«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A SUJEIRA DA POLÍTICA INTERNACIONAL HOJE

LAURENT LOUIS - Deputado belga
Assista a este impressionante, corajoso e realista
discurso de um deputado da Bélgica
no dia 22 de janeiro de 2013,
no parlamento belga.
O nome deste deputado é Laurent Louis.

São 13 minutos e 45 segundos exemplares!
Vale a pena, sem dúvida!!!

Clique sobre este link para assistir ao vídeo
desse discurso:

Divulgue-o, se desejar! 

Milhares de bolivianos são escravos em São Paulo

LÚCIO DE CASTRO

Em nome de Kevin, Corinthians podia gritar por eles


LÚCIO DE CASTRO - jornalista
A óbvia ideia de que a morte de alguém muito jovem é uma aberração, algo absolutamente sem propósito, absurdo, veio pela primeira vez lá atrás para mim de forma pouco usual. Pelos versos de Ednardo, com seu belo “Pavão Misterioso”, parei pra pensar naquele pedido. “Me poupe do vexame/de morrer tão moço”. O complemento do verso é absolutamente arrebatador: “Muita coisa ainda quero olhar”.

A estupidez de poucos e a omissão de muitos (ou quem sabe de todos nós) não pouparam Kevin Espada de morrer tão moço. Catorze anos. Muita coisa ainda pra olhar...

Nem é preciso repetir o chavão de que nada a ser feito traz essa vida de volta. Mas é possível que muita coisa se faça em nome de Kevin

Aqui já não estão em questão eventuais decisões da justiça, o destino do Corinthians em uma competição, uma eventual punição para o San Jose. Tudo isso deve ser exemplar. Mas é possível ir além, muito além

Alguns pronunciamentos foram exemplares e transpiravam sentimento de nobreza no dia da tragédia. Ainda que a vida e a profissão tenham me ensinado a desconfiar muito de tudo o que se fala diante das câmaras e de bons moços do pau oco com os quais cruzei por esses anos todos e me ensinaram a preferir os gauches, não dava para não se impressionar ou não acreditar nas palavras e posicionamento de Tite, Edu Gaspar e outros. E ainda também que jamais me pareça correto cobrar de alguém gestos que devem ser espontâneos ou naturais, tais posturas me inspiram a pedir algo mais para eles, muito além das decisões esportivas. Junto a eles o zagueiro Paulo André, sujeito de ideias claras e sempre disposto a boas causas, poderia se engajar nisso. 


KEVIN ESPADA - jovem boliviano assassinado
Desde que a notícia explodiu, não paro de pensar na estação de ônibus de El Alto, perto de La Paz. Os ônibus partindo para Oruro, Cochabamba... Kevin deve ter passado naquele pedaço esquecido de mundo quando ia em busca do sonho em ver seu time.

Passei por lá quando fiz o documentário “Escravos do Século XXI”, para mostrar onde eram arregimentados os bolivianos que vinham para o Brasil, onde viram escravos. É isso mesmo, trabalho em regime análogo à escravidão, em pleno século XXI. Em São Paulo. Milhares de bolivianos no auge de sua força. Escravizados. Em Itaquera, no Brás, na Mooca, Pari, Liberdade. Na cara de onde teremos uma Copa do Mundo. Ladeado por escravos. Vi tudo isso e digo: que ninguém pense que falar em escravidão é exagero


Fica o convite para quem tiver dúvida para o link no you tube:
http://www.youtube.com/watch?v=D2TbuieIW1k

Quando uma tragédia dessas acontece, ficamos sempre a pensar no absurdo da morte aos 14 anos. No que um menino desses podia se transformar. Médico, engenheiro, jogador, advogado. Não conheço a história pessoal de Kevin, se é de uma minoria que tem alguma condição para tanto. Assim, sem conhecer, pensando em milhares de jovens de seu país, digo que uma imensa possibilidade para Kevin era tragicamente virar um escravo numa fétida confecção clandestina de São Paulo. Que revenderia o produto de seu trabalho ilegalmente tomado para uma grande corporação. Que em busca dos lucros fingiria não saber de onde vem os frutos da “flexibilização laboral” que alimentam. Milhares de meninos e meninas de La Paz, Cochabamba, Oruro viram escravos aqui. Em pleno século XXI.

Como está no impressionante depoimento de Maria Eugenia (que segue com parte transcrita abaixo) , que conseguiu fugir de uma dessas senzalas e chegou até a Pastoral do Migrante [da Igreja Católica], (cujo trabalho tão maravilhoso nos faz ainda acreditar na espécie) são de jovens do interior como Oruro que os escroques que escravizam mais gostam, pela ingenuidade deles. (O depoimento parece cena de novela das oito e denúncias de tráfico humano mas estão no nosso nariz).

É claro que o exercício de falar em tal destino para Kevin é algo torto. Mas aqui se justifica. Porque me ocorre que algo que daria um pouco de sentido ao que não tem sentido (“nem nunca terá...”), é que alguns desses corintianos tão lúcidos como Tite, Paulo André, Edu Gaspar, viessem a se mobilizar contra a escravidão de bolivianos em São Paulo. Tenham certeza de que muitos deles a essa hora nos porões do Brás, Bom Retiro, Mooca, Pari, Itaquera, se apegaram ao Corinthians. Kevin poderia acabar ali. Cada voz que se levante contra isso, uma faixa entrando em campo contra o trabalho escravo de bolivianos em São Paulo, uma entrevista contra essa aberração... Seria em nome de quem morreu tão moço e não pode olhar muita coisa que queria, como ensinou Ednardo.
Kevin não volta. Mas há muito para se fazer por ele. No futebol e muito além dele
BOLIVIANOS EM OFICINAS DE COSTURA - SÃO PAULO
TRECHOS DO DEPOIMENTO DE MARIA EUGENIA
BOLIVIANA VÍTIMA DE TRABALHO ESCRAVO EM OFICINA DE ITAQUERA

“Eu trabalhava na cozinha em Bolívia, e veio uma senhora, 2, 3 vezes se fez de amiga. Eu ganhava uns 100 reais lá. Ela falou que ia pagar 300 dólares no Brasil. Eu achei que era boa oportunidade. Tenho seis filhos, falei com eles, era boa oportunidade.”

“Disse que ia pagar 350 dólares pra uma filha que viesse, são 650 dólares ao mês. Ela pagou a vacina de febre amarela”

“Pagou as passagens de La Paz”

“Quando entramos na sua casa, apenas passamos pela porta, ela passou o cadeado na porta. Botou o cadeado e eu perguntei. Ela disse que entra muitos ladrões, eu disse tá bom...”

“uma semana, sábado, não podíamos sair, estávamos presas. Trabalhávamos desde às 7 da manha até meia-noite, uma da manhã, quando tinha que se entregar o trabalho. Eu cozinhava pra muitas pessoas. “

“Quando se cumpriu 1 mês, ela não quis me pagar, a despeito deu ter trabalhado. A comida era muito ruim, não me dava coisas pra cozinhar. Me dava um pouco de carne pra 20 pessoas”

“Você tem que ficar 2, 3 meses pra que paguem a passagem, mas fechadas, sem ir a nenhum lugar.”

“Passou o segundo mês, agora me pague. Não que você não tem direito.”

“Em total eram 400 reais, que nós devíamos. Como não podíamos pagar em dois meses?”

“é escravidão; você acorda às 6h30, toma café, as 7h00 está nas máquinas de costura, até às 12h00. Das 12h00 às 12h30, almoço, meia-hora. Na máquina te trazem o café às 17h00. E das 17h00 à meia-noite, está na máquina. Diga-me: o que se chama isso? 

“É escravidão. Não pode imaginar que existem pessoas que vão na Bolívia, botem anúncios na rádio, jornal: 'viaje para Brasil, 400 dólares', e quando chega aqui com essa ilusão, te põe à chave. Isso é muito ruim” 

“Eles fechavam o telefone. Abaixo era a oficina, em cima os quartos”

“Onde eu trabalhava em Itaquera, as mulheres ficavam aqui, os homens aqui. “

“Um banheiro pra 20 pessoas. Um lugar pequeno, você não sabe como é, sofri muito”

“Quando um se resfria, se adoece, todos adoecem. E trabalhando até meia-noite, as costas doem...você não sabe, é muito doloroso pros bolivianos. Eu vi muita dor ali”

“Imagina quem vem do interior, Oruro, outros estados, chegam a La Paz. A esses são os que buscam, os donos de oficinas, os que não estão integrados, por isso eles se calam, abaixam a cabeça”

“Nos trouxeram nós duas. No outro ônibus, trouxeram 5 meninos, 17, 18 anos, 15 anos. Vieram até Santa Cruz [de la Sierra - Bolívia] com a gente, depois passaram por Paraguai. Mas os menores passaram por Paraguai.” 

“Muita gente sofrendo, presa. Mais do que tudo, eles procuram meninos, o que me mais me dói é que eles procuram meninos de 15 anos, 18 anos, 17, 15 anos. É muito ruim, não pode ser...Quando eu voltar a Bolívia, vou fazer uma denúncia, a todos... Eles anunciam nas rádios, na TV, nos jornais, oferecendo 400, 500 dólares...”.

Fonte: ESPN.COM - Esportes - 26/02/2013 - 03h21 - Internet: http://espn.estadao.com.br/post/312377_milhares-de-bolivianos-sao-escravos-em-sp-em-nome-de-kevin-corinthians-podia-gritar-por-eles

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

TUDO SOBRE A RENÚNCIA DO PAPA


Amigos e amigas seguidores deste blog,
organizei o imenso material de notícias que está sendo publicado
na imprensa e na internet sobre a renúncia do Papa Bento XVI,
da seguinte forma:
  • AS PALAVRAS DA RENÚNCIA,
  • EXPLICAÇÕES OFICIAIS SOBRE A RENÚNCIA e
  • REAÇÕES E ANÁLISES DIVERSAS

Para acessar este material acima mencionado
basta clicar neste link aqui:

Além disso, estou registrando, numa outra postagem, as:
PALAVRAS DE BENTO XVI ATÉ SUA DESPEDIDA

São os pronunciamentos que o papa fará até o dia 28 de fevereiro de 2013,
quando deixará o seu ministério e pastor da Igreja Católica.
Para acessar esta seção, basta clicar aqui:

Tudo isso, está sendo atualizado diariamente.
Portanto, não deixe de acessar e acompanhar os
desdobramentos desse gesto histórico de
 Bento XVI!!!

Obrigado a todos(as).

ALERTA: O aumento da violência escolar


Notas & Informações
O Estado de S. Paulo

Repreendido por mau comportamento, um aluno da 6.ª série do ensino fundamental de uma escola pública de Diadema jogou um vaso contra o professor, atingindo-o na cabeça. A agressão ocorreu no ano passado e foi presenciada pela mãe do estudante. O caso resultou em boletim de ocorrência registrado numa delegacia de polícia e, por causa da violência do agressor, que tinha na época 12 anos, converteu-se num dos exemplos mais citados nos estudos de órgãos públicos e fundações privadas da área educacional sobre os fatores responsáveis pelo aumento da violência escolar.

Em 2011, segundo dados do Ministério da Educação, quase 4,2 mil professores de português e matemática da 5.ª e da 9.ª séries da rede pública e privada de ensino fundamental contaram ter sido agredidos fisicamente por alunos dentro das salas de aula, nos corredores ou na saída dos colégios. O número representa 1,9% dos 225 mil docentes que responderam a um questionário anexado à última Prova Brasil. Trata-se de um exame aplicado a cada dois anos nas escolas públicas urbanas pelo Ministério da Educação.

A Prova Brasil faz parte do Sistema Nacional de Avaliação do Rendimento Escolar e seus resultados entram no cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Na Prova Brasil de 2007, 6,6 mil professores afirmaram ter sido agredidos por aluno e outros 1,9 mil testemunharam estudantes portando armas de fogo dentro das escolas. Na Prova Brasil de 2011, mais de 9 mil docentes informaram ter visto estudantes portando facas e canivetes em sala de aula. Pelas estatísticas do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), as agressões aos docentes estão crescendo cerca de 20% por semestre. Entre 2008 e 2011, a entidade recebeu 157 denúncias de agressão, roubo, vandalismo e ameaças de morte em escolas paulistas.

Além dos ferimentos físicos, as agressões geram depressão, síndrome do pânico e estresse pós-traumático nos professores. Para tentar coibir a violência escolar, as entidades sindicais do professorado criaram canais para receber denúncias. Entre 2011 e 2012, o Sindicato dos Professores de Minas Gerais recebeu uma denúncia de violência a cada três dias.

LEILA MARIANO
Desembargadora do Tribunal de Justiça - RJ
Em todo o País, colégios públicos e privados estão oferecendo cursos de conciliação, de mediação e de justiça restaurativa para alunos e professores. Também investem na formação de pedagogos e dirigentes escolares preparados para fomentar o diálogo e aproximar os professores do universo social e cultural dos alunos. No Rio de Janeiro, professores de 150 escolas - entre elas os melhores colégios particulares do Estado, como o Teresiano e o São Bento - participaram de cursos oferecidos pelo Tribunal de Justiça. Para a responsável pelos cursos, desembargadora Leila Mariano, a sentença judicial não basta para atenuar a violência escolar. "Na escola, as relações são continuadas. A professora e o aluno que brigam estão ali no dia seguinte. Se a gente não resolver o problema emocional deles, a questão não vai parar aí", afirma.

Essas medidas, contudo, têm se revelado insuficientes para coibir a agressividade dos alunos e conter a escalada da violência nas escolas. "A violência física é a ponta de um iceberg de outras violências que acontecem e não são tratadas. Ninguém dá um soco do nada. Começa com olhares, xingamentos e empurrões", diz o pesquisador Renato Alves, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, depois de lembrar que as escolas já não se preocupam mais em estimular o bom relacionamento, como no passado. O problema estaria na ênfase excessiva no vestibular, que privilegiou o individualismo em detrimento do estímulo à convivência. "Temos uma educação do século 19 para alunos do século 21, com uma linguagem que não chega aos jovens", afirma Miriam Abramovay, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.

No ensino fundamental, a violência escolar tornou-se um problema tão grave quanto o da má qualidade da educação. E não é só por meio da oferta de cursinhos de mediação que ele será equacionado.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Terça-feira, 26 de fevereiro de 2013 - Pg. A3 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-aumento-da-violencia-escolar-,1001569,0.htm

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Motu Proprio: O Papa deixa aos Cardeais a faculdade de antecipar o começo do Conclave


O vice camarlengo apresenta o texto. 
Pequenos esclarecimentos que são importantes por causa do tema

CARDEAL PIER LUIGI CELATA - vice-camerlengo do Vaticano
Publicamos a seguir a Carta Apostólica em forma de Motu Proprio sobre algumas modificações relacionadas à eleição do Romano Pontífice, do Santo Padre Bento XVI 
e com data do 22 de fevereiro. 

Carta Apostólica em forma de Motu Proprio [trad.: iniciativa própria] sobre algumas mudanças nas normas sobre a eleição do Romano Pontífice

Com a Carta Apostólica De aliquibus mutationibus in normis de electione Romani Pontificis, como Motu Proprio em Roma no dia 11 de Junho de 2007,  terceiro ano do meu Pontificado, estabeleci algumas normas que, revogando aquelas prescritas no número 75 da Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis promulgada no 22 de fevereiro de 1996 pelo meu predecessor, o Beato João Paulo II, re-estabeleceram a norma,  sancionada pela tradição, segundo a qual para a válida eleição do Romano Pontífice é sempre necessária a maioria dos dois terços dos votos dos Cardeais eleitores presentes.

Considerada a importância de garantir o melhor desempenho do que compete, embora com ênfase diferente, à eleição do Romano Pontífice, em particular uma mais certa interpretação e atuação de algumas disposições, estabeleço e prescrevo que algumas normas da Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis e tudo o que eu mesmo dispus na referida Carta apostólica sejam substituídas pelas normas a seguir:

n. 35. "Nenhum Cardeal eleitor poderá ser excluído da eleição seja ativa que passiva por nenhum motivo ou pretexto, permanecendo firme o prescrito no n. 40 e no n. 75 desta Constituição."

n. 37. "Além do mais Ordeno que, a partir do momento em que a Sé Apostólica esteja legitimamente vacante, espere-se por quinze dias inteiros os ausentes antes de começar o Conclave; deixo, no entanto, ao Colégio dos Cardeais a faculdade de antecipar o começo do Conclave se consta a presença de todos os Cardeais eleitores, como também a faculdade de protelar, se existem motivos graves, o começo da eleição por alguns outros dias. Passados, porém, no máximo, vinte dias do começo da Sé Vacante, todos os Cardeais eleitores presentes devem proceder à eleição”.

n. 43. "A partir do momento em que se dispor o começo dos procedimentos da eleição, até o anúncio público da eleição do Sumo Pontífice ou, pelo menos, até quando assim o ordenar o novo Pontífice, os lacais da Domus Sanctae Marthae, como também, e sobretudo a Capela Sistina e os ambientes destinados para as celebrações litúrgicas, deverão permanecer fechados, sob a autoridade do Cardeal Camerlengo e com a colaboração externa do Vice Camerlengo e do Substituto da Secretaria de Estado, às pessoas não autorizadas, como estabelecido nos números seguintes.

Todo o território da Cidade do Vaticano e também a atividade ordinária dos Escritórios que têm sua sede dentro do âmbito deverão ser regulados, por certo período, a fim de garantir a privacidade e o livre desenvolvimento de todas as operações relacionadas com a eleição do Sumo Pontífice. Em particular, se deverá prover, também com a ajuda de Prelados Clérigos da Câmara, que os Cardeais eleitores não sejam abordados por ninguém no percurso da Domus Sanctae Marthae até o Palácio Apostólico Vaticano".

n. 46, parágrafo 1. "Para atender as necessidades pessoais e de ofício relacionadas com a realização das eleições, deverão estar disponíveis e portanto convenientemente alojados em locais adequados, dentro dos limites referidos no n. 43 da presente Constituição, o Secretário do Colégio dos Cardeais, que atua como secretário da assembleia eleitoral; o Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias com oito cerimoniários e duas Religiosas encarregadas da Sacristia Pontifícia; um eclesiástico escolhido pelo Cardeal Decano ou pelo Cardeal que lhe substitui, para que o ajude no próprio ofício."

n. 47. "Todas as pessoas listadas no n. 46 e n. 55, § 2 º da presente Constituição Apostólica, que por qualquer motivo e em qualquer tempo tomassem conhecimento por meio de quem for de quanto direta ou indiretamente diz respeito aos atos próprios da eleição e, de modo especial, ao que se refere ao escrutínio na mesma eleição, estão obrigados a sigilo absoluto com qualquer pessoa fora do Colégio dos Cardeais eleitores: para isso, antes do começo dos procedimentos, deverão prestar juramento na modalidade e na fórmula indicadas no número seguinte.”

n. 48. "As pessoas referidas no n. 46 e no n. 55, parágrafo 2 º da presente Constituição, devidamente avisadas ​​sobre o significado e a extensão do juramento que farão, antes de começar os procedimentos da eleição, diante do Cardeal Camerlengo ou de outro Cardeal delegado pelo mesmo, na presença de dois Protonotários Apostólicos de Número Participantes, no devido tempo deverão pronunciar e assinar o juramento segundo a seguinte fórmula:

Eu, N. N. prometo e juro de observar o segredo absoluto com qualquer pessoa que não faça parte do Colégio dos Cardeais eleitores, e isso para sempre, a menos que não receba uma especial faculdade para isso data expressamente pelo novo Pontífice eleito ou pelos seus Sucessores, sobretudo o relacionado direta ou indiretamente às votações e aos escrutínios para a eleição do Sumo Pontífice.

Prometo também e juro de abster-me de usar qualquer instrumento de gravação ou de audição ou de visão de tudo o que, no período da eleição, acontece no âmbito da Cidade do Vaticano, e especialmente de tudo o que direta ou indiretamente de qualquer forma tem relação com os procedimentos relacionados com a mesma eleição.

Declaro de fazer este juramento, consciente de que uma infração desse vai resultar para mim na pena canônica da excomunhão “latae sententiae" reservada à Sé Apostólica ".

Assim Deus me ajude e estes Santos Evangelhos, que toco com a minha mão. "

n. 49. "Celebradas de acordo com os ritos prescritos o funeral do Pontífice, preparado tudo o que é necessário para o desenrolar regular da eleição, no dia estabelecido, nos termos do n. 37 desta Constituição, para o início do Conclave todos os Cardeais  se reunirão na Basílica de São Pedro no Vaticano, ou em outro lugar segundo a oportunidade e as necessidade do tempo e do lugar, para participar de uma solene celebração eucarística com a Missa votiva pro eligendo Papa. (19) Isso deverá ser feito de preferência nas primeiras horas da manhã, para que à tarde possa acontecer o que está prescrito nos números seguintes da mesma Constituição".

n. 50. "Da Capela Paulina do Palácio Apostólico, onde estarão recolhidos em hora conveniente da parte da tarde, os Cardeais eleitores com hábito coral irão em procissão solene, invocando com o canto do Veni Creator a assistência do Espírito Santo, à Capela Sistina do Palácio Apostólico, lugar e sede do processo eleitoral. Participarão da procissão o Vice Camerlengo, o Auditor Geral da Câmara Apostólica e dois membros de cada um dos Colégios dos Protonotários Apostólicos de Número Participantes, dos Prelados Auditores da Rota Romana e dos Prelados Cléricos da Sala”.

n. 51, parágrafo 2. "Portanto, será responsabilidade do Colégio dos Cardeais, trabalhando sob a autoridade e a responsabilidade do Camerlengo adjunto da Congregação particular da qual no n.7 da presente Constituição, que, dentro de tal Capela e dos locais adjacentes, tudo esteja previamente disposto, também com a ajuda de fora do Vice Camerlengo e do Substituto da Secretaria de Estado, de modo que a regular eleição e a confidencialidade da mesma sejam tuteladas."

n. 55, parágrafo 3. "Se qualquer violação desta norma acontecesse, saibam os autores que sofrerão a pena de excomunhão latae sententiae reservada à Sé Apostólica".

n. 62. "Abolidos os modos de eleição chamados per acclamationem seu inspirationem e per compromissum, a forma de eleição do Romano Pontífice será daqui pra frente unicamente per scrutinium.  

Estabeleço, portanto, que, para a válida eleição do Romano Pontífice seja necessário ao menos dois terços dos sufrágios, computados com base aos eleitores presentes e votantes.”

n. 64. "O procedimento do escrutínio acontece em três fases, a primeira das quais, que pode ser chamada pré-escrutínio, compreende: 1) a preparação e a distribuição das cédulas pelos Cerimoniários – chamados na Sala junto com o Secretário do Colégio dos Cardeais e com o Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias – que entregarão ao menos duas ou três a cada um dos Cardeais eleitores; 2) o sorteio, entre todos os Cardeais eleitores, de três Escrutinadores, três encarregados de recolher os votos dos doentes, denominados brevemente infirmarii, e de três Revisores; tal sorteio é feito publicamente a partir do último Cardeal Diácono, que extrai a seguir os nove nomes daqueles que deverão realizar tais tarefas;  3) se no sorteio dos Escrutinadores, dos Infirmarii e dos Revisores, saem os nomes dos Cardeais eleitores que, por doença ou outro motivo, estão impedidos de realizar tais tarefas,  sejam retirados no lugar deles os nomes de outros sem impedimentos. Os primeiros três sorteados serão os Escrutinadores, os segundos três Infirmarii, os outros três Revisores”.

n. 70, parágrafo 2. "Os escrutinadores somam todos os votos que cada um deu, e se ninguém alcançou ao menos os dois terços dos votos naquela votação, o Papa não foi eleito; se porém, um tiver obtido ao menos os dois terços, tem-se a eleição do Romano Pontífice canonicamente válida".

n. 75. "Se as votações a que se referem os nn. 72, 73 e 74 da mencionada Constituição não tiverem êxito, seja dedicado um dia à oração, à reflexão e ao diálogo; nas seguintes votações, observada a ordem estabelecida no n.74 da mesma Constituição, terão voz passiva somente os dois nomes que no precedente escrutínio tinham obtido o maior número de votos,  nem se poderá renunciar da disposição que para a válida eleição, também nestes escrutínios, é pedida a maioria qualificada de ao menos dois terços de sufrágios dos Cardeais presentes e votantes. Nestas votações, os dois nomes que têm voz passiva não tem voz ativa”.

n. 87. "Acontecida canonicamente a eleição, o último dos Cardeais Diáconos chama na sala da eleição o Secretário do Colégio dos Cardeais, o Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias e dois Cerimoniários; portanto, o Cardeal Decano, ou o primeiro dos Cardeais por ordem e antiguidade, em nome de todo o Colégio dos eleitores pede o consenso do eleito com as seguintes palavras: Aceitas as tua eleição canônica como Sumo Pontífice? E apenas recebido o consenso, pede-lhe: Como queres ser chamado? Então o Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, com função de notário e tendo dois Cerimoniários por testemunhas, redige um documento sobre a aceitação do novo Pontífice e o nome escolhido por ele”.

Este documento entrará em vigor imediatamente após a sua publicação no L'Osservatore Romano.

Decido isto e estabeleço, não obstante qualquer disposição em contrário.

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 22 de fevereiro, no ano de 2013, o oitavo do meu Pontificado.

Benedictus PP XVI

Tradução do ZENIT.

Fonte: ZENIT.ORG - 25 de fevereiro de 2013 - Internet: http://www.zenit.org/pt/articles/motu-proprio-o-papa-deixa-aos-cardeais-a-faculdade-de-antecipar-o-comeco-do-conclave?utm_campaign=diarioportughtml&utm_medium=email&utm_source=dispatch

GERAÇÃO RITALINA

ROSELI FISCHMANN*


Crianças agitadas e "impossíveis" são mensageiras das agitações e
impossibilidades dos pais nelas refletidas
ROSELI FISCHMANN

O aumento do consumo de ritalina e congêneres sinaliza como a medicalização de crianças e adolescentes, em substituição a processos educacionais mais plenos, tem sido um caminho “confortável” para famílias, escolas e sociedade, apesar de ser apenas aparente solução para situações vividas.

Em nada auxilia o trabalho educativo dos pais, o que se verifica nas estruturas domésticas, qual seja, a passagem dos sistemas tribais (em que todos são responsáveis por todas as crianças do clã, vivendo em amplos espaços compartilhados) para sistemas de unidades familiares (alojadas em imóveis urbanos exíguos). Mesmo se não pensarmos em clãs, há o fato de essas famílias nucleares serem cada vez menores, contrapondo-se ao tempo não tão remoto em que a família era maior, com ascendentes convivendo proximamente, assim como agregados diversos.

O aumento da expectativa de vida e a ampliação das possibilidades de participação socioeconômica trazem situações novas. Avôs e avós estão no mercado de trabalho, sendo muitas vezes responsáveis pelo sustento familiar. Não há mais a figura da vovó velhinha contando histórias e fazendo bolinhos de chuva para os netos, sendo assim um apoio afetivo e emocional à formação.
A criação e a educação dos filhos sobre os efeitos dos diversos tipos de pressão que vivem os pais, em ambientes cada vez mais competitivos, extrapolam o âmbito profissional. São pressões que se espraiam pela imagem propiciada por bens de consumo e usufruto de serviços, somadas ao ritmo acelerado pelo uso das tecnologias de informação, que também reformulam o conceito de tempo, agora composto com um espaço desdobrado em muitos (o presencial, o virtual instantâneo, o virtual latente, etc.).

Toda essa agitação em que vivem os adultos reposiciona as crianças na vida familiar. Espera-se que a criança seja responsável por resultados e por compor parte da imagem de perfeição. É quando se insinua a tentação de lidar de modo mais “eficaz” com a “indisciplina” da criança. Se a preciosa espontaneidade infantil traz situações de “bagunça” doméstica, e suas habilidades motoras, em desenvolvimento, pedem amplidão para exercitar-se e acabam por precisar se acomodar ao espaço disponível, não é o caso de imediatamente rotulá-las como “problemáticas” e “hiperativas”, buscando o médico e a prescrição de drogas que as “ajustem”.
Uma criança é uma vida em desenvolvimento, com necessidades diversas e ritmos próprios. Ela precisa da interação com adultos para conhecer limites e possibilidades - e não para receber a camisa de força de expectativas impróprias que apenas fazem transbordar as pressões vividas pelos pais. A individualidade de cada criança e adolescente não é indício de individualismo, mas de sinais que indicam direções necessárias para que possam se formar como seres íntegros, participativos na família e na sociedade, críticos e colaborativos, produtivos e felizes.

Para trazer um paralelo com as pressões sobre os adultos, no livro Por que a Psicanálise? a francesa Elizabeth Roudinesco, psicanalista lacaniana e historiadora da cultura, afirma que nosso tempo colocou a depressão no lugar que foi antes ocupado por outras doenças - como a tuberculose no século 19. Isto é, como mal do século, voltando-se para desenvolver drogas que propiciem lidar com a dor sem enfrentar o que a provoca.

Elizabeth Roudinesco aponta como essa eliminação medicamentosa da dor pode ser um modo de aumentar a alienação. Abrandar artificialmente a dor acomoda e conforma aqueles que, talvez exatamente pelo espírito crítico e inquieto, mais estejam propensos à depressão. E isso os anula. A autora ressalta: expressar-se, verbalizar a dor, debater até encontrar a fonte do incômodo, isso sim propiciaria o sentimento de “preciso fazer algo a respeito”, o que ajudaria a mudar as bases sociais que concorrem de modo tão intenso e extenso para a depressão. No caso das crianças que não se enquadram em casos clínicos, mas que vão de roldão, o uso de drogas é menos e pior que um paliativo. Porque caberia perguntar: paliativo para o quê?

A educação de crianças e adolescentes tem na autonomia um de seus fins mais inquestionáveis e decisivos, amparada em capacidade crítica e reflexiva, bem como na responsabilidade pelas escolhas que se faz. Autonomia não significa isolamento ou egoísmo. Ao contrário, exige a plena assunção da alteridade, da vida com os outros, que são a outra face que se impõe eticamente e nos indica até onde podemos ir, com o que podemos contar, o que devemos respeitar, concordando ou não, apreciando ou não.

Já a heteronomia, ou seja, a definição dos próprios atos e atitudes por outrem, está fora do horizonte educacional. Um dos maiores equívocos em relação à disciplina é supor que a determinação a partir de fora possa ser positiva para uma criança. Embora rotina e normas que se deve cumprir sejam parte indispensável da formação da criança, a autodisciplina tem valor insuperável. Por isso, educar é trabalhoso e exige disponibilidade, atenção e abertura para o ser da criança. Educar uma criança é também educar-se, porque gera oportunidades de desenvolvimento para o próprio adulto que não se apresentam em outras situações. O reconhecimento do ganho do processo educativo também para os pais, exatamente por todo o trabalho que exige, é o maior apoio que se pode ter.


Finalmente, mesmo para um mundo imerso nas expectativas do que se espera que um filho ou uma filha possa atingir, vale lembrar o pensamento do prêmio Nobel de Medicina e um dos criadores da etologia, o estudo do comportamento animal (o ser humano aí incluído), Konrad Lorenz, no livro A Demolição do Homem. Ao indicar que ética e amor devem ser os pilares para a criação de crianças desde a mais tenra idade, Lorenz traz o tema da curiosidade. Afirma que muito frequentemente famílias e escolas podam radicalmente a curiosidade das crianças, como se fosse inadequada. Até pelo modo de os pequenos muitas vezes, involuntariamente, saírem-se com perguntas que causam constrangimento. Lorenz afirma que a curiosidade é a base do amor e do pensamento científico. Sabe-se que, para a ciência, propor questões é fundamental, e para isso, há que se olhar o mundo com olhos sempre novos. E como se liga a curiosidade ao amor? Lorenz lembra que um dos mais claros indícios de interesse afetivo por alguém é a imensa vontade de saber mais sobre aquela pessoa, dos aspectos mais simples (residência, idade, lugares que frequenta, etc.) aos mais complexos (opiniões, histórias e vivências). Esse interesse é, de fato, curiosidade. E, sem poder expandir e expressar essa curiosidade, o amor não se apresenta, nem se desenvolve.

Assim, as crianças agitadas e tomadas como “impossíveis” podem ser exatamente as mensageiras das agitações e impossibilidades parentais, nela refletidas, que pedem atenção com os adultos. Como podem ser também mensageiras de toda curiosidade que têm e nelas se agita, enquanto traz consigo todas as possibilidades de amor e conhecimento que se concretizarão, bem encaminhadas a energia, a disposição e a curiosidade, em vez de sufocadas por um medicamento que as fará, sim, “obedientes”, mas ao custo de homogeneizar friamente o que apenas pede crescimento, luz e calor.

* ROSELI FISCHMANN É COORDENADORA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO E DOCENTE DA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA USP. 

Fonte: O Estado de S. Paulo - Supl. ALIÁS - Domingo, 24 de fevereiro de 2013 - Pg. J5 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,geracao-ritalina,1000603,0.htm

CÉREBRO: quem dera fosse simples assim

Entrevista com António Damásio*

Mônica Manir


"Mapear o cérebro é muito mais complexo do que foi o projeto do genoma humano", 
afirma neurocientista português

DR. ANTÓNIO DAMÁSIO - neurocientista
Não sem razão, António Damásio se anima com a última sobre o cérebro: o governo americano pretende investir, nos próximos dez anos, pelo menos US$ 3 bilhões no mapeamento da nossa massa cinzenta. Obama fez o anúncio, e agora o Congresso precisa aprovar o que está sendo chamado de Brain Activity Map. Mas a empolgação maior do renomado neurocientista português, nesta entrevista que deu ao Aliás a partir de Los Angeles, foi com seus próprios projetos.

Ele tem pesquisado, por exemplo, sobre a base dos sentimentos, como se pode atestar em recente estudo seu publicado na revista Nature Reviews Neuroscience. Também quer saber de que forma o cérebro pode apreciar e gerar música, e para isso tem uma equipe no Brain and Creativity Institute [trad.: Instituto do Cérebro e da Criatividade], criado por ele e por sua mulher, Hanna Damásio (também neurologista), na Universidade do Sul da Califórnia. Numa multiplataforma de ação - porque tudo hoje é multiplataforma -, ainda finaliza um livro a respeito da evolução da vida e da criação das culturas. “É a maneira como a cultura é construída no seu princípio a partir de aspectos biológicos, nomeadamente aspectos que têm a ver com cérebro”, explica. Damásio, em suma, está a revolucionar de novo, a inverter lógicas, a aprimorar conceitos, como o de que a razão não é tão pura como a maioria de nós pensa ou deseja, mas enredada - para o melhor e para o pior - pela tal base de sentimentos.

Se uma não é água nem a outra é azeite, então que razão e emoção sejam vistas como ingredientes da mesma cepa. Isso ele demonstrou em O Erro de Descartes, publicado em 1995 a partir da observação de pacientes com lesão cerebral e lançado aqui pela Companhia das Letras. Depois vieram O Sentimento de Si, Ao Encontro de Espinosa, E o Cérebro Criou o Homem e O Mistério da Consciência. Radicado há quase 40 anos nos EUA, o lisboeta laureado com os prêmios Pessoa e Príncipe das Astúrias deve vir ao Brasil em junho, quando participará do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento. Damásio por vezes tropeça na língua-mãe, como se percebe na entrevista a seguir, focada no destino das pesquisas cerebrais. Também usou a palavra “nós” quando explicava sobre sua mudança para os EUA. Por isso foi perguntado sobre família e filhos. “Não tenho filhos”, diz. “Meus filhos são os livros.” Todos eles invariavelmente dedicados a Hanna.

O governo dos EUA espera que o mapeamento faça pelo cérebro o que o Projeto Genoma fez pela genética. O senhor acha pertinente comparar um projeto com o outro?

Damásio: Acho pertinente comparar o projeto do genoma com o projeto do mapeamento do cérebro porque ambos têm muito a ver com descobrir essenciais de sistemas biológicos fundamentais. Há no entanto uma grande diferença: o programa do genoma, comparado com o programa do mapeamento do cérebro, é relativamente simples.

Quais as maiores dificuldades a enfrentar no mapeamento do cérebro humano?

Damásio: A maior dificuldade é o fato de o cérebro humano ser extremamente complexo. Por exemplo, os neurônios estão combinados em regiões e sistemas. E são vários bilhões de células, que fazem conexões entre si da ordem dos trilhões. Para que as células funcionem, precisam de uma grande variedade de moléculas, de transmissores químicos, etc. E essas moléculas são também enormemente variadas e levadas a funcionar através da ação de um grande número de genes, que têm diferenças a apresentar em vários componentes do cérebro. O cérebro é ainda o gerador do comportamento. Ele gera nossas ações motoras e aquilo que se passa na nossa mente. De modo que a complexidade de que estamos a falar é de fato extraordinária, como não há nenhuma outra comparável em termos de biologia.

Os procedimentos de pesquisa do cérebro são necessariamente invasivos?

Damásio: Na maior parte dos casos, não. O mapeamento que se faz com scanners de ressonância magnética não é invasivo. A eletroencefalografia não é invasiva. Há numerosas maneiras de estudar o cérebro que não levam de todo à invasão do sítio biológico. E sempre que há qualquer risco para o ser humano, procura-se uma forma de fazer o trabalho em animais de pesquisa.

Qual a importância da nanociência nesse estudo?

Damásio: Há muitos níveis de estudo. E, quando se pesquisa aquilo que se passa numa célula nervosa, há aspectos muito pequenos, microscópicos. Mas não são microscópicos, são ultramicroscópios e tem a ver com o nível nano de estrutura física. É aí que a nanociência tem seu papel.

Acredita que uma década será tempo suficiente para esse mapeamento?

Damásio: A resposta é não. Haverá um certo mapeamento, mas não é possível de todo fazer o mapeamento completo. É preciso avançar com o projeto para que haja energia para depois continuar. E não é possível fazer um prognóstico porque tudo depende de certos aspectos ainda não descobertos, que se podem revelar muito complexos.

Por que a proposta de fechar numa  década? Em janeiro, a União Europeia anunciou um megainvestimento no cérebro que também se estenderia por dez anos.

Damásio: Se apresentassem um programa para sete anos, pareceria curto demais. E se apresentassem para 20 anos, quem vai esperar 20 anos por um resultado? A década não tem nada a ver com a realidade. É puramente uma forma de apresentar o problema.

De imediato, pensa-se nos portadores de Alzheimer e Parkinson como os maiores beneficiários das pesquisas. Essas doenças, ao lado do câncer, são os grandes males do século?

Damásio: É verdade que esses portadores serão grandes beneficiários. Espera-se. Mas, quando você pergunta se Alzheimer e Parkinson são os grandes males do século, juntamente com o câncer, há mais outras doenças para além. Alzheimer e Parkinson são doenças terríveis e cada vez mais frequentes porque a população vai envelhecendo, não é? Mas há também os acidentes vasculares cerebrais, a depressão e a drug addiction. Como é que se diz isso em português?

Dependência de drogas.

Damásio: Sim, dependência de drogas. São enormes males também, que só podem ser tratados se soubermos seus aspectos cerebrais.

Acha que está ocorrendo uma banalização da neurociência, como se ela pudesse explicar de questões biológicas a econômicas?

Damásio: Há um enorme interesse em neurociência em todos os locais onde se faz ciência avançada, mas o programa é agora mais intenso porque as pessoas começam a perceber que a neurociência pode trazer enormes vantagens para resolver problemas da humanidade. É um componente da explicação daquilo que é vida, daquilo que é comportamento humano. Mas não explica tudo. É preciso ser posta em contexto, pensar como a neurociência se articula com a psicologia tradicional, com a filosofia, com o entendimento das relações sociais.

Por que a neurociência ganhou tanta notoriedade nos últimos tempos?

Damásio: Porque estamos todos muito corretamente fascinados com aquilo que é nossa mente, nosso comportamento, e a mente e o comportamento são resultado do funcionamento do cérebro. Portanto, quando conhecemos em mais pormenor aquilo que está a passar no cérebro, estamos também a conhecer melhor algumas das coisas que se passam em nosso comportamento.

Todas as emoções têm um mecanismo neural?

Damásio: Sim, é evidente que sim.

E a fé?

Damásio: A fé não é uma emoção. A fé é um estado de crença que tem um componente emocional, mas que não se limita a uma emoção nem a mecanismos neurais.

O senhor é um estudioso da memória. Inteligência e memória estão necessariamente relacionadas? Não raro são vistas inclusive como sinônimos.

Damásio: Muitas vezes são vistas como sinônimos, mas não deveriam ser. Porque se pode ter uma memória extraordinária e não ser de todo inteligente. Mas, quando se pensa na inteligência e na criatividade, é necessário que haja uma boa memória para fornecer dados. A combinação de diferentes memórias permite a criação de novas ideias, novos produtos, que é o mais importante em matéria de inteligência.

A morte encefálica é tida hoje como o critério definitivo para se estabelecer o fim da vida. O senhor acredita que novas descobertas relativas ao cérebro possam mudar esse parâmetro?

Damásio: A morte encefálica muitas vezes acarreta cessação de vida. Mas há numerosos casos em que é possível continuar a vida mesmo após ter cessado a vida do cérebro, no sentido normal do termo. Com novos estudos sobre cérebro, não só é possível saber mais sobre o seu funcionamento como é possível ter novos critérios para esse problema. Isso é uma coisa que acontece com a ciência à medida que progride. Critérios baseados em ciência mais antiga muitas vezes estão corretos, mas outras vezes é preciso que sejam revistos.

* ANTÓNIO DAMÁSIO é neurocientista português e diretor do Instituto do Cérebro e da Criatividade da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Supl. ALIÁS - Domingo, 24 de fevereiro de 2013 - Pg. J4 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,quem-dera-fosse-simples-assim,1000598,0.htm

sábado, 23 de fevereiro de 2013

2º Domingo da Quaresma – Ano “C” – Homilia


Evangelho: Lucas 9,28b-36

Naquele tempo, 
28b Jesus levou consigo Pedro, João e Tiago, e subiu à montanha para rezar. 
29 Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante. 
30 Eis que dois homens estavam conversando com Jesus: eram Moisés e Elias. 
31 Eles apareceram revestidos de glória e conversavam sobre a morte, que Jesus iria sofrer em Jerusalém. 
32 Pedro e os companheiros estavam com muito sono. Ao despertarem, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com ele. 
33 E, quando estes dois homens se iam afastando, Pedro disse a Jesus: “Mestre, é bom estarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Pedro não sabia o que estava dizendo.
34 Ele estava ainda falando, quando apareceu uma nuvem que os cobriu com sua sombra. Os discípulos ficaram com medo ao entrarem dentro da nuvem. 
35 Da nuvem, porém, saiu uma voz que dizia: “Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o que ele diz!”
36 Enquanto a voz ressoava, Jesus encontrou-se sozinho. Os discípulos ficaram calados e naqueles dias não contaram a ninguém nada do que tinham visto.

JOSÉ ANTONIO PAGOLA

ESCUTAR JESUS

Os cristãos de todos os tempos se sentiram atraídos pela cena chamada, tradicionalmente, “A transfiguração do Senhor”. Sem dúvida, àqueles que pertencem à cultura moderna não é fácil penetrar no significado de uma narrativa redigida com imagens e recursos literários próprios de uma “teofania”, ou seja, uma revelação de Deus.

Certamente, o evangelista Lucas introduziu detalhes que nos permitem descobrir, com mais realismo, a mensagem de um episódio que, para muitos, parece hoje estranho e inverossímil. Desde o começo, nos indica que Jesus sobe com seus discípulos mais próximos ao alto de uma montanha, simplesmente, “para orar”, não para contemplar uma transfiguração.

Tudo acontece durante a oração de Jesus: “enquanto orava, o aspecto de seu rosto mudou”. Jesus, recolhido profundamente, acolhe a presença de seu Pai, e seu rosto muda. Os discípulos percebem algo de sua identidade mais profunda e escondida. Algo que não podem captar na vida ordinária de cada dia.

Na vida dos seguidores de Jesus não faltam momentos de clareza e certeza, de alegria e de luz. Ignoramos o que aconteceu no alto daquela montanha, porém sabemos que, na oração e no silêncio, é possível vislumbrar, a partir da fé, algo da identidade oculta de Jesus. Esta oração é fonte de um conhecimento que não é possível obter dos livros.

Lucas diz que os discípulos não compreenderam nada, pois “estavam com muito sono” e somente “ao despertarem”, captaram algo. Pedro somente sabe que ali se está muito bem e que essa experiência não deveria terminar nunca. Lucas diz que “não sabia o que dizia”.

Por isso, a cena culmina com uma voz e uma ordem solene. Os discípulos se veem envolvidos numa nuvem. Assustam-se, pois, tudo aquilo, lhes supera. De fato, daquela nuvem sai uma voz: “Este é o meu Filho escolhido. Escutai-o”. A escuta há de ser a primeira atitude dos discípulos.

Os cristãos de hoje precisamos, urgentemente, “interiorizar” nossa religião se quisermos reavivar a nossa fé. Não basta ouvir o Evangelho de maneira distraída, rotineira e cansativa, sem desejo algum de escutar. Não basta, tampouco, uma escuta inteligente, preocupada somente por entender.

Necessitamos escutar Jesus vivo no mais íntimo de nosso ser. Todos, pregadores e povo fiel, teólogos e leitores, precisamos escutar a Boa Nova de Deus, não a partir de fora, mas de dentro. Deixar que suas palavras desçam de nossas cabeças até o coração. Nossa fé será mais forte, mais alegre, mais contagiante.

PERDIDOS

Segundo os especialistas, um dos dados mais preocupantes da sociedade moderna é a “perda de referências”. Todos podem comprovar isso: a religião está perdendo força nas consciências; a moral tradicional está se diluindo; já não se sabe a ciência certa, quem pode possuir as chaves para orientar a existência.

Muitos educadores não sabem o que dizer nem em nome de quem falar a seus alunos a respeito da vida. Os pais não sabem que “herança espiritual” deixar a seus filhos. A cultura vai se transformando em modas sucessivas. Os valores do passado interessam menos que a informação imediata.

São muitos que não sabem, ao certo, onde fundamentar a sua vida nem a quem acudir para orientá-la. Não se sabe onde encontrar os critérios que possam reger a maneira de viver, pensar, trabalhar, amar ou morrer. Tudo fica submetido à mudança constante das modas ou dos gostos do momento.

É fácil constatar, já, algumas consequências. Se não há a quem acudir, cada um deve defender-se como pode. Alguns vivem com uma “personalidade emprestada”, alimentando-se da cultura da informação. Há quem busque algum sucedâneo nas seitas ou adentra-se no mundo sedutor do “virtual”. Por outro lado, é cada vez maior a quantidade dos que vivem perdidos. Não têm meta nem projeto. Convertem-se em presa fácil de qualquer coisa que possa satisfazer seus desejos imediatos.

Precisamos reagir. Viver com um coração mais atento à verdade última da vida; determo-nos para escutar as necessidades mais profundas de nosso ser; sintonizar com o nosso verdadeiro eu. É fácil que se desperte em nós a necessidade de escutar uma mensagem diferente. Talvez, consigamos um espaço maior para Deus.

A cena evangélica de Lucas adquire um profundo sentido em nossos tempos. Segundo o relato, os discípulos “se assustam” ao ficar cobertos por uma nuvem. Sentem-se sozinhos e perdidos. No meio da nuvem, escutam uma voz que lhes diz: “Este é o meu Filho, o escolhido. Escutai-o”. É difícil viver sem escutar uma voz que traga luz e esperança ao nosso coração.

Tradução do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: MUSICALITURGICA.COM - Homilías de José A. Pagola - Quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013 - 09h13 - Internet: http://www.musicaliturgica.com/0000009a2106d5d04.php

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

SEXO E CARREIRA, AS CHANTAGENS NO VATICANO ATRÁS DA RENÚNCIA DE BENTO XVI

CONCITA DE GREGORIO

Lutas de poder e dinheiro em um relatório secreto com os resultados de uma 
investigação sobre o Vatileaks entregue por três cardeais ao Papa.
Hipotiza-se, inclusive, sobre um lobby gay.
O documento passará às mãos do novo pontífice, o qual deverá ser
suficientemente "forte, jovem e santo"

"Nestes 50 anos aprendemos e experimentamos que o pecado original existe, se traduz sempre em pecados pessoais que podem tornar-se estruturas de pecado. Vimos que no campo do Senhor há sempre joio. Na rede de Pedro se encontram os peixes ruins".
(Papa Bento XVI em 12 de outubro de 2012 )

O Joio. Os peixes ruins. As "estruturas de pecado"
CARDEAL JULIAN HERRANZ - espanhol
É quinta-feira, 11 de outubro, dia de Santa Maria Desolada. É o dia no qual a Igreja recorda o papa João XXIII, cinquenta anos do início do Concílio [Vaticano II]. Bento XVI se aproxima da sacada e, aos jovens da Ação Católica reunidos na praça [São Pedro, no Vaticano], diz assim:
"Cinquenta anos atrás eu estava, como vocês, nesta praça, com os olhos voltados para o alto  observando e escutando as palavras repletas de poesia e bondade do Papa. Éramos, então, felizes. Cheios de entusiasmo, estávamos convencidos que devia vir uma nova primavera da Igreja". Breve pausa. Éramos felizes, no passado. "Hoje a alegria é mais sóbria, é humilde. Em cinquenta anos aprendemos que a fragilidade humana está presente também na Igreja". Que há o joio, existem os peixes ruins.

Ninguém compreendeu, naquela tarde de outubro. Os jovens na praça aplaudiram e choraram a recordação do papa João [XXIII]. Ninguém sabia que, dois dias antes, Bento XVI havia encontrado novamente o cardeal Julian Herranz, de 83 anos, espanhol da Opus Dei, encarregado por ele de presidir a comissão de investigação sobre aquilo que os jornais chamam de Vatileaks. O corvo, o vazamento de notícias, os papéis subtraídos do apartamento do Papa. 

Herranz atualizou Ratzinger com regularidade. Toda semana, em conversa reservada, de abril a dezembro. O Papa recebeu, com crescente apreensão, os resultados da investigação: dezenas e dezenas de entrevistas com bispos, cardeais e leigos. Na Itália e no exterior. Dezenas e dezenas de depoimentos relidos e assinados pelos entrevistados. As mesmas perguntas para todos, depois, entrevistas livres. Controles cruzados. Verificações. Um quadro do qual vinha emergindo uma rede de lobby que os três cardeais dividiram por proveniência de congregação religiosa, por origem geográfica. Os salesianos, os jesuítas. Os lígures, os lombardos. Enfim, naquele dia de outubro, o episódio mais escabroso. Uma rede transversal unida pela orientação sexual. Pela primeira vez a palavra homossexualidade foi pronunciada, lida em voz alta de um texto escrito, no apartamento de Ratzinger. Pela primeira vez foi digitada, mesmo que em latim, a palavra chantagem: "influentiam", Sua Santidade, chantagem indevida.


PETER SEEWALD - jornalista alemão
17 de dezembro de 2012, dia de São Lázaro. Os três cardeais entregam nas mãos do Pontífice o resultado de seu trabalho. São dois volumes de quase trezentas páginas. Duas pastas de capa dura, encadernadas em vermelho, sem título. Sob "segredo pontifício", são guardadas no cofre do apartamento de Ratzinger. Conhece-as, somente, além dele, quem as escreveu. Contêm um mapa exato do joio e dos peixes ruins. As "divisões no corpo eclesial que deturpam o rosto da Igreja", dirá o Papa quase dois meses depois na Homilia da Quarta-Feira de Cinzas. Foi naquele dia [17 de dezembro de 2013], com aqueles papéis sobre a mesa, que Bento XVI toma a decisão a longo tempo meditada. É naquela semana que encontra com o seu biógrafo, Peter Seewald, e, poucas horas depois de ter recebido os três cardeais, lhe diz "sou ancião, basta aquilo que fiz". Quase as mesmas palavras ditas naquela entrevista, depois publicada em Focus, que dirá em fevereiro no consistório pelos mártires de Otranto: "Ingravescente aetate" [trad. idade avançada]. "Nós somos um Papa ancião", já tinha aberto os braços muitas vezes, nos últimos meses, em conversas reservadas.

Portanto, naquela semana antes de Natal, o Papa toma a sua decisão. Com estas palavras, o cardeal Salvatore De Giorgi, um outros dos três investigadores que redigem a "Relationem" [trad.: relatório], presente no momento da renúncia, comenta: "Fez um gesto de força, não de fraqueza. Ele fez isso pelo bem da Igreja. Deu uma mensagem forte a todos  aqueles que estão no exercício da autoridade ou do poder e que se consideram insubstituíveis. A Igreja é feita de homens. O Pontífice viu os problemas e enfrentou-os  com uma iniciativa tanto inédita quanto clarividente". Assumiu sobre si a cruz, enfim. Não desceu dela, pelo contrário. Mas quem são "aqueles que se consideram insubstituíveis?". Ressoam as palavras do Angelus de domingo passado [17 de fevereiro]: é necessário "desmascarar as tentações do poder que instrumentalizam Deus para os seus próprios interesses".

A "Relationem", agora, está ali. Bento XVI a entregará nas mãos do próximo Papa, que deverá ser suficientemente forte, jovem e "santo" - prenunciou - para enfrentar o imenso trabalho que o espera. Está desenhada, naquelas páginas, uma geografia de "influências impróprias" que um homem muito próximo a quem as escreveu descreve assim: "Tudo gira entorno a não observância do sexto e do sétimo mandamento". Não cometer atos impuros. Não roubar. A credibilidade da Igreja sairia destruída pela evidência que os seus próprios membros violam o mandamento original. Estes dois pontos, especialmente. 


CARDEAL SALVATORE DE GIORGI - italiano
Vejamos o sexto mandamento, atos impuros. O Relatório é explícito. Alguns altos prelados sofrem "a influência externa" - nós diríamos a chantagem - de leigos aos quais são ligados por vínculos de "natureza mundana". São quase as mesmas palavras que havia utilizado monsenhor Attilio Nicora, na ocasião, na cúpula do Ior [Instituto para Obras Religiosas - vulgo "Banco do Vaticano"], nas cartas roubadas das secretas salas no princípio de 2012: aquela carta, posteriormente, publicada repleta de omissões para cobrir nomes. Muitos daqueles nomes e daquelas circunstâncias reaparecem no Relatório. Desde eventos remotos, como aquele do monsenhor Tommaso Stenico suspendido após uma entrevista que foi ao ar pela La 7 [TV italiana], na qual relatava encontros sexuais acontecidos no Vaticano. Reemerge a história dos cantores dos quais gostava de se cercar o Cavalheiro de Sua Santidade Angelo Balducci, segundo consta dos registros de uma investigação judicial. 

Os locais dos encontros. Uma casa de campo fora de Roma. Uma sauna em Quarto Miglio [uma localidade na área urbana de Roma]. Um centro de estética no centro [de Roma]. Os próprios cômodos do Vaticano. Uma residência universitária em Via di Trasone [uma rua de Roma], alugada para uma empresa privada e solicitada de volta pela Secretário de Estado Bertone, residência habitualmente utilizada como domicílio romano de uma arcebispo veronês. Menciona-se o centro "Priscilla", o qual, através de notícias da imprensa,  parece ser propriedade de Marco Simeon, o jovem de Sanremo que atualmente está na cúpula da Rai [Rádio e TV estatal italiana] e, anteriormente, indicado por monsenhor Viganò como o autor das notas anônimas sobre sua pessoa. Circunstâncias desmentidas pelos protagonistas aos jornais, mas aprofundadas e retomadas pelo Relatório com abundância de detalhes.
CARDEAL JOSEF TOMKO - eslovaco
Os três cardeais continuaram a trabalhar mesmo depois do dia 17 de dezembro passado. Chegaram até aos últimos fatos relativos ao Ior ["Banco do Vaticano"] - e aqui passamos ao sétimo mandamento - escutando os homens nos quais confia Tarcisio Bertone [Secretário de Estado do Vaticano], a começar de seu braço direito, o poderosíssimo monsenhor Ettore Balestrero, genovês, turma de 1966. Chegaram até a nomeação do jovem René Bruelhart para a direção da Aif, a autoridade financeira do Instituto [Ior].

O terceiro dos cardeais investigadores, Josef Tomko, é o mais ancião e, portanto, o mais influente da tríade. Ratzinger chamou-o para o serviço aos 88 anos. Eslovaco, foi na época de Woijtyla [Papa João Paulo II] o chefe da contraespionagem vaticana. Acompanhou, pessoalmente, a espinhosa questão das contribuições, inclusive econômicas, à causa polonesa como delegado pelas relações com a Europa Oriental. Depois do monsenhor Luigi Poggi, falecido em 2010, foi o último responsável por aquela que, ainda hoje, se chama a Entidade, o "Sodalitium pianum", antigamente, o serviço secreto vaticano formalmente desmontado por Bento XVI, ainda como cardeal Ratzinger. Porque os símbolos e os gestos, em São Pedro [Vaticano], contam bem mais que as palavras, observa quem é muito íntimo às liturgias vaticanas. No último dia de seu pontificado, Bento XVI receberá os três cardeais autores do Relatório em audiência privada. Imediatamente depois, ao lado de Tomko, verá os bispos e fiéis eslovacos em Santa Maria Maior [basílica de Roma]. A sua última audiência pública em 27 de fevereiro, dia de São Procópio o Decapolita, confessor. Depois, o conclave.

Tradução do italiano por Telmo José Amaral de Figueiredo


Fonte: laRepubblica.it - Esteri - 21 de fevereiro de 2013 - Internet: http://www.repubblica.it/esteri/2013/02/21/news/ricatti_vaticano-53080655/?ref=search
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Ior, assim a guerra do dinheiro
envenenou o Vaticano


CONCITA DE GREGORIO

Manobras obscuras e suspeitas de lavagem de dinheiro.
O comando das finanças da Santa Sé está, firmemente, nas mãos dos homens de Bertone.
Aqueles que se opunham à linha foram depostos.

"Tudo gira entorno à não observância do sexto e do sétimo mandamento. Não cometer atos impuros. Não roubar". Este é o núcleo do Relatório [latim: Relationem] que os três cardeais encarregados pelo Papa de investigar sobre o Vatileaks entregaram nas mãos do Pontífice em 17 de dezembro de 2012. O dossiê, dezenas e dezenas de entrevistas, delineia uma rede de relações unida por interesses econômicos, às vezes complicados por chantagem de cunho sexual. Ontem, La Repubblica descreveu os contornos das "influências externas" e das chantagens, hoje encara o coração da questão: o dinheiro. Aquilo que satisfaz as necessidades primárias. O dinheiro. A tentação do poder. Sétimo [mandamento]: não roubar. "Nas tentações está em jogo a Fé. Desejamos seguir o [nosso] eu ou Deus?", pergunta Bento XVI da sacada à multidão a emudecida de São Pedro [Vaticano]. Angelus, dia 17 de fevereiro, São Teodoro de Amasea [Bizâncio], soldado e mártir. O Pontífice, também, é um soldado. "Não temos medo de combater", diz. Indicativo presente [o tempo verbal usado]. Estamos combatendo agora. Nós, Papa.

"No Angelus de domingo faltavam somente os nomes e os sobrenomes. O ato de acusação em relação à estrutura de Poder que corrompe a Igreja era nítido", diz um cardeal que, por muitos anos, trabalhou nas finanças vaticanas, agora muito ancião para participar do Conclave. Recorda que, já em outubro [2012], o Pontífice havia dito que "os pecados pessoais tornam-se estrutura do pecado". A "estrutura do pecado" que o Relatório entregue a Bento XVI revela as articulações é, naturalmente, o Ior [em italiano: Istituto per le Opere di Religione - trad.:  Instituto para as Obras Religiosas]. O Instituto. O banco. De surpresa, o cardeal ancião ilumina, como numa parábola evangélica, um detalhe. "O senhor tem presente os cartões magnéticos do Vaticano? Escutou que, por dois meses, ficaram inutilizados? Bem, pode parecer uma minúcia, mas entre os motivos pelos quais os cartões magnéticos pararam de funcionar existem alguns que determinaram o Papa para o seu gesto". Comecemos pelos cartões magnéticos, então.
CARDEAL TARCISIO BERTONE - Secretário de Estado do Vaticano
No dia 1º de janeiro de 2013 os cartões magnéticos vaticanos pararam de funcionar. As transações, operadas pelo Deutsche Bank [Alemanha], foram bloqueadas pelo Banco Central italiano. O Vaticano, Estado extracomunitário [fora da União Europeia], tem uma "estrutura de supervisão e troca de informações inadequada", lê-se no texto da medida. Não respeita as normas contra a lavagem de dinheiro. A comissão encarregada, em 2011, de limpar o Ior, após seis meses de sua posse, foi deposta. Por quem? Pelo Secretário de Estado Tarcisio Bertone, que quis bloquear a troca de informações e a liberdade de inspeção. Ninguém é autorizado a olhar dentro das caixas do Ior. Exceto o próprio Bertone, entende-se com isso, o seu plenipotenciário monsenhor Balestrero e o diretor geral Cipriani, homem-chave de toda a questão. E, então, estamos em pleno Vatileaks. As cartas escritas pelo cardeal Attilio Nicora, chefe da Autoridade de Informações Financeiras (Aif), a Bertone e, para conhecimento, a Sua Santidade [Papa Bento XVI]. As cartas roubadas dos aposentos de Bento XVI. "Mas, não possuem um cofre no Vaticano?", indagou ao ministro Riccardi, o Patriarca de Moscou num recente encontro. Não sabia, o Patriarca, que quem fez sair as cartas estava, na realidade, fazendo uma cortesia ao papa Bento. Estava colocando em condições de combater. Vejamos a guerra qual é.


CARDEAL ATTILIO NICORA
Princípio de 2012. Nicora [cardeal] escreve a Bertone que a ideia de restringir as normas anti lavagem de dinheiro é uma péssima ideia. Naquele momento, trabalhava com ele para a reabilitação do Instituto, em várias tarefas e níveis, um grupo de banqueiros e juristas católicos, entre os quais, Gotti Tedeschi, presidente [do Ior], De Pasquale e Pallini da cúpula da Aif. Seis meses depois, a equipe é desmantelada. [Cardeal] Nicora não é confirmado no cargo. Pallini retorna ao sistema bancário italiano. De Pasquale assume outro encargo. No lugar de Gotti Tedeschi, assumie o posto de presidência ad interim o alemão Hermann Schmitz, alemão nascido no Brasil, ex-diretor executivo [CEO] do Deutsche Bank. As finanças vaticanas são controladas pelo Secretário de Estado. O delegado para as relações com o Ior, monsenhor Balestrero, é o seu pupilo. 

Os seus homens são o cardeal Giuseppe Versaldi, chefe da Prefeitura de Assuntos Econômicos (também ex-comissário do Idi - Istituto dermopatico dell'Immacolata, da congregação Filhas da Imaculada Conceição - de Roma, à beira da falência) e o savonense Domenico Calcagno, administrador do patrimônio da sé apostólica, a Apsa, com excelentes relações com Cipriani. Todas da Ligúria, Versaldi somente vercelense. Dá-se posse ao luxemburguês Renè Bruelhart. O argumento de que um banqueiro de um paraíso fiscal não seja apropriado para o combate à lavagem de dinheiro é recusado. Ascende à Aif [Autoridade de Informações Financeiras] a estrela do genro de Antonio Fazio [ex-presidente do Banco Central italiano], o jovem Di Ruzza. Brilha sobre todas a estrela do diretor geral do Ior Paolo Cipriani, homem de Geronzi, ex-diretor da filial do Banco di Roma de Via della Conciliazione [avenida em frente ao Vaticano]. Mesmo a geografia tem o seu porquê nesta história. Cipriani é o único a conhecer o que existe no ventre negro do Ior ["Banco do Vaticano"]. Gotti Tedeschi dirá aos juízes não conhecer os balanços. Os banqueiros leigos jamais tiveram acesso aos papéis. "Por aquilo que sabemos - diz um deles - no caixa do Ior poderia haver dinheiro de Bin Landen e di Riina [mafioso italiano influente]. Solicitamos os dados, não no-los forneceram jamais". 


CARDEAL GIUSEPPE VERSALDI
O macanismo é este. No Ior podem abrir contas correntes, que se chamam "fundos", somente religiosos, institutos religiosos e cidadãos do Vaticano. São cerca de 25 mil. Cada um deles, porém, pode delegar para operar suas contas quem quiser, sem limites no números de procurações e sem que exista registro dos representantes. Isto é: o pároco de Santa Severa, titular da conta, pode, em hipótese, delegar um homem de Provença para movimentar os capitais. Somente Cipriani sabe o sabe, diante da solicitação de verificação não há resposta. A resposta, a quem pediu para ver o elenco dos delegados, foi sempre "estamos informatizando o sistema". Portanto, é claro que qualquer um pode "lavar" o seu dinheiro no Ior. Da política à criminalidade, até o mundo das finanças. Fixemo-nos nos papéis do Relatório (Relationem). 
Falemos dos "ladrões de galinha".

Numa reunião no dia 13 de março de 2012, em San Rodrigo di Cordova, encontram-se na casa de Bertone Nicora,  chefe da autoridade de controle, os seus colaboradores leigos De Pasquale e Pallini, o diretor geral Cipriani e outros dirigentes. Controladores e controlados juntos. Cipriani e o seu vice Massimo Tulli estão sendo investigados devido a um movimento de 23 milhões [de Euro] operado pelo Credito Artigiano [banco italiano] e Banca del Fucino [outro banco italiano] para o JP Morgan [banco norte-americano]: dinheiro para o exterior que não se sabe da quem vem nem para quem vai. Uma das pessoas presentes sugere que "seria bom autorizar o judiciário investigar quatro casos menores, daríamos, assim, a impressão de começar a colaborar". Bertone e Balestrero se convencem disso. Os casos menores são padre Salvatore Palumbo da paróquia de San Gaetano, Emilio Messina da arquidiocese de Camerino, o catanes Orazio Bonaccorsi, padre Evaldo Biasini, chamado de "don Bancomat" [trad.: "padre cartão magnético"], e investigado no processo de Perugia sobre os "Grandes eventos da Proteção Civil". Tomemos um caso, aquele de padre Palumbo. São depositados no Ior, por uma filial do banco Barclays, 151 mil euros com o motivo "Doação para a restauração de convento". Deposita-os Giulia Timarco, com precedentes de fraude ao dano de seguradoras. A investigação apura que o dinheiro chegou até Timarco por meio de Simone Fazzari, embusteiro ligado a Ernesto Diotallevi, uma vez, homem de confiança de Pippo Calò nos tempos da quadrilha da Magliana, processado e absolvido pelo homicídio de Calvi. Fazzari obtém os 151 mil euros fraudando a Ina Assitalia [empresa de seguros]: simula um falso acidente com uma Ferrari de corrida. Estes são os ladrões de galinha, sob a sombra de Pippo Calò.


PAOLO CIPRIANI
Não consta que, até o momento, alguma colaboração ao judiciário tenha sido fornecida. A investigação sobre Cipriani e Tulli,  também envolvido Gotti Tedeschi, continua com fadiga.   No meio tempo, a fábrica de venenos vaticana faz circular os papéis relativos ao "buraco" de Don Paglia. Balestrero, sabe-se, é homem por demais estimado pelo ex-primeiro ministro Berlusconi. Paglia, ao contrário, é um expoente da "esquerda eclesiástica". No Relatório, fala-se de 18 milhões de débitos que o bispo acumulou na diocese de Terni: 15 milhões de débitos bancários para a reforma do patrimônio imobiliário, 3 milhões de empréstimos às paróquias. A estrutura de comando de Bertone [cardeal] deixa vazar informações que colocam no mesmo molde direita e esquerda vaticana: todos culpáveis nenhum culpado. No entanto, porém, o sistema bancário faz terra arrasada entorno ao Ior. As novas normas contra a lavagem de dinheiro de 2011, aquelas que o Instituto evitou, muito bem, assumir, impedem de trabalhar com o Vaticano. Está em dificuldade, até, Unicredit (ex-Capitalia, ex-Banca di Roma, para retornar a Geronzi) que sempre teve a delegação de emitir cheques pelo Ior

Nestas condições de opacidade, torna-se difícil. "Mesmo Bin Laden poderia ter dinheiro no Instituto". Até as máfias, mesmo a política de suborno (it.: tangenti), mesmo Finmeccanica [indústria bélica italiana] e Mps. Uma grande lavadora, o ventre obscuro dos interesses temporais. O dinheiro, o Poder. A "tentação a combater", dizia o Papa no Angelus, sem mencionar nomes e sobrenomes, mas quase. Um Papa ancião. O qual não tem forças para enfrentar, sozinho, uma estrutura de poder interna e externa ao Vaticano. Que tem somente um instrumento para lutar a batalha em nome de Deus, contra o eu. Aquela descrita no Angelus. Tem somente, como munição nesta guerra, a si mesmo.

Tradução do italiano por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: laRepubblica.it - Esteri - 22 de fevereiro de 2013 - Internet: http://www.repubblica.it/esteri/2013/02/22/news/soldi_ior-53146070/?ref=HRER1-1