«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Não há limites para a idiotia

Augusto Nunes

Jornalista comenta três fatos ocorridos num mesmo dia, isto é, segunda-feira passada, 
dia 27 de fevereiro de 2012.
Três declarações de gente influente e importante que demonstram 
a mediocridade que reina em nosso país!

Assista ao comentário do jornalista acessando:

Crivella diz que será canal entre governo e evangélicos [Vale tudo para ganhar!]

Luciana Marques

Senador do PRB tomará posse como ministro da Pesca na próxima sexta-feira. 
Ele diz que sua chegada à Esplanada dos Ministérios não está condicionada à retirada da candidatura de Celso Russomano em São Paulo

No mesmo mês em que o Planalto enfrentou uma crise com a bancada evangélica do Congresso Nacional, a presidente Dilma Rousseff decidiu indicar o senador Marcelo Crivella (PRB) para o comando do Ministério da Pesca. Em entrevista ao site de VEJA, o senador disse que estreitará a relação entre o governo e a igreja evangélica – à qual se converteu aos 7 anos. Crivella, agora, será o braço da Igreja Universal do Reino de Deus no governo. Ele tem forte relação com a igreja, da qual já foi bispo.


Discreto e governista de carteirinha, Crivella [foto ao lado] não entrou na briga entre parlamentares evangélicos e o governo. A bancada evangélica reagiu negativamente diante da nomeação de Eleonora Menicucci na Secretaria de Políticas para as Mulheres por causa de seu posicionamento a favor do aborto. Eleonora tomou posse no último dia 10. Cinco dias depois, o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, pediu desculpas à bancada evangélica, mas por outro motivo: suas declarações no Fórum Social Mundial, em que pregou o confronto com evangélicos. O episódio causou tanto desconforto que Carvalho se retratou depois.


É exatamente esse tipo de discussão pública que Crivella, ligado à Igreja Universal, tentará evitar. À parte dos debates religiosos, o futuro ministro promete organizar a indústria da pesca. Mas admite que terá de estudar bastante, já que não entende do assunto.


Sobre as eleições de 2012, Crivella garante: apesar de ter sido contemplado com um ministério, o PRB não vai retirar candidaturas da legenda em municípios. Celso Russomano, por exemplo, continuará pré-candidato da legenda rumo à prefeitura de São Paulo. Na capital do Rio de Janeiro, Crivella - que se candidatou à prefeitura nas duas últimas eleições - apoiará Eduardo Paes (PMDB). O prefeito tentará reeleição.


Leia abaixo a entrevista que o novo ministro concedeu ao site de VEJA:


De que forma o senhor pode colaborar para estreitar os laços entre governo e evangélicos? 
Sempre contribuí, independentemente de estar no governo eu nunca regateei o meu apoio à presidente, porque acredito nas suas intenções, na sua capacidade. E participei de sua campanha ativamente. De tal maneira que estarei disposto a conversar com todos os pastores que conheço há anos e todos movimentos evangélicos. Me converti com 7 anos de idade e tenho 54, portanto, conheço praticamente todas as igrejas do Brasil e todos os líderes. E o que puder fazer para dirimir as controvérsias, farei. A presidente pode contar com o apoio dos evangélicos na implementação das boas políticas públicas. Sendo integrante da bancada evangélica e fazendo parte do grupo dos assessores diretos da Presidência, acho que poderei ser, sim, um canal para estreitar os laços.  


Inclusive em temas controversos, como o aborto? 
A presidente já conhece a posição dos evangélicos sobre essas questões, somos pró-vida. Mas a minha missão é a pesca, melhorar o setor pesqueiro no Brasil, organizar o setor, a área industrial e cuidar dos pescadores. 


Agora que o PRB foi contemplado com um ministério, como ficam as alianças nas eleições municipais de 2012? 
Nós temos caminhado com o PT em vários locais, mas quero afirmar categoricamente que em nenhum momento nós do partido recebemos qualquer proposta política, de apoio ou de contrapartida para assumir o ministério.


Nem em São Paulo, onde Celso Russomano (PRB) deverá disputar contra o petista Fernando Haddad? 
Em São Paulo temos um excelente candidato, é o primeiro nas pesquisas. Jamais assumiria esse ministério se fosse condicionado a retirar a candidatura de um companheiro por quem tenho o maior apreço e respeito.


Quando recebeu o convite para assumir o cargo? 
Hoje foi a confirmação, mas recebi o convite no final de semana. Tratamos exatamente da entrada do PRB no governo e da pesca. Passei a ler sobre o assunto e conversar com amigos, tenho muito o que aprender.


A presidente fez alguma recomendação para o senhor? 
Tivemos uma conversa muito amena, muito agradável. Ela me pediu que tivesse um cuidado todo especial com os pescadores do Brasil. Ela acha que devemos organizar o setor da pesca. O Brasil está produzindo muito pouco, em torno de 1 milhão de toneladas e isso é menos do que o Peru produz. A presidente tem uma preocupação social muito grande, a mesma preocupação que me levou a passar dez anos na África. Espero estar à altura do que recebi. 


Fonte: VEJA - Brasil - 29/02/2012 - 16h35 - Internet: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/crivella-diz-que-sera-canal-entre-governo-e-evangelicos
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Troca revela declínio da influência católica 

Roldão Arruda

A indicação do senador evangélico Marcelo Crivella (PRB) para o Ministério da Pesca e Aquicultura confirma, entre outras coisas, o enfraquecimento da influência dos setores progressistas da Igreja Católica no governo.


Uma das intenções do presidente Luiz Lula Inácio da Silva (PT), ao criar a pasta, em 2003, era acolher na sua equipe o pensamento das pastorais sociais da Igreja, que sempre estiveram na base do seu partido. Uma dessas pastorais, a dos pescadores, foi um dos fatores que inspiraram a criação do ministério.


A pastoral existe desde 1970, tendo se fortalecido em Pernambuco, Paraíba, São Paulo e Santa Catarina. Seus agentes defendem os direitos sociais de pequenos pescadores e estimulam a criação de novos meios de geração de renda entre eles.
Foram esses princípios que o primeiro titular da pasta, o catarinense José Fritsch [foto acima - ele em primeiro plano], defendeu em sua gestão, entre 2003 e 2006. Petista histórico, ele iniciou a carreira política numa dessas pastorais sociais, a Comissão Pastoral da Terra, e manteve-se fiel a elas durante todo o tempo de governo. Na opinião de bispos ligados à área social, foi o melhor ministro até agora.


O segundo titular, Altemir Gregolin, também era petista e catarinense. Embora não tão próximo da Igreja, manteve os rumos do antecessor.


O quadro mudou de maneira brusca com a posse de Dilma Rousseff. Ela ofereceu o ministério como prêmio de consolação a Ideli Salvatti, após a senadora ter sido derrotada nas eleições para o governo de Santa Catarina. 


Ideli permaneceu no cargo cinco meses. Foi substituída por Luiz Sérgio Nóbrega de Oliveira, que acaba de ser trocado por Crivella.


Outro fator que confirma o declínio dos católicos progressistas é a decisão de afastar Gilberto Carvalho da interlocução com os evangélicos. Para quem não se lembra, a formação política do titular da Secretaria-Geral da Presidência também se deu nas pastorais sociais da Igreja.


Fonte: ESTADÃO.COM.BR - Política - 01 de março de 2012 - 03h06 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,troca-revela-declinio-da-influencia-catolica-,842451,0.htm

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Nova edição da Bíblia em árabe

Caterina Foppa Pedretti 

"Um dom precioso para os cristãos da Terra Santa”
Com estas palavras, o site da Custódia Franciscana da Terra Santa anunciou a nova edição da Bíblia em árabe

A Tipografia Franciscana em Jerusalém (Franciscan Press Printing) imprimiu duas versões "valiosas" da Sagrada Escritura em árabe. A primeira versão - diz o site - contém o Antigo e o Novo Testamento, em formato maior, e custa 100 NIS (New Israel Shekel). A segunda versão inclui apenas o Novo Testamento e está disponível ao preço de 15 NIS e de 10 NIS com a capa flexível.


Para a nova edição, a Custódia Franciscana comprou a tradução da Bíblia feita pelos jesuítas da St. Joseph University, em Beirute, no Líbano, e confiada à gráfica franciscana, que mais de 150 anos atrás, começou suas atividades imprimindo a Bíblia em árabe.


É "uma iniciativa de grande valor, que será uma resposta concreta ao apelo da Igreja Católica, que convida toda a comunidade de fiéis a redescobrir as raízes da fé cristã, o fundamento e o sentido da nossa vida de fé e a nossa missão como discípulos de Cristo", acrescenta o site.


Para a Custódia Franciscana, “a leitura e o conhecimento da Bíblia e a meditação constante de seus textos e de sua mensagem de salvação são elementos indispensáveis para a construção da identidade cristã e para a adesão mais perfeita ao projeto de Deus para o homem".


"Para aqueles que vivem e trabalham na Terra Santa, para os cristãos que formam a comunidade local - prossegue o site - a relação com a Bíblia é, certamente, enriquecida por uma experiência especial, por um contato direto com o contexto humano, geográfico, social e cultural em que Jesus viveu, e assim se torna a força motriz de uma sensibilidade e de uma intencionalidade para a proteção e preservação da Terra Santa cristã e de sua grande herança cultural e espiritual”.


Como um gesto importante, a Custódia deu a todas as paróquias da Terra Santa duas cópias da Bíblia completa e dez cópias do Novo Testamento com capa dura e flexível, “desejando aos sacerdotes de continuar o incansável trabalho pastoral, que a Custódia acolhe e apóia, e busca difundir a Palavra de Deus para que todos conheçam a obra do Senhor na história humana e a missão de Jesus, enviado pelo Pai para a salvação do mundo inteiro”.


A iniciativa, oferece "um serviço a todos os cristãos e, sobretudo, aos fiéis da Terra Santa", acrescenta "outra peça preciosa na história, que vê protagonista este extraordinário livro da Revelação de Deus", que "ainda hoje, interpela o coração do homem, abre horizontes de sentido sempre novos, convida ao diálogo com Deus ao longo de estradas originais e da reflexão, ajuda a reviver a experiência de fé na terra de Jesus”.


(Tradução:MEM)


Fonte: ZENIT. ORG - 28 de fevereiro de 2012 - Internet: http://www.zenit.org/article-29805?l=portuguese

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Saber perder [Não deixe de ler!]

RENATO MEZAN


Os que melaram a apuração se equiparam àqueles brasileiros para quem só o sucesso interessa – não importa como foi conseguido


Os episódios que marcaram a apuração das notas ao final do Carnaval de São Paulo vêm dando o que falar. Alguns comentários comprovam mais uma vez a conhecida tendência nacional a desfocar o debate do que realmente interessa, trazendo para ele alhos, bugalhos e o que “malhos” houver por perto – “o Carnaval da cidade acabou, está encerrado”, “a cidade não tem condições de organizar eventos dessa magnitude”... Se queremos refletir com propriedade sobre esses lamentáveis acontecimentos, convém começar por estabelecer – na medida em que isto é possível no momento em que escrevo – o que de fato ocorreu.


Segundo os jornais, a sequência teria sido essa: dois jurados passaram mal durante o desfile, e, de acordo com o regulamento, foram substituídos. Isso desagradou a alguns dirigentes, que suspeitaram de manobra para favorecer a escola Mocidade Alegre: Darly Silva, da Vai-Vai, teria comentado “está tudo vendidinho. Não vamos aceitar”. Presidentes das escolas se reúnem e chegam a um acordo – não está muito claro qual: ou bem este ano não haveria campeã, ou nenhuma escola seria rebaixada. O que é claro é a impropriedade de tal acordo, que de qualquer modo não teria sido comunicado aos jurados. Faltando duas notas para completar o julgamento, e com a Mocidade Alegre vencendo a disputa, dirigentes de algumas escolas são filmados invadindo o local da apuração, onde dois energúmenos rasgam votos, chutam envelopes e dão início ao sururu.


Nos depoimentos à polícia, cada qual tenta jogar a culpa nos outros, inclusive inventando balelas das mais improváveis: segundo o advogado de um dos envolvidos, seu cliente não teria rasgado cédulas, mas “envelopes vazios”, pois teria entrado no local da apuração para “tentar resgatar os votos dados à sua escola”...


Do ponto de vista psicológico, duas coisas chamam a atenção: o desrespeito às regras por parte dos tais dirigentes, e a impulsividade da sua reação à substituição dos jurados. O presidente da Vai-Vai tinha todo o direito de suspeitar dos novos, mas nenhum direito de fazer o que fez. Poderia ter questionado se havia algum laudo médico sobre o mal-estar dos jurados anteriores, poderia pedir que a apuração fosse adiada até que o assunto se esclarecesse, ou qualquer outra medida conforme ao do regulamento. Por outro lado, se este prevê a troca de jurados, não há o que discutir – suplentes existem para ser chamados em caso de necessidade, ponto final.


Ora, em vez de agir como adultos civilizados, os dirigentes se reúnem para fazer um acordo. O nome disso é motim, e nos navios ingleses de antigamente era motivo de enforcamento. Eles se comportaram como crianças mimadas a quem se nega um brinquedo. Sua ação lembra os pitis delas, segundo o ciclo bem conhecido pelo qual a frustração desencadeia raiva, e esta impele a um ato irrefletido, que visa a “matar” a causa da frustração.


Em adultos, a ocorrência deste ciclo sugere que algo está falhando no sistema interno de controle a que a psicanálise chama superego. Parece razoável supor que aqui se combinem dois fatores, um de ordem conjuntural – a intensidade daquela frustração específica e da raiva que a acompanha – e outro de natureza estrutural, a fragilidade dos freios de que depende o autocontrole, em particular dos ligados aos valores e ideais.


Em situações de competição, um dos valores centrais a determinar o comportamento dos participantes é o fair-play (literalmente, jogo bonito, ou limpo). Não é por acaso que a expressão está em inglês: ela designa o que diferencia os esportes modernos dos antigos, medievais e renascentistas. A origem de quase todos eles está nas escolas onde, no século XIX, os jovens da elite britânica eram preparados para governar (e preservar) o império mais poderoso do planeta. Saber manter o sangue frio em situações tensas faz parte das capacidades requeridas de um líder, e o fair-play era visto como um dos meios para a desenvolver.


O fair-play é mais do que simplesmente não trapacear: implica respeitar o adversário como um igual, e, ao não agir de modo desleal, de certo modo o levar ter para comigo a mesma atitude. Daí provêm as exigências de cumprimentar o oponente antes e depois do jogo, de acatar as decisões do juiz durante a partida, de saber ganhar com elegância e perder com dignidade.


Que o carnaval tenha se convertido numa competição não é segredo para ninguém, e não me parece um grande problema. O desfile das escolas é o ponto culminante de todo um sistema que confere às comunidades envolvidas um senso de identidade de grande importância emocional. Daí as paixões que o cercam, e o natural desejo de levar o troféu: é evidente o reforço que isso traz no plano da autoestima e do prestígio.


Mas esses ganhos só podem ser obtidos se a vitória for limpa, e portanto incontestável. “Estragaram nossa festa”, disse a presidente da Mocidade Alegre, Solange Bichara – que, segundo os jornais, na tal reunião agiu de acordo com o fair-play, votando pela recusa das notas dos jurados sobre os quais pesava a suspeita (não importa se justa ou não) de que iriam favorecer a sua escola.


Ao contrário da dirigente Solange, os que melaram a apuração se comportaram como trogloditas: todo o resto é retórica para ocultar esse fato. Não souberam perder, assim como provavelmente não saberiam ganhar. E nisso, para concluirmos, se equiparam a muitos de nós, brasileiros, para quem só o sucesso interessa, sem olhar para como foi conseguido.


Exemplos não faltam, dos incompetentes e corruptos que se agarram como carrapatos às suas cadeiras ministeriais ao enlameado presidente da CBF, acusado de levar dinheiro público numa nebulosa negociata, e a um ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, que se autoconcedeu uma indenização milionária.


Que Darly Silva, Tadeu Faria e Cauê Ferreira e companhia sejam castigados pelo vexame que provocaram, que as escolas a que pertencem recebam alguma punição que desestimule outros dirigentes a desrespeitar as regras da sua própria Liga, que torcidas facilmente inflamáveis sejam impedidas de presenciar a apuração dos próximos desfiles – e que os lamentáveis incidentes que mancharam o carnaval de 2012 sirva para todos nós pensarmos um pouco mais antes de agir precipitadamente.


RENATO MEZAN É PSICANALISTA, PROFESSOR TITULAR DA PUC/SP E AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE INTERVENÇÕES (CASA DO PSICÓLOGO).


Fonte: O Estado de S. Paulo - ALIÁS - Domingo, 26 de fevereiro de 2012 - Pg. J6 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,saber-perder,840408,0.htm

sábado, 25 de fevereiro de 2012

1º Domingo da Quaresma - Ano "B" - Homilia

Evangelho: Marcos 1,12-15

José Antonio Pagola *
ENTRE  CONFLITOS E TENTAÇÕES


Antes de começar a narrar a atividade profética de Jesus, Marcos escreve estes breves versículos: “O Espírito levou Jesus para o deserto. E ele ficou no deserto durante quarenta dias e aí foi tentado por Satanás. Vivia entre os animais selvagens, e os anjos o serviam”. Essas breves linhas são um resumo das experiências básicas vividas por Jesus até a sua execução na cruz.


Jesus não conheceu uma vida fácil e tranquila. Viveu impelido pelo Espírito, mas sentiu na sua própria carne as forças do mal. A sua entrega apaixonada ao projeto de Deus o levou a viver uma existência dilacerada por conflitos e tensões. Com ele aprendemos a viver em tempos de provação.


O Espírito levou Jesus para o deserto. Não o conduz a uma vida cômoda. Leva-o por caminhos de prova, riscos e tentações. Procurar o reino de Deus e a sua justiça, anunciar Deus sem o falsear, trabalhar por um mundo mais humano é sempre arriscado. Foi para Jesus e o será para os seus seguidores.


Ficou no deserto durante quarenta dias. O deserto será o cenário pelo que transcorrerá na vida de Jesus. Esse lugar inóspito e nada acolhedor é símbolo de prova e purificação. O melhor lugar para aprender a viver do essencial, mas também o mais perigoso para quem fica abandonado às suas próprias forças.


Tentado por Satanás. Satanás significa “o adversário”, a força hostil a Deus e a quem trabalha pelo seu reinado. Na tentação descobre-se o que há em nós de verdade ou de mentira, de luz ou de trevas, de fidelidade a Deus ou de cumplicidade com a injustiça.


Ao longo da Sua vida, Jesus manter-se-á vigilante para descobrir “Satanás” nas circunstâncias mais inesperadas. Um dia rejeitará Pedro com estas palavras: Afasta-te de mim, Satanás, porque os teus pensamentos não são os de Deus. Nos tempos de provação temos de viver como Jesus, isto é, atentos ao que nos podem desviar de Deus.


Vivia entre os animais selvagens, e os anjos o serviam. As feras, os seres mais violentos da terra, evocam os perigos que ameaçaram Jesus. Os anjos, os seres melhores da criação, sugerem a proximidade de Deus que o abençoa, cuida e sustenta. Assim viverá Jesus: defendendo-se de Antipas a quem chama “raposa” e procurando na oração da noite a força do Pai.


Temos de viver estes tempos difíceis com os olhos fixos em Jesus. É o Espírito de Deus que nos está empurrando para o deserto. Desta crise sairá um dia uma Igreja mais humilde e mais fiel ao Seu Senhor.


LEVADOS AO DESERTO


Marcos apresenta a cena de Jesus no deserto como um resumo de sua vida. Assinalo algumas chaves. Segundo o evangelista, "o Espírito levou [impeliu] Jesus para o deserto". É o Espírito de Deus aquele que o desloca até colocá-lo no deserto: a vida de Jesus não será um caminho de êxito fácil; o aguardam provas, insegurança e ameaças.


Porém, o "deserto" é, ao mesmo tempo, o melhor lugar para escutar, em silêncio e solidão, a voz de Deus. O lugar para se voltar, em tempos de crise, a fim de abrir caminhos ao Senhor no coração do povo. Assim se pensava na época de Jesus.


No deserto, Jesus "foi tentado por Satanás". Não se diz nada do conteúdo das tentações. Somente que provêm de "Satanás", o Adversário que busca a ruína do ser humano, destruindo o plano de Deus. Ele não voltará a aparecer no restante do evangelho de Marcos. Jesus o vê atuando em todos aqueles que desejam desviá-lo de sua missão, incluindo Pedro. [...]


O cristianismo está vivendo momentos difíceis. De acordo com os estudos sociológicos, falamos de crise, secularização, rejeição por parte do mundo moderno... Porém, talvez, a partir de uma leitura de fé, temos de dizer algo mais: Não seria Deus quem nos está empurrando para este "deserto"? Não estávamos necessitando de algo como isso para nos libertarmos de tanta vanglória, poder mundano, vaidade e falsos êxitos acumulados inconscientemente durante tantos séculos? Nós nunca teríamos escolhido esses caminhos!


Esta experiência de deserto, que crescerá nos próximos anos, é um tempo inesperado de graça e purificação que temos de agradecer a Deus. Ele continuará cuidando de seu projeto. Somente nos pede que rejeitemos, com lucidez, as tentações que nos podem desviar, uma vez mais, da conversão a Jesus Cristo.


Tradução: Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.


* José Antonio Pagola é sacerdote espanhol. Licenciado (= mestrado) em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma (1962), licenciado em Sagrada Escritura pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (1965), Diplomado em Ciências Bíblicas pela École Biblique de Jerusalém (1966). Professor no Seminário de San Sebastián e na Faculdade de Teologia do norte da Espanha (sede de Vitoria). Desempenhou o encargo de reitor do Seminário diocesano de San Sebastián e, sobretudo, o de Vigário Geral da diocese San Sebastián (Espanha). É autor de vários ensaios e artigos, especialmente o famoso livro: Jesus - Aproximação Histórica (publicado no Brasil pela Editora Vozes, 2010).


Fonte: MUSICALITURGICA.COM - Homilías de José A. Pagola - Quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012 - 09h21 - Internet: http://www.musicaliturgica.com/0000009a2106d5d04.php

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Quando a religião do dinheiro devora o futuro

Giorgio Agamben*

Sem fé ou confiança, não é possível o futuro
Só há futuro se pudermos esperar ou crer em alguma coisa

La Repubblica (Roma, Itália)
16.02.2012

Para entender o que significa a palavra "futuro", é preciso, antes, entender o que significa uma outra palavra, que não estamos mais acostumados a usar, senão na esfera religiosa: a palavra "fé". Sem fé ou confiança, não é possível futuro. Só há futuro se pudermos esperar ou crer em alguma coisa.


Sim, mas o que é fé? David Flüsser, um grande estudioso da ciência das religiões – também existe uma disciplina com esse estranho nome – estava justamente trabalhando sobre a palavra pistis, que é o termo grego que Jesus e os apóstolos usavam para "fé". Um dia, ele se encontrava por acaso em uma praça de Atenas e, em um certo momento, levantando os olhos, viu escrito em caracteres capitais, à sua frente: Trapeza tes pisteos. Estupefato com a coincidência, olhou melhor e, depois de alguns segundos, se deu conta de que se encontrava simplesmente diante de um banco: trapeza tes pisteos significa, em grego, "banco de crédito".


Eis qual era o sentido da palavra pistis, que ele estava tentando entender há meses: pistis, "fé", é simplesmente o crédito do qual gozamos junto de Deus e do qual a palavra de Deus goza junto de nós, a partir do momento em que acreditamos nela.


Por isso, Paulo pode dizer em uma famosa definição que "a fé é substância de coisas esperadas" [ou, segundo a versão da Bíblia Pastoral, "um modo de já possuir aquilo que se espera"]: ela é o que dá realidade àquilo que não existe ainda, mas em que acreditamos e confiamos, em que colocamos em jogo o nosso crédito e a nossa palavra. Algo como um futuro existe na medida em que a nossa fé consegue dar substância, isto é, realidade às nossas esperanças.


Mas a nossa época, como se sabe, é de escassa fé ou, como dizia Nicola Chiaromonte, de má-fé, isto é, de uma fé mantida à força e sem convicção. Portanto, uma época sem futuro e sem esperanças – ou de futuros vazios e de falsas esperanças. Mas, nesta época muito velha para crer realmente em alguma coisa e esperta demais para estar verdadeiramente desesperada, o que será do nosso crédito, o que será do nosso futuro?


Porque, olhando bem, ainda há uma esfera que gira totalmente ao redor do eixo do crédito, uma esfera em que acabou toda a nossa pistis, toda a nossa fé. Essa esfera é o dinheiro, e o banco – a trapeza tes pisteos – é o seu templo. O dinheiro nada mais é do que um crédito, e sobre muitas notas de crédito (sobre a libra esterlina, sobre o dólar, mesmo que não – sabe-se lá por que; talvez deveríamos começar a suspeitar disso – sobre o euro) ainda está escrito que o banco central promete garantir esse crédito de algum modo.


A chamada "crise" que estamos atravessando – mas aquilo que se chama de "crise", isso já está claro, nada mais é do que o modo normal em que funciona o capitalismo do nosso tempo – começou com uma série insensata de operações sobre o crédito, sobre créditos que eram descontados e revendidos dezenas de vezes antes que pudessem ser realizados. Isso significa, em outras palavras, que o capitalismo financeiro – e os bancos que são o seu órgão principal – funciona jogando sobre o crédito – ou seja, sobre a fé – dos homens.


Mas isso também significa que a hipótese de Walter Benjamin, segundo a qual o capitalismo é, na verdade, uma religião e a mais feroz e implacável que jamais existiu, porque não conhece redenção nem trégua, deve ser tomado ao pé da letra. O Banco – com os seus funcionários pardos e especialistas – tomou o lugar da Igreja e dos seus padres e, governando o crédito, manipula e gerencia a fé – a escassa e incerta confiança – que o nosso tempo ainda tem em si mesmo. E o faz do modo mais irresponsável e sem escrúpulos, tentando lucrar dinheiro com a confiança e as esperanças dos seres humanos, estabelecendo o crédito de que cada um pode gozar e o preço que deve pagar por isso (até mesmo o crédito dos Estados, que docilmente abdicaram à sua soberania).


Desse modo, governando o crédito, ele governa não só o mundo, mas também o futuro dos seres humanos, um futuro que a crise torna cada vez mais curto e a prazo. E se hoje a política não parece mais possível, isso se deve ao fato de que o poder financeiro sequestrou de fato toda a fé e todo o futuro, todo o tempo e todas as expectativas.


Enquanto essa situação durar, enquanto a nossa sociedade que se acredita laica permanecer subserviente à mais obscura e irracional das religiões, será bom que cada um retome o seu crédito e o seu futuro das mãos desses tétricos pseudosacerdotes, banqueiros, professores e funcionários das várias agências de rating. E talvez a primeira coisa a fazer é parar de olhar apenas para o futuro, como eles exortam a fazer, para, ao contrário, voltar o olhar para o passado.


Apenas compreendendo o que aconteceu e, sobretudo, tentando entender como pôde acontecer, será possível, talvez, reencontrar a própria liberdade. A arqueologia – não a futurologia – é a única via de acesso ao presente.

Tradução de Moisés Sbardelotto.

* Giorgio Agamben [foto acima] é filósofo italiano, professor da Universidade IUAV de Veneza e do Collège International de Philosophie de Paris, e da cátedra Baruch Spinoza da European Graduate School, na Suíça.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quinta-feria, 23 de fevereiro de 2012 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/506810-quando-a-religiao-do-dinheiro-devora-o-futuro-artigo-de-giorgio-agamben

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

FRATERNIDADE E SAÚDE PÚBLICA

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
A Campanha da Fraternidade [CF] da CNBB sempre nos propõe um tema para estudo, reflexão e ação durante o tempo litúrgico da Quaresma. Trata-se, na verdade,  de complementar a conversão pessoal, própria deste período, com uma conversão de caráter pastoral e sociopolítico. Nessa perspectiva, a campanha elege determinada situação de abandono ou precariedade como centro de nossa atenção. Neste ano de 2012, está em pauta a Fraternidade e a Saúde Pública, cujo lema sublinha uma frase bíblica: “que a saúde se difunda sobre a terra...” (Eclo 38,8). 


A CF/2012 põe o dedo numa das feridas sociais mais profundas deste país. É como se os pastores percorressem as longas filas do INSS, ouvissem os clamores de inúmeros doentes em busca de tratamento e sentissem suas “angústias e tristezas”, para usar a expressão do Concílio Ecumênico Vaticano II (Gaudium et Spes, nº 1). O Brasil é falho em termos de atendimento público, mas não em termos de leis relacionadas à saúde, como veremos adiante. Originalmente, “o sistema único de saúde brasileiro [SUS] tem uma concepção filosófica humanista-comunitária maravilhosa; é perfeita na teoria, mas na prática deixa muito a desejar, revelando-se um caos em termos de funcionamento” (Pe. Leo Pessini, in: Revista Vida Pastoral, nº 283, março-abril de 2012).


A declaração poderia estender-se a outras áreas sociais. Nas metáforas de Gilberto Freire, o Brasil sempre contou com uma dupla política, uma para a Casa Grande, outra para a Senzala: um sistema de educação para ricos, outro voltado aos pobres; um sistema de transporte para ricos, outro voltado aos pobres; um sistema de segurança para ricos, outro voltado aos pobres; um sistema de habitação para ricos, outro voltado aos pobres. Na pirâmide social, o andar de cima, histórica e estruturalmente, conta com um tratamento diferenciado. 


Para o andar de baixo, sobram os favores, as migalhas, tais como bolsa família, bolsa escola, minha casa minha gente, e assim por diante. 
No caso da saúde, o contraste é mais estridente. Os gemidos que sobem das filas do INSS, dos corredores de postos de saúde e hospitais, além da falta de profissionais de saúde e das condições precárias oferecidas setores de baixa renda, tornam-se ensurdecedores diante dos privilégios reservados aos que podem arcar com os custos de um Plano de Saúde. Aliás, estes pagam três vezes: através dos impostos exorbitantes e da previdência social, como todos, acrescentando as prestações do dito plano. Mesmo assim, na hora da enfermidade, não está garantida uma coberta total.


E por falar em Planos de Saúde, vale salientar que todos eles em conjunto cobrem uma população de aproximadamente 40 milhões de pessoas, enquanto o SUS acaba sendo o “Plano de Saúde” de 150 milhões. Ou seja, numa população de 196 milhões, oito de cada dez brasileiros dependem do Sistema único de Saúde. Ainda em termos de comparação, uma consulta médica custa para o SUS cerca de R$ 7,00, ao passo que os diversos Planos de Saúde pagam ao redor de R$ 80,00 por consulta. Evidente que os médicos migram em debandada para as unidades de saúde cobertas pelos planos. Concentram-se onde os ganhos são melhores!


Entretanto, não faltam normas para garantir o direito universal à saúde. Este consta, em primeiro lugar, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948); depois, de acordo com a Constituição Federal do Brasil, promulgada em 1988, artigo 196, “a saúde é direito de todos e dever do Estado”; por fim, a Lei Orgânica da Saúde, nº 8.080/1990, que regulamenta o SUS, segundo citação do Pe. Leo, “garante os princípios do direito à saúde, do acesso universal e gratuito, da integração das ações preventivas com as curativas e da participação da comunidade (controle social) que se dá, de modo especial, por meio dos Conselhos de Saúde (criados pela Lei Federal nº 8.142/1990” (idem). A Organização Mundial da Saúde (OMS), por sua vez, define a saúde não como ausência de doenças, e sim como o completo bem estar físico, mental e social. De um ponto de vista ainda mais amplo, poderíamos acrescentar a busca do equilíbrio psíquico e espiritual.


Entretanto, por melhor que sejam, as leis não bastam. O descompasso entre seu conteúdo e seu cumprimento chega a ser quilométrico, para não dizer infinito. Ocorre que, a exemplo de outros benefícios adquiridos, especialmente na área trabalhista e assistencial, o direito à saúde acaba reconvertendo-se em mercadoria. Mercadoria rara e cara, tanto em termos de acesso aos especialistas quanto na aquisição dos remédios necessários. Quem tem saúde deve pagá-la e que não tem deve comprá-la! A mercantilização da medicina constitui uma dos entraves mais sérios a uma saúde pública justa, abrangente e equitativa. 


A dor, a enfermidade e os medicamentos geram uma “indústria da doença”, altamente lucrativa e cobiçada.
Indústria que pode ser mãe de outra ainda mais indecente: a judicialização da saúde. De fato, para ter acesso aos direitos garantidos pelas leis supracitadas, não basta correr ao primeiro posto de saúde ou ao hospital mais próximo. Muitas vezes será necessário apelar para a justiça. E aqui os custos com a burocracia e os honorários de advogados, acrescidos às perdas dos dias não trabalhados, alimentam outro tipo de “indústria da doença”. Isso para não falar das fraudes, da corrupção, do tráfico de influência, da compra e venda de atestados medidos, e coisas desse gênero.


Nem precisaria concluir que o acesso aos meios de saúde e aos respectivos remédios torna-se bem mais difícil entre alguns segmentos da população. Entre eles, podemos citar os imigrantes sem documentos, os moradores de rua, os prisioneiros, os desempregados, as mulheres prostituídas, a população do campo... Mas a lista não é exaustiva. Nestes casos, vigoram muitas vezes a falta de conhecimento, as distâncias dos centros de saúde ou o simplesmente o medo de expor-se, como no caso dos estrangeiros “sem papéis”.


Uma verdadeira política pública de saúde, além de combater tais “indústrias”, deve concentrar seus esforços na melhoria do SUS – o “Plano de Saúde” dos pobres:

  •  Equipamentos de última geração; 
  • profissionais bem remunerados; 
  • atendimento humanitário; 
  • rede ampla e integrada, nas mais diversas especialidades; 
  • remédios ao alcance das famílias de baixa renda; 
  • descentralização da cidade para o campo, cobrindo todo território nacional... 
Eis alguns dos desafios!

Eis quem escolhe o próximo papa

Marco Politi
Il Fatto Quotidiano
19.02.2012
Curial, italiana, branca. A imagem de Igreja refletida pelos 22 novos cardeais, aos quais Bento XVI impôs nesse sábado, 18 de fevereiro, o barrete vermelho durante uma cerimônia solene em São Pedro, é totalmente ocidental, a ponto de ser embaraçosa.


Não é uma questão das pessoas individuais. Tirando os quatro cardeais com mais de 80 anos honoris causa – dentre os quais o insigne estudioso de antropologia religiosa, o belga Julien Ries –, o mapa dos outros 18 purpurados destinados a entrar no futuro conclave é totalmente desequilibrado em favor da Igreja de antigamente: eurocêntrica, com as suas ramificações nas Américas.


Dos 18 novos cardeais, oito são membros da Cúria, sete são italianos, 16 são euroamericanos. Só um é chinês, o bispo de Hong Kong, John Tong Hon, e o outro é indiano: o arcebispo-maior dos católicos siro-malabareses, George Alencherry. É difícil dizer se a configuração é fruto de uma escolha de Bento XVI ou de pressões do secretário de Estado, Bertone. No fim, pouco importa. O resultado é um colégio de eleitores do futuro pontífice em que os italianos têm 30 expoentes, um quarto do total – representam quase 300 milhões de católicos – e a Europa de novo tem solidamente a maioria: 67 dos 120. Quando, ao contrário, o fulcro do catolicismo já está na América do Sul e na África.


Sete anos depois do seu advento ao trono papal, Bento XVI constrói, portanto, um Colégio Cardinalício decisivamente em tendência contrária ao universalismo da Igreja Católica. Quando se tratar de escolher o sucessor, os homens da Cúria e os italianos serão a força determinante. Curiais e ex-curiais serão nada menos do que 44 no futuro conclave.


É o sinal de uma involução geral, que parece caracterizar o atual pontificado. O fato não só provocou espanto e desânimo entre aqueles que temem uma fossilização da instituição eclesial, mas também naquele catolicismo popular moderado que admira a espiritualidade Ratzinger.


Existe na Itália um blog influente de admiradores e defensores radicais de Bento XVI, que denuncia cotidianamente as chamadas agressões à Igreja e ao papa. Chama-se O blog dos amigos do papa Ratzinger. Eis como a sua animadora "Raffaella" comentou a lista dos neopurpurados: 
"Muitos italianos e sobretudo muitos curiais! Estou muito decepcionada por não ver púrpuras atribuídas à América Latina e sobretudo à África, o continente em que a fé é viva. Por que não conceder o cardinalato a arcebispos merecedores e pular algumas rodadas na Cúria? (...) Não gostaria que se passasse a mensagem de que, para se tornar cardeal, é preciso passar pela Cúria, porque seria um retrocesso".


Há um fio que liga os monsenhores, que para protestar contra a má gestão enviam documentos confidenciais ao exterior, e o fortíssimo desconforto que anima os católicos das paróquias. Há um fio que liga os gritos de alerta, encerrados em livros em que se fala de "mal de Igreja" ou do fato de que "falta o ar". É o mal-estar diante de uma direção de marcha que não funciona.


Os cardeais que foram a Roma de todo o mundo para uma reunião extraordinária sobre a "nova evangelização", que ocorreu na sexta-feira, sabem que a presença internacional da Santa Sé perdeu peso dramaticamente. A tal ponto que algumas embaixadas de países não católicos (sem nenhuma intenção polêmica) refletem sobre a utilidade de conservar uma residência junto ao Vaticano.


Os cardeais sabem que o diálogo ecumênico e inter-religioso está estagnado e que a atenção da mídia internacional pelo papa e pelo Vaticano se arruinou. Fala-se de "nova evangelização", mas não se enfrentam os problemas estruturais, como o crescimento sistemático das paróquias sem padres. Subterraneamente, também está se verificando uma sangria do compromisso das mulheres católicas nas ordens religiosas. Entre 2004 e 2009, houve uma queda de nada menos do que 40 mil unidades nas congregações religiosas femininas.


Tudo isso não é abordado. Antes da sua eleição, Joseph Ratzinger havia delineado uma Igreja não governada "de modo monárquico". A promessa foi traída.


O Colégio Cardinalício não foi reunido para participar realmente das decisões estratégicas do pontificado. O efeito é uma grande estagnação. Velada por debates muito gerais. Na reunião cardinalícia de sexta-feira, o neocardeal Timothy Dolan, de Nova York, recebeu aplausos exortando os cardeais a se mostrarem "seguros, sim, triunfalistas, nunca", e propondo "evangelizar com um sorriso". Vinte e sete cardeais discursaram. Falou-se um pouco de tudo: da China à pobreza da Índia, da América Latina à secularização na Europa.


Tradução de Moisés Sbardelotto.


Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - 20 de fevereiro de 2012 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/506717-eis-quem-escolhe-o-proximo-papa

Por que estudar religião?

LUIZ FELIPE PONDÉ

Proponho algumas hipóteses sobre os motivos de estudar religião em vez de viver sua fé cotidiana

Você estuda religião? Aposto que, se sua resposta for "sim", a causa é uma das hipóteses abaixo. Somos previsíveis como ratos de laboratórios.


Estudar religião cientificamente seria estudá-la sem fins religiosos, ou seja, "de modo objetivo": via neurologia, sociologia, antropologia, psicologia, história, filosofia.


Trocando em miúdos, estudar religião cientificamente é estudá-la sem fins "lucrativos" para a própria fé do estudioso. Neste sentido, o melhor seria um ateu estudar Deus ou um cristão estudar budismo, porque assim não "lucrariam" com seus objetos de estudo.


Duvido profundamente deste pressuposto. Não porque seja impossível em si nem porque neutralidade em ciência seja algo absurdo. Trabalhar com ciência não é fruto de amor ao conhecimento, mas sim um modo de ganhar a vida muitas vezes menos competitivo do que o mercado de profissionais autônomos ou das grandes corporações.


Julgo esse problema da neutralidade do conhecimento científico tão improdutivo quanto se perguntar como faziam os últimos medievais, se Deus poderia criar uma pedra que Ele mesmo não poderia carregar - já que Ele seria onipotente e, portanto, poderia criar qualquer coisa. Mas, sendo Ele onipotente, como poderia existir uma pedra que Ele mesmo não poderia carregar?


Como você vê, trata-se de uma pergunta "podre" no sentido de ser simples perda de tempo. Um beco sem saída.


Acho que a chamada "neutralidade" em estudos da religião não passa de um preconceito contra a fé religiosa, porque em ciências humanas a neutralidade não é um pressuposto universalmente cobrado em todos os campos de pesquisa.


Por exemplo, quando mulheres estudam "opressão feminina", não estariam elas sob suspeita, uma vez que são mulheres e, portanto, suspeitas em "lucrar" com os ganhos do próprio estudo? Ou, quando gays estudam "opressão contra os gays", não estariam eles também sob suspeita, na medida em que eles, gays, também "lucrariam" com o estudo de seu próprio caso?


Ou mesmo ateus estudando Deus não estariam sob suspeita de quererem desconstruir a fé a fim de desvalorizá-la?


Por isso acho mais interessante ir logo a questões mais pragmáticas e perguntar: "Por que as pessoas querem estudar religião em vez de simplesmente viver suas religiões em seus templos e fé cotidiana?".


Proponho as seguintes hipóteses.


1. Pessoas buscam a universidade ou instituições afins para estudar religião porque têm inquietações "espirituais", mas se acham "cultas e bem (in)formadas" e estão um tanto de saco cheio das "igrejas" (no sentido de religiões institucionais) que existem no mercado. Ou mesmo porque sentem vergonha de serem religiosas "oficialmente" e, por isso, preferem estudar religião a praticar religião.


2. Porque odeiam religião por conta de traumas infantis familiares ou escolares ou por algum grande sofrimento que gerou algum tipo de "revolta contra Deus". Normalmente essas pessoas querem acabar com a religião.


3. Razões ideológicas: religião aliena (marxistas), oprime mulheres e gays, condena o sexo. Ou seja: querem um mundo sem religião ou com religiões simpáticas a suas ideologias.


4. Para abrir uma igreja, ganhar dinheiro ou poder político.


5. Para tornar sua vivência religiosa mais "culta e bem informada" e "modernizar" sua vida religiosa cotidiana, como em questões relacionadas à ciência ou à ética.


6. Por diletantismo sofisticado movido por inquietações existenciais e/ou filosóficas.


7. Porque pertenceram ao clero de alguma religião e só sabem ganhar a vida com temas relacionados à religião.


8. Para usar o conhecimento em recursos humanos nas empresas.


9. Geopolítica internacional: fundamentalismos, multiculturalismos, comércio exterior.


10. Porque é professor e o ensino religioso é um mercado em expansão, além de que, se for egresso de classes sociais inferiores (o que é muito comum), títulos acadêmicos costumam ser uma ferramenta razoável de status e aumento na renda.


Resumo da ópera: dinheiro, status, angústia existencial, fé, política, opção profissional à mão ou simplesmente falta de opção.


Fonte: Folha de S. Paulo - Ilustrada - Segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012 - Internet: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/26776-por-que-estudar-religiao.shtml

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Introspecção - um poema

Nos tempos atuais, é bom encontrarmos pessoas inspiradas
que nos fazem refletir, mais profundamente, na vida que temos e nas opções que fazemos!
Desfrute o "sabor" deste lindo poema

Loreni Fernandes Gutierrez

Protagonista de um mundo urbanizado e imprevisível
debruço sobre minha introspecção em dias de incertezas
e do medo de ter que deixar de sonhar e de acreditar que o bem existe.
Duvidar dos olhos que me veem, mãos que me tocam e lábios que me riem.
Medo de acordar e não encontrar à minha espera a manhã idealizada
transformada em alguma coisa infértil e desamorada.

Vejo que os abraços se escasseiam, na solidão crescente de nossa
existência - desafetos camuflados em pequenas desculpas.
Quase não temos tempo para abraçar os pais e mais demoradamente
os filhos, como se os resgatássemos em nossos seios.

Quando só, os abraços que em mim se acumulam
dou-os carinhosamente em minha “poodle toy”, chamada “Mag”,
que me abana a pequena cauda num chamego frequente,
sempre colada em mim feito uma sombra e me buscando
a todo instante com seus olhos espertos, como se fosse gente.

A cada dia menos crianças subindo em árvores,
pulando amarelinhas, jogando peladas.
Cada vez mais cercas nos muros e casas fechadas.
Ao invés dos galos, nas manhãs, buzinas e freadas.
Cada vez menos contos sobre fadas e violinistas verdes
que acordam, com suas músicas, as árvores encantadas.

Não vemos mais estrelas e nem luas românticas e solitárias
ofuscadas pelos holofotes das cidades que se agigantam,
atrapalhando a passagem dos mensageiros dos ventos.
Quase não há mais abelhas, nem favos de mel, nem borboletas
adejando sobre os poucos jardins que ainda existem.

Ainda bem que árvores frondosas e persistentes sombreiam,
enfileiradas, partes das ruas acinzentadas e quentes!
E nelas se urbanizam as pombas, andorinhas e pardais
e pássaros sazonais - porque lhes tiraram as matas.

Nos tempos atuais, em que a cada dia mais nos etiquetamos
e vemos com naturalidade se instalar a corrupção e a indiferença.
Num tempo onde os lobos se tornaram mais célebres que os cordeiros
e que a cada dia ouvimos menos a palavra honra.
Tenho medo de que esqueçamos quem somos,  perdendo-nos pelos
caminhos sinuosos - desse novo esquema pegajoso e corrosivo da desonra.

Loreni Fernandes Gutierrez (foto no alto), é formada em Letras pela UNESP de São José do Rio Preto (SP) e Agente Fiscal de Rendas aposentada pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.

A Igreja não existe para si mesma

Homilia de Bento XVI durante a concelebração eucarística com os 22 novos cardeais
pronunciada hoje [19/02/2012], Solenidade da Cátedra de São Pedro, na Basílica Vaticana do Santo Padre durante a concelebração eucarística com os 22 novos Cardeais.

***
Senhores Cardeais,
Venerados Irmãos no episcopado e no sacerdócio,
Amados Irmãos e Irmãs!


Na solenidade da Cátedra de São Pedro Apóstolo, temos a alegria de nos reunir à volta do altar do Senhor, juntamente com os novos Cardeais que ontem agreguei ao Colégio Cardinalício. Para eles, em primeiro lugar, vai a minha cordial saudação, agradecendo ao Cardeal Fernando Filoni [foto abaixo] as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos. Estendo a minha saudação aos outros Purpurados e a todos os Bispos presentes, como também às ilustres Autoridades, aos senhores Embaixadores, aos sacerdotes, aos religiosos e a todos os fiéis, vindos de várias partes do mundo para esta feliz ocasião, que se reveste de um carácter especial de universalidade.


Na segunda leitura, há pouco proclamada, o apóstolo Pedro exorta os «presbíteros» da Igreja a serem pastores zelosos e solícitos do rebanho de Cristo (cf. 1 Ped 5, 1-2). Estas palavras são dirigidas antes de mais nada a vós, amados e venerados Irmãos, que sois reconhecidos no meio do Povo de Deus pelos vossos méritos na obra generosa e sábia do ministério pastoral em dioceses relevantes, ou na direcção dos dicastérios da Cúria Romana, ou ainda no serviço eclesial do estudo e do ensino. A nova dignidade que vos foi conferida pretende manifestar o apreço pelo vosso trabalho fiel na vinha do Senhor, homenagear as comunidades e nações donde provindes e de que sois dignos representantes na Igreja, investir-vos de novas e mais importantes responsabilidades eclesiais e, enfim, pedir-vos um suplemento de disponibilidade para Cristo e para a comunidade cristã inteira. Esta disponibilidade para o serviço do Evangelho está fundada firmemente na certeza da fé. De facto, sabemos que Deus é fiel às suas promessas e aguardamos, na esperança, a realização destas palavras do apóstolo Pedro: «E, quando o supremo Pastor Se manifestar, então recebereis a coroa imperecível da glória» (1 Ped 5, 4).


O texto evangélico de hoje apresenta Pedro que, movido por uma inspiração divina, exprime firmemente a sua fé em Jesus, o Filho de Deus e o Messias prometido. Respondendo a esta profissão clara de fé, que Pedro faz também em nome dos outros Apóstolos, Cristo revela-lhe a missão que pensa confiar-lhe: ser a «pedra», a «rocha», o alicerce visível sobre o qual será construído todo o edifício espiritual da Igreja (cf. Mt 16, 16-19). Esta denominação de «rocha-pedra» não alude ao carácter da pessoa, mas só é compreensível a partir dum aspecto mais profundo, a partir do mistério: através do encargo que Jesus lhe confere, Simão Pedro tornar-se-á aquilo que ele não é mediante «a carne e o sangue». O exegeta Joachim Jeremias mostrou que aqui está presente, como cenário de fundo, a linguagem simbólica da «rocha santa». A propósito, pode ajudar-nos um texto rabínico onde se afirma: «O Senhor disse: “Como posso criar o mundo, sabendo que hão de surgir estes sem-Deus que se revoltarão contra Mim?” Mas, quando Deus viu que devia nascer Abraão, disse: “Vê! Encontrei uma rocha, sobre a qual posso construir e assentar o mundo”. Por isso, Ele chamou Abraão uma rocha». O profeta Isaías alude a isto mesmo, quando recorda ao povo: «Considerai a rocha de que fostes talhados (…). Olhai para Abraão, vosso pai» (51, 1-2). Pela sua fé, Abraão, o pai dos crentes, é visto como a rocha que sustenta a criação. Simão, o primeiro que confessou Jesus como o Cristo e também a primeira testemunha da ressurreição, torna-se agora, com a sua fé renovada, a rocha que se opõe às forças destruidoras do mal.


Amados irmãos e irmãs! Este episódio evangélico, que escutamos, encontra subsequente e mais eloquente explicação num elemento artístico muito conhecido, que enriquece esta Basílica Vaticana: o altar da Cátedra [foto ao lado]. Quando, depois de percorrer a grandiosa nave central e ultrapassar o transepto, se chega à abside, encontramo-nos perante um trono de bronze enorme, que parece suspenso em voo mas na realidade está sustentado por quatro estátuas de grandes Padres da Igreja do Oriente e do Ocidente. E na janela oval, por cima do trono, resplandece a glória do Espírito Santo, envolvida por um triunfo de anjos suspensos no ar. Que nos diz este conjunto escultório, nascido do gênio de Bernini? Representa uma visão da essência da Igreja e, no seio dela, do magistério petrino.
A janela da abside abre a Igreja para o exterior, para a criação inteira, enquanto a imagem da pomba do Espírito Santo mostra Deus como a fonte da luz. Mas há ainda outro aspecto a evidenciar: de fato, a própria Igreja é como que uma janela, o lugar onde Deus Se faz próximo, vem ao encontro do nosso mundo. A Igreja não existe para si mesma, não é o ponto de chegada, mas deve apontar para além de si, para o alto, acima de nós. A Igreja é verdadeiramente o que deve ser, na medida em que deixa transparecer o Outro – com o “O” grande – do qual provém e para o qual conduz. A Igreja é o lugar onde Deus «chega» a nós e donde nós «partimos» para Ele; a este mundo que tende a fechar-se em si próprio, a Igreja tem a missão de o abrir para além de si mesmo e levar-lhe a luz que vem do Alto e sem a qual se tornaria inabitável.


A grande cátedra de bronze contém dentro dela uma cadeira em madeira, do século IX, que foi considerada durante muito tempo a cátedra do apóstolo Pedro e, precisamente pelo seu alto valor simbólico, colocada neste altar monumental. Na realidade, exprime a presença permanente do Apóstolo no magistério dos seus sucessores. Podemos dizer que a cadeira de São Pedro é o trono da verdade, cuja origem está no mandato de Cristo depois da confissão em Cesareia de Filipe. A cadeira magistral renova em nós também a lembrança das seguintes palavras dirigidas pelo Senhor a Pedro no Cenáculo: «Eu roguei por ti, para que a tua fé não desapareça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos» (Lc 22, 32).


A cátedra de Pedro evoca outra recordação: a conhecida expressão de Santo Inácio de Antioquia, que, na sua Carta aos Romanos, designa a Igreja de Roma como «aquela que preside à caridade» (Inscr.: PG 5, 801). Com efeito, o fato de presidir na fé está inseparavelmente ligado à presidência no amor. Uma fé sem amor deixaria de ser uma fé cristã autêntica. Mas as palavras de Santo Inácio contêm ainda outro aspecto, muito mais concreto: de fato, o termo «caridade» era usado pela Igreja primitiva para indicar também a Eucaristia. Efectivamente a Eucaristia é Sacramentum caritatis Christi, por meio do qual Ele continua a atrair a Si todos nós, como fez do alto da cruz (cf. Jo 12, 32). Portanto, «presidir à caridade» significa atrair os homens num abraço eucarístico – o abraço de Cristo – que supera toda a barreira e estranheza, criando a comunhão entre as múltiplas diferenças. Por conseguinte, o ministério petrino é primado no amor em sentido eucarístico, ou seja, solicitude pela comunhão universal da Igreja em Cristo. E a Eucaristia é forma e medida desta comunhão, e garantia de que a Igreja se mantém fiel ao critério da tradição da fé.


A grande Cátedra é sustentada pelos Padres da Igreja. Os dois mestres do Oriente, São João Crisóstomo e Santo Atanásio, juntamente com os latinos, Santo Ambrósio e Santo Agostinho, representam a totalidade da tradição e, consequentemente, a riqueza da expressão da verdadeira fé na santa e única Igreja. Este elemento do altar diz-nos que o amor apoia-se sobre a fé. O amor se desfaz, se o homem deixa de confiar em Deus e obedecer-Lhe. Na Igreja, tudo se apoia na fé: os sacramentos, a liturgia, a evangelização, a caridade. Mesmo o direito e a própria autoridade na Igreja assentam na fé. A Igreja não se auto-regula, não confere a si mesma o seu próprio ordenamento, mas recebe-o da Palavra de Deus, que escuta na fé e procura compreender e viver. Na comunidade eclesial, os Padres da Igreja têm a função de garantes da fidelidade à Sagrada Escritura. Asseguram uma exegese fidedigna, segura, capaz de formar um conjunto estável e unitário com a cátedra de Pedro. As Sagradas Escrituras, interpretadas com autoridade pelo Magistério à luz dos Padres, iluminam o caminho da Igreja no tempo, assegurando-lhe um fundamento estável no meio das transformações da história.


Depois de termos considerado os diversos elementos do altar da Cátedra, lancemos um olhar ao seu conjunto. Vemos que é atravessado por um duplo movimento: de subida e de descida. Trata-se da reciprocidade entre a fé e o amor. A Cátedra aparece em grande destaque neste lugar, não só porque está aqui o túmulo do apóstolo Pedro, mas também porque ela encaminha para o amor de Deus. Com efeito, a fé orienta-se para o amor. Uma fé egoísta seria uma fé não-verdadeira. Quem crê em Jesus Cristo e entra no dinamismo de amor que encontra a sua fonte na Eucaristia, descobre a verdadeira alegria e torna-se, por sua vez, capaz de viver segundo a lógica deste dom. A verdadeira fé é iluminada pelo amor e conduz ao amor, conduz para o alto, como o altar da Cátedra nos eleva para a janela luminosa, para a glória do Espírito Santo, que constitui o verdadeiro ponto focal que atrai o olhar do peregrino quando cruza o limiar da Basílica Vaticana. O triunfo dos anjos e os grandes raios dourados conferem àquela janela o máximo destaque, com um sentido de transbordante plenitude que exprime a riqueza da comunhão com Deus. Deus não é solidão, mas amor glorioso e feliz, irradiante e luminoso.


Amados irmãos e irmãs, a nós, a cada cristão, está confiado o dom deste amor: um dom que deve ser oferecido com o testemunho da nossa vida. Esta é de modo particular a vossa missão, venerados Irmãos Cardeais: testemunhar a alegria do amor de Cristo. À Virgem Maria, presente na comunidade apostólica reunida em oração à espera do Espírito Santo (cf.Act 1, 14), confiamos agora o vosso novo serviço eclesial. Que Ela, Mãe do Verbo Encarnado, proteja o caminho da Igreja, sustente com a sua intercessão a obra dos Pastores e acolha sob o seu manto todo o Colégio Cardinalício. Amém!


Fonte: ZENIT.ORG - 19/02/2012 - Internet: http://www.zenit.org/article-29735?l=portuguese

sábado, 18 de fevereiro de 2012

''É preciso questionar a nossa ansiedade diante da pluralidade''

Entrevista com 
Danièle Hervieu-Léger

Élodie Maurot
La Croix (Paris, França)
06.02.2012

A socióloga francesa Danièle Hervieu-Léger [foto abaixo] analisa a pluralização das nossas sociedades, enfatizando a paradoxal homogeneização contemporânea

De onde vêm as nossas interrogações recorrentes sobre a pluralização das nossas sociedades?
Danièle: Leio essa inquietação como uma curiosa inversão dos diagnósticos anteriores – que remontam, grosso modo, aos anos 1960 – que consistia em pôr em discussão o monolitismo da nossa sociedade e em reivindicar a possibilidade de expressar a pluralidade das situações, dos pontos de vista, das identidades que eram anuladas ou limitadas pelas restrições de um sistema. Desejava-se reivindicar o reconhecimento da singularidade e da diversidade


Hoje, estamos um pouco no extremo oposto! Preocupamo-nos com a manifestação dessas diferenças por serem suscetíveis de ameaçar o viver juntos... Penso que essa inversão deve ser estudada, investigada. Por que hoje temos a sensação de que a pluralidade está em excesso, enquanto há 50 anos achava-se que ela estava faltando? Na verdade, a diversidade é percebida como uma riqueza e uma oportunidade contanto que possa ser ordenada dentro de um projeto comum. Sem um dispositivo de codificação comum, as afirmações dos indivíduos não permitem a leitura da carta do social.


Pode citar alguns fortes indicadores da pluralização?
Danièle: Podemos dizer coisas banais, considerando que a mundialização, a aceleração da circulação das pessoas e das informações, a rapidez da mudança em todos os âmbitos nos dão a sensação de sermos bombardeados por uma quantidade cada vez maior de novidades e de diversidade. Na incerteza resultante dessa mudança permanente, os julgamentos, as opiniões se dispersam sem poderem se confrontar em um debate público produtivo. 


Tomemos o exemplo da ciência. Vivemos por muito tempo com um consenso – pelo menos relativo – sobre os benefícios do desenvolvimento da ciência. Hoje, a nossa relação com a ciência é muito mais complexa. Sabemos que mais ciência não é apenas mais capacidade de destruição, mais questões éticas difíceis, mas sobretudo, paradoxalmente, um número ainda maior de problemas não resolvidos, cujos resultados escapam aos cidadãos. Queremos transgênicos ou não? O debate não se traduz em "a favor" ou "contra". Ele é muito mais pluralizado. Não opõe apenas "progressistas" de um lado e "reacionários" de outro. 


Durante muito tempo, pôde-se descrever a cena social dividindo-a entre aqueles que queriam ir para o movimento e aqueles que, ao contrário, o rejeitavam e se opunham a ele. Essa simplificação não se sustenta mais hoje. Mesmo no campo religioso, o esquema que opõe "progressistas" e "conservadores" ou "tradicionalistas" simplifica muito e não permite dar um quadro completo da variedade das opiniões religiosas e das opções espirituais.


No seu livro Catholicisme, la fin d'un monde [Bayard, 2003], você descreve o colapso – no fundo, recente – da cultura cristã comum...
Danièle: A diminuição da população católica praticante na França começou há muito tempo, mas esse processo foi por muito tempo compatível com a preservação de uma matriz cultural originária do catolicismo, secularizada. Os indivíduos, embora não fossem de convicção católica, embora estivessem distantes ou fossem hostis ao catolicismo, se inseriam nessa matriz comum, que ajudou a dar forma às instituições seculares (o Estado, a escola, o hospital, a universidade, a família...) e continuou impregnando as mentalidades. 


Desse ponto de vista, a França, um país muito secularizado e religiosamente plural de longa data, podia, no entanto, ser chamado de "país de cultura católica". A partir dos anos 1960, observa-se a dissolução dessa matriz cultural com o advento de uma cultura mundializada do indivíduo.


O que poderia substituir hoje essa matriz cultural?
Danièle: O que eu observo é precisamente que não há nada que possa substituí-la. A ideia de "cultura comum" é uma noção praticamente vazia, e essa é uma das causas do aumento das obsessões comemorativas e patrimoniais que são um modo um pouco desesperado para retomar as rédeas. A nossa sociedade é composta por universos culturais separados, que entram muito pouco em contato uns com os outros


Essa afirmação pode parecer em contradição com a suposta "homogeneização" de uma cultura mundializada, mas a circulação mundializada de bens culturais não significa a apropriação compartilhada de saberes, de valores, de experiências que poderiam desenvolver uma relação comum com o mundo. Os grandes relatos federadores – nacional, operário, católico, secular – perderam a maior parte da sua capacidade mobilizadora. 


Esses grandes relatos, confrontando-se e polemizando entre si, criavam o espaço para uma pluralidade fecunda. A atonia presente do debate público é um indicador da dispersão e da impermeabilidade dos universos culturais uns aos outros, como bolhas flutuantes umas ao lado das outras.


Você propôs, em O Peregrino e o Convertido (Ed. Vozes, 2008), uma leitura da crescente diversidade religiosa nas nossas sociedades. Desde então, você tem visto uma evolução na pluralidade religiosa?
Danièle: Minha opinião não mudou, mas também observo o crescimento de um fenômeno ao qual eu não tinha prestado atenção suficiente naquele momento, que é o do esgotamento do peregrino! Eu associava a figura do peregrino – e a mobilidade que lhe é conexa – a uma espécie de apetite pela descoberta de novos territórios, uma atração espiritual pela alteridade. 


O convertido, ao contrário, era como um peregrino que depunha suas malas, suspendia a busca e assumia a sua identidade religiosa como uma escolha pessoal, pronto para ir, depois, de escolha em escolha. 


O que constato hoje é que a trajetória do peregrino não chega necessariamente a uma escolha. Ele também pode se esconder, se diluir, quando a busca espiritual é submersa pela dificuldade de ser si mesmo, como diz Ehrenberg. A religiosidade peregrina também pode ser uma forma – que merece atenção – de sair da religião.


O que você diria sobre a qualidade da diversidade religiosa hoje? É real?
Danièle: A "metáfora do supermercado" foi muito utilizada para descrever a diversidade religiosa contemporânea, com a ideia de que o indivíduo faz as suas "compras" de bens simbólicos e espirituais e coloca em seu carrinho o que quiser. Fora do quadro das instituições, ele compõe, então, o seu pequeno relato crente singular. 


Mas essa metáfora também pode ser lida de forma diferente. O supermercado também é o lugar em que se encontram todos os tipos de marcas diferentes que cobrem um produto, no fundo, idêntico. No âmbito dos bens simbólicos e religiosos, assim como em outros âmbitos, a economia ultramoderna produz tanto a padronização da produção, quanto a extrema personalização do consumo. Somos convidados a consumir, "como se nos fossem destinados pessoalmente", produtos absolutamente iguais


Independentemente das diversas famílias religiosas, constata-se assim uma redução minimalista da mensagem religiosa – do ponto de vista da sua densidade teológica – e uma diversificação da "oferta", apresentada em uma forma que se considera adaptada para responder às expectativas mais imediatas dos consumidores espirituais.


Tradução de Moisés Sbardelotto.


Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Sábado, 18 de fevereiro de 2012 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/506693-e-preciso-questionar-a-nossa-ansiedade-diante-da-pluralidade-entrevista-com-daniele-hervieu-leger