O que é o bolsonarismo?

Bolsonaro não controla mais o bolsonarismo

William Nozaki*

O fenômeno virou metástase no interior do tecido social e
não obedece ao comando do candidato
WILLIAM NOZAKI

O fenômeno Jair Bolsonaro deixou de ser uma questão meramente política e eleitoral para se converter em um problema social e sociológico. O bolsonarismo se enraizou e entrou em metástase no interior do tecido social brasileiro.

Como se sabe, o ELEITORADO do capitão reformado é composto majoritariamente por:
* homens,
* brancos,
* de classe média,
* com ensino superior e
* concentrado nas cidades grandes e médias e nas regiões de fronteira.

Evidentemente, sua presença é sentida em outros estratos sociais, mas com menor intensidade. O perfil eleitoral de seus apoiadores, entretanto, é apenas um pequeno aperitivo do que agrega sua base de sustentação social.

O bolsonarismo conformou uma nova aliança de classes no Brasil, uma espécie de exército zumbi hidrofóbico originário de “walkmin dead” e que congrega, no MERCADO:
* setores do rentismo,
* do grande comércio varejista,
* do pequeno e médio produtor rural e
* de profissionais liberais ligados ao velho bacharelismo.

No CONGRESSO, parcela das bancadas:
* do boi,
* da bala,
* da bíblia e
* dos nanicos que orbitam ao redor do “centrão”.

No ESTADO as baixas patentes:
* da farda,
* da toga e
* do clero [demais funcionários públicos].

Na SOCIEDADE, segmentos das:
* igrejas neopentecostais,
* atletas de MMA/UFC,
* duplas e cantores sertanejos,
* apresentadores de programas de auditório,
* artistas e músicos ultrapassados,
* comediantes conservadores de stand up comedy e
* intelectuais de procedência duvidosa.

Uma parcela desse contingente heterogêneo, a extrema-direita que representa seu sumo, partilha de uma visão de mundo obscurantista e marcada por traços como:
* o ódio,
* a intolerância,
* o machismo,
* o racismo,
* a lgbtfobia,
* a xenofobia. Muitas vezes são
* criacionistas,
* moralistas,
* terraplanistas e
* monarquistas,
* rechaçam os direitos humanos e
* louvam a violência e a tortura.
APOIADORES DE BOLSONARO E O SEU SLOGAN PRETENSAMENTE CRISTÃO:
"Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!"

Não tem compromisso com a democracia ou com valores modernos. Substituem a noção de bem comum pela de ganhos privados. Sufocam o indivíduo moderno nas amarras da família tradicional e no lugar da igualdade de oportunidades retroagem em defesa da naturalização das desigualdades.

São liberais cínicos, proclamam como princípio a não-intervenção do Estado na economia com a mesma desfaçatez que o faziam aqueles que foram contra a abolição da escravidão e contra a instituição do salário mínimo no País.

O fenômeno não chega a ser propriamente inédito entre a fauna e a flora que compõe a cultura política brasileira. Chega mesmo a guardar alguma relação de parentesco com outras idiossincrasias nacionais como o udenismo, o janismo e até mesmo o malufismo, mas com novos componentes, claro, temperados pela presença:
* da indústria cultural,
* das redes sociais digitais,
* do norte-americanismo,
* do militarismo civil e
* do fundamentalismo religioso.

A maior inovação talvez esteja no risco de instabilidade permanente em que essa aliança pelo regresso coloca o País, pois, dado esse perfil, o bolsonarismo talvez não seja controlável nem pelo próprio Bolsonaro, como observamos nos últimos dias.
JAIR BOLSONARO (PSL) & HAMILTON MOURÃO (PRTB)
Respectivamente candidatos à Presidente e Vice-Presidente da República na chapa bolsonarista

Do ponto de vista econômico e político, Bolsonaro está circundado pelo investidor financeiro Paulo Guedes e pelo general de reserva Hamilton Mourão. O que deveria ser o lastro da moeda e das armas se mostrou, recentemente, um calcanhar de Aquiles.

Do hospital, Jair Bolsonaro precisou conter declarações ultraliberais e antipopulares de Guedes que davam notícia da criação de novos impostos e novas alíquotas regressivas incidindo sobre os trabalhadores e desonerando as altas elites.

E precisou barrar sanhas golpistas e reacionárias de Mourão em suas declarações preconceituosas sobre a “indolência” dos índios, a “malandragem” dos negros, o “desajuste” das famílias monoparentais, a “mulambada” dos países emergentes, a possibilidade de “autogolpe” e a necessidade de uma Constituição que “prescinda do povo”.

O som de Guedes e a fúria de Mourão vieram acompanhados de atitudes incendiárias de apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais.

As ofensas, ameaças e perseguições, reais e virtuais, contra as mulheres que organizaram o grupo e a campanha #EleNão é mais uma mostra de que a combinação de:
* antipetismo,
* crise econômica,
* judicialização da política,
* instabilidade institucional e
* polarização ideológica criaram um ambiente de violência física, material e simbólica que não é mais governável nem mesmo por quem alimentou esse clima de conflagração e beligerância.
CAMPANHA #EleNão

Como se sabe, o grau de rejeição e outras fragilidades tornam uma vitória eleitoral de Bolsonaro improvável, mas não se trata de algo impossível, e como a história mostra não convém subestimar as iras fascistas.

Desta forma, a se tomar como parâmetro o padrão de atuação das bases sociais, políticas e econômicas de Bolsonaro na campanha presidencial e a se imaginar hipoteticamente que o candidato vença, é muito provável que tenhamos:
a) ou um governo suficientemente forte, e autoritário, orientado para implementar um projeto que levará o País a um colapso social,
b) ou um governo iminentemente fraco, e conservador, norteado pela sua própria auto-sobrevivência e que nos levará a mais um colapso institucional.

Nos dois casos teremos um cenário de mais crises e instabilidades. Se o fascismo vencer, o Brasil escreverá “uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria”, pois Bolsonaro não controla o bolsonarismo.

* WILLIAM NOZAKI é graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo - USP, com ênfase em Ciência Política, e mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, com ênfase em História Econômica. Atualmente é doutorando em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, docente do curso de Ciências Sociais na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESP-SP e professor convidado na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais - FLACSO.

Fonte: CartaCapital – Política/Análise – Segunda-feira, 24 de setembro de 2018 – 11h03 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

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