"Miseráveis entre miseráveis", mais de 10 milhões de pessoas vivem com R$ 39


Luciana Nunes Leal

Dados do Censo de 2010 que balizaram ações do Brasil sem Miséria, principal programa social da gestão de Dilma Rousseff e com meta atingir 16,3 milhões de pessoas, detalham onde vivem 8,5% dos brasileiros com renda familiar de até R$ 70

Uma população estimada em 10,5 milhões de brasileiros - equivalente ao Estado do Paraná - vive em domicílios com renda familiar de até R$ 39 mensais por pessoa. São os mais miseráveis entre 16,267 milhões de miseráveis - quase a população do Chile - contabilizados pelo governo federal na elaboração do programa Brasil sem Miséria. Lançado no dia 3 de maio como principal vitrine política do governo Dilma Rousseff, o programa visa à erradicação da miséria ao longo de quatro anos.

Dados do Censo 2010 recém-divulgados pelo IBGE que municiaram a formatação do programa federal oferecem uma radiografia detalhada da população que vive abaixo da linha de pobreza extrema, ou seja, com renda familiar de até R$ 70 mensais por pessoa - que representam 8,5% dos 190 milhões de brasileiros.

A estimativa dos que sobrevivem com até R$ 39 mensais per capita é a soma dos 4,8 milhões de miseráveis que moram em domicílios sem renda alguma e 5,7 milhões de moradores em domicílios com rendimento de R$ 1 a R$ 39 mensais. Estima-se que outros de 5,7 milhões vivem com renda entre R$ 40 e R$ 70 mensais por pessoa da família.

Os números calculados pelo Estado são aproximados e levam em conta o número médio de 4,8 moradores por domicílio com renda familiar entre R$ 1 e R$ 70 mensais.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social com base no Censo 2010, há 4 milhões de domicílios miseráveis no País. Em 1,62 milhão desse total vivem famílias que não têm renda. Em 1,19 milhão de moradias a renda familiar é de R$ 1 a R$ 39 mensais per capita e em outro 1,19 milhão as famílias vivem R$ 40 a R$ 70.

Além da baixíssima renda, os extremamente pobres têm em comum o fato de viverem em domicílios com pelo menos um tipo de carência por serviços básicos, como energia elétrica, abastecimento de água, rede de saneamento ou coleta de lixo.

Ranking. O Estado com o maior número absoluto de miseráveis é a Bahia, onde estão 2,4 milhões, ou 14,8% da população extremamente pobre. Os baianos miseráveis são 17,7% dos habitantes do Estado.

No Maranhão, no entanto, está a maior proporção de miseráveis. Um em cada quatro moradores vive com renda familiar per capita entre zero e R$ 70 - um total de 1,7 milhão de pessoas, que representam 25,7% da população.

Seis Estados (PA, MA, CE, PE, BA e SP) têm, cada um, mais de 1 milhão de moradores em extrema pobreza. Juntos, eles concentram 9,4 milhões de miseráveis, ou 58% do total.

São Paulo. Estado mais populoso do País, São Paulo tem 1,084 milhão de pessoas que vivem em domicílios em situação de pobreza extrema - o que representa só 2,6% do total de habitantes.

A pesquisadora Lena Lavinas, do Instituto de Economia da UFRJ, especializada no estudo da pobreza, acredita que em um ano seja possível "alcançar as pessoas que, embora indigentes, ficaram de fora do programa Bolsa Família". "O importante é que não haja cotas ou limites para os municípios. Todas as pessoas devem ser cobertas."

"Isso vai funcionar melhor ou pior dependendo da competência dos municípios e da capacidade de articulação dos Estados", afirma. A economista lembra que outra etapa do Brasil sem Miséria será suprir carências das famílias como acesso a serviços básicos e à educação. "Essa dinâmica toma mais tempo, é um processo mais longo", afirmou.

Para calcular a renda média das famílias extremamente pobres, o IBGE levou em conta apenas as que têm algum tipo de rendimento, entre R$ 1 e R$ 70. Essa população tem renda familiar média de R$ 40,70 mensais - uma longa distância de mais de R$ 30 para, segundo os critérios do governo, passar de miserável a pobre (renda familiar per capita de R$ 71 a R$ 140 mensais).

A contagem feita em 2010 aponta a existência de agrupamentos de moradias miseráveis mesmo nas cidades em que a população tem alta renda.

São José do Rio Preto (SP) é um exemplo. Embora a renda familiar média seja de R$ 1.161,86 mensais por pessoa, há lá um conjunto de 867 domicílios extremamente pobres em que a renda média dos moradores é de apenas R$ 18,83 mensais per capita.

Grandes capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, com alta renda média da população, também registram grupos de famílias com baixíssima renda.

Entre 20.075 famílias paulistanas na faixa de extrema pobreza, o rendimento médio domiciliar era de R$ 43,08. Há 101 mil miseráveis (com renda entre R$ 1 e R$ 70, excluídos os que não têm renda) na capital (0,9% da população). Em números absolutos, é a maior concentração de pessoas extremamente pobres do País.

Mapa da miséria e da desigualdade econômica no Brasil, acesse e explore:

Fonte: O Estado de S. Paulo - Nacional - Domingo, 19 de junho de 2011 - Pg. A4 - Internet: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110619/not_imp734262,0.php
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"Pobreza não se define por dinheiro no bolso"


ENTREVISTA - Arilson Favareto, pesquisador do Cebrap

Isadora Peron

Em entrevista ao Estado, o pesquisador Arilson Favareto [foto ao lado], do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), faz um alerta sobre os últimos dados do Censo: o número de miseráveis no Brasil pode ser muito maior do que os 16,2 milhões que vão ser contemplados pelo programa Brasil sem Miséria, recém-lançado pelo governo federal.

O Brasil sem Miséria poderia ter um alvo maior que 16,2 milhões de pessoas?

Pobreza não é algo que se define pela quantidade de dinheiro que uma pessoa tem no bolso. Além de ter um mínimo de renda, é necessário ter algum nível de instrução e condições para viver uma vida saudável. Se o País adotasse critérios multidimensionais para definir a pobreza, o número seria bem maior.

O Censo mostrou que há mais pobres na cidade, mas as políticas do programa parecem mais voltadas para o meio rural. Isso é um problema?

É, com certeza. Mas não é o único. A maneira como o programa define regiões rurais e urbanas é um outro problema grave. Isso cria uma separação artificial do público alvo que não corresponde à realidade. Há pessoas que moram na área rural e trabalham na urbana e vice-versa, então não faz sentido separar essas duas coisas como se as atividades tidas como urbanas - comércio, serviço, indústria - fossem uma coisa que só acontece em São Paulo.

O sr. identifica outros obstáculos no programa?

Sim. Esse projeto foi apresentado sem uma boa avaliação das iniciativas anteriores. Por exemplo, no primeiro governo Lula foi lançado o Fome Zero, mas qual a avaliação desse programa? Ninguém sabe. Outro problema é a maneira como se pensa a famosa porta de saída, isto é, os caminhos para sair da miséria. À medida que o programa tem determinadas ações voltadas para a pobreza rural e outras para a urbana, ele deixa de dialogar com uma das principais mudanças demográficas contemporâneas, que é essa maior interpenetração entre as áreas rurais e as pequenas cidades do interior. Para traduzir: a participação das atividades agrícolas é cada vez menor tanto na ocupação do trabalho das famílias como na renda. E o programa diz: para quem está na pobreza rural, atividades agrícolas. É um erro.

O agronegócio não é o caminho para minar a pobreza rural?

Certamente não, porque a agricultura é cada vez mais poupadora de trabalho. Na cultura da cana, você precisa de pelo menos 100 hectares para empregar uma pessoa. É claro que a agricultura é importante para o mundo porque a gente precisa de alimentos, mas ela não contribui para o combate à pobreza.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Nacional - Domingo, 19 de junho de 2011 - Pg. A7 - Internet: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110619/not_imp734272,0.php

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