«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Prefeitura veta, mas Rodoanel vai ter atalho para marginal

JOSÉ BENEDITO DA SILVA
DE SÃO PAULO


Mesmo contrariando parecer do município e sob oposição de ambientalistas, Estado obtém licença do trecho norte

Obra de R$ 6,1 bi, que margeará a Cantareira, prevê desmatamento e a retirada de 2.000 famílias, entre outros 

Sob protesto de ambientalistas e contrariando o veto da Prefeitura de São Paulo a um atalho para a marginal Tietê, o Conselho Estadual do Meio Ambiente concedeu ontem licença prévia para o trecho norte do Rodoanel, a maior obra viária do governo Geraldo Alckmin (PSDB).

Foram 23 votos favoráveis à obra, mas todos os sete representantes de ONGs ambientalistas votaram contra.

A rodovia terá 44 km, custará R$ 6,1 bilhões e conectará o trecho oeste à via Dutra, margeando por 20 km a serra da Cantareira, um dos principais mananciais da capital.

Do caminho serão retiradas 2.000 famílias, 343 indígenas e o equivalente a 140 campos de futebol de vegetação. Uma centenária paineira em Guarulhos, porém, levou ao desvio do traçado.

A licença manteve a ligação com a marginal Tietê por meio da avenida Inajar de Souza, na zona norte, contrariando pedido da prefeitura.

Por ser uma via expressa, o Rodoanel tem apenas cinco saídas, três para outras rodovias. As demais dão acesso à marginal - uma é a da Inajar de Souza, com 7 km; a outra, pela avenida Raimundo Pereira Magalhães, tem 14 km.

A prefeitura teme que o atalho da Inajar cause adensamento populacional, danos ambientais e impacto negativo no tráfego da marginal. "A ligação é contraditória com a própria finalidade básica que justifica a implantação do trecho norte", diz o secretário do Verde e do Meio Ambiente, Eduardo Jorge.

Para a Dersa, uma das vantagens do Rodoanel continua sendo "o alívio no tráfego da marginal", ao retirar veículos de passagem pela capital. O acesso pela Inajar, afirma, ampliaria esse benefício ao oferecer aos moradores da populosa zona norte acesso direto a rodovias do entorno.

A obra deve reduzir o volume médio de tráfego da marginal em 13% até 2039, mas elevar o da Inajar em 40%.

Para o presidente da Dersa, Laurence Casagrande Lourenço, o parecer da secretaria não representa a opinião de órgãos de trânsito da capital nem os estudos viários existentes. "Mas ganhamos tempo para debater."

CRÍTICAS
Segundo Jefferson Rocha de Oliveira, presidente do Instituto Eco-Solidário, o principal questionamento das ONGs é a precariedade das análises sobre o adensamento populacional, as intervenções nos cursos d'água e o impacto social da obra.

"O parecer foi entregue aos conselheiros no dia 22, [véspera de] feriado. Tivemos pouco tempo para analisar."

Fonte: Folha de S. Paulo - Cotidiano - Quarta-feira, 29 de junho de 2011 - Pg. C1 - Internet: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2906201101.htm
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Desapropriações vão começar em julho 

Estimativa é retirar cerca de 2.100 imóveis e remover 2.000 famílias; maioria das moradias é irregular, diz Dersa
Movimento contra o traçado do Rodoanel acha que número pode ser maior; removidos não mudarão de cidade

O próximo passo do governo de SP após obter a licença prévia para o trecho norte do Rodoanel é emitir os decretos de utilidade pública de toda a área, primeira etapa do processo de desapropriação.

Segundo o presidente da Dersa, Laurence Casagrande Lourenço, os decretos serão publicados já em julho. Em seguida, começarão as visitas aos afetados pelas desapropriações e os cadastramentos. "O processo começa pela questão social", afirma.

De acordo com estimativa do estudo de impacto ambiental, serão desapropriados cerca de 2.100 imóveis, entre edificações urbanas, terrenos e construções rurais. Em torno de 2.000 famílias serão reassentadas.

"A maioria vive em situação fundiária irregular", diz, referindo-se a favelas e ocupações em áreas de preservação ambiental ou de risco.

Para o Fórum Contra o Traçado do Rodoanel Norte, que reúne entidades da região, o número tende a ser maior.

Um pedido da Prefeitura de São Paulo atendido pelo Consema foi exigir que as famílias sejam assentadas na cidade onde vivem. Para o secretário do Verde e do Meio Ambiente, Eduardo Jorge, isso vai "inibir a transferência desse passivo social para as cidades do entorno".

Fonte: Folha de S. Paulo - Cotidiano - Quarta-feira, 29 de junho de 2011 - Pg. C3 - Internet: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2906201103.htm

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Alunos brasileiros estão dez anos atrasados em inclusão digital [Mais um triste recorde!]

Jamil Chade
Correspondente em Genebra

Levantamento PISA, publicado pela Unesco e OCDE, 
mostra que somente 53% dos estudantes do País tem acesso à internet 
enquanto a média nos países ricos é maior de 90%

Metade dos estudantes brasileiros está "desconectado" e o País soma uma década de atraso em comparação aos alunos de escolas de países ricos no que se refere ao acesso à computadores e Internet. Se não bastasse, as escolas brasileiras estão entre as piores em termos de acesso de seus alunos à informática, o que pode já comprometer a formação de milhares de jovens.

Esse é o resultado do primeiro levantamento PISA* feito para avaliar a relação entre os sistemas de ensino e a tecnologia. Segundo o documento, elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, as escolas brasileiras não estão equipadas e o País é o último numa lista de 38 sistemas de ensino avaliados quando o assunto é o número de computadores em escolas por alunos.

O Brasil é ainda um dos países mais desiguais em termos de acesso aos computadores e a disparidade continua aumentando.

Apesar de os dados serem de 2009, os pesquisadores acreditam que eles revelam uma imagem da preparação de diferentes sistemas de ensino para enfrentar o século 21 e suas tecnologias. Ela mede o acesso ao computador de um estudante de 15 anos no mundo.

De um total de 65 países avaliados, apenas dez estão em uma situação pior que a do Brasil. Segundo o levantamento, alunos da Romênia, Rússia e Bulgária contam com mais acesso à tecnologia que os brasileiros.

Na média, 53% dos estudantes brasileiro de 15 anos tinham computadores em casa. Há dez anos, essa taxa era de apenas 23%. Apesar do avanço, os números são ainda muito inferiores à média dos países ricos. Na Europa, Estados Unidos e Japão, em média mais de 90% dos estudantes tem um computador em casa.

A taxa de 50% que o Brasil tem hoje é equivalente ao que a média da Europa tinha no ano 2000. O atraso, portanto, seria de dez anos.

Desigualdade
Mas o estudo revela que a média brasileira na realidade esconde uma profunda desigualdade no acesso à informática. Entre a camada mais rica dos estudantes, 86% deles tem computador e Internet em casa. A taxa é equivalente aos estudantes dos países ricos.

Mas entre os estudantes com menos recursos no Brasil, apenas 15% tem a ferramenta. A proporção é bem melhor que o cenário do ano 2000. Naquele ano, apenas 1 a cada 100 estudante pobre tinha acesso ao computador e uma série de iniciativas vez o número subir. Agora, são 15 alunos para cada 100 com acesso. Mas segundo a OCDE, a diferença entre os estudantes ricos e pobres no Brasil é uma das maiores do mundo e continua a aumentar, e não reduzir.

Nos países europeus, a diferença entre as duas classe é de menos de dez pontos percentuais.


Entre os alunos brasileiros que tem computadores, menos de 30% dos mais pobres tem Internet em casa. Nos ricos, eles chegam a 90%.

Escolas
Para Sophie Vayssettes, pesquisadora da OCDE que preparou o levantamento, cabe ao poder público compensar essa disparidade social, dando acesso aos computadores nas escolas. "Muitas famílias não tem renda para ter um computador em casa. Mas políticas devem ser implementadas para permitir uma correção dessa situação e dar esse acesso em locais públicos, como as escolas", disse ao Estado.

Mas, no caso do Brasil, essa política continua frágil. Hoje as escolas tem um computador para cada cinco alunos, taxa considerada como insuficiente. Na média dos países ricos, as escolas tem um computador para cada dois alunos. Na Austrália, o sistema de educação garante um computador por aluno.

Segundo o levantamento, o Brasil é o último em uma lista de 38 sistemas de ensino a garantir acesso ao computador, superado pela Albânia, Indonésia e Bulgária.

O levantamento mostrou que 62% dos alunos brasileiros frequentam escolas com sérios problemas para garantir acesso de seus estudantes aos computadores. Entre a classe mais pobre, 3 de cada 4 está em escolas com sérias deficiências.

"O aprendizado do uso de computadores é primordial para o futuro desses jovens ", disse Sophie. "Estudos mostram que pessoas com conhecimento de informática tem 25% a mais de chance de encontrar um trabalho. Portanto, preparar os alunos aos século 21 é fundamental para qualquer sistema de ensino ", alertou.

Segundo a pesquisadora, não é apenas com o objetivo de encontrar um posto de trabalho que a informática deve ser ensinada na escola. "Cada vez mais, muito do que fazemos está sendo limitado à Internet, como a compra de passagens aéreas. Não ter acesso à computadores também é uma forma de exclusão social ", completou.
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* O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (em inglês: Programme for International Student Assessment - PISA) é uma rede mundial de avaliação de desempenho escolar, realizado pela primeira vez em 2000 e repetido a cada três anos. É coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), com vista a melhorar as políticas e resultados educacionais.

Fonte: ESTADÃO.COM.BR - Educação - Dia 28 de junho de 2011 - 14h45 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,alunos-brasileiros-estao-dez-anos-atrasados-em-inclusao-digital,738029,0.htm
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Computador na escola é mais eficiente se for usado para treinar professor, 
diz OCDE

Da Redação
Em São Paulo 

Um novo levantamento da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), com base no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) 2009, mostra que os computadores das escolas são mais eficientes se utilizados para treinar o professor. O “Resultados Pisa 2009: Estudantes online” quis avaliar como estudantes de 15 anos usam os equipamentos e a internet no aprendizado.

Além disso, mostra o estudo, o impacto nos resultados foi maior nos casos em que o computador estava na casa do estudante e não na escola. De acordo com a OCDE, o equipamento precisa estar integrado aos currículos.

Alunos de 15 anos de 18 países fizeram parte da pesquisa: Austrália, Áustria, Bélgica, Chile, Dinamarca, França, Hungria, Islândia, Irlanda, Japão, Coreia, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Espanha, Suécia, Colômbia e as regiões de Hong Kong e Macau, na China. O Brasil não participou do levantamento.

Na maioria dos países, o resultado dos testes escritos foi basicamente o mesmo dos testes online. Os países onde os alunos se saíram melhor nos testes digitais foram Coreia, Austrália, Nova Zelândia, Suécia e Islândia, além da região de Macau (China). Em todos os locais, as meninas foram melhor que os meninos, principalmente nos testes escritos.

Fonte: Portal UOL - Notícias - Educação - 28/06/2011 - 11h46 - Internet: http://noticias.uol.com.br/educacao/2011/06/28/computador-na-escola-e-mais-eficiente-se-for-usado-para-treinar-professor-diz-ocde.jhtm

DESONESTIDADE É CULTURA [Um "mea culpa" necessário!]

João Ubaldo Ribeiro

Sempre se tem cuidado com generalizações, para não atingir os que não se enquadram nelas. Às vezes o sujeito odeia indiscriminadamente toda uma categoria, mas, ao falar nela e, principalmente, ao escrever, abre lugar para as exceções, os "não-são-todos" e ressalvas hipócritas sortidas. Outros recorrem a gracinhas, como na frase do antigamente famoso escritor Pitigrilli, segundo a qual "as únicas mulheres sérias são minha mãe e a mãe do leitor". No caso presente, decidi que as generalizações feitas hoje excluem todos os leitores, a não ser, evidentemente, os que desejem incluir-se - longe de mim contribuir para aumentar nossa tão falada legião de excluídos.

Antigamente, era muito comum ler ensaios e artigos escritos por brasileiros em que nós éramos tratados na terceira pessoa: o brasileiro é assim ou assado, gosta disso e não gosta daquilo. Em relação a maus hábitos então, a terceira pessoa era a única empregada. O autor do artigo escrevia como se ele mesmo não fizesse parte do povo cuja conduta lamentava. Até mesmo nas conversas de botequim, durante as habituais análises da conjuntura nacional, o comum era (ainda é um pouco, acho que o boteco é mais conservador que a academia) o brasileiro ser descrito como uma espécie de ser à parte, um fenômeno do qual éramos apenas espectadores ou vítimas. Eu não. Talvez, há muito tempo, eu tenha escrito dessa forma, mas devo ter logo compreendido sua falsidade e passei a me ver como parte da realidade criticada. Individualmente, posso não fazer muitas coisas que outros fazem, mas não serei arrogante ou pretensioso, vendo os brasileiros como "eles". Não são "eles", somos nós.

Creio que, feita a exceção dos leitores e esclarecido que estou falando em nós e não em inexistentes "eles", posso expor a opinião de que fica cada vez mais difícil não reconhecer, vamos e venhamos, que somos um povo desonesto. Não conheço as estatísticas de países comparáveis ao nosso e, além disso, nossas estatísticas são muito pouco dignas de confiança. Mas não estou preparando uma tese de mestrado sobre o problema e não tenho obrigação metodológica nenhuma, a não ser a de não falsear intencionalmente os fatos a que aludo e que vem das informações e impressões a que praticamente todos nós estamos expostos.

Claro, choverão explicações para a desonestidade que vemos, principalmente nos tempos que atravessamos, em que a impressão que se tem é de que ninguém é mais culpado ou responsável por nada. Há sempre fatores exógenos que determinaram uma ação desonesta ou delituosa. E, de fato, se é assim, não se pode fazer nada quanto à má conduta, a não ser dedicar todo o tempo a combater suas "causas". Essas causas são todas discutíveis e mais ainda o determinismo de quem as invoca, que praticamente exclui a responsabilidade individual. E, causa ou não causa, não se pode deixar de observar como, além de desonestos, ficamos cínicos e apáticos. Contanto que algo não nos atinja diretamente, pior para quem foi atingido.

Ninguém se espanta ou discute, quando se fala que determinado político é ladrão. Já nos acostumamos, faz parte de nossa realidade, não tem jeito. Alguns desses ladrões são até simpáticos e tratados de uma forma que não vemos como cúmplice, mas como, talvez, brasileiramente afetuosa. Votamos nele e perdoamos alegremente seus pecados, pois, afinal, ele rouba, mas tem suas qualidades. E quem não rouba? Por que todo mundo já se acostumou a que, depois de uma carreira política de uns dez anos, todos estão mais gordinhos e com o patrimônio às vezes consideravelmente ampliado? Como é que isso acontece rotineiramente com prefeitos, vereadores, deputados, senadores, governadores, ministros e quem mais ocupe cargo público?

Os políticos, já dissemos eu e outros, não são marcianos, não vieram de outra galáxia. São como nós, têm a mesma história comum, vieram, enfim, do mesmo lugar que os outros brasileiros. Por conseguinte, somos nós. Assim como o policial safado que toma dinheiro para não multar - safado ele que toma, safados nós, que damos. Assim como o parlamentar que, ao empossar-se, cobre-se de privilégios nababescos, sem comparação a país algum.

Em todos os órgãos públicos, ao que parece aos olhos já entorpecidos dos que leem ou assistem às notícias, se desencavam, todo dia, escândalos de corrupção, prevaricação, desvio de verbas, estelionato, tráfico de influência, negligência criminosa e o que mais se possa imaginar de trambique ou falcatrua. E em seguida assistimos à ridícula, com perdão da má palavra, microprisão até de "suspeitos" confessos ou flagrados. A esse ritual da microprisão (ou nanoprisão, talvez, considerando a duração de algumas delas) segue-se o ritual de soltura, até mesmo de "suspeitos" confessos ou flagrados. E que fim levam esses inquéritos e processos ninguém sabe, até porque tanto abundam que sufocam a memória e desafiam a enumeração.

Manda a experiência achar que não levam fim nenhum, fica tudo por isso mesmo, porque faz parte do padrão com que nos domesticaram (taí, povo domesticado, gostei, somos também um povo muito bem domesticado) saber que poderoso nenhum vai em cana. E é claro que, por mais que negue isso com lindas manifestações de intenção e garantias de sigilo (como se aqui, de contas bancárias de caseiros a declarações de imposto de renda, algo do interesse de quem pode ficasse mesmo sigiloso), essa ideia de esconder os preços das obras da Copa tem toda a pinta de que é mais uma armação para meter a mão em mais dinheiro, com mais tranquilidade. Ou seja, é para roubar mesmo e não há o que fazer, tanto assim que não fazemos. Acho que é uma questão cultural, nós somos desse jeito mesmo, ladravazes por formação e tradição.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Caderno2 - Domingo, 26 de junho de 2011 - Pg. D2 - Internet: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110626/not_imp737022,0.php

terça-feira, 28 de junho de 2011

Concilium ou Communio? Um (futuro) papa na redação

Andrea Tornielli
Vatican Insider
27 de junho de 2011

Communio, a revista teológica nascida em 1974, era uma oficina que forjou boa parte da atual classe dirigente da Igreja: não só Ratzinger, mas também muitos bispos e cardeais.

A iminente nomeação de Angelo Scola [foto ao lado] a arcebispo de Milão, decisão de Bento XVI destinada a incidir consideravelmente no equilíbrio da Igreja italiana e internacional, é a confirmação da estima que o teólogo sempre gozou junto a Ratzinger, como também do fato de que, para alguns postos-chave, na Cúria Romana e nas grandes dioceses, o conhecimento pessoal do pontífice é um elemento destinado a ter influência.

Mas a chegada de Scola à diocese mais importante da Europa atesta, mais uma vez, a importância daquele cenáculo de estudiosos reunidos em torno da revista teológica internacional Communio no início dos anos 1970.

Em 1969, Paulo VI, acolhendo uma proposta do primeiro Sínodo dos Bispos, havia instituído a Comissão Teológica Internacional. Joseph Ratzinger foi chamado a fazer parte dela desde o início e, naqueles anos, se encontrou do lado daqueles que, embora afirmando sem reservas a renovação conciliar, não acreditavam que a Igreja devesse viver em um estado de "revolução permanente".

Em 1965, no momento do encerramento do Concílio Vaticano II, um grupo de teólogos que havia exercido uma notável influência sobre os trabalhos conciliares, havia fundado a revista internacional Concilium, e entre eles estava o próprio Ratzinger. Ele, no entanto, alguns anos depois, já não compartilhava mais com a postura da revista e com o fato de que a elite teológica considerava o Concílio concluído como um canteiro de obras permanente, pisando no acelerador das reformas bem além da letra do Vaticano II.

Assim, a pedido do grande teólogo Hans Urs von Balthasar, no início dos anos 1970, foram postas as bases para uma nova revista, Communio, que se apresenta como um polo de atração para todos os teólogos que se tornaram intolerantes com relação ao radicalismo da Concilium. O nome da revista é significativo: os promotores querem servir à Igreja e promover a comunhão. Entre os fundadores, está também o famoso teólogo jesuíta Henri de Lubac, futuro cardeal.

Ratzinger logo se envolveu naquela que von Balthasar definirá como uma "teia de aranha" de apoiadores internacionais da nova revista. Entre os primeiros a fazer parte dela estão também aqueles que o futuro papa define como alguns "jovens promissores do (movimento) Comunhão e Libertação". Angelo Scola é um deles.

Uma conversa à mesa

Eis como o novo arcebispo de Milão, na época estudante de teologia, recorda o primeiro encontro com Joseph Ratzinger, ocorrido durante a Quaresma de 1971, em Regensburg: "Um jovem professor de direito canônico, dois sacerdotes com menos de 30 anos estudantes de teologia e um jovem editor estavam à mesa, convidados pelo professor Ratzinger, em um típico restaurante nas margens do Danúbio que, em Regensburg, corre nem muito lento, nem muito impetuoso, e por isso pensamos no belo Danúbio Azul. O convite havia sido feito por von Balthasar para discutir sobre a possibilidade de fazer uma edição italiana daquela revista que depois se chamaria de Communio".

"Com o seu trato delicado, gestos comedidos, mas com olhos muito móveis – continua Scola –, Ratzinger nos ilustrava o menu: uma longa sequência de suculentos pratos bávaros... Parecia conhecê-los bem, já que era um habitué do restaurante. Nós, superados o embaraço inicial, como bons latinos, e além disso jovens, nos lançamos em comparações entre menus bávaros e lombardos. Eu me lembro bem que perguntei ao nosso hóspede o que ele nos aconselhava: pacientemente, ele começou a nos ilustrar cada prato da lista, levando-nos a provar mais de um para termos uma ideia da cozinha bávara. Não sem confusão, acabamos, sob o olhar benevolente e o sorriso, talvez um pouco impaciente, do nosso hóspede, a escolher uma vasta e exagerada variedade de pratos. Ratzinger fechou a lista de pedidos dizendo ao garçom algo como 'o de sempre para mim'. O garçom trouxe ao conhecido teólogo uma torrada e uma espécie de limonada. A nossa surpresa beirava o constrangimento. Com um sorriso, desta vez verdadeiramente grande e bem-humorado, o cardeal nos acalmou, exclamando: 'Vocês estão em viagem... Se eu como muito, como posso estudar depois?'. No retorno ao carro, notamos, porém, aquela frase: 'O de sempre'".

Portanto, Bento XVI conhece Scola há 40 anos. Primeiro como colaborador da Communio, depois, a partir da metade dos anos 1980, como colaborador na Congregação para a Doutrina da Fé. A revista começará as suas publicações regulares em 1974, inicialmente em alemão e em italiano, depois em muitas outras línguas, incluindo o polonês, por iniciativa do arcebispo de Cracóvia, Karol Wojtyla.

E se havia sido Paulo VI, nos últimos anos do seu pontificado, que quis nomear alguns ilustres teólogos à liderança de importantes dioceses (o caso de Ratzinger, catapultado, ainda com 50 anos, do ensino universitário à arquidiocese de Munique e, em poucos meses, criado cardeal imediatamente, é o mais conhecido), será o seu sucessor, Wojtyla, que "pescará" da ninhada da Communio muitos expoentes da nova classe dirigente da Igreja, cooptando alguns ao Colégio dos Cardeais. Um caminho percorrido também por Bento XVI, redator da revista, que se tornou papa.

Viveiro da Communio

Além de Scola, ex-reitor da Universidade Lateranense, patriarca de Veneza e agora chefe da diocese ambrosiana, provêm do viveiro da Communio os cardeais alemães Karl Lehmann (bispo de Mainz e ex-presidente da Conferência Episcopal Alemã) e Walter Kasper (presidente emérito do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos), o suíço Eugene Corecco (bispo de Lugano falecido em 1995), o brasileiro Karl Romer (ex-secretário do Pontifício Conselho para a Família), o belga André Mutien Léonard (recentemente nomeado arcebispo de Malines-Bruxelas), o chileno Jorge Arturo Medina Estévez (ex-cardeal prefeito da Congregação para o Culto Divino, que, como protodiácono, anunciou ao mundo a eleição do colega da Communio Joseph Ratzinger), o canadense Marc Ouellet (cardeal prefeito da Congregação para os Bispos), o dominicano austríaco Christoph Schönborn (cardeal arcebispo de Viena).

Em 1992, celebrando o 20º aniversário da revista, o cardeal Ratzinger havia traçado um balanço pessoal e, sem nenhuma autocelebração, havia se perguntado: "Tivemos essa coragem o suficiente? Ou, ao contrário, nos escondemos atrás de erudições teológicas para demonstrar, um pouco demais, que nós também estamos à altura dos tempos? Enviamos verdadeiramente a um mundo faminto a palavra da fé de forma compreensível e que chega ao coração? Ou talvez ficamos, também nós, muito dentro do círculo daqueles que, com linguagem especializada, brincam jogando a bola uns para os outros?".

Tradução é de Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - On-Line - 28/06/2011 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=44764
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Cardeal Scola volta para casa: Milão

Sandro Magister
24 de junho de 2011

É iminente a nomeação do atual patriarca de Veneza a arcebispo de sua diocese natal. 
A história e o retrato de um homem que cresceu na escola de dois grandes mestres: Giussani e Ratzinger

Retornar como arcebispo e cardeal de Milão, na mesma arquidiocese que, 
há 40 anos, não quis nem ordená-lo padre, é uma bela revanche para Angelo Scola

Se tivesse sido decidida coletivamente, pelo alto clero e pela maioria do laicato milanês, sua nomeação jamais teria passado. Menos ainda se Bento XVI tivesse ouvido seu secretário de Estado, o cardeal Tarcisio Bertone. O manso Joseph Ratzinger foi inflexível com relação isso. Um nome, um só nome é que o papa tinha em mente para a maior e mais prestigiada diocese do mundo. E manteve-se firme contra toda oposição.

Bento XVI não entrará para a história como um grande homem de governo. Ele deixou a cúria vaticana como a encontrou, na desordem em que já estava afundada com o seu antecessor Karol Wojtyla, muito mundialista para se ocupar com o jardim de casa. Para as mais altas posições curiais, o Papa Ratzinger se limitou, em seis anos, a pouquíssimas  nomeações, nem todas bem sucedidas, de homens conhecidos por ele pessoalmente. A primeira, a de Bertone à Secretaria de Estado, logo se revelou para o papa como uma fonte mais de problemas do que vantagens. Mas a última, a do cardeal canadense Marc Ouellet a chefe da congregação que avalia e propõe ao papa a nomeação de cada novo bispo, promete dar-lhe mais consolações. Sobre o envio de Scola a Milão, o entendimento foi perfeito entre Ouellet e Ratzinger.

E devia ser assim. A aliança entre os três é antiga, temperada por batalhas comuns. A revista teológica internacional Communio, fundada em 1972 por Ratzinger, Hans Urs von Balthasar e Henri De Lubac, como contrapartida conservadora para o sucesso da revista progressista Concilium, teve justamente em Scola e Ouellet os seus adeptos de primeira hora, e ganhou corpo em Friburgo, na Suíça, na Faculdade Teológica onde o próprio Scola estudava.

Scola havia chegado em Friburgo depois de um percurso tortuoso, ordenado padre aos 29 anos em 1970, não em Milão, a sua arquidiocese natal, mas pelo bispo de Teramo, Abele Conigli, que lhe havia hospedado depois que os seminários milaneses, aos quais Scola havia batido na porta três anos antes de sua graduação em filosofia na Universidade Católica, não lhe haviam deixado entrar por causa da sua militância no Comunhão e Libertação, movimento ao qual o arcebispo de Milão da época, Giovanni Colombo, tinha fortes reservas.

O jovem Scola era um dos rebentos de maior destaque do fundador do Comunhão e Libertação, Pe. Luigi Giussani. Por cerca de dez anos, ele foi o número dois do movimento em Milão, antes e depois do turbulento 1968, antes e depois de se tornar padre. Em 1973, o Pe. Giussani – ele teria escrito em suas memórias – pensou seriamente nele como seu sucessor.

Mas, no ano seguinte, e durante dois anos, Scola sofreu problemas de saúde. E o Comunhão e Libertação deu uma guinada antiburguesa e terceiro-mundista, que não agradou ao Pe. Giussani, e à qual o próprio Scola parecia se comprazer, como chefe naqueles mesmos anos do Istra, Instituto de Estudos para a Transição, onde corajosamente cruzava teologia e teoria política, ciências da linguagem e antropologia, Hosea Jaffe e Samir Amin. Giussani ordenou o fechamento do Istra em 1976 e tomou nas mãos todo o movimento. Desde então, o caminho de Scola continuou sendo marcado pelo pertencimento ao Comunhão e Libertação, mas sem mais cargos operativos.

Com o advento, em 1978, de João Paulo II, um papa amigo, a estrada para o Pe. Giussani e o seu movimento foi aplainada. Scola começou a ensinar teologia em Friburgo. Depois, a partir de 1982, em Roma, na Pontifícia Universidade Lateranense. Em 1986, tornou-se consultor da Congregação para a Doutrina da Fé, da qual o cardeal Ratzinger era prefeito.

Em 1991, foi consagrado bispo de Grosseto. Mas, quatro anos depois, esteve de volta em Roma como reitor da Lateranense, onde fundou e presidiu um Pontifício Instituto João Paulo II para os Estudos sobre o Matrimônio e a Família, com filiais em todo o mundo. Em 2002, foi nomeado patriarca de Veneza e, no ano seguinte, foi criado cardeal. Entrou no círculo dos papáveis, mas, quando o conclave chegou, em 2005, não corre por si mesmo, nem pensa nisso, mas sim pelo seu mestre Ratzinger.

Ratzinger, também como papa, tem uma atenção particular por ele. Quando – raramente – Bento XVI chama cardeais para consultas sobre as grandes questões da Igreja, Scola está entre eles.

De Veneza para o mundo

Veneza é uma pequena diocese com uma grande história mundial, que permite que o seu patriarca trabalhe com um amplo raio de alcance.

Scola fundou ali um "Studium Generale", intitulado a São Marcos, padroeiro da cidade, que se articula em todos os graus do saber, desde a infância até a universidade, com estudantes de muitos países, com cursos em diversas disciplinas e com a teologia que abraça a todas, com sua própria editora.

E depois criou uma revista e um centro cultural internacional intitulado Oasis, que serve de ponte rumo ao Oriente, do Leste Europeu e do Norte da África até o Paquistão, em vários idiomas, incluindo o árabe e o urdu, com forte atenção ao islã e ao cristianismo presente nesses países, com encontros regulares entre bispos e especialistas cristãos e muçulmanos.

De Veneza, Scola lança uma palavra de ordem para definir o encontro entre os povos e as religiões: "mestiçagem". No Oasis, o bispo de Túnis, Maroun Elias Lahham, contesta-a como equívoca e incompreensível para os próprios muçulmanos. Mas o patriarca a mantém firme, a defende. Ao contrário de Ratzinger, Scola não brilha pela clareza conceitual. A experiência de vida, o encontro pessoal com Cristo, dominam nele o argumento da razão, como o Pe. Giussani sempre lhe havia ensinado. Mas essa polivalência expressiva revelou ser, para ele, uma vantagem em nível de opinião pública. Quando contrapõe a "mestiçagem de civilizações" ao depreciado "choque de civilizações", o consenso progressista é seguro. Quando publiciza as iniciativas do Oasis, Scola atrai o consenso dos multiculturalistas. Apesar da sua proveniência de Comunhão e Libertação, e apesar da sua indubitável linha ratzingeriana, Scola goza de boa fama mais do qualquer outro líder eclesiástico italiano, à direita como à esquerda.

Certamente, a vida teria sido mais difícil se, da tranquila Veneza, Scola tivesse sido projetado para o centro da batalha eclesial e política, como presidente da Conferência dos Bispos da Itália. Era esse o local de desembarque que se perfilava para ele, quando, entre 2005 e 2007, foi disputada a guerra de sucessão do cardeal Camillo Ruini como chefe dos bispos. Ruini teria gostado dele como sucessor. Mas, no Vaticano, tanto o antigo quanto o novo secretário de Estado, os cardeais Angelo Sodano e Bertone, eram muito contrários. O segundo, principalmente, fez de tudo para queimar a candidatura de Scola. A sua nomeação, defendia, "dividiria" irreparavelmente o episcopado. Na realidade, teria zerado as ambições de Bertone para que ele fosse o chefe da Igreja italiana na arena política. Finalmente, quanto coube a Bento XVI decidir – porque na Itália é o papa que nomeia o presidente da CEI –, a sua escolha não recaiu sobre Scola, nem sobre o dócil bispo que Bertone queria impor, Benigno Papa, de Taranto, mas sobre o ruiniano Angelo Bagnasco. A nomeação fracassada não desagradou em nada ao cardeal de Veneza.

No horizonte, na verdade, se perfilava, enquanto isso, Milão. Depois de dois episcopados excêntricos como os de Carlo Maria Martini e de Dionigi Tettamanzi, Bento XVI havia se convencido de que havia chegado a hora de estabelecer lá, finalmente, um bispo mais alinhado com a sua própria visão. Na mente do Papa Ratzinger, a candidatura de Scola não tinha alternativas, certamente não aquelas que o secretário de Estado, Bertone, também desta vez muito ocupado para lhe obstaculizar o caminho, havia pensado até o final. A convicção de Ratzinger é a mesma de um outro idoso cardeal de origem milanesa, Giacomo Biffi, segundo a qual, para fazer com que a arquidiocese de Milão retome o reto caminho, é preciso retomar a tradição dos grandes bispos "ambrosianos", de temperamento forte e de orientação segura.

O último deles foi Giovanni Colombo. Isto é, por ironia do destino, precisamente aquele que não quis ordenar padre aquele Angelo Scola que agora, do céu, vê chegar como seu sucessor.

Tradução de Moisés Sbardelotto e revisada pela IHU On-Line.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - On-Line - 25/06/2011 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=44666

Roberto Urbina avalia a Teologia da Libertação no Cone Sul e Brasil


Entre os dias 12 e 15 de julho, Santiago do Chile receberá a Jornada Teológica do Cone Sul e Brasil. 
A Jornada é uma etapa preparatória e de mobilização para o Congresso Continental de Teologia (CCT), 
a ser realizado em São Leopoldo, RS, em 2012. 
O CCT tem como principal finalidade pensar os desafios e tarefas futuras 
da teologia da libertação na América Latina.

As Jornadas Teológicas serão realizadas em quatro regiões. A primeira foi realizada na Guatemala, para os países da América Central e Caribe. Após a Jornada do Chile, serão realizadas mais duas: uma na Cidade do México, para mexicanos e hispanos dos Estados Unidos; e outra em Bogotá, para os países andinos.

Para relatar os preparativos e as expectativas para o evento, Adital conversou com Roberto Urbina, membro da comissão organizadora da Jornada no Chile. Na entrevista, Roberto compartilha também sua avaliação sobre a Teologia da Libertação da região e as contribuições que podem ser geradas a partir da Jornada.

Eis a entrevista.

Como estão os preparativos e as expectativas para a Jornada do Cone Sul e Brasil, que será realizada em Santiago do Chile, de 12 a 15 de julho?

A proposta de realizar esta Jornada foi acolhida com muito interesse e entusiasmo porque oferece uma oportunidade de renovação e busca teológica que, até agora, foi pouco estimulada e, algumas vezes, até freada. Teólogos, professores de teologia e de ciências religiosas, biblistas e animadores comunitários de pastoral bíblica, professores de ciências sociais e naturais em várias universidades do país, estudantes de pós-graduação, são os principais inscritos até agora. Muitos deles procedem de universidades da região.

As Jornadas seguem os objetivos do Congresso Continental de Teologia, mas tem alguma especificidade, que será trabalhada no programa do encontro, que reflete uma característica própria da Teologia da Libertação nesta região? Que características seriam essas?

Estas Jornadas estarão vinculadas às universidades católicas e aos movimentos sociais. Um dos aspectos novos será o diálogo entre a teologia e as ciências naturais como a Física e a Biologia. Pretende-se, dentro de seus limites, recorrer a alguns dos grandes desafios que apresentam essas ciências e tentar respondê-los a partir da fé e da teologia, diminuindo assim, dentro do possível, a grande distância que tem existido entre ciências e fé.

Outro aspecto será a contribuição que a reflexão teológica pode realizar para a integração dos países do Cone Sul, pois estarão presentes representantes do Paraguai, Uruguai, Argentina e Chile. Têm havido experiências significativas que se quer reforçar e destacar. Deseja-se contribuir desde a teologia e a doutrina social às relações de nossos países, não tanto do ponto de vista econômico e político, mas sim desde as bases, da cidadania e dos movimentos sociais.

Como é a metodologia de trabalho pensada para esta Jornada?

A metodologia mais clássica teria sido que estas Jornadas oferecessem o espaço para que teólogos expusessem suas teses e contribuições para a reflexão teológica e trocassem ideias sobre elas. Poderiam inclusive ter dado oportunidade para a participação aberta e para intercâmbios sobre essas exposições.

No entanto, para esta Jornada, estamos adotando uma metodologia mais desafiante: cremos, como afirma a Teologia da Libertação, que têm teólogos entre os animadores de movimentos populares, entre agentes pastorais e no nível acadêmico. Esta será uma oportunidade para que todos eles, juntos, coletivamente, reflitam contribuindo com seus olhares, suas experiências e suas projeções a partir dos temas específicos de cada Mesa de Trabalho.

Serão 10 mesas de trabalho, temáticas, das quais participarão todas as pessoas nestas Jornadas. As pessoas trabalharão durante os três dias, na mesa que elegeu, para produzir um informe de cada Mesa. Ao final, teremos os informes escritos e mais os textos de seis conferências que serão reunidos em um livro.

Qual a importância destes momentos de preparação para o Congresso Continental de Teologia (CCT)?

Olhares de diversos âmbitos em todos os países. Suscitar e recorrer a novas perguntas para a Teologia e elaborar propostas de reflexão e busca que possam ser sistematizadas no Congresso.

Como se avalia a situação da Teologia da Libertação no Cone Sul e Brasil?

Há uma grande diferença entre a Teologia da Libertação no Brasil e nos outros países. No Brasil, esta reflexão teológica está vigente até hoje com uma presença visível e, às vezes, oficial, vivida nas bases rurais, urbanas e sindicais, e apoiada por teólogos reconhecidos, agentes pastorais e um número significativo de bispos. Nos outros países, esta teologia tem um perfil menos influente, mas segue vigente em grupos e comunidades. Depois de Aparecida, estão tendo um maior protagonismo.

Quais são os principais objetivos para a Teologia nesta região? Como a Jornada pode contribuir para avançar na perspectiva de superá-los?

Abrir um novo horizonte no diálogo da fé com a realidade social, cultural, ambiental e econômica da região é o principal desafio. Um diálogo que permita avançar na compreensão de que necessitamos encontrar novas perguntas, mais que novas respostas. Estas Jornadas contribuem para dar uma nova vigência às principais chaves do Concílio: o sacerdócio comum de todos fiéis que os constituem em Povo de Deus, uma fé imersa e inculturada no mundo dialogando vivamente com ele, crescente reconhecimento dos diversos rostos de Deus presentes hoje.

Fonte: ADITAL - Notícias da América Latina e Caribe - 27/06/2011 - Cone Sul - Internet: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cat=92&cod=57788

STF obriga prefeitura de SP a matricular crianças em creches


O ministro Celso de Mello [foto acima], do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve decisão da Justiça paulista que determinou à prefeitura de São Paulo a matrícula de crianças menores de 5 anos em creches próximas de onde moram ou de onde seus pais trabalham. A decisão, anunciada nesta quarta-feira, foi tomada com base nos artigos 208 da Constituição Federal e 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que tratam do dever do Estado com a educação.

O município, que enfrenta grande falta de vagas nas cresches, recorreu ao STF para solicitar a modificação da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

A medida obrigou a matrícula sob pena de pagamento de multa diária, por criança, 
em caso de descumprimento da decisão.

Ao analisar o pedido, ministro Celso de Mello considerou "correta determinação emanada do Poder Judiciário paulista". Ao citar o dever do Estado com a educação, o ministro criticou as falhas de gestão que impedem o cumprimento da legislação

"O alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se reveste 
o direito à educação infantil não podem ser menosprezados pelo Estado", 
disse o ministro. 

Fonte: Portal TERRA - Notícias - 22 de junho de 2011 - 17h31 - Internet: http://noticias.terra.com.br/educacao/noticias/0,,OI5201011-EI8266,00.html

segunda-feira, 27 de junho de 2011

NASCE NEWS.VA - SITE INFORMATIVO DA SANTA SÉ

Agrega conteúdos informativos dos meios de comunicação vaticanos

News.va [acesse: http://www.news.va/], o novo site para encontrar, de maneira fácil, as informações dos diversos meios de comunicação do Vaticano, foi apresentado hoje na Sala de Imprensa da Santa Sé.

“Estamos entrando em um novo momento da comunicação graças a um Papa que fez a comunicação vaticana dar passos enormes”, explicou o arcebispo Claudio Maria Celli, presidente do Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais, durante a coletiva de imprensa.

Explicando a entrada do Vaticano no Facebook e em outras redes sociais, o prelado italiano recordou que Bento XVI disse: “Quero estar presente onde os homens se encontram”.

Intervieram na apresentação, além de Dom Celli, o Pe. Federico Lombardi SJ, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé; Gian Maria Vian, diretor do jornal vaticano L'Osservatore Romano; o fundador e diretor executivo da agência digital espanhola 101, que colabora na realização do projeto; e o oficial do Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais, Thaddeus Jones.

News.va não é um novo jornal ou órgão informativo, e sim uma plataforma digital que permitirá encontrar as notícias publicadas por meios como o L'Osservatore Romano, o Vatican Information Service (VIS), a agência missionária da Santa Sé, Fides, a Rádio Vaticano, o Centro Televisivo Vaticano, com conexões multimídia de áudio e vídeo, ao vivo (streaming) ou a pedido (on demand).

Será Bento XVI quem clicará em um tablet para publicar online News.va, na tarde de 28 de junho, isto é, na véspera da festividade dos santos Pedro e Paulo, a festa do Papa. Não será um ato público, mas logo depois poderão ser vistas as fotos e filmagens do evento.

“O site – explicou Dom Celli – não tem uma linha editorial específica: toma simplesmente o que já escreve ou comunica o jornal L'Osservatore Romano, a Rádio vaticano e outras fontes de informação da Santa Sé.

Todos os meios conservam sua autonomia e identidade, que serão evidentes na apresentação das principais notícias oferecidas por eles ao portal. Os direitos de autor serão dos meios e não do novo site.”

News.va funcionará com servidores capazes de aceitar, ao mesmo tempo, uma enorme quantidade de visitas, ou seja, poderá suportar picos de milhões de conexões. No que se refere aos custos, Dom Celli indicou que ainda não tem os números definitivos, mas estes estarão à disposição, pois não há nada a ocultar.

Quanto ao atual site do Vaticano, http://www.vatican.va/, indicou o prelado, ele não desaparecerá e conservará intacta, ainda que potencializada, a missão que lhe foi confiada: colocar à disposição o magistério do Santo Padre em suas várias formas. Desde o início, foi um site de documentos e assim continuará sendo, operando em sintonia com o novo portal.

As notícias do News.va se referem às atividades e intervenções do Santo Padre, os pronunciamentos dos dicastérios da Santa Sé, bem como aos mais importantes eventos do mundo ou a situações relacionadas às várias Igrejas particulares.

“A presença da Santa Sé no campo da comunicação tem uma história respeitável – recordou Dom Celli. Basta pensar no L'Osservatore Romano, que está comemorando seus 150 anos, ou na Rádio Vaticano, que há pouco recordava seus 80 anos de atividade.”

O site, pelo menos nos primeiros meses, estará somente em dois idiomas: inglês e italiano. Depois do verão boreal, será retocado e se abrirá outro idioma, talvez o espanhol, ainda que a vontade é que funcione também em francês e português.

Fonte: ZENIT.ORG - Dia 27 de junho de 2011 - Internet: http://www.zenit.org/article-28328?l=portuguese

Proteger as crianças num mundo consumista

Pe. John Flynn, LC

Mudanças na mídia e no comércio são necessárias

A comercialização e a sexualização das crianças demandam medidas para protegê-las. Reg Bailey, o primeiro diretor executivo homem da Mother’s Union, foi designado pelo Departamento de Educação do Reino Unido para estudar as pressões a que as crianças estão sujeitas e apresentar recomendações a respeito. Bailey entrevistou dezenas de pais e contou com informações de 120 empresas e organizações.

O estudo resultante se chama Letting Children Be Children: the Report of an Independent Review of the Commercialization and Sexualization of Childhood (Deixar as crianças ser crianças: Informe Independiente sobre a Comercialização e Sexualização da Infância) e identifica quatro temas de especial preocupação para os pais e para o público em geral.

O tema 1, Contexto, aponta a cada vez mais sexualizada cultura em que vivem as crianças.

O tema 2 se dedica à roupa e aos produtos e serviços para crianças.

O tema 3 fala das crianças como consumidoras.

O tema 4 tenta dar voz aos pais, que sentem que as empresas não prestam atenção às suas preocupações.

A resposta

O informe aborda dois possíveis enfoques a ser adotados.

O primeiro sugere manter as crianças completamente inocentes até virarem adultas, isolando-as de qualquer influência negativa ou eliminando as pressões.

A segunda reação propõe aceitar o mundo e ajudar as crianças a seguir o seu próprio caminho nele.

O informe conclui que nenhuma das posturas é realista. É preferível uma combinação de ambas: adotar medidas para limitar a tendência cada vez maior à comercialização e à sexualização, e ajudar as crianças a compreender e encarar os perigos potenciais a que estão expostas.

O informe ressalta também que a responsabilidade principal é dos pais. “Para que as crianças sejam crianças, é necessário que os pais sejam pais”. Ao mesmo tempo, os negócios e os meios de comunicação devem se mostrar mais a favor da família.

O estudo aponta que parte do mundo dos negócios e da mídia parece ter perdido a conexão com os pais. Um exemplo é a preocupação dos pais com os programas de televisão considerados tradicionalmente familiares, como os concursos de talentos, que começam a incluir cada vez mais conteúdo sexual.

Problema especial são os novos meios de comunicação, em que há pouca regulação. O material para adultos é de fácil acesso na internet, por exemplo.

Entre as recomendações do estudo, as seguintes:

  • Restringir por idade os vídeos musicais, evitando que as crianças comprem vídeos de conteúdo sexual. A preocupação se concentra no teor sexual das letras e das danças, altamente sexualizadas.
  • Cobrir as imagens sexuais nas capas de revistas e jornais nas bancas, para evitar sua exposição às crianças.
  • Deixar aos clientes a decisão de comprar ou não conteúdo adulto na internet em vez de recebê-lo automaticamente.
  • As lojas deveriam oferecer roupa mais adequada à idade das crianças, assinando um código de conduta sobre o design, a compra, a exibição e a comercialização de roupas, produtos e serviços para crianças.
  • Restringir a publicidade exterior que usa imagens sexuais, principalmente perto de colégios, creches e parques. As mesmas restrições já se aplicam à publicidade do álcool.
  • Dar maior peso às opiniões dos pais que às do público em geral na hora de regular os horários televisivos. O horário infantil, que vai até as 21h, uma faixa em que certos programas adultos não deveriam ser transmitidos, foi introduzido para proteger as crianças. Por isso, a programação para esta faixa dever-se-ia desenvolver e regular dando maior peso às posturas e opiniões dos pais.
  • Oferecer aos pais um site onde seja fácil apresentar queixas sobre programas, anúncios, produtos ou serviços.
  • Proibir o uso de menores de 16 anos como patrocinadores de uma marca e em sua comercialização, e melhorar a sensibilização dos pais quanto às técnicas de publicidade.
Reações

As reações ao relatório foram em geral positivas. O primeiro-ministro David Cameron, se mostrou em favor do site de reclamações. Ele também apoia o maior rigor quanto ao bloqueio de pornografia na internet e nos celulares.

Nem todos estão convencidos de que o relatório seja o suficiente. De fato, a organização para que trabalha Bailey, Mother's Union, se mostrou crítica.

“Não podemos estar de acordo com um estudo que considera que uma postura meramente consensual será a mais eficaz e que uma maior regulação ou legislação debilitará necessariamente os pais”, afirma Rosemary Kempsell, presidente da organização.

Ela pediu um maior grau de intervenção do governo, afirmando que não deveríamos ter medo de desafiar a indústria quando estiver em jugo o bem-estar das crianças. O tempo dirá se as restrições voluntárias, junto com a pressão pública, serão suficientes para solucionar os problemas assinalados no relatório.

Fonte: ZENIT.ORG - 26/06/2011 - Internet: http://www.zenit.org/article-28315?l=portuguese

domingo, 26 de junho de 2011

Economia: ''O Brasil já vive a sua doença holandesa''

Jamil Chade

Para ex-ministro. País deveria taxar exportações de commodities para reduzir o impacto na indústria nacional

ENTREVISTA:
Luiz Carlos Bresser-Pereira,
economista e ex-ministro da Fazenda


O Brasil já vive sua "doença holandesa". O governo sabe disso e terá de pensar em taxar as exportações de soja, minérios e outras commodities. Quem alerta é Luiz Carlos Bresser-Pereira [foto ao lado]. Em entrevista ao Estado, o ex-ministro da Fazenda no governo de José Sarney e de Reforma do Estado e Ciência e Tecnologia no governo de Fernando Henrique Cardoso, alerta que a alta no preço das commodities gerou uma situação à qual o Brasil terá de se adaptar.

Se a alta dos preços é positiva para exportadores de recursos naturais, está na hora de o governo pensar em seu impacto para a economia e principalmente para a indústria nacional. Em Genebra para reuniões na ONU, Bresser-Pereira diz que o governo está "empurrando com a barriga" o problema.

A "doença holandesa" é um termo cunhado por economistas após a experiência da Holanda com a exportação de gás natural nos anos 60. A receita que entrava acabou gerando uma valorização cambial que prejudicou o setor manufatureiro e o tornou menos competitivo no exterior. Para Bresser-Pereira, a mesma realidade já ocorre no Brasil com a exportação agrícola. Eis os principais trechos da entrevista:

Como a alta nos preços de commodities tem impactado a economia brasileira?

O Brasil já vive sua doença holandesa. Não há nenhuma dúvida disso. O governo sabe. Tanto a presidente Dilma Rousseff quando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, são conscientes disso. Mas não reconhecem.

Por quê?

Porque se reconhecerem terão de tomar medidas para lidar com ela. Por enquanto, o governo tem optado em empurrar esse assunto com a barriga.

Qual seria o remédio?

Hoje, o Brasil poderia tranquilamente aplicar uma taxa sobre exportações de commodities. De uma forma disfarçada, Delfim Neto já havia feito isso no passado com o café. Na realidade, essa taxa ao café vigorou no Brasil entre 1968 e 1991. Portanto, não é algo novo. Agora, precisamos repetir isso com a soja e com os minérios. Mas, neste momento, o governo parece não estar disposto a brigar nem com a Vale nem com os produtores de soja. O que o governo precisa fazer é demonstrar para esses grupos que, diante da alta nos preços internacionais, eles não perderão com a taxa e que a economia nacional ganharia.

Há exemplo de país que adotou a taxa de exportação e conseguiu reequilibrar sua economia?

Os Emirados Árabes taxam a exportação de energia em 98%. E é com isso que conseguem criar internamente um mercado de turismo e garantir a sua indústria tecnologia de ponta.

Qual o risco de demorar para reconhecer o problema?

Existem dois riscos. O primeiro, de uma queda no crescimento, ante o recuo na exportação de industrializados. O segundo é de a economia entrar em crise. Não seria para já. Mas viria de problemas sérios na balança de pagamentos. Em ambos os casos, seriam bolhas na economia brasileira que explodiriam.

A exportação agrícola não é o único motivo da valorização cambial. Há também o ingresso de capital especulativo. O que o governo pode fazer diante disso?

Só há uma coisa a fazer: taxar a entrada de capital.

Mas o governo já faz isso com o IOF. Ele funciona?

Sim, funciona. Mas precisa ser adotado para todos os capitais. As medidas precisam ser mais drásticas, o governo sabe disso.

Isso não espantaria capital estrangeiro do Brasil?

O Brasil não precisa desse tipo de capital internacional. Hoje, uma multinacional que decide abrir produção no País vai ao BNDES e pega empréstimo. Não precisamos mais do Banco Mundial. Há uma alta taxa de substituição da poupança nacional pela poupança externa. Elas não se somam.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Economia & Negócios - Domingo, 26 de junho de 2011 - Pg. B11 - Internet: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110626/not_imp737044,0.php

O Cristo de Rembrandt [Vale a pena contemplar!]


Rembrandt e sua relação com Cristo

A exposição do Museu de Louvre, na França, oferece uma excepcional viagem artística e espiritual por meio das pinturas do holandês Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669). E o Instituto Humanitas Unisinos - IHU foi autorizado pelo museu a reproduzir as imagens, que estão sendo publicadas no Blog do IHU.

Em 1629, aos 23 anos, Rembrandt pintou a primeira dessas obras, Le Repas d’Emmaüs [A refeição de Emaús - foto acima]. Nesse pequeno quadro a óleo, vê-se uma silhueta posicionada em frente ao brilho de uma vela que ilumina aquele que está diante dela e a perscruta. Assim, Cristo aparece irradiando a luz, mas permanece totalmente na sombra, em todo o seu mistério.

A partir dessa obra, Rembrandt mostra toda a humanidade de Cristo. Além de cenas de pregação, de milagres e crucificação, ele pintou uma série de sete faces de Cristo dos quais não se conhece a cronologia, nem se são estudos preparatórios ou obras definitivas.

Esses retratos e pinturas de Cristo nos permitem entrar no percurso artístico desse gênio da pintura mundial e desse leitor questionador da Bíblia em busca da verdade de Jesus. Voltando as costas para o academicismo da sua época e às representações de um Cristo de uma beleza ideal, vê-se nas figuras de Rembrandt uma paleta de emoções cheias de humildade, de doçura e de fragilidade. Em resumo, encontramos um homem. E é nessa sua humanidade que Rembrandt busca nos dizer Deus.

Para ter acesso à lista das imagens já publicadas pelo Blog do IHU, clique:
Dia 25 de junho de 2011

''Há concordância quanto a condenar a homofobia''

ENTREVISTA - Edênio Valle, padre e psicólogo

José Maria Mayrink


Autor de livro sobre a homossexualidade na Igreja afirma que a instituição ainda não dá orientação clara

Do papa aos formadores de seminaristas, as autoridades da Igreja Católica se preocupam com as tendências homossexuais de candidatos ao sacerdócio e à vida religiosa, mas não conseguem apontar o que se deve fazer para enfrentar as mudanças no campo afetivo que invadem seminários e conventos.

Numa visão psicoterapêutica e pedagógica, o padre e psicólogo Edênio Valle [foto acima] discute no livro Tendências Homossexuais em Seminaristas e Religiosos (Edições Loyola), escrito em colaboração com Deolino Baldissera, Eliana Massih e Ênio Brito Pinto, também psicólogos, o desafio enfrentado pela Igreja. Para os autores, os escândalos de pedofilia no clero forçaram o Vaticano a tomar posição, mas a questão é mais ampla.

Leia a seguir a entrevista.

A Igreja se esforça para acompanhar os seminaristas com tendências homossexuais?

Há uma preocupação e um esforço. Mas os documentos e instruções oficiais não são suficientes do ponto de vista do que se deve fazer. Tendem a ficar na repetição do que é essencial e a permanecer no campo dos princípios e da doutrina.

Esses textos tratam mais dos escândalos de pedofilia ou se estendem à formação e acompanhamento de portadores de tendências homossexuais?

Os escândalos provocados pelo comportamento do clero de vários países foram o estopim de algumas tomadas de posição da Igreja. A respeito da homossexualidade, existem documentos da autoridade eclesiástica que se referem aos problemas e polêmicas sobre o assunto. São posicionamentos independentes da questão da pedofilia ou da homossexualidade no clero. Eles representam uma reação aos debates que se dão na opinião pública. Têm a ver também com a força política que o movimento gay adquiriu nos últimos tempos. Outro ponto que mexe com a Igreja é a veemência com que a maior parte do fogo se concentra contra a Igreja Católica e contra o papa. Os documentos sobre a pedofilia, de cunho mais jurídico, tendem a ser cada vez mais duros e exigentes no plano dos procedimentos a serem observados. Já não é o que ocorre nos documentos referentes à homossexualidade, mais voltados para a formação e o acompanhamento dos seminaristas e padres.

Há resistência da Igreja e dos formadores a recorrer ao auxílio de psicólogos e outros especialistas nos seminários e conventos?

Houve e ainda há resistência, tanto na Igreja Católica quanto nas protestantes históricas. Julgo ser, em boa parte, uma questão de desinformação. Vejo algo análogo em setores não religiosos e acadêmicos mais conservadores. Há uma concordância quanto à necessidade de se condenar a homofobia. Até o catecismo da Igreja Católica reconhece e afirma os direitos de pessoas com tendência homossexual dentro e fora da Igreja. A questão da união civil entre indivíduos do mesmo sexo não encontra concordância tão grande, em especial se sob essa designação fala de casamento, no sentido católico de sacramento e/ou no sentido adotado pela Constituição brasileira.

Não houve uma evolução?

Muitos seminários católicos têm hoje psicólogos acompanhando os jovens. Há exceções, naturalmente. O problema é que alguns casos são bastante complicados e precisam de tratamento. "Sair do armário" só não resolve o problema psicológico de fundo.

Qual é a orientação da Igreja se um seminarista não parece capaz de assumir o compromisso do celibato?

As normas quanto às condições afetivas/sexuais a serem exigidas de um candidato ao presbiterado são as mesmas para todos, independentemente de sua orientação sexual. Na prática, a tendência homossexual acaba ocupando mais espaço e gerando mais preocupação.

Como a Igreja reage à manifestação de movimentos gays que reivindicam a ordenação de homossexuais como um direito?

A Igreja tem sido firme quanto ao princípio em si e não há indícios de mudança. A mera pressão gay não deve mudar seu ponto de vista. Na prática, porém, essa firmeza já não é tão radical. Daí talvez o fato de haver uma preocupação maior com os candidatos de tendência homoafetiva.

O fim do celibato seria solução para a sexualidade no clero?

É preciso distinguir o fim do celibato do fim da lei do celibato. Na Igreja Católica, só uma minoria propõe seriamente o fim do celibato. Na espiritualidade cristã, o que conta é a liberdade e não a lei. Enquanto lei canonicamente imposta, o celibato precisa ser revisto. Sendo livre, o celibato ajudaria no sentido de uma melhor vivência da sexualidade por parte dos ministros da Igreja.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Vida - Sábado, 25 de junho de 2011 - Pg. A16 - Internet: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110625/not_imp736674,0.php

Kiki, uma adolescente massacrada pela web


David Brook*
The New York Times 

Americana de 13 anos é uma símbolo de como a popularidade na internet pode afetar a vida cotidiana

Em 1900, Theodore Dreiser escreveu Irmã Carrie, romance sobre uma jovem que deixava o campo e era massacrada pelas esmagadoras forças da América industrial: a solidão da vida urbana, as condições precárias da fábrica, o encanto fácil do teatro, o materialismo da nova cultura do consumo.

Se Dreiser estivesse vivo hoje, talvez escrevesse a respeito de Kiki Ostrenga [foto ao lado]. Tema de um assustador perfil publicado por Sabrina Rubin Erdely na edição de abril da Rolling Stone, Kiki era uma jovem adolescente que foi massacrada por algumas das piores forças da era da informação.

Solitária na escola, ela buscou refúgio da criação de uma personagem na rede, Kiki Kannibal, postando fotos de si mesma em vários estilos e penteados diferentes - menina gótica num dia; imitação hipersexualizada de Lady Gaga no outro.

Apesar dos 13 anos de idade, Kiki era muito talentosa nas mudanças de figurino. As fotos com frequência mostram a menina usando apenas roupa de baixo ou saias curtíssimas, com maquiagem insinuante, poses atrevidas e expressões convidativas. Nelas, pode-se ver a habilidade da criança em imitar a aparência e a atitude daquilo que ela admira - nesse caso, o culto às celebridades da alta moda tão glamourizadas por veículos como Vogue, Cosmopolitan, E!, TMZ, Real World e tantos outros.

Nos esportes, reinam a força e a agilidade. Na música, sobressaem-se o talento e a dedicação. Na rede, os olhares e os acessos são os fatores dominantes. O sucesso é definido pela capacidade de chamar a atenção. E, com a tecnologia de hoje, esse tipo de status de celebridade não é apenas um sonho. Os jovens são capazes de criar isso para si mesmos.

Kiki deve ter percebido o imenso capital erótico que uma menina bonita, vulnerável e recém chegada à puberdade comanda na internet - mesmo que não tenha compreendido as consequências do próprio poder de sedução. Como não poderia deixar de ser, ela se tornou uma sensação no MySpace. O registro de acessos dos vídeos transmitidos por ela via streaming mostra que ela foi assistida por dois milhões de pessoas. Em pouco tempo, surgiram 530 perfis no Facebook pertencentes a pessoas que afirmavam ser Kiki (todos falsos). Ela se tornou objeto de celebração, ridicularização e ódio.

Fala-se muito numa "comunidade" online, mas parece mais correto enxergar a resposta provocada por Kiki como uma guerra de guerrilha. A jovem fez uma jogada agressiva em busca de atenção. Outras pessoas tentaram chamar atenção ao atacá-la. A maior parte da violência proferida contra ela não pode ser publicada aqui, mas o artigo da Rolling Stone descrevia com precisão o comportamento digno de uma turba de linchadores: ameaças de morte, comentários sexuais agressivos. "Sei onde você mora, e vou matar seu gato", escreveu alguém. "Kiki, sua (palavrão) horrenda, morra de uma vez", escreveu outra pessoa.

Kiki inspirou uma onda de ridicularização e defesa afetou sua vida real, incluindo um episódio em que ela foi agredida num show e outra ocasião em que a palavra "vadia" foi escrita em letras garrafais no portão da garagem dela.

Ela foi contatada por um rapaz de 18 anos, Danny Cespedes, que encantou Kiki e os pais dela e se tornou presença comum no lar deles.

Sem que soubessem, Danny já tinha tentado seduzir uma série de outras adolescentes, algumas de até 12 anos. Depois que a mãe descobriu que o jovem tinha obrigado Kiki a manter relações com ele certa noite, a família Ostrenga prestou queixa à polícia. Enquanto era detido, ele pulou do segundo andar de um estacionamento e acabou em coma. De acordo com a Rolling Stone, o jovem morreu dois meses mais tarde.

Em seguida, Kiki tornou-se a vítima do proprietário de um site comercial de exploração de adolescentes chamado Stickydrama. O dono do site organizou sessões coletivas de ataque contra ela ao mesmo tempo em que a convidava para morar com ele e se tornar um dos brinquedos exibicionistas da página. "Se não puder tê-la, vou destruí-la", teria escrito ele numa mensagem da rede Twitter.

Viciada em atenção e agora administrando uma loja de joias online, Kiki não podia sair da rede, mesmo enquanto se tornava dolorosamente ciente da distinção entre a interpretação de uma celebridade e o relacionamento amoroso de mão dupla pelo qual ela ansiava. Os pais de Kiki pareceram incapazes de retomar o controle da situação, mesmo depois de verem que a presença dela na rede não era simplesmente uma forma de expressar a criatividade. No fim, eles tiveram de se mudar para escapar das ameaças. Nesse processo, perderam tudo que tinham.

A cultura da infância está sendo comprimida. Coisas que antes os jovens aprendiam aos 18 são agora conhecidas aos 10 ou 12 anos. O resultado disso também é desconhecido. Mais importante, alguns jovens estão crescendo sem aprender a distinção entre respeitabilidade e atenção. Duvido que adultos possam proteger facilmente os jovens daquilo que encontrarão na rede, mas os adultos podem ensinar a eles as normas e valores que os ajudarão a pôr em perspectiva esse mundo, fazendo-o parecer algum tipo de ilusão extravagante ou divertida, e não algo que uma pessoa decente poderia desejar para si.

A história de Kiki não mostra apenas aquilo que pode ocorrer na rede, mas também o que não ocorre fora dela.

TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL.

* É COLUNISTA do The New York Times.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Internacional - Sábado, 25 de junho de 2011 - Pg. A14 - Internet: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110625/not_imp736658,0.php

sexta-feira, 24 de junho de 2011

A mancha negra do açúcar [É bom saber!]

Entrevista especial:
Fernando Carvalho

Autor de O livro negro do açúcar, o historiador Fernando Carvalho começou a pesquisar o tema há dez anos quando descobriu que tinha diabetes. Desde então, vem percebendo como o açúcar é encarado na sociedade e qual a verdadeira face dessa substância. “Para mim, o açúcar responde pela atual era de doenças crônicas porque ele agride o organismo de diversas formas sistêmicas: ao fazer funcionar irregularmente a produção de insulina, agride o metabolismo que é o processo de construção e manutenção do nosso corpo. Levando isso em consideração, fazer uso de uma ração açucarada é o mesmo que tentar construir um edifício com cimento adulterado”, explicou ele durante a entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line.

Fernando Carvalho é graduado em História pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Integrou o conselho editorial da revista Presença e, como cartunista amador, publicou alguns trabalhos no Pasquim. O livro negro do açúcar foi escrito em 2009 e está disponível em PDF na internet [acesse: https://skydrive.live.com/?cid=c19ecdbb38fda1f2&id=C19ECDBB38FDA1F2%216892].  Em 2011, a obra foi reeditada sob o título Açúcar: o perigo doce (São Paulo: Ed. Alaúde, 2011).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Você afirma no livro que o açúcar mata. De que maneira a cultura do açúcar leva à morte?

Fernando Carvalho – A cultura do açúcar não leva apenas à morte: ela também vicia, escraviza, mutila e polui. Os cortadores de cana formam um grupo de risco no que diz respeito ao consumo de crack, por exemplo, porque este é um trabalho tão desumano que só mesmo à base desta droga é que se consegue aguentá-lo. O Brasil, apesar de ter abolido a escravidão, em 1888, recentemente deu notícias da existência de formas de trabalho escravo, que estava concentrado principalmente neste setor. O governo federal teve que criar uma força-tarefa para coibir esse tipo de prática.

Mudando de crack para açúcar, na Universidade de Princeton, Estados Unidos, trabalha um pesquisador chamado Bart Hoebel [1]. Ele demonstra que o açúcar vicia pelos mesmos mecanismos da cocaína. Os resultados das pesquisas do Dr. Hoebel já foram publicados nos livros médicos oficiais de neurologia.

Além disso, aqui no Rio de Janeiro, o Hospital da Lagoa possui uma importante unidade de tratamento de diabéticos. O açúcar provoca a mutilação, todos os anos, segundo este hospital, de cerca de dois mil diabéticos.  É a nossa legião de mutilados do açúcar. Ele também provoca a mutilação dentária. No Brasil, em média, um jovem de 18 anos tem 18% de seus dentes cariados e 7% extraídos. Entre os adultos de 44 a 53 anos, o número de cáries diminui para 7%, mas não é porque os mais velhos comem menos açúcar. A razão é mais tétrica: eles já não possuem 48% dos dentes. E 50% do grupo com idade entre 50 e 59 anos são totalmente desdentados. No cômputo geral, mais de 30 milhões de brasileiros não têm dente algum na boca para contar essa triste história.

A perda dos dentes provocada por periodontites deve-se à colonização da boca por bactérias que se alimentam de açúcar e cujo habitat é o ambiente ácido que elas mesmas criam usando o açúcar como substrato. Recentemente, descobriu-se que bactérias da placa bucal através das gengivas, durante a mastigação, alcançam a corrente sanguínea e vão se alojar no coração causando endocardite bacteriana, doença do coração que mata. O diabete, doença sistêmica que compromete todo o sistema vascular, dos capilares aos grandes vasos coronarianos, faz com que 80% dos doentes sejam propensos a morrer de doenças cardiovasculares, e 50% dos homens e 30% das mulheres tenham mais chances de serem vítimas de morte súbita.

O risco de insuficiência cardíaca é duas a três vezes maior entre diabéticos, e derrames são duas vezes mais frequentes em diabéticos hipertensos. Estima-se que em 2025 o mundo terá 300 milhões de diabéticos. As mortes totais por doenças causadas, primária ou secundariamente, pelo consumo da ração açucarada moderna, tais quais as doenças derivadas dos danos ao metabolismo, à inflamação generalizada crônica, à depressão do sistema imunológico, constituem um verdadeiro holocausto, o holocausto sacarino. Apesar de terrível, ele tem um aspecto surrealista: é um holocausto que se desenvolve sob os nossos olhos e – o pior de tudo – suas vítimas “lambem os beiços” enquanto são sacrificadas.

IHU On-Line – Quando se interessou em pesquisar esse tema?

Fernando Carvalho – Há aproximadamente dez anos descobri que estava com diabetes. Aconteceu comigo aquele conjunto de sintomas que denunciam o esgotamento do pâncreas: poliúria [sintoma que corresponde ao aumento do volume urinário], polidipsia [sensação de sede em demasia], polifagia [significa fome excessiva e ingestão alta de sólidos pela boca]. Se existia um assunto completamente estranho para mim era essa doença.

A palavra diabetes trouxe-me à imaginação um programa de TV animado pelo próprio diabo, as dançarinas seriam as diabetes. Não estava nos meus planos ficar doente na casa dos 40 anos. Eu queria viver com saúde até os 90. Para tanto, procurava levar um estilo de vida e alimentação saudáveis. Nunca fumei. Nunca fui sedentário. Consumia alimentos integrais. Fiz ioga. Lutas marciais. Corria. Servi ao Exército numa fortaleza instalada num morro. Subia e descia ladeira várias vezes ao dia, muitas vezes carregando um fuzil de quase cinco quilos.

Para mim ter ficado doente foi um mistério. Diante disso, passei a estudar o assunto com o ânimo de um historiador – formei-me em História pela Universidade Federal Fluminense. Queria saber exatamente o que aconteceu comigo. Li tudo que encontrei pela frente: patologia, fisiologia, cariologia, medicina natural, e até alquimistas e boticários. Essa pesquisa levou alguns anos e o resultado foi O livro negro do açúcar, um PDF que circula na internet e que ganhou uma edição em livro com o título ligeiramente modificado, Açúcar: o perigo doce, pela editora Alaúde.

IHU On-Line – Como o açúcar conseguiu conquistar o status que têm hoje no mundo?

Fernando Carvalho – O açúcar sempre foi um grande negócio. Do jeito que o petróleo já foi chamado de ouro negro, o açúcar já foi o ouro branco. A Holanda invadiu o Brasil no século XVII por causa do açúcar. "A maior migração forçada que a história registra", disse Werneck Sodré [2], ao analisar o tráfico de negros africanos para a América que também aconteceu por causa do açúcar.

Os interesses do açúcar estão entrelaçados com o de outras indústrias como a farmacêutica, a de alimentos e a de bebidas alcoólicas e refrigerantes. A relação comensalista entre essas indústrias – que conta ainda com a participação de médicos, profissionais de saúde, legisladores, da mídia, da literatura inclusive a científica e até do folclore – é o que chamamos "indústria da doença" que se sustenta mutuamente de alimentos e medicamentos.

Um negócio dessa envergadura sempre esteve no poder, de modo que o açúcar chegou onde hoje se encontra empurrado pelo poder econômico. Atualmente, dezenas de milhões de donas de casa aprendem novas receitas de doces. O açucaramento da dieta avança sob nossos olhos: pizzas e empadas doces são passos recentes do avanço da ditadura do açúcar.

A Food and Drug Administration – FDA, agência do governo estadunidense que regulamenta alimentos e medicamentos, considera o açúcar de consumo seguro. Aqui no Brasil a Anvisa nada pode. O açúcar é regulamentado e fiscalizado pelo Ministério da Agricultura. Ou seja, a “raposa” legisla e fiscaliza o “galinheiro”. Umas raposas legislam sobre cerveja, outras sobre o vinho. No Brasil, cerveja e vinho são adulterados com açúcar. Aqui no país, os livros de patologia têm um capítulo sobre o metabolismo do álcool, mas ignoram o metabolismo da sacarose. A luta contra o açúcar fica por conta de uns poucos médicos abnegados como o brasileiro descendente de asiáticos Yotaka Fukuda [3], que demonstrou o papel do consumo de açúcar na labirintite, e autores como William Dufty [4], autor de Sugar blues.

IHU On-Line – Como o senhor relaciona o consumo do açúcar com as doenças modernas?

Fernando Carvalho – Da Idade Média para trás não existiam as doenças crônicas. O açúcar não existia e as doenças que afligiam o homem medieval eram infectocontagiosas. Tão logo o açúcar entrou em cena se aboletando na mesa, ele disse a que veio e começou destruindo os dentes dos nobres e burgueses europeus. A cárie é uma doença, ao mesmo tempo, crônica e aguda. Antes do advento do açúcar a incidência de cáries era de 1% para baixo. Hoje, a epidemia de cárie atinge 99% da raça humana. E esse 1% da humanidade livre de cáries são os poucos países situados no coração da África: Togo, Ruanda, Gana, Lesoto... onde a ração açucarada não chegou ainda.

Outra epidemia moderna que pode ser associada ao açúcar é a de obesidade. Açúcar é caloria pura e é transformado em gordura, o que não ocorre com carnes, por exemplo. Se gordura engordasse, a dieta Atkins [5] não funcionaria. Sendo calorias vazias, isto é, destituídas de qualquer nutriente, quando é adicionada a qualquer alimento o açúcar torna esse alimento hipercalórico e eleva seu índice glicêmico. O povo brasileiro já anda consumindo 60 quilos de açúcar por ano em média. 95% dos obesos o são por causa do que comem, de modo que a relação entre consumo de açúcar e a epidemia de obesidade é óbvia e ululante.

Para mim, o açúcar responde pela atual era de doenças crônicas porque ele agride o organismo de diversas formas sistêmicas: ao fazer funcionar irregularmente a produção de insulina, agride o metabolismo que é o processo de construção e manutenção do nosso corpo. Levando isso em consideração, fazer uso de uma ração açucarada é o mesmo que tentar construir um edifício com cimento adulterado.

Outro mecanismo pelo qual o açúcar agride todo o organismo de uma só vez é pelo processo de roubo de minerais. O açúcar causa um desequilíbrio mineralógico devido ao roubo de nutrientes que o metabolismo de calorias do açúcar provoca. Há também o problema da glicação não enzimática de proteínas. A primeira vítima da elevação do açúcar no sangue como consequência do consumo da ração açucarada é a proteína glicada – mais conhecida como hemoglobina "gllicosilada". A glicação da hemoglobina é uma reação simples de condensação que dispensa a intermediação de enzimas. Essa reação "aleija" a hemoglobina prejudicando sua função de oxigenar todo o organismo. Faltando oxigênio, o horizonte é a necrose.

A glicação de proteínas é um mecanismo intermediário de uma série de doenças. Por exemplo, a glicação do cristalino explica a catarata senil. As próprias células-beta pancreáticas, a insulina e seus receptores musculares, e até os nervos, está exposto ao fenômeno da glicação degenerativa. De modo que o diabetes, a resistência insulínica e a hipertensão encontram sua etiopatogenia no consumo de açúcar.

De conhecimento recente da ciência é a inflamação crônica generalizada clinicamente silenciosa (ou subclínica) que está se alastrando por toda a humanidade. Tal inflamação é apontada como sendo o mecanismo intermediário das doenças crônico-degenerativas. Essa inflamação crônica generalizada e subreptícia é comparada com as pestes históricas da Idade Média em virtude das milhões de vítimas que estão sendo ceifadas em todo o mundo. As doenças vasculares que tinham o colesterol como bode expiatório, na verdade são consequência de um processo inflamatório das paredes das artérias. Asma, síndrome do intestino irritável e uma infinidade de outras condições são intermediadas por processos inflamatórios e a ração açucarada moderna é a principal culpada disso.

IHU On-Line – Que verdades precisam ser ditas a respeito do açúcar?

Fernando Carvalho – São várias. Vamos por tópicos:

1) O açúcar não é um alimento, mas sim uma substância agressora do organismo.
2) O açúcar, ao impregnar a alimentação humana, transformou-a numa ração patogênica.
3) Médicos e nutricionistas estão enganados quando lidam com o açúcar como sendo um "carboidrato" como outro qualquer.
4) dentistas também estão enganados quando atribuem as cáries à "carboidratos fermentáveis".
5) A perda de um dente é uma humilhante forma de mutilação e que o desdentado é uma vítima da ração açucarada e não culpado de maus hábitos de higiene bucal.
6) Uma pessoa pode ser gorda e saudável dependendo de como ela se alimenta.
7) Obesos mórbidos são vítimas da ração açucarada e não culpados de maus hábitos alimentares.
8) A ração açucarada empurrou a raça humana para a era das doenças crônicas, metabólicas e degenerativas.
9) A expulsão do açúcar da mesa vai acabar com a era das doenças crônicas.

E como uma última verdade que poucos sabem é que a Organização Mundial de Saúde – OMS deseja que o consumo de açúcar do açucareiro não ultrapasse 10% das calorias totais ingeridas diariamente. Se dependesse da OMS, os governos do mundo inteiro fariam uma campanha semelhante àquela feita contra o cigarro para assegurar que o consumo de açúcar não ultrapasse esse número.

Em 2004, quando o comitê executivo da OMS se reuniu para aprovar tal estratégia, sua proposta foi derrotada pelo lobby da indústria da doença. Perto de 50 países votaram com a OMS; os vetos contaram com os votos dos Estados Unidos, Brasil, Suazilândia e Ilhas Maurício. Cuba, envergonhada, deu um apoio de bastidores. Com os vetos dos traficantes de açúcar, a OMS aprovou uma exortação às indústrias de alimentos e bebidas no sentido de que reduzam o uso de sal, gordura e açúcar. Recentemente, o Ministro da Saúde, num acordo de cavalheiros, obteve da indústria de alimentos o compromisso de usar "menos sal e gorduras", mas o açúcar ficou de fora da conversa.

IHU On-Line – Como funciona o movimento Açúcar Zero?

Fernando Carvalho – O Açúcar Zero é um movimento político-nutricional que defende a retirada do açúcar da alimentação humana visando acabar com seu caráter patogênico e, com isso, pôr fim à era das doenças crônicas, metabólicas e degenerativas. O movimento é muito incipiente ainda. Costumo dizer que somos um pequeno exército de Brancaleone.

O que dá vida ao nosso movimento é o fato de que as pessoas podem, por iniciativa própria, dar as costas ao açúcar e, em pouco tempo, verificar os resultados da dieta isenta de açúcar na sua saúde. Ao ganhar saúde, ao livrar-se da incidência de novas cáries, gripes e resfriados frequentes e de uma infinidade de mazelas, elas ficam tão felizes que resolvem ajudar os outros a seguir o exemplo.

Temos uma comunidade no Orkut que já conta com quase 2 mil membros. Estamos cogitando da possibilidade de criar uma ONG com o objetivo de levar o conhecimento sobre o açúcar às escolas de ensino médio e fundamental. Afinal, as crianças são as vítimas privilegiadas da ditadura de pacote tecnológico da sacarose refinada.

Uma empresa multinacional de alimentos produziu e faz propaganda na televisão de um sacolé de leite condensado. Entendemos que isso é um crime de lesa-humanidade. Essa mesma empresa, recentemente, retirou o açúcar da fórmula de suas papinhas para bebês, outro crime que denunciávamos desde que O livro negro do açúcar era um original distribuído pela internet. Como nunca li uma linha sequer de médico ou nutricionista protestando contra isso, fico tentado a atribuir o recuo da multinacional às nossas denúncias.

Um objetivo político arrojado de nosso movimento é ver se conseguimos fazer com que o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional Consea compre essa briga. Afinal, como falar em segurança alimentar quando estamos diante de uma ração patogênica? O Consea já usa o termo alimentação "saudável" que deve ser assegurada a todo o povo brasileiro. Precisa evoluir para entender o que é a ração patogênica e o que é preciso fazer para acabar com seu caráter patogênico. O grande dia para o povo brasileiro será o da aprovação da Lei Áurea Nutricional, a lei que proibirá a adição de açúcar aos alimentos.

Notas:

[1] Bart Hoebel é professor de Psicologia no Programa de Neurociências da Universidade de Princeton. Sua formação acadêmica foi realizada na Universidade de Harvard. Tem PhD pela Universidade da Pensilvânia e um doutorado honorário pela Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. Foi presidente de três sociedades acadêmicas: Neurociência e Divisão de Psicologia Comparativa da Associação Americana de Psicologia, Sociedade para o Estudo do Comportamento ingestivo e Eastern Psychological Association.

[2] Nelson Werneck Sodré nasceu no Rio de Janeiro em 1911 e morreu em 1999. Foi um militar e historiador.

[3] Yotaka Fukuda é professor livre-docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-EPM) e médico otorrinolaringologista do Instituto Gastro Entereológico de São Paulo – Igesp.

[4] William Dufty Francis nasceu em 1916 e morreu em 2002. Foi um escritor estadunidense conhecido por sua atuação como ativista nutricional.

[5] A Dieta Atkins foi um método originalmente desenvolvido por Robert Atkins nos anos 1960. A dieta foi muito criticada nos círculos de medicina por recomendar ingestão de gorduras saturadas de origem animal e reduzir radicalmente a ingestão de carboidratos, especialmente os de índice glicêmico alto. A dieta voltou a ganhar popularidade em fins dos anos 1990 junto com o aumento exponencial de casos de obesidade e comorbidades associadas.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - On-Line - 24/06/2011 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=44560