Corrupção em campo [Era só o que faltava!]
Editoriais
Corrupção e fraudes são pragas corriqueiras em obras públicas no Brasil. O governo federal conhece bem essa realidade. Parece mais empenhado em ocultá-la, contudo, do que em combatê-la.
Só assim pode entender-se o duplo golpe que acaba de desferir na fiscalização dos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.
De um lado, abranda os mecanismos de controle, ao abdicar da Lei de Licitações para realizar a concorrência das futuras obras. De outro, torna sigilosas as informações sobre custos, dificultando a detecção dos descalabros.
A pretexto de imprimir rapidez às obras, medida provisória aprovada pela Câmara dos Deputados criou o RDC (Regime Diferenciado de Contratações).
O sistema implica abrir mão de uma série de cautelas. Permite a contratação por "empreitada", na qual, em vez de discriminar serviços, as construtoras fixam o valor global da obra e se responsabilizam por eventuais contratempos.
Isso pode, de fato, agilizar a construção. Mas deve, também, encarecer os trabalhos, ao embutir os custos dos entraves. A contrapartida deveria ser mais transparência, não menos.
Na undécima hora, porém, o texto da MP foi alterado. Onde antes se dizia que "em qualquer caso" o orçamento da obra ficaria sempre disponível aos órgãos de controle interno e externo, após o resultado da licitação, a nova redação deixou explícito que tal informação "possuirá caráter sigiloso e será disponibilizada estritamente a órgãos de controle".
Com isso, instituições fiscalizadoras como o TCU (Tribunal de Contas da União) ficariam impedidas de divulgar o valor real.
O precedente dos Jogos Pan-Americanos, em 2007, é alarmante: houve aumento de quase 800% nos custos. De R$ 410 milhões, em 2002, a conta fechou em R$ 3,7 bilhões. Sob sigilo, Copa e Olimpíada seguirão no mesmo caminho e irão muito mais longe.
O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), justificou a adoção dos meios obscuros com a velha conversa dos fins virtuosos. Disse que "temerário é não ter a Copa".
O país foi definido como sede da Copa de 2014 em outubro de 2007. Nesses três anos e sete meses, quase nada se fez. A inoperância e a ineficiência concorrem, como de hábito, para patrocinar o campeonato de interesses escusos.
A MP do sigilo ainda sofrerá análise do Senado, onde se espera que seja alterada. Do modo como está, propicia desfalque mais que previsível nos cofres públicos.
O segredo nunca teve serventia para impedir as fraudes e a corrupção, só para acobertá-las.
Decisão de afrouxar controles e tornar sigilosos gastos das obras da Copa e da Olimpíada
deve ser revista, sob risco de facilitar desfalque nas contas
Corrupção e fraudes são pragas corriqueiras em obras públicas no Brasil. O governo federal conhece bem essa realidade. Parece mais empenhado em ocultá-la, contudo, do que em combatê-la.
Só assim pode entender-se o duplo golpe que acaba de desferir na fiscalização dos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.
De um lado, abranda os mecanismos de controle, ao abdicar da Lei de Licitações para realizar a concorrência das futuras obras. De outro, torna sigilosas as informações sobre custos, dificultando a detecção dos descalabros.
A pretexto de imprimir rapidez às obras, medida provisória aprovada pela Câmara dos Deputados criou o RDC (Regime Diferenciado de Contratações).
O sistema implica abrir mão de uma série de cautelas. Permite a contratação por "empreitada", na qual, em vez de discriminar serviços, as construtoras fixam o valor global da obra e se responsabilizam por eventuais contratempos.
Isso pode, de fato, agilizar a construção. Mas deve, também, encarecer os trabalhos, ao embutir os custos dos entraves. A contrapartida deveria ser mais transparência, não menos.
Na undécima hora, porém, o texto da MP foi alterado. Onde antes se dizia que "em qualquer caso" o orçamento da obra ficaria sempre disponível aos órgãos de controle interno e externo, após o resultado da licitação, a nova redação deixou explícito que tal informação "possuirá caráter sigiloso e será disponibilizada estritamente a órgãos de controle".
Com isso, instituições fiscalizadoras como o TCU (Tribunal de Contas da União) ficariam impedidas de divulgar o valor real.
O precedente dos Jogos Pan-Americanos, em 2007, é alarmante: houve aumento de quase 800% nos custos. De R$ 410 milhões, em 2002, a conta fechou em R$ 3,7 bilhões. Sob sigilo, Copa e Olimpíada seguirão no mesmo caminho e irão muito mais longe.
O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), justificou a adoção dos meios obscuros com a velha conversa dos fins virtuosos. Disse que "temerário é não ter a Copa".
O país foi definido como sede da Copa de 2014 em outubro de 2007. Nesses três anos e sete meses, quase nada se fez. A inoperância e a ineficiência concorrem, como de hábito, para patrocinar o campeonato de interesses escusos.
A MP do sigilo ainda sofrerá análise do Senado, onde se espera que seja alterada. Do modo como está, propicia desfalque mais que previsível nos cofres públicos.
O segredo nunca teve serventia para impedir as fraudes e a corrupção, só para acobertá-las.
Fonte: Folha de S. Paulo - Opinião - Sexta-feira, 17 de junho de 2011 - Pg. A2 - Internet: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1706201101.htm
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Lei Palocci
ELIANE CANTANHÊDE
BRASÍLIA - No caso do "agente 007", o 00 significa licença para matar. No do RDC (Regime Diferenciado de Contratações) aprovado pela Câmara para a Copa e a Olimpíada, o RDC é uma licença para desviar dinheiro público.
Desculpe a rudeza da constatação, mas não me ocorreu nenhum eufemismo ou sutileza para dizer que a mudança nas regras vai facilitar ainda mais o troca-troca nem sempre ético entre as verbas públicas e a ganância privada, agora sob o pretexto de agilizar e apressar as obras para 2014 e 2016.
Há boas críticas aos excessos da Lei de Licitações, a 8.666, mas, se com ela já acontece tudo o que acontece, imagina depois do RDC e da "flexibilização", com tudo rapidinho e por baixo dos panos?
Entre os cachos pendurados nessa árvore, destacam-se: a liberdade para aumentar sem limites os valores dos contratos na mesma licitação; e a decisão de manter sob sigilo os orçamentos de União, Estados e municípios para a Copa. Ou seja, em segredo, bem longe da curiosidade da imprensa e do legítimo direito de informação dos cidadãos. Por que será, hein?
É difícil explicar - e ninguém explicou até agora - por que raios os valores podem continuar subindo e o cidadão e a cidadã que pagam impostos (e que impostos!) não vão ter acesso às informações sobre quem paga, para quem paga, pelo quê paga e por quê paga. Parece até a história do Palocci.
O pior é o pretexto: apesar de todo o mundo saber há anos que a Copa vai ser no Brasil, as obras nos aeroportos e nos estádios estão a passos de tartaruga, tudo atrasado. No Pan de 2007, as obras foram estimadas em R$ 410 milhões e bateram em R$ 3,7 bilhões. Em 2014, ano de eleições gerais - para deputado, senador, governador e presidente da República -, vai ser uma festa.
Segundo o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, o sigilo é "absurdo, escandalosamente absurdo". Não há como discordar.
e-mail: elianec@uol.com.br
Fonte: Folha de S. Paulo - Opinião - Sexta-feira, 17 de junho de 2011 - Pg. A2 - Internet: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1706201104.htm
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OPINIÃO
A mais discutível das mudanças, na opinião do presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, Carlos Ari Sundfeld, é aquela que permite que a empresa contratada para executar a obra também seja responsável pelo projeto.
O poder público poderá entregar um aeroporto inteiro a uma empresa que determinará como será e quanto custará a obra. Esse salto no escuro será fiscalizado pelo Tribunal de Contas da União e pelos congêneres estaduais.
Além do rigor das auditorias não ser nacionalmente homogêneo nos tribunais de contas estaduais, o texto aprovado na Câmara inibe o acompanhamento público da execução orçamentária da obra.
Reportagem de Maria Cristina Fernandes e publicada pelo jornal Valor, 17-06-2011.
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OPINIÃO
A mais discutível das mudanças, na opinião do presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, Carlos Ari Sundfeld, é aquela que permite que a empresa contratada para executar a obra também seja responsável pelo projeto.
O poder público poderá entregar um aeroporto inteiro a uma empresa que determinará como será e quanto custará a obra. Esse salto no escuro será fiscalizado pelo Tribunal de Contas da União e pelos congêneres estaduais.
Além do rigor das auditorias não ser nacionalmente homogêneo nos tribunais de contas estaduais, o texto aprovado na Câmara inibe o acompanhamento público da execução orçamentária da obra.
Reportagem de Maria Cristina Fernandes e publicada pelo jornal Valor, 17-06-2011.
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