«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 31 de maio de 2019

Uma dica incrível para você!

Coleção “Primeiros Passos”
46 livros para baixar (PDF)

Mergulhe nessa fonte de saber e conhecimento!
Não perca!
Resultado de imagem para Coleção Primeiros Passos 
Coleção Primeiros Passos é uma iniciativa da Editora Brasiliense bastante conhecida no Brasil.  Lançada em 1970 em formato de bolso, fez enorme sucesso pelo seu caráter prático e resumido. A coleção aborda temas de grande relevância de forma introdutória, apresentando ao leitor um panorama geral do assunto.

Esse tipo de abordagem é muito importante, afinal, é justamente uma boa introdução que pode levar o leitor a se interessar e se aprofundar.

Muitos profissionais, artistas, professores e intelectuais decidiram pelas suas carreiras lendo textos introdutórios sobre temas diversos, onde um deles, por acaso, despertou sua paixão.

A Coleção Primeiros Passos, pelo seu caráter introdutório, se coloca neste importante e decisivo instante de descoberta da vida do leitor.

Outra grande utilidade desta coleção é:
* enriquecer pesquisas e trabalhos escolares,
* uma vez que são textos escritos por profissionais renomados,
* fornecendo ainda outras referências bibliográficas e
* a segurança de um texto produzido com seriedade e avalizado por uma editora, ao contrário dos duvidosos textos que existem internet afora.

Confira abaixo 46 livros da Coleção “Primeiros Passos”
para baixar – basta clicar sobre o título:


Confira também alguns textos introdutórios do netmundi.org
Clique sobre o título para baixar:


Obras sobre Psicologia e Psicanálise – 170 livros para baixar:

Clique aqui.

Obras de Filosofia, Antropologia e outras para baixar:

Clique aqui.

Fonte: netmundi.org – Filosofia na Rede – Acesso em: 31 de maio de 2019 – 18h20 – Internet: clique aqui.

Um mundo sem privacidade!

“Profeta” do escândalo do Facebook faz alerta sobre reconhecimento facial

Bruno Romani

Professor polonês previu mecanismo que levou ao caso
Cambridge Analytica; agora, se preocupa com uso de inteligência artificial para reconhecimento de rostos humanos
MICHAL KOSINSKI

Michal Kosinski sabe que causa controvérsia. Psicólogo e professor assistente da Universidade Stanford, o polonês de 37 anos descreveu, anos antes de ser descoberto, o mecanismo por trás da maior crise da história do Facebook. Em artigo de 2013, ele chamou atenção para o uso de curtidas e testes para decifrar a personalidade de uma pessoa. A estratégia foi usada pela consultoria política Cambridge Analytica (CA) para influenciar a opinião pública em episódios como as eleições americanas de 2016. De profeta, Kosinski passou a ser considerado cúmplice na manobra. Agora, faz novo alerta: abusos no uso de inteligência artificial (IA) para reconhecimento de rostos humanos.

“Empresas e governos estão usando tecnologia para identificar não só as pessoas, mas também características e estados psicológicos, causando riscos sérios à privacidade”, diz o pesquisador, em entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S. Paulo. Nos últimos anos, ele tem dedicado seus estudos a mostrar como a tecnologia de reconhecimento facial pode ser usada para discriminar pessoas. Para exemplificar, escolheu uma abordagem espinhosa: mostrar que um algoritmo pode olhar para fotos de pessoas em redes sociais e adivinhar sua orientação sexual com precisão maior do que humanos fariam.

Cara a cara

No estudo, o polonês utilizou um algoritmo de reconhecimento facial disponível de graça na internet, o VGG Face. O sistema foi alimentado com 35 mil fotos de rostos encontradas em redes sociais. A máquina tinha um desafio: ao ser apresentada a um par de fotos, com uma imagem de um heterossexual e uma de um homossexual, ela deveria ser capaz de apontar qual das pessoas tinha a maior probabilidade de ser gay.

A máquina teve taxa de acerto de 81% no caso de homens e 71% no caso de mulheres – já julgadores humanos tiveram 61% e 54%, respectivamente. Ao analisar cinco fotos das mesmas pessoas, a precisão da máquina subiu para 91% (homens) e 83% (mulheres).

“O estudo não tenta entender o que causa diferenças entre gays e héteros, mas mostrar que há mecanismos que trabalham para isso, como o fato de que características psicológicas e sociais afetam nossa aparência”, explica Kosinski. “Para os humanos, é difícil detectá-las, mas os algoritmos são muito sensíveis e podem fazer previsões precisas.”

Publicados em 2017 na revista The Economist, os resultados da pesquisa provocaram polêmica. Dois grupos LGBTQ+ dos EUA, o Human Rights Campaign e o Glaad, consideraram o estudo falho e perigoso, enquanto pesquisadores questionaram seu método, linguagem e propósito.

Para Kosinski, há paralelos na reação das pessoas entre seu estudo sobre o Facebook e sobre reconhecimento facial. “Quando alertei para o monitoramento de curtidas, as pessoas riram dos meus resultados. Ao descobrir sobre a Cambridge Analytica, passaram a me levar a sério”, conta. “De repente, começaram a me culpar por alertar sobre o problema, mesmo não sendo o autor dessa tecnologia.” Mas é difícil ignorar sua conexão com o caso.

A mudança de foco do pesquisador acompanha as tendências da internet, como o crescimento da interação baseada em imagens. Um exemplo é o Instagram, maior rede social de fotos e vídeos do mundo. Entre 2013 e 2018, a plataforma, que também é do Facebook, cresceu mais de dez vezes e hoje tem mais de 1 bilhão de usuários compartilhando selfies e fotos de amigos em todo o mundo.

Perdas e danos

O polonês não se importa com as reações e crê ter atingido seu objetivo: mostrar a facilidade de se construir um algoritmo capaz de estabelecer conclusões como a orientação sexual, religiosa ou política de uma pessoa.

Independentemente de estarem certos ou errados, sistemas com essa missão podem gerar danos à sociedade se forem usados. “Há startups e companhias que oferecem previsões básicas gratuitas na internet. É uma tecnologia acessível – e pode estar em aeroportos ou postos de fiscalização de imigrantes”, diz.

Há até lugares em que isso já está sendo posto em prática: na China, há relatos de que o governo usa reconhecimento facial para catalogar e vigiar os uighurs, uma minoria étnica muçulmana. Já cidadãos chineses são monitorados para a obtenção de crédito pessoal.

“Não dá para a sociedade se transformar numa sociedade preditiva, na qual não posso ter um emprego por ter 72% de chance de ter determinado comportamento”, avalia Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do Grande ABC (UFABC). “Isso retira das pessoas, bem como da sociedade, a capacidade de livre arbítrio.”
Reconhecimento facial na China - a sociedade mais vigiada do mundo

Ética

Para especialistas em Inteligência Artificial ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo, o nível de apuro tecnológico da pesquisa de Kosinski não surpreende. “São resultados preliminares. É possível até melhorar a precisão do algoritmo”, diz Alexandre Chiavegatto Filho, professor da USP e especialista em tecnologia na saúde. Não é algo que está nos planos do polonês: para ele, o que fez foi suficiente para jogar luz no problema. A discussão do trabalho, porém, está longe de ser enterrada.

“Escolher estudar padrões ligados a assuntos íntimos, como orientação sexual, com base no rostos das pessoas parece bastante assustador”, diz Walter Carnielli, diretor do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Unicamp e pesquisador associado ao Advanced Institute for Artificial Intelligence (AI2). Para Chiavegatto, da USP, o tiro do polonês pode sair pela culatra. “É uma pesquisa que mostra para o Irã e outros governos totalitários que é possível e simples aplicar essa tecnologia. É preciso pensar nas consequências.”

Lá fora a questão é bem discutida: antevendo cenários distópicos, a cidade de São Francisco (EUA) proibiu, há duas semanas, o uso governamental de reconhecimento facial em locais públicos. Kosinski concorda que a proibição não é um bom caminho para a tecnologia. Aqui no Brasil, o mais próximo disso são audiências públicas sobre o uso de reconhecimento facial e de inteligência artificial.

Enquanto isso, Kosinski se prepara para tocar as trombetas de um novo apocalipse tecnológico. Hoje, ele trabalha em novo artigo sobre reconhecimento facial. Desta vez, tenta demonstrar como a tecnologia pode ser usada para estimar visões políticas. A expectativa é publicar o trabalho até o final do ano, antes de uma nova corrida presidencial começar nos EUA. Ele sabe que deve gerar controvérsia – de novo. “Se as pessoas entenderem os riscos, tudo bem: meu trabalho terá sido bem feito.”

Fonte: O Estado de S. Paulo – link / Economia – Domingo, 26 de maio de 2019 – Pág. B9 – Internet: clique aqui.

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Como será o nosso futuro?

Soluções para o século 21

Conversa com Domenico De Masi
Sociólogo italiano – Ex-Professor das Universidades de Nápoles e «La Sapienza» - Roma

Carlos Eduardo Entini

“O desemprego é uma construção social”, afirma Domenico de Masi,
e acrescenta:
“O trabalho deve ser redistribuído, como deve ser a riqueza”
DOMENICO DE MASI

O sociólogo italiano Domenico De Masi já nos propôs o ócio criativo e agora, em seu último livro, propõe uma revolução, sem pólvora, sem sangue. Mas com novos entendimentos. O principal deles é que vivemos em um sociedade pós-industrial na qual o trabalho é menos necessário para se produzir riqueza e é mais intelectual do que braçal. Consequentemente há o aumento do tempo livre. Portanto, o desemprego, que veio para ficar, é uma questão estrutural e deve ser encarado de outra forma: o trabalho “deve ser redistribuído, como deve ser a riqueza”, explicou De Masi na conversa que teve com o jornal O Estado de S. Paulo quando visitou São Paulo este mês. Se assim fosse, prossegue o sociólogo, nascido na comuna de Rotello há 81 anos, todos os desempregados estariam ocupados imediatamente.

Parece tudo tão simples, certo? Pois para De Masi é assim que tem que ser, porque “o papel do intelectual é transformar as coisas complexas em coisas simples”. É esse o esforço do livro Uma Simples Revolução, recém-lançado no Brasil. Em 81 capítulos, De Masi trata de uma miríade de assuntos, mas sempre com o mesmo objetivo: dar ao leitor um panorama de onde estamos e como aqui chegamos. Segundo o autor, o momento em que vivemos não é o melhor mundo possível, mas certamente o melhor até hoje.

Além da redistribuição do trabalho reduzindo a carga horária, a simples revolução viria com o trabalho à distância, a maior presença de mulheres no mercado e de investimentos em todas “as tecnologias possíveis para libertar o homem do trabalho, sempre produzindo mais riquezas”. E, por outro lado, entender que o ócio é produção. Exercê-lo, explica De Masi, é fazer três coisas ao mesmo tempo: trabalho, produzindo riquezas; estudo, produzindo conhecimento e divertimento, produzindo bem-estar.

Leia trechos da conversa:

I. Ensino superior
O problema hoje no mundo não é o PIB, mas a taxa de diplomados. Por exemplo, na Califórnia existem 66%; na Itália, 23%. Portanto a Itália é um país subdesenvolvido em relação à Califórnia. O problema hoje é como ter maior número de formados, porque a láurea hoje é como a quinta série de 100 anos atrás. Na sociedade pós-industrial é o título mínimo. Porque o diploma não serve só para trabalhar, serve para entender o telejornal, a política, saber como educar os filhos, entender a vida do cidadão.

II. Ócio criativo
A causa da globalização é sobretudo a causa do progresso tecnológico. Conseguimos produzir sempre mais, trabalhando sempre menos. Na Itália, em 1891, éramos 30 milhões e trabalhamos 70 milhões de horas. Em 2018, 61 milhões trabalharam 40 milhões de horas. E produzimos 20 vezes mais. Isso é o que em economia se chama jobless growth (crescimento sem trabalho). O primeiro problema: aumenta o tempo livre. Os nossos bisavós, trisavós viviam 300 mil horas e trabalhavam 150 mil. Hoje vivemos 700 mil e trabalhamos, no máximo, 80 mil. Essa é uma situação rara, não se tem o que fazer. Aumenta o tempo de ócio e ele se torna produção. Nós produzimos enquanto estamos no ócio. Por exemplo, se eu assisto à TV, há um aumento de audiência e cresce a publicidade. Nosso ócio agora é produção. O segundo problema é como mudar o trabalho. Na época de Marx, em Manchester, 94% dos trabalhadores eram operários braçais. Hoje, são 33%. Portanto, não somente foi reduzida a quantidade de trabalho, mas o que permaneceu é predominantemente intelectual. O trabalho intelectual, diferentemente do braçal, se caracteriza em trabalhar, aprender e se divertir. Esse é o ócio criativo.
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III. Trabalho de desempregado
Um desempregado trabalha mais do que um empregado. Porque para conseguir comer à noite deve fazer mil coisas para ter o mínimo de comida. O desempregado é o trabalhador mais intenso que existe. Ninguém trabalha como os desempregados, eles fazem os trabalhos que nós evitamos, carregam malas, são babás, lavam pratos. Porém os desocupados não têm um lobby, esse é o problema.

IV. Desemprego
O desemprego é uma construção social. Podemos ter todos os desempregados ocupados imediatamente. Por exemplo, um alemão trabalha 1.400 horas ao ano, em média. A ocupação é de 79%. O desemprego é de 3,8%. Na Itália trabalhamos 1.800 horas ao ano, veja que loucura! Os italianos trabalham 400 horas a mais que os alemães! E temos 58% de ocupação e 11% de desemprego. Se na Itália trabalhássemos 1.400 horas não existiria nenhum desempregado. O desemprego é uma construção social, não é uma fatalidade. Na Alemanha, com 1.400 horas, se produz 20% a mais que na Itália e, portanto, paga-se salários 20% maiores. E isso [redução das horas trabalhadas] incentiva a produtividade e ela se incentiva a si mesma. Hoje na Itália, finalmente, apresentamos um projeto de lei, do qual também participei, sobre a redução do trabalho para 34 horas semanais. Mas na Alemanha, desde 1 de janeiro deste ano, os metalúrgicos trabalham 28 horas e tiveram um aumento de 4,2% no salário. Isso porque a Alemanha entendeu quando menos se trabalha, mais se produz.
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Metalúrgicos em uma fábrica alemã

V. Empresas
A empresa é a instituição mais atrasada que existe no mundo. São mais evoluídos o exército e a Igreja do que a empresa. A empresa ficou com a mentalidade de Taylor e Ford em quase todo o mundo. Por exemplo, o papel da mulher nas empresas é ainda um papel de subordinada, enquanto na sociedade o papel da mulher é muito mais paritário. Não é ainda totalmente paritário, mas tem mais paridade na família e na sociedade do que na empresa. Outro exemplo é o trabalho à distância. A maioria dos trabalhadores é formada por intelectuais. Os trabalhadores físicos não podem ir para casa, porque se trabalham na linha de montagem devem ir à fábrica. Os trabalhadores intelectuais trabalham com a informação e graças à internet se recebe informação em qualquer lugar. Portanto, é totalmente inútil que um jornalista vá à redação para trabalhar. Pode trabalhar de casa. É totalmente inútil que milhares de pessoas saiam de manhã de casa, andem quilômetros, gastem gasolina, gastem dinheiro, poluam, tenham acidentes mortais para fazer no escritório aquilo que poderiam fazer em casa. Portanto, toda a organização do trabalho das empresas é ainda feita sob a base da fábrica, da linha de montagem que não existe mais. O resultado qual é? São Paulo, o maior manicômio do mundo. Porque as pessoas saem de casa de manhã para outro lugar. E todos poderiam trabalhar de casa, do bar ou de onde quiserem. O trabalho à distância é a revolução mais simples. Como é a situação de São Paulo hoje? Metade da cidade é vazia de dia, nesse momento existem milhares de apartamentos vazios porque os moradores estão no escritório. E metade da cidade é vazia à noite. Portanto é um manicômio onde os loucos se movem de uma parte a outra sem saber o porquê.
Engarrafamento em vias de São Paulo, capital

VI. “Síndrome de Clinton”
Os chefes, de qualquer nível, não querem mudar [para o trabalho a distância]. Eu chamo ‘Síndrome de Clinton’. Quem que não queria a estagiária longe da Casa Branca? Clinton. Cada chefe quer os dependentes abaixo de si. Entretanto existem países inteiros que vivem sob o trabalho à distância, como Holanda e Suécia. Na Itália, 5% trabalham à distância. Se em São Paulo 10% trabalhassem à distância, não existiriam problemas de tráfego. Não custaria nada e todos estariam mais felizes. 
WARREN BUFFETT - megainvestidor norte-americano

VII. Redistribuição do trabalho
Os desocupados devem lutar pela redução de horário de trabalho. Não existe nenhuma outra solução para o desemprego. O trabalho deve ser redistribuído como deve ser a riqueza. Não é possível que no Brasil existam ricos e pessoas que morram de fome. Não é possível que no mundo existam 8 pessoas que tenham a riqueza da metade da humanidade. Uma disparidade que nunca existiu no mundo, um homem só que tem a riqueza de 10 estados. Warren Buffett tem sozinho a riqueza do Canadá. Lutem pela distribuição de trabalho, que dela também vem também a distribuição da riqueza. Reduzam o horário de trabalho, porque isso aumenta a produtividade. Empregados, aceitem a redução de horário de trabalho. Primeiro porque isso não reduzirá o salário. Segundo, porque aumentará o tempo livre. Terceiro, aumentando o tempo livre, aumentará a felicidade

VIII. Índios e o homem pós-moderno
Como eram as vidas dos índios? Dissemos que pelo jobless growth se trabalhará sempre menos e haverá sempre mais bem-estar. Essa era a situação dos índios, sobretudo dos índios nas zonas quentes do Brasil. Eles não tinham necessidade de roupas, de trabalhar para comer, bastava pescar ou caçar. Portanto eles eram como o novo homem pós-moderno, tinham que trabalhar pouco, como um metalúrgico alemão que trabalha 28 horas semanais. Eu creio que um índio trabalhava ainda menos semanalmente. O que fazia um índio no resto do tempo? Eles se dedicavam acima de tudo à contemplação da natureza, porque eles dizem que existem três níveis na natureza: a floresta, que é a divindade, depois os animais e o homem. E eles tinham uma contínua contemplação da relação entre esses três. Depois tinham o problema de conservar a cultura de sua tribo, ou seja, contar aos outros, aquilo que hoje é um romance, as coisas que aconteceram antes, os mitos. A mais importante expressão era a estética. Qualquer parte do corpo era pintada, qualquer item que carregavam era belíssimo, qualquer presente que se fazia devia ser perfeito, porque a estética era a alma do ser humano. Como a estética era sublime, não podia ser feita num muro, numa folha, deveria ser feita sobre o corpo da pessoa amada e deveria morrer junto ao corpo. Essa é uma visão de vida que eu espero que se torne a visão pós-industrial. O maior tempo livre pode significar drogas, violência, porém pode se transformar nisso que podemos aprender com os índios.

L I V R O

Título: Uma simples revolução: trabalho, ócio e criatividade – Novos rumos para uma sociedade perdida

Autor: Domenico de Masi

Tradução: Yadyr Figueiredo

Editora: Sextante

Páginas: 368

Preço de capa: R$ 54,90

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 26 de maio de 2019 – Pág. E1 – Internet: clique aqui.

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Manipulando a religião

A extrema direita resgata a experiência
maquiavélica de usar a religião
em favor de quem governa

Entrevista com Roberto Romano
Professor de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp

Patricia Fachin

A consagração do Brasil ao Imaculado Coração de Maria foi “uma reedição caricata da anedota sobre Henrique IV da França.
Protestante, ele teria se convertido ao catolicismo para chegar ao trono”
ROBERTO ROMANO

No caso de Bolsonaro, ironiza, “um presidente que se proclama ‘evangélico’ para ganhar votos se apresenta compungido e exalta a Virgem Mãe, como se ele mesmo fosse o fruto de um milagre mariano”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o professor explica que as consagrações ao Coração de Jesus e ao Coração de Maria têm origem junto à Igreja nascente, mas ganharam uma dimensão política ao longo dos séculos. “Notemos, pois, que na vida moderna, ou desde o final da Idade Média quando se forma o Estado nos delineamentos ainda hoje reconhecíveis, o culto ao Coração de Jesus e de Maria adquire uma dimensão política a cada momento mais evidente. Não será por acaso que o anseio do mundo católico, em luta contra o Estado laico que é diretamente oposto à religião, foi o de formar exércitos (a Ação Católica era um deles) de fiéis para proteger a Igreja e atacar o modernismo, cujos signos mais evidentes eram a cisão protestante, o socialismo, o anarquismo, o comunismo. Sem esquecer, muito pelo contrário, o liberalismo”, pontua.

Roberto Romano também comenta a instrumentalização que políticos à direita e à esquerda fazem da religião, como tem-se observado na cena política recente. “A extrema direita de hoje, na Itália, Alemanha, Bélgica, França e demais países, tem raízes recentes e antigas. Tanto os regimes nazistas e fascistas quanto os comunistas impostos aos povos (na Polônia e na Hungria, por exemplo) deixam traços éticos, cicatrizes terríveis, como a busca de uma autoridade infalível, monocrática, sem compromisso com os indivíduos e movida pelas massas. Traços assim são indeléveis. Basta que a democracia mostre sua face mais feia (como nos programas genocidas neoliberais que preferem a saúde do mercado à vida das pessoas) para que os fantasmas do passado se reapresentem na fala, na imaginação e... no coração dos povos. Assim, os líderes da extrema direita redescobrem as lições maquiavélicas sobre a eficácia política: mover a religião em favor de quem governa. Aí vale tudo, incluindo rosários, hagiografias, milagres”.

Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Cursou doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales - EHESS, França. Escreveu, entre outros livros, Igreja contra Estado. Crítica ao populismo católico (São Paulo: Kairós, 1979), Conservadorismo romântico (São Paulo: Ed. UNESP, 1997), Moral e Ciência. A monstruosidade no século XVIII (São Paulo: SENAC, 2002), O desafio do Islã e outros desafios (São Paulo: Perspectiva, 2004) e Os nomes do ódio (São Paulo: Perspectiva, 2009).

 Confira a entrevista.
Imagem do Sagrado Coração de Maria

IHU On-Line - Qual é a origem dos atos de consagração de um país ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria?

Roberto Romano: O culto do Coração de Jesus é antigo. Mas devemos partir do fato recente, efetivado pelo Governo Federal a pedido de um grupo político católico. Trata-se do Coração de Maria. Tal veneração também é antiga. Poder-se-ia dizer que ela brota da Igreja nascente.

Santo Irineu, no Adversus haereses, diz de Maria que ela “tornou-se a causa da Salvação de todo o gênero humano”. Orígenes (aproximadamente 254) a intitula “nossa mãe”. São Epifânio e outros a chamam “mãe dos viventes, mãe de todos os membros dos quais Jesus é o Senhor” (século V). Santo Alberto Magno a identifica como “a mãe de todos os cristãos, a mãe espiritual de todo o gênero humano”. Entre os séculos XIV e XVI, temos testemunhos da qualificação de Maria como “mãe da Igreja”. São Francisco de Sales redigiu a prece conhecida: “lembrai-vos... dulcíssima, que sois minha Mãe de que sou vosso filho... sois a mãe comum de todos os pobres humanos...”. Assim, com os votos dos fiéis e da hierarquia, Theotokos [= a mãe de Deus] surge como colaboradora na obra da Redenção por ser pura, imaculada, misericordiosa. Notemos no último vocábulo o acúmulo do coração que perdoa a todos os pecadores.

Foi quase natural o elo entre a misericórdia de Cristo e a de sua mãe. Com o culto do Coração de Maria, os seus propagadores passam a ideia de uma consagração dos povos a ela. Em 1726, sob Bento XIII, o jesuíta Gallifet apresenta um Memoriale (De cultu sacrosancti Cordis Dei ac. D.N. Jesu Christi) para conseguir aprovação ao culto do Sagrado Coração de Jesus. Tal licença foi negada pela Congregação dos Ritos. Sob Clemente XIII (1758-1761) houve nova tentativa. O postulante teve a prudência de distinguir o culto do “Coração Imaculado” de Maria do relativo ao Sagrado Coração de Jesus. A Congregação aprova, agora, o culto do Sagrado Coração. Feita a distinção teológica e de soteriologia, muitos bispos aprovam o culto ao Imaculado Coração de Maria. Pio VI aprova a Festa do Coração de Maria.

O título de Regina Mundi [= Rainha do Mundo] é também antigo. Em saltérios do século X, ela é invocada assim. Em 1875, a Santa Sé aprova o título de “Virgem Imaculada, Rainha do Universo”. Em 1885, Leão XIII dava indulgência à invocação de Maria: “Tu et Filius tuus”. Um lado do coração de Jesus e de Maria foi magnificamente cantado pelo Padre Vieira no Sermão Maria Rosa Mística. O Filho de Deus “veio para remediar, para livrar, para consolar a todos os afligidos, a todos os cativos, e a todos os que choram suas misérias. Bem está. Mas os que não têm misérias, nem trabalhos, nem cativeiros, nem aflições que chorar, não veio o Filho de Deus ao mundo também para eles? Sim, veio, mas como o seu espírito é de piedade, de compaixão e de misericórdia, os tristes, os afligidos, os cativos e os miseráveis são os que mais lhe movem e levam o coração, como se só para eles viera. E se esta é a inclinação e propensão do Filho de Deus, qual podemos considerar que será a da Mãe do mesmo Filho?”. Eis aí uma chave estratégica: os corações de Jesus e de Maria têm predileção pelos oprimidos, pobres, cativos. Não é sem motivos, pois, que o seu culto adquiriu enorme adesão do povo fiel, ao longo dos tempos. A Igreja soube canalizar tal entusiasmo em proveito de seu poder religioso e temporal.

Em 1899, ocorre a consagração do mundo ao Sagrado Coração de Jesus, o que acresce a esperança dos fiéis na consagração do mesmo planeta ao Coração de Maria. Em 1902, no encontro internacional dedicado a Maria, em Friburgo, ela foi coroada (em nome de Leão XIII) como “Nossa Senhora, Rainha do Universo”. A festa seria no dia 31 de maio. Em 1931, foi celebrada a lembrança do Concílio de Éfeso, quando Maria foi proclamada Mãe de Deus (Theotokos). Em 13 de outubro de 1930, é autorizado o culto de Fátima. Em 1931, os bispos portugueses consagram suas dioceses e a pátria ao Coração Imaculado de Maria [1].
Imagem do Sagrado Coração de Jesus

Peço a permissão do leitor para citar uma passagem de artigo meu sobre o pensamento estatal moderno e o culto da Virgem:

“Ao contemplar a Virgem nas artes medievais, notamos a desproporção entre o seu tamanho e o dos pecadores. Os corpos trêmulos abrigam-se sob a mulher que esmaga a serpente do mal. O pagamento do pecado é a morte (Rm 6,23), mas a salvação sempre ocorre de forma gratuita. A Mãe de Deus (Theotokos) mostra que o Eterno pode ser alcançado. Cada um dos fiéis encontra em Maria a sua porta ebúrnea para deixar o exílio no mundo, hac lacrimarum vale. Os cristãos possuem cidadania celeste. Eles estão no mundo visível, mas caminham para o invisível. O crente, iletrado ou poeta, percebe os acontecimentos ‘em constante conexão com um Plano divino do acontecer, para cuja meta os eventos terrestres sempre avançam’. A coroa de Maria garante o triunfo sobre o Inferno. No culto à Virgem o tempo dos cristãos vai do agora (nunc) ao instante da morte (in hora mortis nostrae). Sem a proteção do Estado, corroído depois do Império Romano, sem a segurança da Igreja, em luta contra o esfacelamento feudal dos mosteiros e dioceses, os leigos submetem-se ao guante dos barões ou peregrinam em massa pelos centros onde Maria os reconforta. Os conflitos entre as duas instituições nascentes — Estado nacional e Igreja centralizada — surgem ao redor do mando soberano. Nas palavras de Georges Duby [2], ‘a coroação de Maria na catedral celebra, de fato, solenemente, a soberania da Igreja romana’. O tema da Virgem rainha e mãe “concebido na mesma época em que o papa Inocêncio III reivindicava para a Igreja reunida em torno de si a soberania universal (…) espalhou-se muito rapidamente. Em Notre Dame de Paris, cerca de 1200, revestiu as suas formas perfeitas” (Ibid.)” [3].

Ao lado da mística ou abaixo dela o culto de Maria tem faces de ordem social e política. Um dado de antropologia histórica merece indicação: em muitos lugares onde, após o cristianismo, foram elevados templos à Virgem Maria soberana universal, existem fortes vestígios que indicam a presença do culto a Ísis (com seu par Osíris). Assim, os laços afetivos e o culto seriam anteriores à Igreja, fortemente enraizados na cultura popular. Fica a sugestão que pode remeter para estudos sobre as fontes remotas do poder eclesial e seus símbolos e do mando estatal com seus mitos [4]. Deixemos o campo explosivo e passemos ao culto do Coração de Jesus.

Insisto num ponto: sempre o culto ao Coração de Maria, para os seus entusiastas e para a Hierarquia, teve simultaneidade com o culto do Coração de Jesus. É o que proclama São Francisco de Sales em carta à irmã Jeanne de Chantal: “Pensei portanto, cara madre, se a senhora concorda, que precisamos tomar como armas um só coração atravessado por duas flechas, encerrado numa coroa de espinhos, este pobre coração que serve como base a uma cruz que estará no seu cimo, e será gravado com os santos nomes de Jesus e Maria” (Carta de 10/06/1611).

No lado estatal, em disputa perene com o poder eclesiástico, temos a crônica ligada à dedicação dos países aos corações de Jesus e Maria. Em 1638, Luís XIII da França consagra oficialmente o reino à Virgem, colocando aos seus pés, nas palavras do monarca, “nossa pessoa, nosso Estado, nossa coroa e nossos súditos”. Santa Margarida Alacoque, em mensagem dirigida aos reis, diz que Jesus “deseja entrar com pompa e magnificência na casa dos príncipes, para ali ser honrado, na mesma intensidade em que ele foi ultrajado, desprezado e humilhado na sua Paixão”. Em outra mensagem, ela ordena a Luís XIV a construção de um templo “onde estará o quadro do divino Coração, para ali receber a consagração e as homenagens do Rei e de toda a sua corte. Em tal edifício o chefe da nação francesa reconhecerá o império do divino Coração sobre ele mesmo e sobre a nação, ele proclamará sua realeza, e dirá ser um tenente de Cristo”.
LUÍS XIII - rei da França

O Padre Eudes introduz no reino de Luís XIV o culto do Sagrado Coração. A festa do Sagrado Coração é celebrada já em Montmartre, o mesmo lugar onde hoje se encontra a Igreja do Sagrado Coração. O padre eudista Hébert continua sob Luís XVI o culto que se tornou essencial na Corte. Ele mostra, nos instantes revolucionários mais perigosos para o trono, o Coração de Jesus como amparo contra a impiedade sublevada. Luís XVI consagra a França ao Sagrado Coração e tenta modificar a Constituição civil do clero. Tudo isso piora sua situação. Os católicos perseguidos pelos revolucionários levavam consigo um Sagrado Coração, ou melhor, uma imagem dos sagrados corações, o de Jesus e o de Maria.

A saga do culto continua na Revolução, nos impérios e tem um ponto importante de inflexão na guerra de 1870. Nela, pela primeira vez na história, a bandeira do Sagrado Coração é exposta num campo de batalha. A partir daí surge uma avassaladora onda de consagrações ao Coração de Jesus. Pie, bispo de Poitiers, afirma em sermão: “O crime que nos atrai tão cruéis castigos, é o crime público, o crime social, o crime nacional. Elevemos nossos corações para o Coração de Jesus, para lhe fazer uma consagração pessoal, doméstica, nacional”. O papa Pio IX confirma a construção do templo em Montmartre (1831). Em 1875, Garcia Moreno, presidente do Equador, consagra a nação ao Sagrado Coração de Jesus. Em 1875 ainda, Pio IX consagra o universo cristão ao Sagrado Coração. Em 1899, Leão XIII, na encíclica Annum Sacrum, faz a consagração do mundo. “Dado que o Sagrado Coração é o símbolo e a imagem sensível da caridade infinita de Jesus Cristo, a qual no impulsiona ela mesma a amar em retorno, é natural consagrar a nós mesmos ao santíssimo Coração”.

Os embates entre Igreja e Estado laico (herdeiro do século 18) aumentam a pressão da Propaganda Fidei em prol do Sagrado Coração. Na terceira República, Gambetta proclama: “o clericalismo é o inimigo”. Congregações religiosas são expulsas, ocorre a laicização do ensino até que em 1904 dá-se a ruptura das relações diplomáticas entre França e Vaticano. O exército é expurgado dos líderes católicos que, segundo os defensores do laicismo, eram formados nas “jesuitières” (jesuitarias). Mas, na guerra de 1914, os bispos pedem a consagração dos aliados ao Coração de Jesus, para que a vitória fosse assegurada. Pio XI retoma, na encíclica Miserentissimus Redemptor, o devocionário do Sagrado Coração [5].

Notemos, pois, que na vida moderna, ou desde o final da Idade Média quando se forma o Estado nos delineamentos ainda hoje reconhecíveis, o culto ao Coração de Jesus e de Maria adquire uma dimensão política a cada momento mais evidente. Não será por acaso que o anseio do mundo católico, em luta contra o Estado laico que é diretamente oposto à religião, foi o de formar exércitos (a Ação Católica era um deles) de fiéis para proteger a Igreja e atacar o modernismo, cujos signos mais evidentes eram a cisão protestante, o socialismo, o anarquismo, o comunismo. Sem esquecer, muito pelo contrário, o liberalismo. Exasperando-se a luta entre Igreja e sociedades laicas dirigidas por Estados idem, chegou-se a pensar, como remédio, na consagração do Universo ao Sagrado Coração.

O culto do Sagrado Coração adquire cores contrarrevolucionárias na passagem do século XIX ao XX. Na busca de se fazer Povo e exercer uma soberania espiritual, refloresceram na Igreja movimentos, agora de cunho romântico, cuja sensibilidade se casa perfeitamente com o culto do Sagrado Coração. Este carregou um simbolismo político antiliberal marcado: imaginava-se com ele estabelecer a soberania espiritual, mas de direito, do Sagrado Coração (leia-se, da Igreja) sobre a sociedade e sobre os Estados nacionais. Nesta linha, deu-se a consagração da Bélgica em 1869, da França em 1873, do Equador e outros [6].

IHU On-Line - Recentemente, ao comentar a consagração do Brasil ao Coração de Jesus, o senhor mencionou que isso significou uma prática de política internacional contrária ao liberalismo laico, ao socialismo e ao comunismo no século XIX. Pode nos contar por que essa consagração se opôs ao liberalismo, ao socialismo e ao comunismo?

Roberto Romano: As informações mais decisivas sobre a resistência da Igreja ao pensamento liberal, socialista e comunista podem ser encontradas na vasta literatura conservadora que se espraiou pelo mundo no final do século XIX até metade do século XX. É a literatura dos contrarrevolucionários, em especial a de Donoso Cortés, Joseph de Maistre e L. de Bonald. Não significa que tais autores foram católicos ou mesmo cristãos. Joseph de Maistre foi visto com muita desconfiança pela Cúria Romana. Mas eles encontraram na estrutura vertical e hierárquica da Igreja Católica um suposto remédio contra os males do individualismo (que teriam gerado, em reação, o coletivismo socialista e comunista).

O tema da soberania espiritual da Igreja contra o poder laico ou ateu é avatar da tese de Roberto Bellarmino sobre a soberania indireta da Igreja. Os contrarrevolucionários do século XIX viram na estrutura vertical eclesiástica uma parede contra os movimentos liberais, socialistas e comunistas. Todos eles seriam frutos malditos da Reforma luterana, piorada por Calvino e outros. O princípio da Autoridade fora dinamitado nas revoluções do século XVII e XVIII, o que resultou na anarquia e no seu complemento e oposto, o coletivismo comunista.
CARL SCHMITT

As doutrinas dos contrarrevolucionários alimentaram pensadores do autoritarismo no século XX, basta pensar em Carl Schmitt, católico que se desencantou com a Igreja e caiu nos braços do nazismo. A ideia de representação elaborada por Schmitt vai contra a mesma noção, elaborada pelo liberalismo político. O Estado moderno, mecânico e liberal, não consegue unir os indivíduos e as massas porque lhe falta o que só a Igreja preserva: a obediência a uma pessoa, o Papa, que por sua vez representa pessoalmente Jesus Cristo. Embora o culto ao Sagrado Coração não seja mencionado por Schmitt, fica bem clara em suas teses a noção de que o catolicismo guarda no mundo moderno a prática da representação como elo entre pessoas, no caso as humanas e a divina. Não existe representação ao modelo liberal, que é abstrata e mecânica, mas apenas a que se dá entre pessoas concretas. Schmitt, numa blasfêmia enorme, termina por trocar em seus escritos mais sórdidos a pessoa do Cristo pela de Hitler.

Em suma, tudo o que desejarmos saber sobre os contrarrevolucionários do século XX, podemos entender nos seus efeitos, ao consultar os textos de Schmitt. O catolicismo afirma a soberania de Jesus e de sua mãe sobre o mundo, incluindo o político, os Sagrados Corações simbolizam tal realeza. No vazio instalado com a secularização e com a acolhida do Messias nazista, desaparece o Coração misericordioso, brota a impiedade mais bruta que mantém, no entanto, a ideia de um vínculo pessoal nos tratos do poder. A Igreja, com o culto do Cristo Rei e a consagração dos países a Jesus e Maria, tentou opor ao capitalismo e ao comunismo um programa de integridade dos homens enquanto pessoas, não enquanto número. Em tal sentido, parece-me, Emmanuel Mounier foi quem soube captar de modo mais profundo a posição religiosa contra os dois polos, a individualização sem peias e a resposta a ela, a coletivização delirante.

IHU On-Line - Como o senhor avalia a decisão do Planalto?

Roberto Romano: Não houve consagração ao Coração de Jesus, visto que ela já ocorreu com o Cristo Redentor em 1931. Ocorreu uma consagração de pequena monta à Maria. Basta notar que da Hierarquia católica apenas dois bispos estiveram presentes ao evento [e diga-se, sem grande expressão entre os bispos brasileiros. Aliás, nem mesmo diocese um deles governa]. Trata-se, me perdoem, de uma reedição caricata da anedota sobre Henrique IV da França. Protestante, ele teria se convertido ao catolicismo para chegar ao trono. “Paris vale uma missa”. A história não tem valor documental, mas como diriam os italianos, “è ben trovata”. Um presidente que se proclama “evangélico” para ganhar votos se apresenta compungido e exalta a Virgem Mãe, como se ele mesmo fosse o fruto de um milagre mariano.


IHU On-Line - Como o senhor vê, à esquerda e à direita, o uso político que se faz da religião? Há diferenças no modo como políticos de esquerda e de direita usam a religião para fazer política?

Roberto Romano: A direita imagina ter nascido do ventre religioso. E muitas vezes o é, de fato. A esquerda, salvo a que tem fontes religiosas, nasce do ateísmo laico e, quando se relaciona com as igrejas, o faz com técnicas políticas e alvos de instrumentalização. A direita comete o erro de se imaginar em plano igual à forma religiosa. E sempre que exagera tal gênese imaginária ela se perde nos labirintos do tempo. A esquerda tem se notabilizado por tentar o uso da religião como instrumento de arregimentação de massas, de poder. Fui muito criticado no Brasil pelas duas tendências ao mostrar, em Brasil, Igreja contra Estado, que a Igreja (e a religião) transcende os alvos finitos da política, da economia, da cultura. Mas tal assunto não deve ser abordado agora.

IHU On-Line - No cenário internacional temos visto políticos da extrema direita defenderem discursos religiosos em seus pronunciamentos, ao mesmo tempo em que são contrários a políticas favoráveis à imigração e defendem o nacionalismo, como tem feito Matteo Salvini na Itália. A que o senhor atribui esse fenômeno? Trata-se de algo novo no âmbito político?

Roberto Romano: Não acredito que formas e fórmula culturais nasçam do nada. A extrema direita de hoje, na Itália, Alemanha, Bélgica, França e demais países, tem raízes recentes e antigas. Tanto os regimes nazistas e fascistas quanto os comunistas impostos aos povos (na Polônia e na Hungria, por exemplo) deixam traços éticos, cicatrizes terríveis, como a busca de uma autoridade infalível, monocrática, sem compromisso com os indivíduos e movida pelas massas. Traços assim são indeléveis. Basta que a democracia mostre sua face mais feia (como nos programas genocidas neoliberais que preferem a saúde do mercado à vida das pessoas) para que os fantasmas do passado se reapresentem na fala, na imaginação e... no coração dos povos. Assim, os líderes da extrema direita redescobrem as lições maquiavélicas sobre a eficácia política: mover a religião em favor de quem governa. Aí vale tudo, incluindo rosários, hagiografias, milagres.

IHU On-Line - O ministro das Relações Exteriores brasileiro e parte do novo governo são contrários ao que chamam de “globalismo”, isto é, a existência de um projeto político de um governo global. Como o senhor avalia essa tese?

Roberto Romano: Trata-se de uma expansão desmesurada de doutrinas antes só assumidas em âmbitos como a Tradição, Família e Propriedade - TFP. Sempre digo que a TFP seria como uma espécie de vida guardada em milênios nas pedras ou em gotas de âmbar (como no filme Jurassic Park). A TFP era um retrato fiel, no século XX, do catolicismo conservador do século XIX, incluindo a sua eclesiologia. Hoje a bolha que guardava o ente jurássico explodiu e atinge um coletivo bem maior do que o dos marianos que berravam contra a modernidade. As paredes do Itamaraty foram atingidas pelos dejetos da bolha que formava a TFP. A imitação “católica” e caricata de Trump e de Bannon, via Olavo de Carvalho, ainda irá trazer muitos prejuízos para a vida brasileira.

IHU On-Line - Alguns avaliam que a modernidade apresenta problemas que interferem nas dimensões política e social e que o surgimento de políticos da extrema direita, como os que temos visto na Europa e em certo sentido no Brasil também, que assumem um discurso religioso e econômico, recebem apoio de parte da população porque se apresentam como uma reação à modernidade. Concorda com esse tipo de análise?

Roberto Romano: Em parte. Christopher Hill pergunta em uma de suas obras: “liberdade para quem e para fazer o quê?”. Tivemos nos séculos XIX e XX um entusiasmo desmedido pela modernidade. E com ela, acreditamos em mitos como o desenvolvimento econômico sem limites, o culto das personalidades que lideram o mercado e a política. Também nos esquecemos dos problemas éticos e morais profundos, caímos na voragem do consumo e do gozo que supostamente não têm fim. Reduzimos o mal à banalidade, como bem sugere Hannah Arendt. Sem alimento espiritual administrável, massas buscam felicidade na indústria do entretenimento, na internet, no imediato. Desiludidas, elas se entregam a mitos e cópias de mitos, aceitam de bom grado a servidão. Nada que não tenha sido exposto pela filosofia, de Platão a La Boétie [autor de: Discurso da Servidão Voluntária], chegando aos nossos dias. Do desencanto religioso e cultural brotam os carrascos que hoje, no mundo, retomam a saga do fascismo.

Notas:

[1] Para informações importantes sobre o tema, ver o livro do Padre D’Hubert Du Manoir, S.J.: Maria, études sur la Sainte Vierge, Paris, Beauchesne et Fils. (Nota do entrevistado)

[2] O Tempo das Catedrais, 980-1420, Lisboa, Estampa,1979, p. 156. (Nota do entrevistado)

[3] O trecho de minha autoria foi extraído do artigo intitulado “A figura do Leviatã” e recebeu publicação numa coletânea em homenagem ao Professor Oswaldo Giacoia: Labirintos da Filosofia, Festschrift aos 60 anos de Oswaldo Giacoia Jr. Campinas, Editora Phi, 2014, pp. 356 e ss. (Nota do entrevistado)

[4] Cf. Jurgis Baltrušaitis, La Quête d´Isis, Paris, Flammarion, 1985. (Nota do entrevistado)

[5] Cf. Um acúmulo útil de informações no site: La dévotion au Sacré-Coeur de Jésus. Résumé historique et théologique – clicar http://www.spiritualite-chretienne.com/s_coeur/resume_a.html. (Nota do entrevistado)

[6] R. Aubert: “La vitalité chrétienne”. Nouvelle Histoire de l ´Église. (Nota do entrevistado)

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 28 de maio de 2019 – Internet: clique aqui.