«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 29 de setembro de 2018

26º Domingo do Tempo Comum – Ano B – Homilia

Evangelho: Marcos 9,38-43.45.47-48

Naquele tempo,
38 João disse a Jesus: «Mestre, vimos um homem expulsar demônios em teu nome. Mas nós o proibimos, porque ele não nos segue».
39 Jesus disse: «Não o proibais, pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim.
40 Quem não é contra nós é a nosso favor.
41 Em verdade eu vos digo: quem vos der a beber um copo de água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa.
42 E, se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço.
43 Se tua mão te leva a pecar, corta-a! É melhor entrar na Vida sem uma das mãos, do que, tendo as duas, ir para o inferno, para o fogo que nunca se apaga.
45 Se teu pé te leva a pecar, corta-o! É melhor entrar na Vida sem um dos pés, do que, tendo os dois, ser jogado no inferno.
47 Se teu olho te leva a pecar, arranca-o! É melhor entrar no Reino de Deus com um olho só, do que, tendo os dois, ser jogado no inferno,
48 “onde o verme deles não morre, e o fogo não se apaga”».

JOSÉ ANTONIO PAGOLA


SÃO DOS NOSSOS

O evangelista Marcos descreve-nos um episódio em que Jesus corrige, de maneira contundente, uma atitude equivocada dos Doze. Não devemos escutar também hoje a advertência de Jesus?

Os Doze tratam de impedir a atividade de um homem que «expulsa demônios», isto é, alguém dedicado a libertar as pessoas do mal que as bloqueia e escraviza, devolvendo-lhes sua liberdade e dignidade. É um homem preocupado em fazer o bem ao povo. Inclusive, atua «em nome de Jesus». Porém, os Doze observam algo que, na opinião deles, é muito grave: «não é dos nossos».

Os Doze não toleram a atividade libertadora de alguém que não está com eles. Parece-lhes inadmissível. Somente através da adesão a eles pode-se levar a cabo a salvação que Jesus oferece. Não se fixam no bem que realiza aquele homem. Preocupa-lhes que não esteja com eles.

 Jesus, pelo contrário, reprova de maneira contundente a atitude de seus discípulos. Quem desenvolve uma atividade humanizadora, já está, de algum modo, vinculado a Jesus e ao seu projeto de salvação. Seus seguidores não devem monopolizá-lo.

Os Doze quiseram exercer um controle sobre a atividade de quem não pertence ao seu grupo, e viram nele um rival. Jesus, que somente busca o bem do ser humano, viu nele um aliado e um amigo: «O que não está contra nós está a nosso favor».

A crise que sofre hoje a «religião cristã» é uma oportunidade para que nós, os seguidores de Jesus, recordemos que nossa primeira tarefa não é organizar e desenvolver com êxito uma religião, mas ser fermento de uma humanidade nova.

Por essa razão, nosso objetivo não é viver em suspeita, condenando posições ou iniciativas que não estão de acordo com nossos desejos ou esquemas religiosos. Não é muito próprio de uma Igreja de Jesus estar sempre vendo inimigos por todos os lados. Jesus convida-nos, isto sim, a alegrar-nos por tudo aquilo que as pessoas e instituições alheias à Igreja possam estar fazendo para um desenvolvimento mais humano da vida. São dos nossos porque lutam pela mesma causa: um homem mais digno de sua condição de filho de Deus.

ESCÂNDALOS

Só se fala hoje do pecado de escândalo. Tradicionalmente, se via o «escândalo», sobretudo, na corrupção dos costumes, nas modas provocantes, nos espetáculos atrevidos ou tudo aquilo que turbava os hábitos sociais no campo do sexo.

Hoje, nos habituamos de tal modo à deterioração social, que o que «escandaliza» e ofende não é o estado da sociedade, mas as palavras daqueles que, como o Papa, denunciam a deterioração dos valores morais, o incremento do consumismo, o hedonismo, a permissividade sexual, a baixa da natalidade ou o aborto.


Primeiramente, é conveniente que recordemos que «escândalo», em seu sentido mais amplo e profundo, é tudo aquilo que conduz os outros a atuar à margem da própria consciência. Escandalizar não é tanto causar constrangimento ou confusão, quanto incitar a uma vida imoral. Neste sentido, ninguém pode negar que vivemos numa sociedade «escandalosa» na qual se estimula, inclusive, atuações pouco humanas.


desigualdade econômica e social entre aqueles que vivem instalados na segurança e seu posto de trabalho bem retribuído e os que estão sendo deixados de fora de toda fonte digna de subsistência é hoje escandalosa porque está levando ao individualismo cego, à insolidariedade e à marginalização dos mais fracos.


Por outro lado, amplos setores do povo começam a «escandalizar-se» porque constatam que o nobre exercício da política se vai deteriorando de modo lamentável. Estratégias pouco transparentes, confrontos mesquinhos e negócios escusos, à margem do bem comum, estão levando a não poucos cidadãos ao desalento, à inibição e à desconfiança nas instituições públicas.


Além disso, a agressividade insana, as desqualificações destrutivas e a violência verbal entre os políticos são um «escândalo» para um  povo que necessita, urgentemente, de modelos públicos de diálogo construtivo, solidariedade e colaboração no bem comum.


Os cristãos deveriam, também, recordar-se da grave advertência de Jesus que nos coloca em estado de atenção diante do escândalo que pode conduzir à perda da fé. Essas palavras tão duras de Jesus: "... se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço", não se referem à «corrupção de menores», mas às incoerências, infidelidades e contradições com a quais podemos fazer que as pessoas simples percam a fé.


Escândalo vem do grego «skandalon» que significa «a pedra» com a qual se pode tropeçar. Escandaliza todo aquele que, com sua atuação, obstaculiza ou torna mais difícil a vida digna e humana dos outros.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: Sopelako San Pedro Apostol Parrokia – Sopelana – Bizkaia (Espanha) – J. A. Pagola – Ciclo B (Homilías) – Internet: clique aqui.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Em quem você vai votar?

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arquidiocese de São Paulo – SP

Não é o caso de, simplesmente, votar com a maioria:
cada um deve tomar a decisão autonomamente e responder
à própria consciência pela escolha que faz
Dom Odilo Pedro Scherer
Cardeal-Arcebispo de São Paulo - SP

Já escolheu em quem vai votar? No próximo dia 7 de outubro, os brasileiros serão chamados às urnas para escolher um novo presidente da República, o governador e dois senadores do próprio Estado, um deputado federal e um deputado estadual. São cinco decisões determinantes para os rumos da vida política do Brasil nos próximos anos.

Embora a campanha para presidente e governador esteja em maior evidência e mereça especial discernimento, a escolha dos parlamentares não deveria receber atenção menor. De fato, eles integrarão o Poder Legislativo, com a missão de:
* aprovar ou rejeitar os projetos do Poder Executivo e
* de controlar suas ações de governo.
Bons deputados e senadores são tão necessários quanto bons presidentes e governadores. Para governar, o presidente precisa de uma boa base parlamentar, formada por políticos sérios, corretos e verdadeiramente interessados no bem do povo e do país.

Já está na hora de fazer a listinha, a ser levada na mão no dia da votação. Ainda dá tempo para se informar melhor sobre o perfil e a idoneidade dos candidatos, mas não se deveria chegar ao dia da eleição sem ter uma ideia clara a respeito dos candidatos a votar. O voto de cada cidadão tem peso e, por isso:
* fugir das urnas,
* votar em branco ou nulo,
embora possam ser atitudes legítimas, não são a melhor prática. Além de demonstrar desinteresse pelo bem comum, isso poderia favorecer candidatos que o cidadão não gostaria de ver eleitos. O melhor mesmo é escolher e votar conscientemente, valorizando o próprio voto. E não é o caso de, simplesmente, votar com a maioria: cada um deve tomar a decisão autonomamente e responder à própria consciência pela escolha que faz.

Talvez, alguém ainda espera que a hierarquia da Igreja indique partido e candidato aos fiéis, mas isso não é possível, porque a própria lei eleitoral é restritiva em relação a isso. Além disso, foi uma decisão do próprio episcopado católico do Brasil não fazer escolhas em lugar dos eleitores. A Igreja Católica não é um partido nem tem partido: ela é uma comunidade de muitas pessoas, no meio das quais podem existir várias expressões políticas, contanto que não contradigam os fundamentos e princípios da própria Igreja. Da mesma forma, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) não é um partido, nem tem uma opção de partido ou candidato.

Entendemos que não é correto instrumentalizar a ação religiosa em função da busca do poder político; nem devem os clérigos mesclar atuação religiosa com campanha eleitoral. Mas é legítimo que os representantes da Igreja se interessem pela vida política e pela formação da consciência política dos cidadãos, propondo critérios de discernimento para a participação dos cidadãos na vida política e de escolha de partidos e candidatos nas eleições. Esses critérios decorrem dos princípios doutrinais e morais da fé católica e estão presentes na Doutrina Social da Igreja. Mas também decorrem da análise atenta da situação social, política, econômica e moral na qual se encontra o país.

O Papa Francisco recordou vários desses princípios na sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013), na qual ele ensina com clareza que a evangelização e a vida cristã possuem uma forte “dimensão social”. O ensinamento católico não é neutro em relação à vida política e social. Por isso, os católicos não podem se desinteressar pela promoção do bem comum e a ação política. Aos bispos da América Latina, o Papa Francisco manifestou sua preocupação pela fraca presença e atuação de católicos na vida política de seus países. Naturalmente, ele também ensina que a militância partidária e o desempenho de cargos políticos são atividades próprias da missão dos cristãos leigos.

Para ser mais direto, está claro que a Igreja Católica não incentiva o voto em quem:
* não possui as capacidades esperadas para o exercício do cargo pleiteado, ou
* em quem já deu provas de corrupção, falta de retidão e honestidade na gestão do bem público.
* A Igreja também não incentiva a votar em quem tem propostas políticas que incluam o uso da violência e sejam contrárias à justiça e à paz,
* ou sejam lesivas à vida e à dignidade da pessoa, de toda pessoa.

É de se esperar que aqueles que assumirão os mandatos tenham uma atenção especial pelos pobres e as camadas mais injustiçadas e esquecidas da sociedade brasileira, de maneira a promover uma verdadeira equidade e solidariedade social.

O voto nunca deveria ser carimbado de ódio, raiva ou irresponsabilidade em relação ao BEM COMUM. Voto é questão de consciência e chegou a hora de cada um fazer a sua parte para deixar o Brasil melhor após as eleições. No final de tudo, é isso o que conta.

Fonte: Jornal «O São Paulo» - Encontro com o pastor – Quarta-feira, 26 de setembro de 2018 – Internet: clique aqui.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Bolsonaro, ou: “Quem lança mão da espada, pela espada perecerá” (Mt 26,52)

Eduardo César Rodrigues Calil
Padre da Diocese de Uberlândia (MG),
Teólogo formado pela FAJE
Blog «Fique Firme»
11-09-2018

O Senhor Jesus é contra toda e qualquer violência!
O ódio e a vingança não fazem parte da fé cristã!
PE. EDUARDO CÉSAR RODRIGUES CALIL

A trama estava armada contra Jesus. No meio do complô estavam a aristocracia laical e religiosa e o colaborador indispensável para a prisão de Jesus: o traidor, Judas. A ação da tropa deve ter surpreendido a todos; da parte dos discípulos houve uma pequena tentativa de resistência que culminou no decepamento da orelha de um soldado romano por um golpe de espada. A tradição é unânime em recuperar esse dado e João é o único evangelho que diz que o discípulo que procurou defender Jesus foi Pedro. Mas Jesus claramente ordena que o discípulo, seja ele quem for, guarde a espada. Por que Jesus impede a legítima defesa?

Por que a trama narrativa precisa continuar, diriam uns. E estão certos. Os Evangelhos são fundamentalmente narrativas querigmáticas (= anúncio do mistério pascal de Cristo) que desenrolam nas palavras e gestos de Jesus o que foi sua vida e como ela se desdobrou para chegar ao suplício da cruz e à ressurreição. Mas quero discordar de antemão de uma leitura que imagine que os Evangelhos conduzam para o mistério pascal e que só lá, nos capítulos sobre a morte e a ressurreição, é que finalmente a vida de Jesus faça sentido. Se os capítulos sobre a morte e a ressurreição são o clímax da trama, isso não justifica descartar toda a trama em nome do clímax. Tudo o que se diz antes já revela quem Jesus de fato é. Tudo o que Jesus realiza antes de sua morte e ressurreição já nos salva (isso é o que entendemos por encarnação, se quisermos falar dela com decência teológica). Logo, a frase de Jesus sobre guardar a espada não está só em função de uma trama que precisa desenvolver-se, mas tem sentido em si mesma.

Porque Jesus tinha que morrer, é outra possível resposta. Como um vivente, por certo, pois tudo que está vivo, um dia, morre. Mas ele não tinha que morrer de morte matada. Porque é isto a cruz: um assassinato. Uma trama macabra para silenciar um homem que estava perturbando a ordem religiosa e social de sua época. A cruz era uma condenação horrenda, e Jesus morre como um maldito entre ladrões. Nada justifica dizer que é da vontade de Deus que seu filho amado morra, nem tampouco dizer que Deus precisa do sangue do próprio filho para nos salvar. Essa soteriologia vicária nos rendeu menos amor que medo por essa imagem de Deus, que mais parece uma imagem vampiresca. Qualquer frase bíblica que permita essa interpretação errônea e horripilante não passa de má interpretação, pois ou está em função de um dado teológico relevante (Deus não faz nada para evitar a morte do filho) ou em função de uma teologia propiciatória (tipicamente paulina). Ou seja: à primeira leitura, confusões podem se dar mesmo e, embora esses temas exigissem outros artigos, o que convém ressaltar é: Deus não precisa da morte do filho, mas a recebe. Jesus, então, não manda guardar a espada, porque queira morrer ou porque esteja seguindo algum script que ordena a sua morte; ele não é nenhuma espécie de masoquista ansioso por sofrer.
Cena em que Pedro corta a orelha de Malcus no momento da prisão de Jesus

Jesus via sua morte como entrega, dirão outros. De novo, o Evangelho de João é o que mais ressalta esta característica: Jesus é quem dá a sua vida, ninguém a tira. Mas, em todos os outros Evangelhos, é possível perceber que Jesus não volta atrás em sua palavra. É fiel àquele anúncio que norteou a sua vida. Jesus crê que é possível que o matem, mas não serão capazes de arrancar o sentido que encheu sua existência: e isso ele oferece (porque o tem) – vida em abundância. Sua confiança naquele que chamava de Pai e seu Reinado, que acontecia por meio do amor ao próximo que ele ensinava e vivia, eram mais fortes do que o medo da morte. Deveria ele, por medo da morte, desmentir tudo o que havia dito e fugir dos compromissos e das consequências que sua vida havia provocado? Ele poderia tê-lo feito, mas que tipo de existência ele viveria depois de negar o segredo de seu próprio espírito? Então, se Jesus pede para guardar a espada, é porque ele precisa ser coerente com seu anúncio de amor e de paz, apesar da violência que o cerca.

E se quisermos buscar nas fontes bíblicas textos que desenvolvam o que Jesus propõe, poderíamos recuperar não poucas palavras:
* “evitai que ninguém retribua o mal com o mal, mas encorajai que todos sejam bondosos uns com os outros” (1Ts, 5, 15);
* “não retribuindo mal com mal, tampouco ofensa com ofensa; ao contrário, abençoai; porquanto, foi justamente para esse propósito que fostes convocados, a fim de também receberdes bênção como herança” (1Pd 3,9).

E se quisermos ficar apenas com as palavras de Jesus, veremos que ele é bastante contundente:
“Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados: ‘não matarás’, e ‘quem matar estará sujeito a julgamento’. Mas eu lhes digo que qualquer um que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento” (Mt 5,21ss).

Ou ainda mais:
“Ouvistes o que foi dito: olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica; larga-lhe também a capa…” (Mt 5,38ss).

Sendo assim, no “guarda a espada” de Jesus ecoa todo um projeto de superação da violência e de investimento na paz e no amor. Aliás, não faltaram discípulos decepcionados com Jesus, inclusive Pedro, porque o projeto do Senhor não era o de vencer pela força; não era o de implantar seu reinado à fórceps, ou de obrigá-lo boca abaixo pela força de seus anjos; não era exigir a conversão e a mudança fazendo cair uma tempestade do céu. Sua mensagem era uma proposta de liberdade e fraternidade que admite ser rejeitada.

É evidente que sendo fiel ao seu projeto, não o negando e não voltando atrás nas consequências de sua mensagem, Jesus não está proibindo a legítima defesa. É um instinto natural e uma atitude de bom senso defender a própria vida e a daqueles que amamos quando essas se veem ameaçadas. Isso está longe, entretanto, da violência pela violência, ou da desmesura em que o ódio nos coloca. A vingança, o ódio, a frustração de nossos desejos, os medos, as angústias mal resolvidas podem nos lançar na violência com muita facilidade. Legítima defesa é outra coisa.
JAIR BOLSONARO (PSL)
Candidato a Presidente da República do Brasil

Aí entra o Bolsonaro e sua pauta polêmica do armamento da população.

O descrédito com a justiça no nosso país, com a segurança e com a educação, estão nos fazendo trocar aquilo que é fundamental pelo incerto e perverso. Permitir o porte de arma não resolve os problemas mais cruciais. Alguns poderiam argumentar que resolve o problema do ataque dos bandidos, instaurando neles o medo e o receio de praticarem a violência já que as vítimas potenciais agora poderiam se defender. O medo, entretanto, não impede nenhum ato de violência, muito pelo contrário, o incita. O problema da violência não será resolvido combatendo seus efeitos (que é quando o bandido chega a arma na cabeça de alguém, por exemplo). Isso, porque as causas continuarão em funcionamento. Do mesmo modo, apenas prender os bandidos, sem rever o sistema penitenciário é algo que já comprovamos que não funciona. Também não funciona armar a população: ou vamos eliminar bandido produzindo assassinos? Corre-se o sério risco de não se olhar, assim, para as causas mais profundas dos problemas, propondo resolver as questões não em sua raiz, mas de modo superficial.

O mais fundamental é gerar educação, promover justiça, cuidar da saúde pública. Essas pautas mais concretas não aparecem nas discussões em torno do candidato Jair Bolsonaro. Em contrapartida, suas falas estão permeadas de preconceitos em relação à mulher, aos homossexuais, aos quilombolas, aos sem-teto, aos sem-terra, aos usuários de drogas, aos pobres em geral.

A desconfiança do presidenciável Jair Bolsonaro aos direitos humanos é aplaudida por muitos. É possível compreender que a população esteja completamente desacreditada das estruturas que deveriam garantir os direitos, mas negar os direitos humanos, isso já é demais, é retroceder muito. Para fazer os direitos valerem, o caminho não é desacreditá-los, mas promover uma transformação profunda das instituições que comece por ouvir a população. Isso, sem deixar de mencionar a tão necessária reforma política, sem a qual não pode haver uma transformação social honesta.

Armar a população não é solução para nada, mas pode produzir efeitos contrários drásticos. Num país cujas taxas de feminicídio são altas, onde os crimes de homofobia e transfobia só crescem, em que os crimes passionais são cada vez mais comuns, em que a violência por causa de discussões triviais é banalizada, o porte de armas de fogo só pode piorar a situação. Lembrem-se que o medo da ameaça não abaixa a adrenalina, só a aumenta… Depois, seria bom perguntar quem lucra com o armamento da população; a indústria armamentista certamente fará a festa. Em contrapartida, o mais acertado é proteger melhor as fronteiras para evitar o tráfico de armas, endurecer mais a compra e venda das mesmas e se colocar para solucionar na raiz os problemas mais profundos de nossa sociedade, dentre os quais estão:
* a falta de justiça,
* o profundo abismo entre poucos ricos e uma imensidão de empobrecidos, que é uma das raízes da violência.

Alguns poderiam argumentar que Bolsonaro é boa opção porque é contra:
* o comunismo,
* a cartilha gay,
* a favor da família nuclear, ou
* contra o aborto.
Que sua política de armamento é só um erro em meio aos acertos. Podemos apresentar algumas intuições em relação a essas pautas.

Ganhou relevância dizer que tudo aquilo que toca as causas sociais, o direito de todos, o desmonte da meritocracia a favor da distribuição de oportunidades seja:
* petismo,
* lulismo,
* comunismo,
* socialismo.
Há muitas controvérsias sobre o uso das palavras socialismo e comunismo. Ao citá-las, nem todo mundo entende a mesma coisa, mas grande parte da população brasileira as entende como uma grande ameaça ao país, como se aqui fosse instaurar-se um governo como o de Maduro ou Chávez. Sabemos que o socialismo real foi uma catástrofe, mas o socialismo utópico e o real são a mesma coisa?

Citam Marx, mas o próprio socialismo marxista evoluiu e não fala mais de luta de classes, ao menos não como antes. Enfim, as categorias “comunismo”, “socialismo” e até mesmo “petismo”, “esquerdismo” se tornaram omniabrangentes: são palavras em que cabe tudo, estão superinfladas e, talvez por isso, não digam mais nada de sério. Problema sério é o capitalismo também. Mas desse ninguém fala. O direito à propriedade privada é um ganho, mas esse sistema produz ainda hoje injustiças gritantes, camadas de pobres cada vez mais miseráveis, fome, mais e mais desempregados, uma globalização assimétrica. Ora, sistemas econômicos são problemáticos, não devem ser idolatrados, têm de ser constantemente revistos.
UM SLOGAN ELEITORAL BEM AOS MOLDES FASCISTAS:
PÁTRIA & DEUS...

Mas o problema mais grave ainda não está posto. O problema mais grave é o fascismo:
* a tendência ao autoritarismo,
* nacionalismo fechado,
* desprezo pelos direitos humanos,
* supremacia militar,
* sexismo desenfreado,
* controle das mídias de massa,
* obsessão com segurança nacional,
* nepotismo desenfreado,
* desprezo pelas artes e por intelectuais,
* poder de corporações em alta,
* poder de trabalhadores suprimido.
Um discurso de ódio (ou radical) em que se vê potencialmente tudo isso, é assustador.

A escola é uma das instituições brasileiras que precisa de socorro. Mas uma educação em que não se possa ler os clássicos nem sequer discuti-los não promoverá um ensino consistente. Também uma educação que não possa falar de sexualidade, fica engessada e embaraçada em preconceitos e tabus. O moralismo crescente, a dificuldade de aceitar o diferente e de compreender as diferenças nascem justamente de uma educação enquadrada. A sexualidade é uma das dimensões humanas mais ricas, é amplamente experimentada durante a vida, tendo em vista que não se pode reduzi-la ao sexo. O lugar de seu aprendizado é a família. Mas é também a escola, a Igreja, porque não há como falar do humano ignorando suas constituições mais elementares, e a sexualidade certamente é uma delas. A Igreja não raras vezes toca neste assunto, procura orientar os seus adeptos, apresenta suas normativas, não é mesmo? Por que a escola não poderia falar sobre sexualidade e sexo? Falar sobre sexualidade não cria pervertidos. Nem tampouco falar sobre as diferenças sexuais. A própria experiência falsifica essa crença.

Vejamos a ambiguidade que há na compreensão do papel da educação:
para esses grupos radicais, ela não é capaz de salvar as pessoas do mundo do crime, das drogas e do banditismo (daí que bandido bom é bandido morto), mas é capaz de produzir gays e perversos sexuais, como se essas orientações fossem efeitos de doutrinação (e assim pudessem ser desdoutrinadas).

Além disso, Bolsonaro apontou uma cartilha que, segundo ele, era adotada pelo MEC. O livro nunca foi adotado pelo MEC, segundo o próprio Ministério da Educação e a própria autora. A crítica sobre o que é ideologia de gênero, por sua vez, passa por um desentendimento radical sobre o que significa propriamente gênero, tipificação de gênero, orientação sexual e afins. Quando nem sequer as terminologias e conceitos são dominados e entendidos, a que tipo de críticas estamos assistindo, senão a críticas também ideológicas? Mais uma controvérsia, enfim: ao falar tanto contra a sexualidade, o presidenciável põe em relevo sua obsessão pelo assunto. Todo excesso pode indicar uma falta. Do que será que Bolsonaro realmente está se queixando?

A família nuclear é uma invenção burguesa. Ao dizer que família é apenas aquela formada por pai, mãe e filhos, nega-se todo um espectro de possibilidades familiares. Uma série de pessoas que defendem esse modelo familiar fazem parte de famílias recompostas ou monoparentais. Lembremo-nos que Jesus vem de uma família em que seu pai é adotivo, se quisermos ser fiéis à tradição. Agora, se o problema for assumir que há famílias homoparentais, sugerimos lembrar que os homossexuais querem seus direitos civis garantidos e esses não lhes podem ser negados já que são cidadãos como quaisquer outros. O Estado é laico e as misturas entre religião e Estado até aqui vistas na história não redundaram em benefícios para nenhum dos dois. A religião deve permanecer crítica em relação à política e não se diluir nela.

Não sou a favor do aborto, mas se quisemos ser pró-vida, devemos falar de uma vida que seja defendida de seu início até seu fim digno. Não é suficiente defender apenas o feto e depois defender pautas como o armamento, ou a morte de gays, ou fuzilar pessoas com opiniões contrárias. Depois, será preciso reconhecer que há casos muito específicos discutidos, inclusive, pela bioética e pela teologia em ambientes católicos, universidades, centros de teologia. Seja como for, a proibição não vai acabar com os abortos clandestinos. Que políticas públicas vão ser desenvolvidas para salvaguardar a saúde das mulheres? Além disso, a discussão mais uma vez fica enviesada, pois é justo defender o direito à vida de um nascituro, mas não se pode falar de sexualidade consciente. Deve-se defender a vida, mas não se pode olhar para a figura do feminino com o devido respeito, reconhecendo-a em sua dignidade e seu importante papel, relegando-a aos papéis sociais que a cultura machista lhe incumbe. A discussão vai de novo para os efeitos, não para as causas.

Bolsonaro é um candidato, contudo, muito inteligente.
Sabe fazer o discurso que muitos querem ouvir, que promete combater os sintomas que todos queremos curar logo, embora o faça apelando para radicalismos, com narrativas potencialmente fascistas.

O símbolo de seu possível governo tem sido os dedos em forma de arma. Mas o gesto é apenas uma expressão do que não cansamos de ver em sua boca: um discurso de ódio. Um dos recentes episódios acontecidos ao presidenciável foi ser esfaqueado. Não é karma, não é para dizer que “aqui se faz, aqui se paga”, que ele “está colhendo o que plantou”, pois sabemos que muitas pessoas sofrem todo tipo de violência sem terem culpa, sendo pobres vítimas; são gente inocente morrendo por causa da violência estrutural e social. Mas não dá para negar algo que Jesus também sabia: a violência, que a gente pode estimular, cria cadeia, faz ciranda, roda-roda-roda e, uma hora, às vítimas ou aos culpados, pode nos acertar.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 19 de setembro de 2018 – Internet: clique aqui.

O que é o bolsonarismo?

Bolsonaro não controla mais o bolsonarismo

William Nozaki*

O fenômeno virou metástase no interior do tecido social e
não obedece ao comando do candidato
WILLIAM NOZAKI

O fenômeno Jair Bolsonaro deixou de ser uma questão meramente política e eleitoral para se converter em um problema social e sociológico. O bolsonarismo se enraizou e entrou em metástase no interior do tecido social brasileiro.

Como se sabe, o ELEITORADO do capitão reformado é composto majoritariamente por:
* homens,
* brancos,
* de classe média,
* com ensino superior e
* concentrado nas cidades grandes e médias e nas regiões de fronteira.

Evidentemente, sua presença é sentida em outros estratos sociais, mas com menor intensidade. O perfil eleitoral de seus apoiadores, entretanto, é apenas um pequeno aperitivo do que agrega sua base de sustentação social.

O bolsonarismo conformou uma nova aliança de classes no Brasil, uma espécie de exército zumbi hidrofóbico originário de “walkmin dead” e que congrega, no MERCADO:
* setores do rentismo,
* do grande comércio varejista,
* do pequeno e médio produtor rural e
* de profissionais liberais ligados ao velho bacharelismo.

No CONGRESSO, parcela das bancadas:
* do boi,
* da bala,
* da bíblia e
* dos nanicos que orbitam ao redor do “centrão”.

No ESTADO as baixas patentes:
* da farda,
* da toga e
* do clero [demais funcionários públicos].

Na SOCIEDADE, segmentos das:
* igrejas neopentecostais,
* atletas de MMA/UFC,
* duplas e cantores sertanejos,
* apresentadores de programas de auditório,
* artistas e músicos ultrapassados,
* comediantes conservadores de stand up comedy e
* intelectuais de procedência duvidosa.

Uma parcela desse contingente heterogêneo, a extrema-direita que representa seu sumo, partilha de uma visão de mundo obscurantista e marcada por traços como:
* o ódio,
* a intolerância,
* o machismo,
* o racismo,
* a lgbtfobia,
* a xenofobia. Muitas vezes são
* criacionistas,
* moralistas,
* terraplanistas e
* monarquistas,
* rechaçam os direitos humanos e
* louvam a violência e a tortura.
APOIADORES DE BOLSONARO E O SEU SLOGAN PRETENSAMENTE CRISTÃO:
"Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!"

Não tem compromisso com a democracia ou com valores modernos. Substituem a noção de bem comum pela de ganhos privados. Sufocam o indivíduo moderno nas amarras da família tradicional e no lugar da igualdade de oportunidades retroagem em defesa da naturalização das desigualdades.

São liberais cínicos, proclamam como princípio a não-intervenção do Estado na economia com a mesma desfaçatez que o faziam aqueles que foram contra a abolição da escravidão e contra a instituição do salário mínimo no País.

O fenômeno não chega a ser propriamente inédito entre a fauna e a flora que compõe a cultura política brasileira. Chega mesmo a guardar alguma relação de parentesco com outras idiossincrasias nacionais como o udenismo, o janismo e até mesmo o malufismo, mas com novos componentes, claro, temperados pela presença:
* da indústria cultural,
* das redes sociais digitais,
* do norte-americanismo,
* do militarismo civil e
* do fundamentalismo religioso.

A maior inovação talvez esteja no risco de instabilidade permanente em que essa aliança pelo regresso coloca o País, pois, dado esse perfil, o bolsonarismo talvez não seja controlável nem pelo próprio Bolsonaro, como observamos nos últimos dias.
JAIR BOLSONARO (PSL) & HAMILTON MOURÃO (PRTB)
Respectivamente candidatos à Presidente e Vice-Presidente da República na chapa bolsonarista

Do ponto de vista econômico e político, Bolsonaro está circundado pelo investidor financeiro Paulo Guedes e pelo general de reserva Hamilton Mourão. O que deveria ser o lastro da moeda e das armas se mostrou, recentemente, um calcanhar de Aquiles.

Do hospital, Jair Bolsonaro precisou conter declarações ultraliberais e antipopulares de Guedes que davam notícia da criação de novos impostos e novas alíquotas regressivas incidindo sobre os trabalhadores e desonerando as altas elites.

E precisou barrar sanhas golpistas e reacionárias de Mourão em suas declarações preconceituosas sobre a “indolência” dos índios, a “malandragem” dos negros, o “desajuste” das famílias monoparentais, a “mulambada” dos países emergentes, a possibilidade de “autogolpe” e a necessidade de uma Constituição que “prescinda do povo”.

O som de Guedes e a fúria de Mourão vieram acompanhados de atitudes incendiárias de apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais.

As ofensas, ameaças e perseguições, reais e virtuais, contra as mulheres que organizaram o grupo e a campanha #EleNão é mais uma mostra de que a combinação de:
* antipetismo,
* crise econômica,
* judicialização da política,
* instabilidade institucional e
* polarização ideológica criaram um ambiente de violência física, material e simbólica que não é mais governável nem mesmo por quem alimentou esse clima de conflagração e beligerância.
CAMPANHA #EleNão

Como se sabe, o grau de rejeição e outras fragilidades tornam uma vitória eleitoral de Bolsonaro improvável, mas não se trata de algo impossível, e como a história mostra não convém subestimar as iras fascistas.

Desta forma, a se tomar como parâmetro o padrão de atuação das bases sociais, políticas e econômicas de Bolsonaro na campanha presidencial e a se imaginar hipoteticamente que o candidato vença, é muito provável que tenhamos:
a) ou um governo suficientemente forte, e autoritário, orientado para implementar um projeto que levará o País a um colapso social,
b) ou um governo iminentemente fraco, e conservador, norteado pela sua própria auto-sobrevivência e que nos levará a mais um colapso institucional.

Nos dois casos teremos um cenário de mais crises e instabilidades. Se o fascismo vencer, o Brasil escreverá “uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria”, pois Bolsonaro não controla o bolsonarismo.

* WILLIAM NOZAKI é graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo - USP, com ênfase em Ciência Política, e mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, com ênfase em História Econômica. Atualmente é doutorando em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, docente do curso de Ciências Sociais na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESP-SP e professor convidado na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais - FLACSO.

Fonte: CartaCapital – Política/Análise – Segunda-feira, 24 de setembro de 2018 – 11h03 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Jovens querem ser ouvidos

Queremos um sínodo transparente e aberto,
pedem os jovens alemães

Entrevista com Thomas Andonie
Presidente da Federação da Juventude Católica Alemã
(Bund der Deutschen Katholischen Jugend - BDKJ)

Roland Müller
Settimana News
15-09-2018

Jovens querem ser ouvidos, de verdade, pela Igreja Católica.
Sínodo será uma oportunidade para isso
SÍNODO DOS BISPOS
Com a presença de Papa Francisco - Aula Sinodal - Vaticano

De 7 a 9 de setembro aconteceu em Mônaco da Baviera a reunião da Federação da Juventude Católica Alemã (Bund der Deutschen Katholischen Jugend - BDKJ), que reúne 17 associações com 660.000 jovens. Participaram do encontro também os representantes das associações de países de língua alemã, como a Áustria, o Tirol do Sul e a Suíça, em vista do próximo Sínodo dos Bispos. O medo dos jovens é que não seja transparente nem aberto.

Katholisch.de entrevistou Thomas Andonie, presidente da associação alemã desde julho de 2017, sobre o conteúdo da reunião que terminou com uma declaração conjunta.

Eis a entrevista.

Sr. Andonie, no último fim de semana aconteceu uma reunião da rede internacional de associações juvenis católicas de vários países de língua alemã. Qual foi a ocasião?

Thomas Andonie: No início de outubro, inicia-se no Vaticano o sínodo dos jovens e a Igreja de todo o mundo volta sua atenção para os jovens, seus desejos e expectativas. Para tanto, queremos também oferecer uma contribuição e cooperar para que o sínodo dos bispos tenha sucesso. Olhamos para além das fronteiras nacionais para ver o que move os jovens e quais são suas solicitações em relação à própria Igreja.

Por que foi necessária uma reunião internacional?

Andonie: Para reunir os desejos do maior número possível de jovens. O BDKJ opera principalmente na Alemanha, mas é importante olhar para fora das fronteiras sobre os temas do sínodo que dizem respeito à Igreja mundial. Era óbvio começar na esfera de língua alemã. Nesse nível, é incomum que se reúna um número tão grande de representantes de jovens de uma associação de trabalho de autogestão. Queríamos ver o que move os jovens em nossos países, para ter uma visão mais ampla - e ver como o trabalho é organizado para cada solicitação.

Jovens de diferentes países se interessam pelos mesmos temas? E onde estão as diferenças?

Andonie: Naturalmente, existem diferenças, por exemplo, em relação às nossas estruturas associativas e ao modo de compreender a pastoral juvenil. Mas notamos que existe um grande parêntese que unifica tudo: o problema da autenticidade da Igreja. Sobre esse ponto existe uma grande concordância. Isso também é demonstrado pelo fato de que, durante os três dias do encontro, conseguimos estruturar uma declaração conjunta. Em cinco pontos-chave, conseguimos indicar o que move os jovens.

Os críticos dizem que as exigências da declaração não constituem nada de novo ...

Andonie: É claro que é muito triste que em algumas partes acabamos sempre por colocar as mesmas exigências, porque em vários pontos nada muda. Mas que os jovens queiram colaborar para estruturar a Igreja juntos, é um fato que deve ser levado muito a sério. De fato, nossa mensagem não vem de um pequeno círculo, mas na Alemanha é sustentada democraticamente por 660.000 jovens de 17 associações juvenis. Uma olhada no documento pré-sinodal mostra que os jovens querem exatamente isso:
* participação,
* troca de ideias e
* âmbitos nos quais poder agir de forma independente.
É exatamente isso que constitui o trabalho eclesial das associações. Acreditamos nesse modo de poder oferecer aos jovens uma Igreja que seja a sua casa.

O que estabelece a declaração comum?

Andonie: Além do acolhimento incondicional de todo jovem, o aspecto da solidariedade é muito importante no texto. O que une é a questão sobre como a Igreja possa ser autêntica.

Nossa resposta é: ela deve se confrontar criticamente consigo mesma e engajar-se de maneira crível com os desfavorecidos e aqueles que sofrem.
É assim que a fé é demonstrada.

Naturalmente, a liturgia também é um aspecto central, mas a ação da Igreja torna-se visível no mundo se a fé é vivida na ação. Portanto, a Igreja deve tomar uma posição clara sobre os casos de abusos e assumir as consequências. Somos muito gratos ao Papa Francisco por ter enfrentado o clericalismo. A Igreja só pode ser credível se admitir seus erros e assumir as consequências. Isso significa que o sofrimento infligido a crianças e adolescentes por representantes da Igreja deve ser plenamente esclarecido e ser levado perante os tribunais civis.

Um grande estudo sobre abusos na Igreja alemã será apresentado em breve. O que o BDKJ espera deste estudo?

Andonie: As estruturas que favorecem o abuso devem ser descobertas e devem ser mudadas. Em muitas áreas problemáticas da Igreja, por exemplo, as de igualdade de gênero ou abusos, sempre notamos que o problema é a relação de poder na Igreja. Devemos trazer transparência naqueles lugares onde verificamos abusos através do clericalismo na Igreja. No trabalho das associações juvenis, a liderança é exercida em conjunto com os clérigos. Esse é um ponto importante em termos de transparência. Devemos também assumir juntos a responsabilidade nas paróquias, nas dioceses e em outras instituições da Igreja e repensar as estruturas tradicionais e os órgãos de direção.

Você recomendaria, portanto, o modelo administrativo autônomo para toda a Igreja?

Andonie: Constatamos que na nossa entidade funciona muito bem. Hoje também existem modelos alternativos de gestão no plano paroquial com os leigos, como, por exemplo, na diocese de Osnabrück. São modelos de gestão conjunta - embora não devesse ser regulada pelo centro.

Há alguma coisa que deveria ser mudada dentro do BDKJ diante da crise dos abusos?

Andonie: O BDKJ e suas associações de jovens regularmente verificam se nossas abordagens para a prevenção da violência sexual funcionam. Especialmente naqueles lugares na Igreja em que os jovens são ativos, é importante garantirmos uma proteção sensível e eloquente em relação aos problemas. A mesma coisa que também desejamos para a Igreja.

Diante dos casos de abuso, pedidos foram feitos para cancelar o sínodo de jovens. Você acha que seria algo razoável?

Andonie: Na fase pré-sinodal, notamos como a credibilidade da Igreja seja especialmente importante para todos. Seria um sinal nefasto dizer: por causa dos abusos, anulamos um sínodo que coloca os jovens no centro de sua atenção. Eu acredito que um aspecto central deva ser, para responder aos casos de abuso, o fato que a Igreja esteja preocupada em se tornar um lugar seguro para todos os jovens. No plano internacional, surgem continuamente novos casos: em 2010, na Alemanha, recentemente no Chile e agora nos Estados Unidos. Estamos vendo que existem situações importantes sobre os quais falar. Disso devem ser tiradas as consequências e, em especial, devem mudar na Igreja as estruturas que favorecem esse incrível sofrimento. Desse modo, a Igreja pode tornar-se credível. Justamente por isso, o sínodo deve ser celebrado de maneira transparente. E ser conhecido publicamente o que for ali tratado.

O BDKJ pede por um maior diálogo com os jovens no sínodo?

Andonie: Sim, porque vemos com grande tristeza que não é nem transparente nem aberto, mesmo que isso tenha sido explicitamente solicitado na fase pré-sinodal. Não se sabe quem será adicionado como consultor dos bispos, se jovens estarão presentes e com que procedimento serão escolhidos. É muito importante que os jovens representantes não só ofereçam conselhos, mas também estejam envolvidos nas deliberações. É um pedido apresentado em âmbito mundial por jovens comprometidos e ligados à Igreja. Seria um passo simples, e os bispos deveriam questionar-se e mudar alguma coisa.

Traduzido por Luisa Rabolini da versão italiana (Settimana News - clique aqui). Acesse a versão original, clicando aqui (em alemão).

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 18 de setembro de 2018 – Internet: clique aqui.