação doutrinal, disse que, com a cúpula, a Igreja foi clara para os bispos sobre como ela espera que eles lidem com casos de abuso.

Agora é um ponto muito claro na política da Igreja que o abuso de menores é um crime hediondo, mas o acobertamento também é”, disse o arcebispo. “Não há como voltar atrás. Durante décadas, estávamos nos concentrando no crime. Mas também percebemos que encobrir é igualmente hediondo.”
IR. VERONICA OPENIBO
Superiora das Irmãs do Santo Menino Jesus

Discursos francos e diretos

A sessão final da cúpula sobre os abusos, no dia 23 de fevereiro, foi marcada por discursos francos e diretos aos prelados reunidos. As oradoras foram a Ir. Veronica Openibo, religiosa nigeriana das Irmãs do Santo Menino Jesus, e da jornalista mexicana Valentina Alazraki, que cobriu o Vaticano por cerca de 40 anos.

Openibo, superiora da sua congregação e membro do conselho executivo da União Internacional das Superioras Gerais, com sede em Roma, criticou os padres que apoiavam seus coirmãos acusados em vez das vítimas e expressou sérias preocupações sobre as atuais práticas de formação.

A irmã criticou eloquentemente o que chamou de uma cultura da “mediocridade, hipocrisia e complacência”, que, segundo ela, levou a Igreja a “um lugar vergonhoso e escandaloso”.
VALENTINA ALAZRAKI
Jornalista mexicana que cobre o Vaticano

Alazraki, que fez 150 viagens ao exterior com os papas desde João Paulo II, disse que os profissionais da sua área podem ajudar os bispos a erradicar as “maçãs podres e a vencer a resistência para separá-las das saudáveis”.

Ela também fez uma promessa.

“Se vocês não se decidirem de maneira radical a estar do lado das crianças, das mães, das famílias, da sociedade civil, vocês têm razão em ter medo de nós, porque nós, jornalistas, que queremos o bem comum, seremos os seus piores inimigos”, disse ela aos prelados.

Traduzido do inglês por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão original do artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019 – Internet: clique aqui.