«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Não se vence a crise com a economia

Edgar Morin
Jornal «Avvenire»
27-06-2017

Em um livro sobre o uso da palavra “crise”,
o filósofo francês Edgar Morin denuncia as distorções do nosso tempo
EDGAR MORIN

“Um indivíduo não se torna terrorista só porque tem fome. A consciência moral regrediu por toda a parte.” No livro Per una teoria della crisi [Por uma teoria da crise] (Ed. Armando, 96 páginas), estão reunidas algumas reflexões do autor sobre o conceito de “crisologia”. O livro inicia com uma conversa com François L’Yvonnet.

A mundialização é um processo que começou há alguns séculos, com a conquista das Américas, depois com a do mundo por parte do Ocidente, mas, a partir dos anos 1990, assistiu-se a uma mundialização acelerada, tecnoeconômica, com a generalização em todos setores das comunicações planetárias, criando uma comunidade de destino para todos os homens que, agora, devem se defrontar com os mesmos problemas e com os mesmos perigos:
* sejam eles os da biosfera ecológica,
* da propagação de armas destruidoras, particularmente nucleares,
* da economia cada vez menos regulada,
* da dominação descontrolada das finanças internacionais etc.

Uma crise de humanidade que não consegue ser humanidade

Quer se trate da crise das sociedades tradicionais sob o peso da ocidentalização, quer da crise com a qual o próprio Ocidente se defronta. O Ocidente oferece como solução ao resto do planeta aquilo que é um problema no seu interior! Há, portanto, para todos os efeitos, uma crise da humanidade que não consegue ser humanidade. É outro uso da palavra crise.

Mas a palavra, aqui, ainda está “inflacionada”. Porque, hoje, a “crise” está por toda parte! Começando pela crise econômica evidente, que a maioria dos economistas não tinham previsto e da qual, ao contrário, haviam anunciado o fim! No entanto, o uso da palavra “crise” me parece justificado no sentido que acabo de lhe dar: época de incertezas, em particular em relação ao futuro, época em que tudo é possível, incluindo as piores catástrofes, ecológicas, nucleares, políticas.

O trans-humanismo, por exemplo, anuncia euforicamente uma nova era da humanidade – já presente em potência – com a perspectiva de viver mais tempo permanecendo jovem e de se livrar das atividades mais cansativas e supérfluas, graças à difusão dos robôs, até mesmo no âmbito das atividades psicológicas e intelectuais. Mas, se é inegável que há progressos científicos e técnicos de caráter emancipador e transformador, também aumentaram as potenciais catástrofes, até porque a consciência humana, no sentido intelectual e moral, regrediu um pouco em toda parte.

Reações refratárias e de fechamento

Vivemos uma comunidade de destino, é um fato, mas a consciência não faz progressos: a mundialização tecnoeconômica, no seu caráter abstrato e ocidentalizado, desencadeia um pouco em toda a parte reações refratárias e de fechamento. Na França, os progressos da Frente Nacional são a prova desse medo e desse isolamento.

Em outras palavras, quanto mais somos solidários com a humanidade no seu conjunto, mais buscamos “dessolidarizar” com o resto do planeta, mais queremos nos “deseuropeizar”, “desmundializar”... É um sintoma da crise.

Muita especialização, mas pouca conexão e visão do conjunto

A isso, é preciso acrescentar uma regressão do pensamento e do conhecimento. Os progressos da educação multiplicaram e difundiram um conhecimento fragmentário, setorial, onde há especialistas competentes apenas dentro de cada ramo do conhecimento. Perdeu-se a capacidade de poder conectá-los entre si, de produzir uma síntese. Quanto mais a mundialização progride, menos se pensou sobre a sua verdadeira natureza... e mais ela é considerada em um apenas um dos seus aspectos.

Em uma edição recente do jornal Le Monde, um artigo trazia o título: “Terrorismo e populismo: a solução é econômica, diz Emmanuel Macron” [na época da publicação do texto (2016), ele era o ministro da Economia francês]. Desses fenômenos, que certamente têm uma dimensão econômica, não se considera nada mais do que essa dimensão. Enquanto é evidente que um indivíduo (ou um grupo de indivíduos) não é empurrado para o terrorismo só porque morre de fome ou porque não têm sapatos.

O pensamento e a consciência estão em regressão em relação às necessidades do mundo atual. Isso não exclui a possibilidade de uma virada inesperada. A História não é linear. Portanto, há uma profunda crise da humanidade que não se dá conta de que é uma crise da humanidade. Enquanto isso, ainda há quem não hesita em falar de mundialização feliz...

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – 28 de junho de 2017 – Internet: clique aqui.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

NOVOS CAMINHOS NA POLÍTICA BRASILEIRA

Hegemonia de esquerda não pode ser mais do PT

Entrevista com Ruy Fausto
Professor emérito de Filosofia da USP

Para Ruy Fausto, sigla deve se articular com outras frentes e partidos,
como o PSOL, nas eleições do ano que vem

Marianna Holanda
RUY FAUSTO

É de esquerda e critica o chavismo, trotskismo, maoísmo e o marxismo. Repudia todas as formas de populismo, totalitarismo e adesismo – às quais tem dado o nome de “patologias da esquerda”.

Aos 82 anos, o professor emérito de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) Ruy Fausto, radicado na França, transformou o artigo que publicou na edição da revista piauí [clique aqui para ler este artigo] de outubro passado no livro Caminhos da Esquerda: elementos para uma reconstrução (Editora: Companhia das Letras), a ser lançado em 3 de julho.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Fausto defende o fim da hegemonia do PT no campo da esquerda e a formação de uma frente única progressista para a eleição presidencial de 2018 com, por exemplo, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ).

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

ESTADÃO - Há uma hegemonia de direita?

Ruy Fausto: No mundo, há uma ofensiva grande da direita que surgiu, principalmente, com o fim da União Soviética. Assusta-me muito, particularmente, a extrema direita, que tem uma linguagem muito violenta. Tem ainda a situação brasileira, com o PT, que acabou fortalecendo a direita. A política petista trouxe maior distribuição de renda, mas também houve uma corrupção absolutamente intolerável. Ainda assim, nada justifica o impeachment (da presidente cassada Dilma Rousseff), que foi um desastre. Mas a direita se lançou nessa aventura, conseguiu e isso permitiu que eles levantassem a cabeça. A corrupção foi um discurso bem apropriado pelos movimentos de direita.

Como o senhor avalia as críticas ao que o PT fez enquanto ocupou o governo?

Ruy Fausto: Um partido de esquerda que se pretende democrático tem de ter lisura administrativa absoluta. Há uma política de “fins justificam os meios”. A lição que se tira no PT hoje é: “nós não fomos suficientemente oportunistas”. Isso é um desastre total e tem intelectual saudando isso aí. Certamente faltou um mea-culpa. Nesse sentido, os melhores são o Tarso Genro (ex-governador do Rio Grande do Sul), o José Eduardo Cardozo (ex-ministro da Justiça no governo Dilma). O PT vai continuar a existir. Mas o caminho é de queda, para haver uma renovação.

Lula seria um bom candidato?

Ruy Fausto: Acho que não. Primeiro, acho muito difícil que ele concorra, a situação jurídica é muito difícil. Eu não desejo a condenação do Lula, embora ache difícil ele conseguir evitar isso. Desejo, sim, que ele possa legalmente se candidatar, mas não acho que, nas condições atuais, ele seria um bom candidato para a esquerda. Acho que os melhores nomes podem vir do PT, do PSOL, ou mesmo da sociedade civil.

O senhor acredita que a esquerda deveria sair unificada em 2018?

Ruy Fausto: Sim, é essencial que se crie uma frente única de esquerda, fazer uma espécie de fórum desses movimentos independentes. Não é para ter uma ruptura total com o PT, mas a hegemonia não pode mais ser dele, no campo da esquerda. Isso também não significa que a gente vá ganhar em 2018. A gente tem de ter uma boa campanha. E, aí, surgem possíveis nomes. O Fernando Haddad (ex-prefeito de São Paulo), por exemplo, é bom sujeito, competente, não é corrupto. Outro nome é o Marcelo Freixo, que me parece um sujeito bom. Acho que talvez o Fernando Haddad possa sair como candidato ou como vice. Às vezes, um dos melhores do PT com um dos melhores do PSOL poderia funcionar.

Mas Fernando Haddad não conseguiu se reeleger em São Paulo e Marcelo Freixo também não foi eleito prefeito no Rio na eleição do ano passado...

Ruy Fausto: O Haddad, eu não estive aqui (no Brasil) durante toda a sua gestão na Prefeitura, mas tenho a impressão de que fez um bom governo. Ele teve uma péssima campanha, foi muito atacado e avaliou mal os movimentos das ruas. Já o PSOL é até meio de extrema esquerda. Há muito essa ideia de que se deve ir mais à esquerda – como se a luta política fosse uma espécie de escala. Você pode até dizer isso, mas redefina a esquerda. Enfim, o PSOL tem seu mérito por ter criticado a corrupção e as alianças sem escrúpulos do PT, mas ainda é de extrema esquerda. Alguns flertam com chavismo e castrismo. Mas, na verdade, é um partido muito variado.

Existem ainda outros nomes que surgem: o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes (PDT), o Guilherme Boulos, líder do MTST, e mesmo a ex-ministra Marina Silva (Rede).

Ruy Fausto: A Marina, eu respeito a biografia, mas seu programa econômico não é bom e ela não se move muito bem na política. O Ciro é um sujeito que fala muitas verdades, mas fala demais. O Boulos não conheço de perto. Ele certamente faz um trabalho muito importante na periferia, mas ainda tem um discurso muito bolivariano, e acho que isso tem de mudar. Devemos priorizar um programa mais democrático.

[Opinião pessoal: como se percebe, há uma carência generalizada de novas lideranças! Quem não é corrupto, não possui muita popularidade e atração de votos! Quem possui apelo popular e atrai mais votos dividiria ainda mais o país, como é o caso de Lula! O Brasil, definitivamente, atravessará um longo período de crise política até que novos quadros surjam, de verdade!]

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Domingo, 25 de junho de 2017 – Internet: clique aqui.

sábado, 24 de junho de 2017

12º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Homilia

Evangelho: Mateus 10,26-33

Naquele tempo, disse Jesus a seus apóstolos:
26 Não tenhais medo dos homens, pois nada há de encoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja conhecido.
27 O que vos digo na escuridão, dizei-o à luz do dia; o que escutais ao pé do ouvido, proclamai-o sobre os telhados!
28 Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma! Pelo contrário, temei aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno!
29 Não se vendem dois pardais por algumas moedas? No entanto, nenhum deles cai no chão sem o consentimento do vosso Pai.
30 Quanto a vós, até os cabelos da cabeça estão todos contados.
31 Não tenhais medo! Vós valeis mais do que muitos pardais.
32 Portanto, todo aquele que se declarar a meu favor diante dos homens, também eu me declararei em favor dele diante do meu Pai que está nos céus.
33 Aquele, porém, que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus.

JOSÉ ANTONIO PAGOLA 

NOSSOS MEDOS

Quando nosso coração não está habitado por um amor forte ou uma fé firme, facilmente a nossa vida fica à mercê de nossos medos. Às vezes, é o medo de perder prestígio, segurança, comodidade ou bem-estar o que nos detém ao tomar decisões. Não nos atrevemos arriscar nossa posição social, nosso dinheiro ou nossa pequena felicidade.

Outras vezes, nos paralisa o medo de não sermos acolhidos. Aterroriza-nos a possibilidade de ficarmos sozinhos, sem a amizade ou o amor das pessoas. Ter de enfrentarmos a vida diária sem a companhia de ninguém.

Com frequência vivemos preocupados somente de ficarmos bem. Temos medo de sermos ridículos, confessar nossas verdadeiras convicções, dar testemunho de nossa fé. Tememos as críticas, os comentários e a rejeição dos outros. Não queremos ser classificados. Outras vezes, nos invade o temor do futuro. Não vemos claro o nosso porvir. Não temos segurança em nada. Talvez, não confiamos em ninguém. Enfrentar o amanhã nos dá medo.

Sempre foi tentador para aqueles que creem buscar na religião um refúgio seguro que nos liberte de nossos medos, incertezas e temores. Porém, seria um erro ver na fé o porto seguro dos medrosos, covardes e fracos.

A fé confiante em Deus, quando é bem entendida, não conduz o que crê a esquivar-se de suas próprias responsabilidades diante dos problemas. Não o leva a fugir dos conflitos para fechar-se comodamente no isolamento. Pelo contrário, é a fé em Deus que preenche seu coração de força para viver com mais generosidade e de modo mais arriscado. É a confiança viva no Pai que lhe ajuda a superar covardias e medos para defender com mais audácia e liberdade o Reino de Deus e sua justiça.

A fé não cria homens covardes, mas pessoas determinadas e audazes. Não fecha aqueles que creem em si mesmos, mas abre-os mais à vida problemática e conflitiva de cada dia. Não os envolve na preguiça e comodidade, mas anima-os para o compromisso.

Quando quem crê escuta de verdade, em seu coração, as palavras de Jesus: «Não tenhais medo», não se sente convidado a esquivar-se de seus compromissos, mas animado pela força de Deus a enfrentá-los.

LIBERTAR DO MEDO

As fontes cristãs apresentam Jesus inteiramente dedicado a libertar as pessoas do medo. Dava-lhe pena ver as pessoas aterrorizadas pelo poder do Império Romano, intimidadas pelas ameaças dos mestres da Lei, distanciadas de Deus pelo medo de sua ira, culpadas pela sua pouca fidelidade à Lei. De seu coração, repleto de Deus, somente podia brotar um desejo: «Não tenhais medo». São palavras de Jesus que se repetem sempre nos evangelhos. As que mais deveriam ser repetidas em sua Igreja.

O medo se apodera de nós quando em nosso coração cresce a desconfiança, a insegurança ou a falta de liberdade interior. Este medo é o problema central do ser humano e somente podemos nos libertar dele, enraizando nossa vida em um Deus que só busca o nosso bem.

Assim entendia Jesus. Por isso, dedicou-se, acima de tudo, a despertar a confiança no coração das pessoas. Sua fé profunda e simples era contagiosa: «Se Deus cuida com tanta ternura das codornizes dos campos, os menores pássaros da Galileia, como não irá cuidar de vós? Para Deus sois mais importantes e queridos que todos os pássaros do céu». Um cristão da primeira geração recolheu bem sua mensagem: «Descarregai em Deus todos os vossos fardos, que a Ele interessa o vosso bem».

Com que força falava Jesus a cada enfermo: «Tem fé. Deus não se esqueceu de ti». Com que alegria despedia-os quando podia vê-los curados: «Vai em paz. Vive bem». Era seu grande desejo que as pessoas vivessem com paz, sem medos nem angústias: «Não vos julgai, não vos condenai mutuamente, não vos fazei dano. Vivei de maneira amistosa».

São muitos os medos que fazem as pessoas sofrerem em segredo. O medo faz mal, muito mal. Onde cresce o medo, perde-se de vista Deus e se abafa a bondade que há no coração das pessoas. A vida se apaga, a alegria desaparece.

Uma comunidade de seguidores de Jesus deve ser, antes de tudo, um lugar onde a pessoa se liberta de seus medos e aprende a viver confiando em Deus. Uma comunidade onde se respira uma paz contagiosa e se vive uma estreita amizade que torna possível escutar hoje o chamado de Jesus: «Não tenhais medo».

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: Sopelako San Pedro Apostol Parrokia – Sopelana – Bizkaia (Espanha) – J. A. Pagola – Ciclo A (Homilías) – Internet: clique aqui.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

MORRE UM GRANDE BIBLISTA

Morre em Jerusalém (Israel), Frei Francolino Gonçalves, Ordem dos Pregadores (dominicano), um dos grandes pesquisadores dos livros proféticos e membro da Pontifícia Comissão Bíblica

José Rafael Reyes González
Dominicano
 
Frei Francolino Gonçalves
(1943 a 2017)
Em 15 de junho de 2017, quinta-feira passada, Frei Francolino Gonçalves morreu aos 74 anos em seu convento de Santo Estevão, na cidade de Jerusalém.

Frade dominicano da Província de Portugal, viveu toda a sua vida em Jerusalém. Ele nasceu em 28 de março de 1943 em Corujas, Macedo de Cavaleiros (Portugal).

Frei Francolino ingressou na Ordem dos Pregadores, na província de Portugal. Ele fez seus primeiros estudos em filosofia e teologia em Fátima (Portugal). De 1965 a 1969, ele estudou em Ottawa (Canadá) onde obteve o grau de Lector e Mestre em Teologia. Em 1969 é designado para Jerusalém, onde um ano depois, em 1970, obteve o Bacharelado em Sagrada Escritura pela Pontifícia Comissão Bíblica e em 1971 obteve uma Licenciatura em Sagrada Escritura junto a Pontifícia Comissão Bíblica. De 1980 a 1986 realizou estudos em orientalismo no Instituto Oriental da Universidade Católica de Louvain-la-Neuve (Bélgica) conseguindo tanto o grau de Bacharel (1981) como o de Doutor no Instituto Oriental da Universidade com o título: L’expédition de Sennachérib en Palestine dans la littérature hébraïque ancienne, Paris, J. Gabalda (EB 7), 1986, tese orientada por Pierre-Maurice Bougert. Em 1987 obtém o doutorado na Universidade de Lisboa, na Faculdade de História da Antiguidade.

Desde 1988 era professor extraordinário do Antigo Testamento na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém (EBAF) até que em 1995 ele foi promovido a professor titular (catedrático) de Antigo Testamento. Em 2013 ele se tornou professor emérito da EBAF dedicando-se exclusivamente à supervisão de teses de doutoramento e publicações.

Atualmente, era um dos grandes exegetas dos profetas. Ele era membro da Pontifícia Bíblica Comissão, membro do Conselho Científico da Cadmo da Universidade de Lisboa, e membro do conselho de assessoramento da Revista Bíblica Argentina.

Ele ocupou várias responsabilidades acadêmicas na Escola Bíblica e Arqueológica de Jerusalém, sendo Vice-Diretor da mesma por dois períodos (1976-1979 e 1986-1992). Exerceu também as seguintes funções: Diretor de Bibliographic Studies e dos Cahiers de la Revue Biblique (Paris, Gabalda); Diretor de Studies Collection of the Jerusalem Bible (Paris, Les Éditions du Cerf) e Secretário da Bible Review for the Old Testament.

Ele era Doctor Honoris Causa da Universidade San Martin de Porres (Lima - Peru). Membro da Academia de História de Portugal. Prêmio Pedro Hispano em 2011. Professor visitante em dezenas de universidades, incluindo a Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade do México; na Faculdade de Teologia da Universidade Católica de Louvain-la-Neuve (Bélgica); no Instituto Oriental da Universidade de Lisboa; na Faculdade de Teologia da Universidade Católica de Lisboa; no Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); na École Pratique des Hautes Études em Paris e da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade de Salamanca (Espanha).

Pouco antes de sua morte, a última coisa que ele solicitou em seu leito de morte aos frades foi: Orai comigo um Pai Nosso! E com a oração do Senhor Jesus nos lábios, foi para o outro lado. Descanse em paz.

[Tive o prazer e a honra de ser aluno de Frei Francolino Gonçalves por duas ocasiões: em Roma, no Pontifício Instituto Bíblico e em Jerusalém na EBAF. Grande e humilde mestre! Apaixonado pelas Escrituras, soube apaixonar seus alunos também!]

Fonte: Asociación Bíblica Argentina – Noticias – Sexta-feira, 16 de junho de 2017 – Internet: clique aqui.

terça-feira, 13 de junho de 2017

CATOLICISMO MOFADO

Fernando Altemeyer*

Corajoso e oportuno desabafo de um jovem teólogo e
cientista da religião 

Andando por algumas cidades brasileiras é fácil encontrar jovens/adolescentes com uma espiritualidade doentia e alienante. Em certas dioceses e até com uma presumível cumplicidade de pastores brotam aos borbotões “escravos de Maria”, “cercos de Jericó”, “missas de cura e libertação”, “marchas em roupas medievais”, “exorcismos descontrolados e líderes autoritários”.

Já se vê dezenas de jovens com correntes nos braços, nas pernas e amarrando cilício nas pernas e barriga para sangrar em “nome de Maria (sic)”. Meninas jovens de véu na cabeça nas missas, gente rezando terço fora de hora, plenos de tiques nervosos e exigindo receber a Eucaristia na boca, pois a mão não seria santa o suficiente.

Antropologia doente. Mente doente. Corpo adestrado. Há ainda os que seguem cegos a padres autoritários evidentemente narcisistas.

É a Igreja Feudal voltando com tudo e destroçando a pastoral da Igreja comunidade de comunidades. As orientações da CNBB nem sequer são conhecidas. A pastoral é desvinculada da Palavra de Deus.

Tudo fica reduzido a crendices e amuletos. E as Televisões católicas e livrarias católicas vendendo ainda mais amuletos, textos demagógicos, roupas e túnicas douradas e muito perfume e incenso grego caro e supérfluo. Há até exércitos com roupas exóticas em comunidades e igrejas.

Quando acordarmos da letargia, o estrago será profundo. Os fungos continuam em ação comendo o pão da vida e fazendo-o morrer. É preciso ver a doença e prevenir.

* Fernando Altemeyer (foto ao lado) é teólogo leigo, possui graduação em Filosofia e em Teologia, mestrado em Teologia e Ciências da Religião pela Universidade Católica de Louvain-La-Neuve, na Bélgica, e doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC. Atualmente é professor e integra o Departamento de Ciência da Religião, da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP.

Fonte: Observatório da Religião – 8 de junho de 2017 – 14h36 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui; extraído da página no Facebook do autor: clique aqui.

A REFORMA QUE O BRASIL PRECISA

Para sociólogo, política está privatizada
e mercantilizada por empresas

Eduardo Maretti

Na opinião de Cândido Grzybowski, país está num beco sem saída
"porque sistema é corrupto". "Temer não tem condições mínimas de governar,
mas só não caiu porque eles não têm solução no bolso"
CÂNDIDO GRZYBOWSKI - sociólogo do IBASE

Depois da absolvição da chapa Michel Temer-Dilma Rousseff, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o país parece estar em um beco sem saída. Agora, à espera da denúncia que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deve apresentar contra Temer na próxima semana. Para o sociólogo Cândido Grzybowski, assessor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), a encruzilhada em que o país se encontra, mais do que uma crise conjuntural, é sintoma de uma estrutura contaminada. “Estamos num beco sem saída porque o sistema é corrupto. O modo de fazer política no Brasil é privatizado e mercantilizado pelas empresas.”

Para ele, o paralelo que se pode fazer entre a crise dos anos 1980 e o atual impasse mostra que o problema brasileiro é estrutural. Para a crise de hoje ser superada, será preciso instaurar um novo processo constituinte.

“O primeiro movimento das ‘Diretas Já’ acabou na Constituinte de 1988. Naquele momento acabou no ‘Centrão’. Lembrando o 'Centrão' daquela Constituinte, a maioria do Temer é muito parecida. Isso mostra que a política não mudou. Houve avanços em direitos civis, políticos e sociais, mas nada na economia, em questões de propriedade ou tributárias. E com os governos do PT se adotou a conciliação como estratégia”, diz Grzybowski. O “Centrão” dos anos 1980 era formado pela ala conservadora do PMDB mais PFL, PDS, PTB e partidos menores. “Para usar a mesma imagem, o 'Centrão' de hoje está perdendo eficácia”, diz.

Na opinião do sociólogo, a encruzilhada a que chegou o país não é apenas para os setores progressistas. “Temer não tem condições mínimas de governar, mas só não caiu porque eles não têm solução no bolso. Quem eles podem colocar de imediato? Se tivessem, ele já teria caído. Mas o fato é que ele já não está mais servindo.”

Grzybowski acredita que a saída são as eleições diretas, mas dentro de um processo o mais democrático possível. Sem essa condição, nem uma saída via eleições pode ser favorável ao país. “Por exemplo, se o Lula se eleger e não se renovar o Congresso, é como não resolver nada. A eleição direta têm a vantagem de recuperar a legitimidade mínima. Mas ela só pode acontecer sem condicionalidades. Tem que ser levada às ultimas consequências. Se houver 'Diretas Já', precisa ser também para deputados e senadores junto. No mínimo, para criar legitimidade e se constituir uma aliança que talvez produza algumas alternativas.”

Se Temer será afastado, se alguma nova bomba está a caminho, se a denúncia de Janot vai redundar no fim do governo Temer ou não, ainda não se pode prever. “Mas precisávamos hoje de alguém um tanto neutro, como um Itamar Franco pós-Collor. Hoje não tem esse nome”, avalia o sociólogo. Seja quem for, essa personalidade “neutra” precisaria ser alguém “com compromisso de garantir que as eleições do ano que vem fossem democráticas, as mais diretas possíveis, sem interferência empresarial e como um pacto para se pensar numa Constituição nova, porque a atual Constituição foi desfigurada”.

Para Grzybowski, não está claro o que pretendem os grupos por trás dos atuais governantes e seus aliados. “Há personagens pequenos como Temer, Romero Jucá, figuras que não tem por que valorizá-las. E não é a movimentação de Fernando Henrique, Nelson Jobim e outros que interessa. Mas a dos grandes grupos, Bradesco, Itaú, a própria JBS. Em que jogada estão apostando? O ciclo da democratização revela a mesma coisa. Os personagens são diferentes, mas Sarney, que era vice, vinha do regime militar e virou presidente; o Temer, um vice, deu o golpe. São dois vices. O 'Centrão' hoje se chama base.”

Capitalismo selvagem

Na opinião do analista, o país tem hoje implantadas “as bases de um projeto do tipo capitalismo selvagem como no tempo militar”. A principal missão do governo Temer já foi feita: “a reforma constitucional da maldade”, que congelou os gastos com educação e saúde, além de inúmeras outras limitações. A Emenda 95 tirou o sentido do que tinha de melhor na Constituição de 1988, os direitos sociais, avalia.

“Se eles completarem as duas outras mudanças (trabalhista e previdenciária) precisará de muito tempo para mudar isso. Já impuseram uma agenda de longo prazo ao país. Para desfazer isso, só com um movimento de 'Diretas Já', capaz de gerar um impasse diferente: uma constituinte soberana que coloque o país nos trilhos.”

Na opinião de Grzybowski, a situação já esteve melhor para os atuais donos do poder. “Já há sinais como a greve (geral, de 28 de maio). As manifestações já são um sinal. E a mídia também não é mais um bloco só. Há evidências demais (contra Temer). Nada como um dia depois do outro. As contradições sempre contêm as soluções nelas mesmas. Podem levar a um impasse ou a uma crise ainda maior, mas não vejo como não ser a crise o berço da solução”, diz. “Nunca se deve dizer que a barbárie está fora do horizonte. Um pai da pátria pode aparecer como salvador. Estão fazendo muito para que seja assim. Mas isso não significa que vão sair ganhando.”

Fonte: Rede Brasil Atual – Política / Era Temer – 12 de junho de 2017 – Internet: clique aqui.

Reformar a Previdência ou cobrar de quem deve?

Empresas de deputados e senadores devem
372 milhões de reais ao INSS

Piero Locatelli, Ana Magalhães e Ana Aranha

Congressistas que debatem a reforma da Previdência são sócios ou
administradores de companhias que devem ao INSS.
Saiba quem são os 86 parlamentares
FERNANDO COLLOR - Senador por Alagoas

Enquanto debatem a reforma da Previdência, deputados federais e senadores estão associados a empresas que devem R$ 372 milhões ao INSS. Segundo levantamento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), 73 deputados e 13 senadores estão ligados a grupos devedores da Previdência, um em cada sete congressistas.

As empresas presentes no levantamento têm parlamentares como sócios, presidentes, fundadores ou administradores. Casos em que os CNPJs estão vinculados aos CPFs dos congressistas. Entre elas, há redes de televisão e rádio, hotéis, frigoríficos, companhias siderúrgicas e até diretórios de partidos políticos.

Entre os devedores, quatro senadores e 11 deputados têm empresas que somam dívidas superiores a um milhão de reais. O líder do ranking é o senador Fernando Collor (PTC-AL). O ex-presidente está associado a cinco empresas que devem 112 milhões de reais, todas elas no ramo da comunicação. A TV Gazeta, retransmissora da TV Globo, tem Collor como sócio e deve R$ 46 milhões ao INSS.

A assessoria de imprensa do senador afirmou, por e-mail, que “o senador não participa diretamente da gestão das empresas de comunicação de sua família, mas acompanha os esforços da diretoria para, mesmo diante do quadro de grave retração econômica, assegurar a continuidade da atividade e garantir o emprego de funcionários, ainda que sacrificando momentaneamente a pontualidade no cumprimento de algumas obrigações de natureza fiscal”.
 
Entre os deputados federais, a maior dívida é de Marinaldo Rosendo (PSB/PE), com 105 milhões de reais. Somente a PR Distribuidora de Bebidas e Alimentos, da qual ele é sócio, deve 99 milhões de reais ao INSS.

Rosendo não retornou os e-mails e ligações da reportagem. A Repórter Brasil enviou mensagens e ligou para o gabinete de todos os deputados federais e senadores com dívidas superiores a 1 milhão de reais.

O senador Cidinho Santos (PMDB-MT) informou por e-mail que a dívida de 3,2 milhões de reais foi parcelada e está sendo paga. Ele diz ainda que está afastado da administração das empresas desde que assumiu o mandato.

O deputado Alfredo Kaefer (PSL-PR), associado a cinco empresas que devem 24 milhões de reais, alega que as dívidas são fruto de um erro judicial. Segundo ele, uma de suas empresas entrou em falência e teve os efeitos das dívidas estendidos a outras companhias. “Foi um ato arbitrário de um juiz, depois anulado pelo Superior Tribunal de Justiça”. Ele diz estar aguardando a reintegração dos proprietários para parcelar a dívida.

Na mesma linha, o deputado Newton Cardoso Junior (PMDB-MG) disse, por meio de sua assessoria, que “é um direito de qualquer cidadão discutir na justiça tributos considerados cobrados indevidamente”. Embora declare não mais atuar na direção das empresas devedoras, ele consta como fundador e administrador de seis grupos – entre eles um hotel e uma companhia siderúrgica – que acumulam dívida de mais de 20 milhões de reais com o INSS.

O deputado Celso Russomanno (PRB-SP) informou que a dívida de 1,6 milhão de reais referente ao Bar e Restaurante do Alemão está parcelada e sendo paga. Ele disse acreditar que em 60 meses os débitos estarão quitados. Russomano alega que o empreendimento foi fechado e que era sócio minoritário do restaurante, detentor de 20% do negócio.

Os outros deputados federais e senadores procurados não responderam à reportagem.

As dívidas contabilizadas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional incluem aquelas consideradas como em “situação regular”: foram parceladas, suspensas por decisão judicial ou garantidas de alguma forma pelo devedor. Além das cobranças em andamento sem nenhum tipo de garantia, consideradas como em “situação irregular”.

Apesar dos parlamentares localizados alegarem que suas dívidas estariam em situação regular, 75% do total devido está em situação irregular.

Há três principais maneiras de uma empresa entrar na dívida ativa da União como devedora da Previdência: quando ela não repassa a contribuição previdenciária do trabalhador ou do empregador ao INSS ou quando ela paga essas contribuições sobre um valor inferior ao salário real.

Os dados foram consolidados pela procuradoria em abril deste ano, e foram obtidos através do portal da Controladoria-Geral da União, onde são disponibilizados todos os pedidos de acesso à informação feitos ao Executivo Federal e suas respostas.

Acesse o documento completo, incluindo a lista de todos os políticos devedores do INSS, clicando aqui

Fonte: Repórter Brasil – 11 de junho de 2017 – Internet: clique aqui.

domingo, 11 de junho de 2017

Solenidade da Santíssima Trindade – Ano A – Homilia

Evangelho: João 3,16-18

16 Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna.
17 De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele.
18 Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito.

JOSÉ MARÍA CASTILLO
Teólogo espanhol

A fé da Igreja professa que no Deus único e verdadeiro, no qual nós cristãos cremos, há três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Esta forma de entender Deus se afirma expressamente, pela primeira vez, no «Credo» do 1º Concílio de Constantinopla (ano 381). Por isso, o Credo deste concílio tem uma estrutura trinitária (Cf.: DENZINGER; HÜNERMANN. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Edições Loyola, Paulinas Editora, 2007, nº. 150). É de conhecimento que o Credo deste concílio não foi aceito como Credo da missa até o 3º Concílio de Toledo (ano 589) (Cf.: Idem, nº 109).

Que o Filho é igual, na divindade, ao Pai, foi definido no Concílio de Niceia (ano 325). E a divindade do Espírito Santo, no ano 381. Sabe-se que nesses concílios, tiveram uma influência importante os imperadores Constantino I (Niceia) e Teodósio I (Constantinopla). O chamado «cesaropapismo», ou seja, a intromissão dos imperadores na teologia, resultou mais forte do que alguns suspeitam. Era o tempo do afundamento do Império Romano. E os imperadores necessitavam de uma religião forte e unida, algo que encontraram na Igreja e em seus dogmas. Isto não retira a credibilidade de tais dogmas. Porém, indica que é necessário estudá-los a fundo e conhecer a correta interpretação que os textos dogmáticos necessitam.

Seguindo a conhecida distinção que fez Karl Rahner (teólogo jesuíta alemão: 1904-1984), não é o mesmo a trindade de Deus em si mesmo (Trindade «imanente») que a trindade de Deus em sua comunicação com o homem (Trindade «econômica»). Da primeira [«imanente»] não podemos saber com segurança em que consiste, uma vez que Deus é o Transcendente e seu ser e natureza está fora de nosso alcance.

Sabemos, pelo Novo Testamento, que Deus se comunicou conosco como PAI, que nos ama; como FILHO, que nos revela o Pai e nos traça o caminho da salvação; como ESPÍRITO, que nos dá a força que necessitamos e nos comunica o significado da revelação em cada tempo e situação. Porém, quando nos relacionamos com Deus, o determinante não são os «conceitos», mas a «experiência» que temos d’Ele. A qual se traduz nas convicções que guiam nossa vida.

Frequentemente ocorre que, nas coisas de Deus, temos conceitos equivocados porque nossa experiência desse Deus anda também equivocada. O que importa, é que experimentemos e sintamos Deus como Pai, a Jesus como a luz e o caminho que nos guia com a força e a liberdade do Espírito Santo.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: José María Castillo. La Religión de Jesús: comentario al Evangelio diario – Ciclo A (2016-2017). Bilbao: Desclée De Brouwer, 2016, páginas 260-261.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Uma ameaça aos alimentos orgânicos

A AGRICULTURA ORGÂNICA AMEAÇADA PELA
INDÚSTRIA DO “ORGÂNICO”

Claire Lecoeuvre
Jornalista

O que acontece na França, hoje, serve de alerta a nós, no Brasil

Nada se parece mais com uma maçã do que outra maçã”, afirma Claude Gruffat, CEO da Biocoop. O que faz a diferença são os valores. A agricultura orgânica representa hoje 5,7% das áreas agrícolas francesas, ou seja, três vezes mais que em 2002. Esse mercado em pleno crescimento atrai importantes grupos de beneficiamento e distribuição, enquanto os grandes supermercados alimentares vendem já mais da metade dos produtos marcados como “orgânicos” (45% no caso da França em 2015). “A agricultura orgânica não é mais vista como um valor agronômico; ela está cada vez mais valorizada como qualquer outro nicho de mercado”, constata Benoît Leroux, professor de Sociologia da Universidade de Poitiers.

A agricultura orgânica nasceu de uma contestação da produção intensiva e do modelo econômico da indústria agroalimentar. As abordagens alternativas surgiram desde os anos 1920, enquanto os primeiros grupos se estruturaram entre 1950 e 1960.[1] Criada em 1964, a associação Nature & Progrès permitiu o reconhecimento do movimento. Este último luta para conceder aos agricultores uma maior autonomia em relação aos intermediários. Para ganhar a confiança dos consumidores, necessária para a valorização de seus produtos e de seu desenvolvimento, os ativistas entraram numa fase de institucionalização.

Em 1978, a Nature & Progrès colocou em prática as primeiras especificações técnicas, ao mesmo tempo que era criada a Federação Nacional de Agricultura Orgânica (Fnab). A Federação Internacional da Agricultura Orgânica (Ifoam) definiu um pouco depois quatro princípios fundamentais:
a) a saúde dos solos, das plantas, dos animais e dos homens, considerada una e indivisível;
b) a ecologia, em consonância com os ecossistemas e seus ciclos, imitando-os e ajudando-os a se manter;
c) a igualdade, tanto nas relações entre seres humanos quanto em relação a outras criaturas vivas; e
d) a precaução, por meio de uma conduta prudente e responsável.

PRODUTORES SOB PRESSÃO

“Só em 1980 o Estado francês reconheceu uma agricultura que não utilizava produtos sintéticos”, explica Leroux. “Foi preciso esperar até 1988 para que o nome ‘agricultura orgânica’ fosse adotado como tal.” Esse reconhecimento levou em conta apenas a ausência de pesticidas, pondo de lado de imediato a visão social defendida pelos camponeses. Essa lógica se perpetuou em 1991, na criação da regulamentação europeia. Depois, a harmonização imposta pela União Europeia piorou as coisas. A primeira revisão, aplicada em 2009, resultou no desaparecimento da possibilidade de cada Estado impor especificações mais rigorosas, como era o caso na França.

Engajada desde 2013, a atual revisão da regulamentação europeia causa medo pelo desaparecimento de princípios fundamentais. As batalhas entre o Conselho de Ministros, o Parlamento e a Comissão Europeia, que se esperava fossem capazes de gerar um novo regulamento europeu, testemunham a vontade de certos governos de favorecer a agroindústria. Após catorze trílogos[2] e quatro presidências do Conselho de Ministros, nenhum acordo foi alcançado sobre vários pontos litigiosos.

Exemplo: o Conselho de Ministros europeu deseja autorizar (sob condições de latitude ou de altitude) a cultura fora do solo. Imaginar culturas como essas, que facilitariam uma industrialização, é algo que acirra os ânimos em associações como a Fnab. Os ministros invocam sua aceitação nos Estados Unidos para impô-la na Europa, em nome da concorrência e do reconhecimento mútuo das especificações. “A Holanda – principal país produtor de tomates na Europa – apoia essa proposta”, explica o deputado europeu José Bové. “Assim como a Itália e Luxemburgo.” Enquanto os membros do Grupo dos Verdes-Aliança Livre Europeia insistiam que não iriam se curvar, vozes se ergueram para exigir a interrupção das negociações.

Outro ponto de discórdia: a passagem de uma obrigação de meios (não utilizar produtos químicos) para uma obrigação de resultados (retirada da certificação se tais produtos fossem detectados). Ora, contaminações podem se originar de terrenos vizinhos. Mas o Conselho de Ministros não quer ouvir falar de um fundo de indenização dos agricultores ligados à agricultura orgânica nem da incriminação dos verdadeiros responsáveis.

Para Ève Fouilleux, diretora de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), o problema é mais profundo. Hoje, os agricultores são controlados por organismos certificadores privados, independentes e pagos pelo produtor. Na França, estes são credenciados por uma seção do Comitê Francês de Credenciamento (Cofrac), um órgão público. Essa maneira de proceder foi imposta pelas normas europeias.[3] E existe outro: o sistema participativo de garantia, reconhecido sobretudo pelo Brasil, pelo Chile e pela Índia. É ele que usa a Nature & Progrès, cuja certificação não é reconhecida pela União Europeia. Os agricultores, assim como os consumidores, reúnem-se localmente em grupos para verificar as práticas de cada um. “As normas atuais confinam num pensamento de mercado e geram despolitização. O sistema participativo permite, ao contrário, uma troca de práticas e o envolvimento de consumidores e cidadãos no processo”, argumenta Ève Fouilleux.[4]

Nesse contexto, surgiu uma grande diversidade de agricultores orgânicos e beneficiadores. Por trás de um discurso suave, os argumentos econômicos acabam por minar as normas internacionais em nome da rentabilidade. Carrefour, Monoprix e Système U criam novos canais, marcas próprias, lojas especializadas, investindo em parcerias com associações de produtores. “No momento, a demanda continua a ser tão forte que os preços estão corretos. O do leite é 30% a 40% superior ao do convencional. Não seria necessário que, a longo prazo, os preços fossem puxados para baixo. Mas essa foi sempre a política dos grandes e médios supermercados”, analisa Marc Benoît, economista e codiretor do Comitê Interno da Agricultura Orgânica do Instituto Nacional da Pesquisa Agronômica (Inra). Uma vez que as lojas de varejo tenham domínio sobre esse mercado, há o risco de elas pressionarem pela redução dos custos.

O setor de ovos prenuncia a evolução em curso? Suas especificações limitam o número de galinhas por galpão a 3 mil, mas não limitam o número de galpões e preveem um espaço menor que o Selo Vermelho (4 metros quadrados por galinha em vez de 5). Na Itália, a empresa Eurovo se vangloria de possuir fazendas orgânicas de 90 mil e de 250 mil poedeiras perto de Florença. Os imperativos de rentabilidade passaram largamente à frente dos valores orgânicos. Na França, 78% dos ovos orgânicos são vendidos em grandes supermercados ou em lojas especializadas em promoções. Os produtores permanecem muito dependentes dos fornecedores de alimentos, ainda que 20% da comida para os animais tenha de provir da região. “Muito poucos produzem seus próprios alimentos orgânicos. Ainda que produzam a matéria-prima, os cereais, eles a revendem ao fabricante de alimentos, porque as fórmulas são muito técnicas; mais ainda no campo dos orgânicos”, indica Pascale Magdelaine, diretora do serviço de economia do Instituto Técnico de Avicultura.

Igualmente forte é a dependência dos centros de acondicionamento que compram os ovos dos produtores para revendê-los aos supermercados ou às indústrias agroalimentares. Algumas empresas, como a Cocorette e a Matines, propõem inclusive contratos de integração. Elas compram tudo – os galpões, os frangos – e fornecem até os alimentos – orgânicos, é claro. O produtor fica sendo apenas um fornecedor, sem domínio sobre o preço que é pago a ele, sobre aquilo que ele produz e sobre a maneira como é produzido. Com as marcas próprias, os agricultores perdem autonomia: “As marcas podem facilmente mudar de um centro de acondicionamento para outro mais barato”, testemunha Bernard Devoucoux, presidente da comissão do Sindicato Nacional dos Rótulos Avícolas da França.

A situação não é muito melhor no setor de leite. Produtor, Vincent Perrier testemunha um problema: “Entrei nessa de orgânicos para trabalhar de forma diferente. Eu buscava também um modelo de desenvolvimento harmonioso para todos. De início, fiquei na Danone; o orgânico ia para sua filial Les 2 Vaches. Eles me diziam: ‘Existe um preço, e se você não consegue trabalhar com ele é porque tem um problema de competitividade, vamos procurar em outro lugar’”. Ele preferiu fechar a porta e contratar a Biolait, que permite aos produtores se unir para terem mais peso: “Decidimos juntos o nosso preço, o mesmo para todos”.

Unir-se para ficar mais forte: esse é também o objetivo das cooperativas agrícolas, cujo funcionamento hoje em dia não tem, no entanto, nada mais de democrático. Conscientes desse risco de desvio, os membros da Biolait e de muitas outras estruturas, como a Biocoop para a distribuição, tentam não incorrer nos mesmos descaminhos, conservando uma visão comum: a da mudança da sociedade. “A capacidade coletiva dos produtores de agir sobre a mudança de escala é uma das garantias dessa transformação. Isso é o que tentam fazer as organizações econômicas de produtores orgânicos como Biolait, BioLoire Océan, BioBreizh e outros”, explica Ronan Le Velly, professor de Sociologia.[5]

Fortemente defendido pela Fnab, o acompanhamento dos agricultores desempenha um papel-chave. Num sistema orgânico, a reconfiguração global da plantação – e não somente a substituição de insumos químicos por outros aprovados pela agricultura orgânica – mostra-se essencial para perdurar no tempo. “Os agricultores orgânicos bem-sucedidos são aqueles que têm um sistema complexo. Não há receita única. Os agricultores têm necessidade de conhecimentos agronômicos, e um bom número deles perdeu essas bases”, analisa Marc Benoît.

UMA ABORDAGEM EXCLUSIVAMENTE TÉCNICA

“Hoje, os agricultores orgânicos são em sua maior parte novos convertidos”, observa Leroux. Com certeza, existem hoje formações em orgânicos. Mas há um tipo de atavismo profissional. A agricultura orgânica questiona o modelo considerado como aquele do progresso. No meio, o orgânico é sempre criticado como sendo incapaz de alimentar o planeta. Encarnação do produtivismo, a Federação Nacional dos Sindicatos de Agricultores (FNSEA) atualmente dispõe, no entanto, de sua própria comissão voltada para a agricultura orgânica. “Se ficarmos apenas comentando que é necessária uma modificação total da forma de plantar, culpando as pessoas, os agricultores nunca irão se converter”, afirma Rémy Fabre, um de seus membros.

Do lado das câmaras de agricultura, explica-se que as possibilidades de acompanhamento são limitadas pelo imperativo de eficiência econômica. “Temos dificuldades. Um conselheiro agrícola não pode se contentar em acompanhar dez agricultores; ele precisa seguir de oitenta a cem fazendas. Só é possível contar com grupos orgânicos, sindicatos, para fazer esse trabalho para defender seu sistema de pensamento”, estima Jacques Prior, responsável nacional pelo desenvolvimento da agricultura orgânica na Assembleia Permanente das Câmaras de Agricultura. “Como órgão público, devemos nos ocupar de todos os agricultores, não podemos criar uma segregação entre eles.”

No final de 2016, o presidente da região de Auvergne-Rhône-Alpes, Laurent Wauquiez (do partido Os Republicanos), decidiu transferir o acompanhamento técnico, até então realizado pelas associações reunidas na Corabio, para as câmaras de agricultura. Tal medida foi acompanhada da supressão dos financiamentos para as associações de apoio à agricultura camponesa, como a Terre de Liens. Ora, se as câmaras de agricultura detêm competências reais, a generalização de uma abordagem exclusivamente técnica elimina toda visão filosófica ou ética.

Ao se integrar aos circuitos e às lógicas financeiras dominantes, a agricultura orgânica, que se esperava representasse uma solução de mudança para um sistema global, não corre o risco de perder sua essência? A partir de agora, uma agricultura orgânica com duas velocidades se esboça. A primeira, guiada pelos novos atores desse mercado, baseia-se num respeito mínimo das normas, chegando a reproduzir as aberrações e desigualdades do sistema convencional. A segunda tenta preservar sua especificidade reforçando os compromissos por meio de regulamentos mais exigentes ou das associações de produtores. Resta saber se os consumidores terão como identificar as diferenças entre as duas.

N O T A S

1. Benoît Leroux, “L’émergence de l’agriculture biologique en France: 1950-1990” [O surgimento da agricultura orgânica na França: 1950-1990], Pour, n. 227, Paris, fev. 2016.

2. Reunião tripartite informal da qual participam representantes do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão.

3. Ika Darnhofer, Thomas Lindenthal, Ruth Bartel-Kratochvil e Werner Zollitsch, “Conventionalisation of organic farming practices: from structural criteria towards an assessment based on organic principles” [Convencionalização das práticas de agricultura orgânica: dos critérios estruturais a uma avaliação baseada em princípios orgânicos], Agronomy for Sustainable Development, v. 30, n.1, Les Ulis, mar. 2010.

4. Ève Fouilleux e Allison Loconto, “Voluntary standards, certification and accreditation in the global organic agriculture field: a tripartite model of techno-politics” [Padrões voluntários, certificação e credenciamento no campo da agricultura orgânica global: um modelo tripartite de tecnopolítica], Agriculture and Human Values, v. 34, n.1, Berlim, mar. 2017.

5. Ronan Le Velly, Sociologie des systèmes alimentaires alternatifs. Une promesse de différence [Sociologia dos sistemas alimentares alternativos. Uma promessa de diferença], Presses des Mines, Paris, 2017.

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil – Ano 10 – Número 119 – Junho 2017 – Páginas 22-23 – Internet: clique aqui.