«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

O PAPA NO EGITO

Em visita ao Egito, papa condena violência
cometida “em nome de Deus”

Agência France Press (AFP)

“Nenhuma violência pode ser cometida em nome de Deus porque
profanaria Seu nome”
PAPA FRANCISCO E TAWADROS II

O papa Francisco condenou a violência cometida "em nome de Deus" e o populismo que ameaça a paz nesta sexta-feira (28 de abril), durante sua primeira visita ao Egito, onde a minoria cristã local sofre constantes ataques.

Sob forte esquema de segurança, a visita do pontífice argentino acontece três semanas após os dois atentados de 9 de abril contra igrejas coptas ortodoxas que deixaram 45 mortos e que foram reivindicadas pela facção terrorista Estado Islâmico.

"Nenhuma violência pode ser cometida em nome de Deus porque profanaria Seu nome", declarou o papa em um discurso pronunciado durante uma conferência organizada pela instituição sunita Al-Azhar.

Para esta primeira visita do papa ao mais populoso dos países árabes, que segue em estado de emergência, policiais e militares eram onipresentes nas ruas da capital egípcia.

Os arredores da Nunciatura Apostólica, onde o papa deve ficar hospedado, foram fechadas ao tráfego nesta sexta-feira. E perto da catedral, sede da Igreja Ortodoxa copta, tanques estavam estacionados.

Francisco se dirigiu ao palácio presidencial para uma reunião com o presidente Abdel Fattah al-Sisi. Depois foi para a instituição de Al-Azhar, onde foi recebido pelo grande imã, xeque Ahmed al-Tayeb, e deverá encontrar mais tarde o líder dos coptas, o papa Tawadros II.

Em seu discurso, Francisco criticou "os populismos demagógicos que não ajudam a consolidar a paz". "Nenhuma incitação à violência garantirá a paz", insistiu, sem citar exemplos. Ele também pediu para "bloquear os fluxos de dinheiro e de armas" para "prevenir os conflitos e edificar a paz".

"Juntos, nesta terra de encontro entre o céu e a terra, de alianças entre os povos e entre os crentes, repetimos um 'não' alto e claro a toda forma de violência", acrescentou o chefe da Igreja Católica.

"Só trazendo à luz as turvas manobras que alimentam o câncer da guerra é possível prevenir suas causas reais", afirmou ainda o papa, para quem o verdadeiro culpado pelos conflitos no Oriente Médio é o tráfico de armas.

"Para prevenir os conflitos e construir a paz, é essencial trabalhar para eliminar as situações de pobreza e de exploração, onde os extremismos se fortalecem facilmente", alertou.

Todas as igrejas no Cairo foram colocadas sob vigilância, por medo de atentado, enquanto o Estado Islâmico ameaçou multiplicar os ataques contra os coptas, majoritariamente ortodoxos, que representam cerca de 10% dos 92 milhões de egípcios.

Mais importante comunidade cristã em número no Oriente Médio, os coptas ortodoxos do Egito se dizem vítimas de discriminação por parte das autoridades e da maioria muçulmana.

Em outro discurso pronunciado diante do presidente Sisi, o papa Francisco pediu respeito "incondicional" aos direitos humanos, citando "a liberdade religiosa e de expressão".

Criticado no exterior por violações dos direitos humanos, Sisi demonstrou certa abertura à comunidade cristã egípcia desde que chegou ao poder em 2014. Ele foi o primeiro presidente do Egito a participar de uma missa de Natal, em 2015.

Sisi prometeu aos coptas identificar os responsáveis pelos atentados reivindicados pelo Estado Islâmico contra as igrejas em Tanta e Alexandria, que mataram 45 pessoas no início da Semana Santa.

DEGELO

A viagem de Francisco é a segunda de um papa ao Egito contemporâneo, após a de João Paulo II em 2000.

A instituição sunita de Al-Azhar se opõe ao jihadismo inspirado no salafismo rigoroso dominante na Arábia Saudita.

Mas Al-Azhar está igualmente no centro de uma disputa entre as autoridades políticas e religiosas desde que Sisi fez campanha por reformas visando erradicar os discursos extremistas na esfera religiosa.

A visita do papa ao Cairo visa, muito particularmente, a consolidar as relações entre Al-Azhar e o Vaticano, tensas a partir de 2006, em razão das polêmicas declarações do papa Bento XVI associando o islã à violência.

Já em maio de 2016, o papa Francisco recebeu o imã al-Tayeb, ponto culminante de uma aproximação entre a Santa Sé e Al-Azhar.

O líder espiritual de quase 1,3 bilhão de católicos finalmente se reuniu com o papa copta ortodoxo do Egito, Tawadros II. Os dois visitaram a igreja copta de São Pedro e São Paulo, onde um atentado do Estado Islâmico matou 29 pessoas em dezembro. Dentro do templo, Francisco sentou-se junto a Tawadros 2º e participou em uma missa.

Fonte: Folha de S. Paulo – Mundo – Sexta-feira, 28 de abril de 2017 – 17h29 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

SOBRE GREVE E REFORMAS

Com greve ou com reformas, um país medíocre

Clóvis Rossi

Fico, pois, na isolada situação de ser crítico do “status quo” e também das
reformas que pretendem desmontá-lo

Greve realmente representativa é aquela que os argentinos chamavam, antigamente, de "huelga matera". A central sindical (a histórica CGT, Central Geral de Trabalhadores) decretava a greve e o pessoal ficava em casa tomando "mate", esporte nacional na Argentina (e no Uruguai).

Acompanhei um punhado dessas paralisações, ainda durante a ditadura militar (1976/83), quando o movimento sindical era reprimido até quando não estava fazendo greve.

Não eram necessários piquetes. A adesão era natural.

O mundo mudou, mudaram as greves até na Argentina e agora a maneira de fazer uma greve dar certo é paralisar os transportes.

Ou bloquear, com piquetes, o acesso às vias principais.

O problema é que, nessa situação, fica difícil medir o quanto há de adesão voluntária à greve e quanto é apenas impossibilidade de comparecer ao trabalho.

Pelo que vejo na TV às 10h, a greve geral desta sexta-feira (28 de abril) tem um pouco das duas coisas.

O que não deixa de ser surpreendente: se 92% dos brasileiros acham que o país está em rumo errado, conforme recente pesquisa do instituto Ipsos, o natural seria que houvesse uma adesão espontânea maciça.

Desconfio que a principal razão para que o pessoal não se entusiasme muito com a greve é a convicção íntima de que a agenda do governo não é influenciada pelo que digam as pesquisas ou as ruas.

Michel Temer não foi eleito e, portanto, não deve seu mandato a uma agenda aprovada nas urnas. Está lançando ou tentando lançar reformas ditadas pelos agentes de mercado.

Parte do pressuposto de que recuperar a economia – e, quando possível, o emprego – depende de sanear as contas públicas e facilitar a vida do capital. Só assim, reza o mantra, será recuperada a confiança dos investidores.

Eu não tenho essa fé cega em dogmas, mas também não me entusiasmo com a crítica às reformas quando elas soam como mera defesa do "status quo" [das coisas tais como aí estão], seja nas relações trabalhistas, seja na Previdência.

Desde que o capitalismo foi inventado, as relações trabalhistas são desequilibradas em favor do capital e em detrimento do trabalho.

Uma reforma trabalhista digna do nome teria, portanto, que tentar equilibrar melhor as coisas. Não é o que estabelece a reforma de Temer nem é o que se consegue com o status quo (a CLT).

Na Previdência, exemplo prático e pessoal: contribuí (compulsoriamente) a vida profissional inteira, mas, ao chegar à idade de me aposentar, só tinha direito a uma renda próxima dos 5% do que ganhava na ativa.

Tive que continuar trabalhando e assim continuarei até morrer – com as velhas regras, assim como dizem os críticos da reforma que os futuros aposentados terão que fazer com as novas.
CLÓVIS ROSSI - Jornalista autor deste artigo

Fico, pois, na isolada situação de ser crítico do "status quo" e também das reformas que pretendem desmontá-lo.

Os números respaldam minha posição. Em 2015, após 13 anos, portanto, de governos supostamente pró-pobres, o Brasil estava assim: entre os 10 países mais desiguais do planeta e com 73 milhões de pobres, pessoas com renda mensal de até meio salário mínimo.

É mais de um terço da população. Não são números do governo Temer, mas do governo Dilma, conforme informado ao Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, no caso da desigualdade, e conforme o sítio do Ministério de Desenvolvimento Social à época (2015, repito).

Ou, posto de outra forma, com greve, espontânea ou forçada, ou com as reformas de Temer, o Brasil vai continuar sendo essa lamentável mediocridade, esse depósito de pobres e essa obscena desigualdade.

Fonte: Folha de S. Paulo – Poder/Colunistas – Sexta-feira, 28 de abril de 2017 –  11h20 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Papa faz uma séria constatação

«Às vezes, a Igreja caiu em uma teologia do
“pode” e do “não pode”»

Domenico Agasso Jr.
Vatican Insider
24-04-2017

O bispo de Roma centrou a sua pregação sobre o encontro de Nicodemos
com Jesus e o testemunho de Pedro e João depois da cura do coxo 
PAPA FRANCISCO
Celebrando na Capela Santa Marta - Vaticano

Ele reitera o “não” a uma fé rígida. Unido a um apelo para rejeitar os compromissos e as idealizações que poriam em causa a concretude do credo cristão e que não são compatíveis com a liberdade dada pelo Espírito Santo. Depois, observa com amargura que, às vezes, a própria Igreja caiu em uma “teologia do ‘pode’ e do ‘não pode’”. Tudo isso foi afirmado pelo Papa Francisco na homilia da manhã dessa segunda-feira, 24 de abril de 2017, na Casa Santa Marta, a primeira depois da pausa pascal. Também participaram da missa os cardeais conselheiros do C9, que, entre segunda e quarta-feira, 26 de abril, estarão reunidos com o papa.

O bispo de Roma centrou a sua pregação sobre o encontro de Nicodemos com Jesus e o testemunho de Pedro e João depois da cura do coxo. Cristo explica a Nicodemos com amor e paciência que é preciso “nascer do alto, nascer do Espírito” e, portanto, passar “de uma mentalidade a outra”.

Para entender melhor – indica o papa – é possível se concentrar naquilo que diz a primeira leitura, dos Atos dos Apóstolos: Pedro e João curaram o coxo, e os doutores da lei não sabem como se comportar, como “esconder” tudo isso, porque “a coisa é pública”. No interrogatório, os dois “respondem com simplicidade”. E, quando os intimam a não falar mais a respeito, Pedro responde: “Não! Não podemos calar o que vimos e ouvimos. E... continuaremos assim”.

Aí está, salienta Papa Bergoglio: “A concretude de um fato, a concretude da fé” em relação aos doutores da lei que “querem entrar em negociações para chegar a compromissos”. Pedro e João, “têm coragem – destaca Francisco –, têm a franqueza, a franqueza do Espírito, que significa falar abertamente, com coragem, a verdade, sem compromissos”.

Está justamente aí “o ponto” crucial: “A concretude da fé”. De fato, “às vezes, nós nos esquecemos de que a nossa fé é concreta. O Verbo se fez carne, não se fez ideia: se fez carne”. E, quando rezamos o Credo, “dizem todas coisas concretas: ‘Creio em Deus Pai, que fez o céu e a terra, e em Jesus Cristo, que nasceu, que morreu...’, são todas coisas concretas. O nosso Credo não diz: ‘Creio que devo fazer isto, que devo fazer aquilo ou que as coisas são estas...’ Não - exclama –, são coisas concretas!”.

É “a concretude da fé que leva à franqueza, ao testemunho até o martírio, que é contra os compromissos ou à idealização da fé”. Para aqueles doutores da lei, o Verbo “não se fez carne: se fez lei: e se deve fazer isso até aqui e não mais, deve-se fazer isto”, e nada mais.

Assim, “estavam enjaulados nessa mentalidade racionalista, que não acabou com eles, hein! Porque, na história da Igreja, muitas vezes, a própria Igreja que condenou o racionalismo, o Iluminismo, depois, muitas vezes, caiu em uma teologia do ‘pode e não pode, até aqui, até lá’”. Com essa atitude, a Igreja “esqueceu a força, a liberdade do Espírito, esse renascer pelo Espírito, que te dá a liberdade, a franqueza da pregação, o anúncio de que Jesus Cristo é o Senhor”.

Invocou o pontífice: “Peçamos ao Senhor essa experiência do Espírito que vai e vem, e nos leva em frente, do Espírito que nos dá a unção da fé, a unção das concretudes da fé: ‘O vento sopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim é todo aquele que nasceu do Espírito’”. Ouve “a voz, segue o vento, segue a voz do Espírito, sem saber aonde vai acabar. Porque fez uma opção pela concretude da fé e o renascimento no Espírito”.

Deus “nos dê esse Espírito pascal – conclui o papa – de ir nas estradas do Espírito, sem compromissos, sem rigidez, com a liberdade de anunciar Jesus Cristo como Ele veio: na carne”.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 25 de abril de 2017 –  Internet: clique aqui.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Bispos a favor da Greve Geral

“Consideramos fundamental que se escute
a população”

Entrevista com Dom Leonardo Steiner
Bispo auxiliar de Brasília (DF) e Secretário-Geral da CNBB

Portal da CNBB

“Convocamos os cristãos e pessoas de boa vontade, particularmente nossas comunidades, a se mobilizarem ao redor da atual Reforma da Previdência, a fim de buscar o melhor para o nosso povo, principalmente os mais fragilizados”
DOM LEONARDO STEINER

Movimentos sociais e sindicatos de todo o Brasil marcam para a próxima sexta-feira, dia 28 de abril, uma greve geral contra as reformas da Previdência e trabalhista apresentadas pelo Poder Executivo e em tramitação no Congresso Nacional.

Às vésperas da 55ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que tem início nessa quarta-feira, dia 26, em Aparecida (SP), o bispo auxiliar de Brasília (DF) e secretário geral da Conferência, dom Leonardo Steiner, concedeu entrevista reproduzida pelo portal da CNBB, 25-04-2017, tratando da posição da entidade sobre as manifestações.

Reafirmando a convocação feita pelo Conselho Permanente, no mês passado, dom Leonardo considera “fundamental que se escute a população em suas manifestações coletivas”.

Eis a entrevista.

Qual é a posição da CNBB sobre a anunciada greve geral do dia 28 de abril?

Dom Leonardo Steiner: A partir de quarta-feira, 26 de abril, os bispos estarão reunidos em assembleia geral, em Aparecida (SP). A assembleia é a instância suprema da Conferência e dela pode sair novo posicionamento. Posso agora, reafirmar o que o Conselho Permanente da CNBB já declarou em Nota: “Convocamos os cristãos e pessoas de boa vontade, particularmente nossas comunidades, a se mobilizarem ao redor da atual Reforma da Previdência, a fim de buscar o melhor para o nosso povo, principalmente os mais fragilizados”.

Nesse sentido, consideramos fundamental que se escute a população em suas manifestações coletivas. Claro que nosso olhar se dá na perspectiva da evangelização e nossa posição brota das exigências do Evangelho. E isso significa reafirmar a busca do diálogo, da paz e do entendimento. Na afirmação dos bispos está a orientação de que esses momentos sejam marcados pelo respeito à vida, ao patrimônio público e privado, fortalecendo a democracia.

Qual o impacto de uma greve geral neste momento?

Dom Leonardo Steiner: Certamente o conteúdo das manifestações se dará no sentido de defesa dos direitos dos trabalhadores do campo e da cidade, de modo muito particular dos mais pobres. O movimento sinaliza que a sociedade quer o diálogo, quer participar, quer dar sua contribuição. Reformas de tamanha importância não podem ser conduzidas sem esse amplo debate.

O Congresso Nacional e o Poder Executivo, infelizmente, têm se mostrado pouco sensível ao que a sociedade tem manifestado em relação às reformas. Os brasileiros e brasileiras desejam o bem do Brasil e para construir uma nação justa e fraterna querem participar das discussões e encaminhamentos.

É oportuno apresentar propostas de reformas na atual conjuntura?

Dom Leonardo Steiner: O Brasil vive um momento particular de sua história, uma crise ética. Há situações de enorme complexidade nos quais estão envolvidos personagens do cenário político, sem falar da crise econômica que atinge a todos. Como encaminhar mudanças sem o respaldo da sociedade? Propostas de reformas que tocam na Constituição Federal, no sistema previdenciário, na CLT merecem estudo, pesquisa e aprofundamento. Sem diálogo não é possível criar um clima favorável que vise o bem do povo brasileiro.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 26 de abril de 2017 –  Internet: clique aqui.

terça-feira, 25 de abril de 2017

JOVENS SEM RELIGIÃO, POR QUÊ?

Desvinculação religiosa entre os jovens é maior
do que a adesão ao pentecostalismo

Entrevista com Silvia Fernandes
Doutora em Ciências Sociais e pesquisadora do Centro de Estatísticas Religiosas e Investigação Social – Ceris

Patricia Fachin

A faixa etária em que há mais pessoas sem religião no Brasil,
proporcionalmente falando, é exatamente a que compreende
os 15 aos 29 anos de idade
SILVIA FERNANDES

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, a socióloga explica que “o jovem sem religião, assim como o adulto sem religião, em geral possui o que temos chamado de religiosidade própria. Isso significa que sua subjetividade pode estar pautada em crenças de diferentes tradições religiosas cristãs ou não”. Silvia explica que entre os fatores que têm contribuído para esse fenômeno estão “desde contestações a normas e condutas institucionais, até o desencanto ou decepção com o universo significativo religioso expresso nas imagens de sagrado que possuíam”.

Silvia Fernandes tem estudado particularmente jovens que vivem na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro e na região metropolitana e frisa que “a desvinculação ou desinstitucionalização religiosa entre os jovens de 15 a 29 anos é maior do que a adesão ao pentecostalismo e isso é muito interessante, especialmente porque sempre se compreendeu que o pentecostalismo nas periferias urbanas seria a alternativa mais plausível, graças a sua oferta pragmática de cura e prosperidade”. Esses dados demonstram, explica, que, “ao menos entre a juventude, essa tese não se sustenta mais, uma vez que é exatamente nas periferias e franjas metropolitanas que os sem-religião estão concentrados e, no caso dos jovens de municípios que estamos investigando, superam a adesão ao pentecostalismo. Ateísmo e agnosticismo são posições incipientes em termos numéricos, mas que merecem estudo por estarem em ritmo ascendente”.

Silvia Fernandes foi pesquisadora do Centro de Estatísticas Religiosas e Investigação Social – Ceris durante muitos anos. Atualmente, é professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, é mestra e doutora em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.

Dentre outros livros, é autora de Jovens religiosos e o catolicismo – escolhas, desafios e subjetividades (Rio de Janeiro: Quartet/FAPERJ, 2010), Novas Formas de Crer – católicos, evangélicos e sem-religião nas cidades (São Paulo: Promocat, 2009) e organizadora de Mudança de religião no Brasil – desvendando sentidos e motivações (São Paulo: Palavra e Prece, 2006).

Confira a entrevista.

IHU On-Line: O que significa falar em jovens sem religião? Os jovens que se autodeclaram sem religião são ateus ou agnósticos ou têm alguma crença religiosa, sem estar vinculada a alguma religião?

Silvia Fernandes: Nós podemos considerar que cada uma dessas terminologias é constituída por vários tipos. O jovem sem religião, assim como o adulto sem religião, em geral possui o que temos chamado de "religiosidade própria". Isso significa que sua subjetividade pode estar pautada em crenças de diferentes tradições religiosas cristãs ou não. É curioso notar que alguns que se denominam agnósticos podem acreditar em "alma", por exemplo. Há aqueles que se declaram sem religião simplesmente porque deixaram de frequentar os cultos ou ritos de sua religião. Na verdade, alguns deles oscilam entre a autodeclaração "sem religião" e a de "evangélicos" ou "católicos não praticantes".

Em nossa pesquisa, temos visto que, em alguns casos, a identidade "sem religião" pode ainda não estar totalmente consolidada ou sedimentada, representando, portanto, um momento de transição. No caso dos ateus e agnósticos ocorre algo semelhante. Há diversas modalidades de ateísmo e agnosticismo juvenil, mas o que temos visto é que, geralmente, ambas as identidades são decorrentes de experiências que os jovens interpretam como negativas ou traumáticas em suas vidas e que os levaram a abandonar a religião anterior ou as religiões anteriores. Sim, porque vários deles passaram por várias religiões até chegarem ao ateísmo, o que mostra que tanto a identidade de "sem religião" quanto a de ateu ou agnóstico perfizeram-se processualmente ou estão ainda em construção.

Em que consiste sua atual pesquisa sobre jovens urbanos sem religião? Em que centros urbanos a pesquisa está sendo desenvolvida?

Silvia Fernandes: Estamos pesquisando jovens sem religião, agnósticos e ateus residentes no Rio de Janeiro e região metropolitana. O ponto de partida para encontrar nossos informantes é a UFRRJ, em seu campus em Nova Iguaçu, onde sou professora. A maioria deles reside em municípios da Baixada Fluminense, mas há vários residentes no Rio. Em geral, o informante sem religião, ateu ou agnóstico indica outros colegas ou amigos de sua rede e nós vamos construindo a amostra por meio dessa técnica, também conhecida como bola de neve.

Queremos compreender os processos de desinstitucionalização religiosa e política levando em conta também o papel da família na constituição das identidades religiosas juvenis, seus valores, visões de mundo, incluindo sexualidade, política, humanidade. É importante identificar os diferentes fatores sociais e subjetivos que orientam as escolhas dos jovens quando o assunto é religião e política, por exemplo, e tentar compreender se a trajetória dos pais e familiares tem algum peso em suas escolhas, inclusive no que diz respeito ao abandono das instituições religiosas.

Sob uma perspectiva mais macro, a pesquisa quer explicar um dado censitário importante: entre os jovens de 15 a 29 anos - faixa etária de nosso estudo - o índice dos que se declaram sem religião (10%) é superior ao da população brasileira (8%), e no Rio de Janeiro o índice é de quase 15%, superando em 7 pontos percentuais o índice nacional. A faixa etária em que há mais pessoas sem religião no Brasil, proporcionalmente falando, é exatamente a que compreende os 15 aos 29 anos de idade.

Por quais razões os jovens têm optado por serem ateus ou agnósticos?

Silvia Fernandes: Até o momento, o rol de motivos inclui desde contestações a normas e condutas institucionais até o desencanto ou decepção com o universo significativo religioso expresso nas imagens de sagrado que possuíam. Alguns relatos manifestam o desencanto por não terem sido atendidos em seus pedidos em momentos dramáticos da vida. Em alguns casos houve perdas familiares e, consequentemente, eles deixaram de acreditar na eficácia da religião ou perderam a fé. Em outros, passaram a questionar determinados aspectos da instituição religiosa.

Um jovem sem religião de vinte e dois anos nos conta que acredita em Deus e tentou vincular-se a alguma religião em razão do apelo dos pais ou familiares. Sua trajetória foi o kardecismo, catolicismo e Igrejas evangélicas e sua maior crítica está relacionada a esse último segmento por considerar que há "exploração comercial" por parte de muitas denominações. No catolicismo ele questiona a devoção a santos e o que chamou de "clima pesado de obrigação".

Uma perspectiva mais racionalista também é presente em alguns discursos apontando leituras científicas e acesso ao conhecimento como um dos fatores que os leva ao agnosticismo e ateísmo. É importante ressaltar que até o momento nossos entrevistados são majoritariamente universitários.

Na maioria das vezes eles passam por um processo de "conversão" ao estado de sem religião, ao ateísmo e ao agnosticismo e essas diferentes identidades são assumidas a partir de um dado momento nas trajetórias que, na maioria dos casos, foram anteriormente marcadas pela dimensão religiosa. Até o momento da pesquisa é possível afirmar o caráter processual da formação da identidade juvenil sem vínculos institucionais.

É possível identificar qual é o perfil dos jovens que se dizem ateus ou agnósticos e o daqueles que se identificam com alguma religião?

Silvia Fernandes: Como a coleta de dados está em andamento, ainda não é possível identificar se alguma variável terá peso nessa distinção. Mas a classe social, por exemplo, não parece ser uma delas, pois há ateus e agnósticos nas camadas altas, médias e populares. Do mesmo modo, há jovens religiosos nos diferentes estratos sociais. Em relação aos sem-religião, há um clima de contestação de verdades e doutrinas que chama atenção em algumas narrativas e isso nos faz perceber que, se por um lado, determinadas Igrejas, como a IURD (Igreja Universal do Reino de Deus), conseguem montar um exército juvenil como, por exemplo, os chamados "Gladiadores do Altar", por outro, a desvinculação ou desinstitucionalização religiosa entre os jovens de 15 a 29 anos é maior do que a adesão ao pentecostalismo e isso é muito interessante, especialmente porque sempre se compreendeu que o pentecostalismo nas periferias urbanas seria a alternativa mais plausível, graças a sua oferta pragmática de cura e prosperidade.

O que temos visto é que, ao menos entre a juventude, essa tese não se sustenta mais, uma vez que é exatamente nas periferias e franjas metropolitanas que os sem-religião estão concentrados e, no caso dos jovens de municípios que estamos investigando, superam a adesão ao pentecostalismo. Ateísmo e agnosticismo são posições incipientes em termos numéricos, mas que merecem estudo por estarem em ritmo ascendente.

Como jovens de diferentes estratos sociais se relacionam com a religião? A condição econômica ou social dos jovens tem alguma influência na adesão religiosa? Nesse sentido, na relação dos jovens com a religião, há distinções entre os jovens que vivem nas periferias e os jovens que vivem em outras regiões?

Silvia Fernandes: De certo modo, essa questão está respondida acima. Na verdade, nas periferias os jovens têm nas Igrejas um espaço importante de lazer, sociabilidade e encontro. Em geral, eles organizam os eventos e convocam os amigos para atividades relacionadas à música, teatro, retiros e "acampamentos". Esses últimos têm sido frequentes e reúnem jovens com o objetivo de promover momentos de lazer e evangelização, tentando atrair novos adeptos ao catolicismo ao mesmo tempo em que visam fortalecer a adesão. É importante dizer, contudo, que a presença de jovens nas Igrejas é escassa, seja no catolicismo ou no pentecostalismo. O alto número de templos pentecostais e neopentecostais não tem relação com possíveis demandas religiosas dos jovens, mas com o empreendedorismo de pastores e pastoras que têm inovado na expressão da cultura brasileira, trazendo ritmos e discursos facilmente compreensíveis, capazes de atrair mais adultos e idosos do que a juventude.

Então, quando se analisa o pertencimento juvenil às Igrejas em municípios periféricos, o número relativo é baixo. Por exemplo, de acordo com o censo 2010, em alguns municípios da Baixada Fluminense, como Nova Iguaçu, na faixa etária dos 20-24 anos havia 18.781 jovens católicos, 12.624 pentecostais e 18.252 sem religião. Essa tendência aparece também no Rio e em outros municípios da região metropolitana. Diferentemente do que se poderia pensar em termos de atração da juventude para o pentecostalismo nas periferias, a desinstitucionalização religiosa tem se apresentado como um fenômeno mais frequente e ainda pouco estudado, desafiando tanto o catolicismo quanto o pentecostalismo. Temos, basicamente, neste segmento etário, católicos e sem-religião liderando o ranking no que se refere às escolhas - ou não escolhas - religiosas institucionalizadas. Nesse caso, estou me referindo aos números relacionados apenas às Igrejas pentecostais, e não a todo o universo evangélico. Se consideradas as tradições protestantes em geral, a adesão juvenil às Igrejas evangélicas supera a da Igreja Católica na região e os sem-religião estão em maior número do que os jovens pentecostais na faixa dos 15 aos 29 anos.

Em estudos anteriores que realizamos tanto nas paróquias católicas quanto nas Igrejas evangélicas, os líderes - padres e pastores - declaravam ser difícil não apenas atrair, mas também trabalhar com a juventude. Parte dessa dificuldade está relacionada com a incapacidade de determinadas denominações em compreender os interesses juvenis e as mudanças no desenho de sua religiosidade. Um mosaico que aproxima cultura e religião de modo muito estreito ainda soa estranho a setores da Igreja Católica, por exemplo, que é menos propositiva e mais normativa.

Diante disso, qual seria a equação posta? Se por um lado as Igrejas funcionam como espaços de sociabilidade juvenil nas periferias urbanas para aqueles que já participam, por outro, os jovens que não possuem religião nesses mesmos ambientes não parecem atraídos pelas atividades oferecidas pelas instituições religiosas. Desse modo, ainda que as visitem como espaços de lazer e encontro, nelas não permanecem mantendo a dinâmica da circulação e trânsito religioso que pode levar ao ateísmo e agnosticismo. Disso resulta que a visita às Igrejas em razão do convite dos amigos não é fator determinante para que estabeleçam vínculos mais sólidos com a religião, e este é um dado muito importante. A identidade "sem religião" é mais frequente nesses ambientes, sugerindo um novo modo de expressar a própria religiosidade, e esse modo balança as formas tradicionais de participação e vínculo.

Há, contudo, que se fazer distinções importantes. O catolicismo tem atraído essencialmente jovens de orientação carismática (independentemente do perfil socioeconômico), o que significa dizer que eles são mais participativos; mais assíduos e fortemente mobilizados para a música, celebrações mais efusivas, teatro e outras atividades que imprimem traços do religioso em atividades consideradas seculares no ambiente juvenil. As bandas e grupos de música de católicos confundem-se facilmente com as bandas evangélicas e perde força a liturgia tradicional entre uma parcela da juventude, bem como os modelos catequéticos que incluem os ritos de transição (catequese, grupo de jovens; preparação para determinados sacramentos etc.) não atingem o efeito de longa duração. Isso já foi possível verificar por ocasião da Jornada Mundial da Juventude no Brasil, no ano de 2013, em que os grupos católicos de orientação carismática dominaram a cena com sua devoção ao chamado "terço da misericórdia" e suas bandas com acento no estilo gospel; suas canções cujas letras são marcadas pelas palavras "espírito santo", "glória" e "aleluia", aproximando as linguagens católica e neopentecostal.

Que tipos de religiões têm tido mais aceitação entre os jovens? Por quê?

Silvia Fernandes: Em termos quantitativos os segmentos juvenis seguem a tendência nacional: católicos, evangélicos pentecostais e sem religião. Mas, em termos qualitativos, observa-se simpatia pelo espiritismo, principalmente entre os jovens adultos de 24-29 anos. Provavelmente em razão do avanço do movimento de ação afirmativa, há ainda muitos jovens simpatizantes das religiões afro-brasileiras, especialmente no ambiente universitário que temos pesquisado. Espiritualidades difusas e diversas integrando práticas de autoconhecimento, consciência ambiental e perspectivas holistas também atraem jovens, particularmente os de camadas médias.

Alguns têm avaliado que uma parte considerável dos jovens católicos brasileiros têm assumido uma postura mais tradicional em relação à religião e às doutrinas da Igreja. Tem percebido esse tipo de postura? Como compreende esse movimento?

Silvia Fernandes: Bem, falar de "jovens católicos brasileiros" torna obrigatória a relativização desse universo definitivamente não homogêneo. Precisamos estar atentos para não enquadrar a imensa diversidade que constitui o catolicismo em apenas duas vertentes que seriam os conservadores e os progressistas, embora você tenha usado o termo "tradicional" em lugar de "conservador" na formulação de sua questão. Na verdade, um mesmo jovem pode assumir posições mais conservadoras - no sentido de manutenção de uma norma ou doutrina - e estar inserido numa lógica modernizante quanto à própria sexualidade; ou relativizar o rito romano tradicional e implementar músicas não litúrgicas nas missas; ou ser contrário ao aborto e favorável ao uso de preservativos, tensionando posições oficiais da Igreja Católica. Observamos essa disposição em vários jovens brasileiros católicos que vivem nos Estados Unidos, mas no Brasil também é comum. Muitos que são tidos como mantenedores da tradição mostram-se mais liberais quando o assunto é sexo antes do casamento, por exemplo. Todas as pesquisas de opinião com jovens católicos, inclusive participantes de paróquias, como a que realizei na Baixada Fluminense - mostram que eles são mais permissivos do que os evangélicos quando o assunto é sexualidade.

Por isso, nós que pesquisamos a relação entre juventude e religião, catolicismo, pentecostalismo e juventude, precisamos sofisticar um pouco mais as categorias que temos usado para definir os jovens católicos ou de outras correntes cristãs. Mas, eu diria, não puramente em um esforço teórico, mas, sobretudo, por meio de observação e escuta. Tenho defendido a emergência de uma sociologia compreensiva nos estudos da relação entre juventude e religião, especialmente para problematizarmos determinadas categorias que vimos usando e que na atualidade já não nos ajudam a entender as mudanças e as diferentes orientações juvenis muitas vezes no interior de uma mesma corrente do próprio catolicismo. É importante investir cada vez mais em estudos que não apenas nos mostrem o relevante quadro geral de pertencimento religioso juvenil, como o censo, mas que nos permitam explorar as visões de mundo dos jovens, ouvindo suas próprias narrativas, acompanhando suas práticas e conexões no universo virtual e não virtual, nas redes de interações que estabelecem e no tipo de produto cultural ou material que consomem e produzem.

Outro fator importante que pode ajudar a explicar a orientação atual de boa parte dos jovens católicos que atuam nas Igrejas é que há uma geração que não conheceu outro modelo de Igreja a não ser o que se apresenta pelas mãos da Renovação carismática, seja com suas comunidades de vida e aliança, seja por meio das bandas musicais. A emergência de movimentos de orientação carismática favoreceu e estimulou grupos juvenis que preservam a doutrina e enfatizam a identidade católica enquanto subtraem a visibilidade de outros grupos atuantes no catolicismo.

É claro que não podemos, entretanto, entender a reorientação da adesão católica juvenil se não admitirmos que a Igreja Católica no Brasil vem se reorientando há algumas décadas, abrindo mais espaço para as chamadas novas comunidades de orientação carismática e tendo dificuldades e baixo incremento na renovação de lideranças com perfil mais voltado para a justiça social e política como os que existiram em décadas anteriores por meio das pastorais da juventude tradicionais. Isso se deu muito em função da perplexidade institucional diante do rearranjo do campo religioso brasileiro composto por diversas tradições religiosas e por um neopentecostalismo ágil, diverso e desafiador para a hegemonia católica.

A modernização da sociedade brasileira acontece de modo não linear, com um pluralismo intenso e surpreendente em função da expansão cultural que se intensifica pelas novas mídias e aparatos virtuais.

A juventude está nesse caldeirão e o compõe ora desejando manter as tradições para assegurar suas escolhas sem se perder, ora reagindo às tradições e buscando caminhos alternativos que as questionam.

A presença de jovens católicos cujo perfil prima pela tradição inconteste me parece uma reação à temperatura do caldeirão da modernidade que pode tornar seus modos de estar no mundo um tanto quanto caóticos. Mas não estamos em um jogo em que predomina a tradição inconteste. Isso é perceptível em discursos de jovens católicos universitários.

Numa das suas pesquisas com jovens pentecostais e católicos na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, a senhora conclui que jovens pentecostais apresentam maior nível de escolaridade do que os católicos. Como interpreta esses dados?

Silvia Fernandes: Nossas salas de aula na UFRRJ - Instituto Multidisciplinar estão cheias de alunos de orientação evangélica, de diferentes denominações. O que tenho observado é que eles tendem a ser bastante disciplinados e assíduos, o que me faz lembrar das teses weberianas sobre a ética protestante e o espírito do capitalismo, isto é, há uma espécie de consequência não intencional no dado que você menciona. A moralidade dos jovens evangélicos pode lhes ser aliada no incremento da formação, mesmo se eles são, em sua maioria, originários de camadas populares ou até mesmo em razão disso, pois toda conquista que lhes renda inclusão social lhes é muito cara. À época da pesquisa muitos jovens evangélicos adiavam a entrevista aos sábados por estarem estudando ou fazendo cursinhos. Identificamos também estímulo dos pastores para que os jovens procurassem estudar, trabalhar e conseguissem seu lugar ao sol e isso, de certo modo, faz a diferença na vida deles.

A partir da sua pesquisa, diria que a imagem de Deus e da própria religiosidade como visão de mundo tem sido reformulada ou não entre as novas gerações?

Silvia Fernandes: Sim. Há reformulações nas representações sobre a imagem de Deus, mas as duas imagens predominantes são a de um "pai que ama e se preocupa com cada homem/mulher" e a ideia de que "Deus é amor". Como vimos afirmando, esses são modos de crer que revelam um ethos majoritariamente cristão mesmo se o imaginário religioso contempla perspectivas mais holistas como a ideia de que Deus é "energia" ou a "natureza".

Pesquisar as relações e conexões dos jovens com o universo religioso sempre nos abre excelentes janelas de análise, porque revela também seus anseios e expectativas frente a uma modernidade que avança com retrocessos, impactando diretamente a relação deles com a sociedade e suas instituições.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 25 de abril de 2017 –  Internet: clique aqui.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Por que ditadores gostam de parecer democratas?

Democracia de fachada

Moisés Naím

A mistura de ruas exaltadas e redes sociais inflamadas não é boa para ditaduras
MOISÉS NAÍM

Um paradoxo interessante da política mundial observado hoje são as extraordinárias contorções que alguns autocratas fazem para se darem ares de democratas. Por que tantos ditadores criam embustes democráticos elaborados sabendo que, cedo ou tarde, o caráter autoritário do regime será revelado?

Algumas razões disso são bastante óbvias, outras nem tanto. A mais evidente é que o poder político, cada vez mais, é obtido – pelo menos no início – pelo voto, não pelas balas. Por isso os candidatos procuram mostrar uma grande devoção pela democracia embora ela não seja sua preferência.

A outra razão é menos nítida: os ditadores de hoje sentem-se mais vulneráveis. Sabem que devem temer a poderosa combinação de protestos de rua e redes sociais. A mistura de ruas exaltadas e redes sociais inflamadas não é boa para as ditaduras. Talvez por isso manter a aparência democrática fortalece os ditadores.

A democracia produz o ingrediente mais apreciado pelos ditadores: a legitimidade. Um governo que nasce do voto popular é mais legítimo e, portanto, menos vulnerável do que aquele regime cujo poder depende da repressão. Portanto, mesmo quando as democracias são corruptas emanam legitimidade, mesmo que transitória.

Exemplo

A Rússia de Vladimir Putin é um bom exemplo. As artimanhas que ele usou para seu governo parecer democrático são insólitas. A Rússia hoje tem todas as instituições e os rituais de uma democracia. Mas é uma ditadura.

Claro que há eleições periódicas no país. E, como qualquer democracia moderna, essas eleições são acompanhadas de caríssimas campanhas na mídia, comícios, debates. No dia da eleição, dezenas de milhões de pessoas fazem longas filas para votar. O pequeno detalhe é que, desde 2000, o vitorioso é sempre Putin. Ou a pessoa que ele designar para ocupar o posto até retornar novamente à presidência.

Foi o que ocorreu em 2008, quando Dmitri Medvedev, primeiro-ministro do governo presidido por Putin, venceu as eleições presidenciais e, imediatamente, nomeou seu ex-chefe como primeiro-ministro. Durante o mandato de Medvedev jamais houve dúvida de quem realmente comandava: Putin. Medvedev cumpriu o mandato presidencial, foram realizadas eleições e, claro, o novo presidente eleito foi: Vladimir Putin. Assim, o poder da presidência e o poder real voltaram a coincidir. Claro que manter as aparências de que no Kremlin o poder se alterna é muito importante para Putin.

Mas por quê? Por que, em vez de tanto esforço, Putin não tira a máscara e expõe honestamente a situação? Isso lhe pouparia o trabalho de neutralizar os líderes da oposição ou ter de usar de modo abusivo os recursos do Estado para vencer seus rivais nas eleições, ou usar todo o tipo de artimanhas.
VLADIMIR PUTIN

Máscara

Tirar a máscara e expor a situação com honestidade não seria difícil. Ninguém ficará surpreso se o presidente convocar um referendo nacional pedindo que seu mandato seja ampliado por tempo indefinido e vencer (e por maioria esmagadora, como sempre). E ninguém se surpreenderá se o Parlamento e a Suprema Corte aprovarem esse novo pacto. Afinal as duas instituições são elementos fundamentais da fictícia fachada democrática atrás da qual se esconde a autocracia russa.

Por que supor que estas instituições certamente aprovariam uma perpetuação de Putin no poder? Porque em 17 anos nem uma vez impediram Putin de fazer o que deseja.

A Rússia não é a única ditadura que procura se dar ares de democracia. Recentemente as autoridades chinesas indicaram sua clara preferência com relação ao destino da Síria: “Cremos que o futuro da Síria deve ser deixado nas mãos do povo sírio. Respeitamos que os sírios escolham seus líderes”.

É curioso ver uma ditadura aconselhar outra ditadura a deixar seu povo decidir seu destino. De fato, como assinalou Isaac Stone-Fish, jornalista que viveu sete anos na China, “um dos slogans favoritos de Xi Jinping, é quando ele se refere aos ‘12 valores socialistas’ que devem guiar seu país, e a democracia é o segundo deles”.

Stone-Fish também relatou que em uma conferência a que assistiu, vários líderes do Partido Comunista Chinês insistiram que, como nos Estados Unidos, o sistema político chinês pode, de modo plausível e adequado, ser qualificado como democracia”.

A mesma ideia é sustentada pelo governo sírio, ao passo que a Coreia do Norte se autodefine como República Popular Democrática. Nicolás Maduro [Venezuela], Daniel Ortega [Nicarágua] e Raúl Castro [Cuba] também defendem que seus respectivos regimes são democracias.

Evidentemente democracia é uma marca que ficou em moda. Nem sempre foi assim. Nos anos 70, por exemplo, os ditadores da América hispânica e portuguesa, da Ásia e da África não se preocupavam muito em parecer democratas. Talvez porque se sentissem mais seguros do que os ditadores de hoje.

Traduzido por Terezinha Martino.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional – Segunda-feira, 24 de abril de 2017 – Pág. A9 – Internet: clique aqui.

O que se passa na Igreja do Brasil hoje?

A perda de capilaridade social e a desafeição dos católicos. Desafios da Igreja no Brasil em tempos
de Papa Francisco

Entrevista com Pedro Ribeiro de Oliveira
Doutor em Sociologia, professor emérito de Ciências da Religião

Patricia Fachin

Da indiferença a uma mudança de postura da Igreja Católica no Brasil
sob a inspiração de Francisco 
PEDRO RIBEIRO DE OLIVEIRA

“Nos dois primeiros anos do pontificado de Francisco, a maior parte da Igreja (pelo menos no Brasil) apenas fez de conta que estava em sintonia com ele, porque sua linha pastoral continuou a mesma de outros tempos”, diz o sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira à IHU On-Line. Contudo, pontua, depois da publicação de três documentos pontifícios de “grande impacto”, “é cada vez mais clara a mudança de rumo que Francisco imprime à Igreja e isso repercute no Brasil”.

Um exemplo dessa modificação, segundo o sociólogo, pode ser visto “na posição política da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB desde a visita da presidência da CNBB ao Papa, em 2016: ela ganhou coragem e voltou a pronunciar-se sobre o momento político sem poupar críticas a Temer e seu governo, mostrando sua distância em relação à atitude dos dois cardeais que foram visitá-lo no palácio da Alvorada”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Pedro Ribeiro de Oliveira sugere uma “refundação” das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs para alavancar o projeto de uma Igreja em saída e comenta a atuação do laicato na instituição. “O problema do laicato é que nós somos e queremos ser Igreja, isto é, membros de pleno direito como são os ministros ordenados – bispos, presbíteros e diáconos –, mas esses parecem não levar a sério a definição da Igreja como Povo de Deus”, avalia. Para ele, “muitos leigos e leigas se submetem a uma Igreja clerical, desde que o clero abençoe seu estilo de vida (no caso dos ricos) ou os console em seu sofrimento (no caso dos pobres)” e, portanto, “movimentos de santificação pessoal convivem bem com o clericalismo, enquanto as CEBs e Pastorais sociais não se submetem a ele”.

Pedro Ribeiro de Oliveira é doutor em Sociologia, professor aposentado dos Programas de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas. É membro do ISER-Assessoria, da Equipe de Formação da Prelazia de São Félix do Araguaia e da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política.

Confira a entrevista.

IHU On-Line: Por quais razões o senhor afirma que a Igreja perdeu a “capilaridade social” que teve à época da ditadura?

Pedro Ribeiro de Oliveira: Para explicar a capilaridade social, uso a comparação com as raízes da árvore: elas penetram no solo, absorvem a umidade e a fazem chegar até o alto da copa. Nas raízes reside o segredo do vigor da planta: à medida que elas perdem a capilaridade, a árvore seca. A Igreja Católica teve grande capilaridade social até meados do século passado, quando as associações piedosas – Apostolado da Oração, Congregação Mariana, Liga Católica, Vicentinos, Irmandades etc. – congregavam grande quantidade de fiéis. A modernização esvaziou aquelas associações, mas a Igreja recuperou a capilaridade social por meio das dezenas de milhares de Comunidades Eclesiais de Base - CEBs presentes nas zonas rurais e periferias urbanas. Dinamizadas pelas Pastorais Sociais – como a Pastoral da Terra, Operária, Indigenista, da Juventude e outras – elas penetravam o tecido social brasileiro e funcionavam como artérias de ligação entre as bases populares e os dirigentes eclesiásticos. Se uma liderança de CEB sofria ameaças por sua luta em defesa dos Direitos Humanos, logo essa informação chegava ao conhecimento da CNBB, que se mobilizava em sua defesa. No sentido inverso, quando a CNBB propunha uma campanha em favor dos pobres ou da ordem democrática, podia contar com a mobilização de toda a rede de comunidades espalhadas pelo País para pressionar o governo militar, o Congresso e a sociedade.

A perda dessa capilaridade social deveu-se à orientação imprimida à Igreja pelos pontificados de S. João Paulo II e de Bento XVI, no sentido de conter o avanço das reformas decorrentes do Concílio Vaticano II. Eles implementaram o projeto de restauração identitária, que fez a Igreja refluir para o campo propriamente religioso e perder muito da sua incidência nas lutas de transformação social.

Como o senhor caracteriza esse projeto de restauração identitária? Ele ainda se mantém na Igreja, direcionada pela CNBB, diante da atual conjuntura nacional?

Pedro Ribeiro de Oliveira: Esse conceito refere-se a um conjunto de medidas que reforçam a centralidade romana em detrimento da presença diversificada no mundo. As medidas mais importantes foram:
a) nomeação de bispos alinhados a essa orientação centralizadora para as dioceses mais importantes,
b) a adoção do Código de Direito Canônico, reformado pela Cúria, como norma pastoral para todas as dioceses,
c) a adoção do Catecismo da Igreja como norma doutrinal,
d) o retorno do modelo de seminário exclusivo para a formação do clero,
e) normas litúrgicas para coibir inovações posteriores ao Concílio e
f) apoio a Movimentos Religiosos de santificação pessoal.

Essas medidas são verdadeiramente estratégicas, porque configuram uma instituição eclesiástica monolítica: centralizada no Papa e nos padres (paróquias), retira a autonomia do bispo (tanto na sua diocese quanto nas Conferências episcopais) e privilegia leigas e leigos interessados apenas em sua salvação. É certo que a renúncia de Bento XVI tirou a força do projeto de restauração identitária, mas aquelas medidas enrijeceram de tal forma a Igreja Católica, que acabaram por impedir não só a renovação iniciada durante o Concílio Vaticano II como também as propostas pastorais de Francisco.

O papa Francisco tem insistido no discurso de que a Igreja deve ser pastoral e uma “Igreja em saída”. Na prática, o que isso significa?

Pedro Ribeiro de Oliveira: Sua proposta é clara como um cristal bem lapidado: se a missão da Igreja é levar ao mundo todo a Boa-notícia do Reinado de Deus, seu movimento deve ser para fora dos templos e sacristias. O espaço principal de atuação do Povo de Deus é o lugar onde vivem as pessoas, independentemente de sua confissão religiosa. Os cristãos e cristãs devem anunciar com alegria o Evangelho e colaborar com o projeto de construção do Reino de Deus na história. Francisco é enfático: antes correr o risco de se sujar por ter ido às praças e ruas, do que definhar por não sair da sacristia. Em suma, trata-se de juntar-se aos movimentos sociais, respeitando sua laicidade, para que “não haja família sem casa, camponês sem terra, trabalhador sem direitos”. É o que ensina e faz o Papa.

Infelizmente, o projeto de colocar a Igreja em saída tem sido interpretado de maneira a perder seu caráter inovador. Tomo como exemplos dessa deturpação os eventos religiosos de massa destinados a encher as ruas e praças de católicos, ou o padre que leva o confessionário para a praia alegando que assim a Igreja vai onde estão os turistas. É um pouco ridículo, mas assim é...

Como essas propostas de Francisco têm repercutido na Igreja brasileira? Quais são as estruturas sociais e eclesiais que potencializam ou inibem uma Igreja em movimento?

Pedro Ribeiro de Oliveira: O setor eclesial mais afinado com a proposta de Igreja em saída é o de quem se identifica com as CEBs e Pastorais Sociais. Nele estão bispos, padres, religiosas, leigos e leigas. Esse setor tem certa influência na Igreja devido a sua capilaridade social, embora seja numericamente pequeno. Mas está havendo mudança. Nos dois primeiros anos do pontificado de Francisco, a maior parte da Igreja (pelo menos no Brasil) apenas fez de conta que estava em sintonia com ele, porque sua linha pastoral continuou a mesma de outros tempos. Passados dois anos e três documentos pontifícios de grande impacto, é cada vez mais clara a mudança de rumo que Francisco imprime à Igreja e isso repercute no Brasil. Constato, por exemplo, a mudança na posição política da CNBB desde a visita da presidência da CNBB ao Papa, em 2016: ela ganhou coragem e voltou a pronunciar-se sobre o momento político sem poupar críticas a Temer e seu governo, mostrando sua distância em relação à atitude dos dois cardeais que foram visitá-lo no palácio da Alvorada.

Não sei avaliar exatamente a correlação de forças entre os setores identificados com o projeto de Igreja em saída e os setores identificados com a restauração identitária, mas tudo indica um significativo avanço do projeto de Francisco entre os bispos e no laicato. Ainda não vejo igual avanço entre os padres, que parecem se contentar ao ver igrejas cheias, ainda que seja para “missas de cura e libertação”. É claro que na sociedade a figura e a mensagem de Francisco têm grande aceitação, mas isso pouco representa em termos de força transformadora na Igreja Católica. Nessa conjuntura, ainda não são muitos os bispos e padres que ousam seguir o exemplo de Francisco na construção de uma “Igreja pobre para os pobres”. É preciso mais criatividade de quem apoia o projeto de Francisco para desempatar esse jogo...

Quais são os potenciais de ressurgimento das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) no atual contexto?

Pedro Ribeiro de Oliveira: Prefiro falar de refundação das CEBs, porque em sua maioria elas perderam o antigo vigor, mas não morreram. Prova disso é a preparação do 14º Encontro Intereclesial, previsto para janeiro de 2018, em todas as regiões do país. Realisticamente, temos que considerar o nítido envelhecimento de seus membros e a sua perda de prestígio na Igreja, porque as celebrações das CEBs não enchem igreja como os cultos de louvor, cura e libertação.

Refundar as CEBs significa retomar e atualizar a intuição teológica que lhes deu origem, ou seja:
a) celebração dominical na comunidade local conduzida por seus animadores e animadoras,
b) incentivo à leitura bíblica na ótica do oprimido (como faz o CEBI, por exemplo),
c) coordenação pastoral colegiada, desde as bases comunitárias até os organismos paroquiais e diocesanos, e
d) articulação com Pastorais sociais que façam a mediação entre o campo eclesial e o sócio-político.
Uma refundação assim está em total sintonia com o projeto de Francisco, mas requer ousadia do bispo para governar a diocese segundo o Evangelho, sem deixar-se prender pelas proibições do Direito Canônico.

O papa tem estimulado a participação dos leigos na Igreja e tem chamado atenção para que eles não sejam clericais. Como os leigos têm atuado no Brasil? Que avaliação faz do Conselho Nacional do Laicato do Brasil – CNLB? Eles são muito clericais? Qual é a origem desse clericalismo?

Pedro Ribeiro de Oliveira: O problema do laicato é que nós somos e queremos ser Igreja, isto é, membros de pleno direito como são os ministros ordenados – bispos, presbíteros e diáconos –, mas esses parecem não levar a sério a definição da Igreja como Povo de Deus. Parecem ainda acreditar que são os representantes de Cristo, como se Ele não tivesse ressuscitado e precisasse de mediadores para se fazer presente na história humana. Daí o clericalismo, tão criticado por Francisco. Lembro que ser contra o clericalismo não é negar a importância do presbítero e do bispo como agentes da unidade eclesial, mas sim opor-se aos privilégios que cercam os clérigos como se fossem dotados de poderes divinos.

É claro que muitos leigos e leigas se submetem a uma Igreja clerical, desde que o clero abençoe seu estilo de vida (no caso dos ricos) ou os console em seu sofrimento (no caso dos pobres). Clericalismo e conservadorismo caminham de braços dados. Movimentos de santificação pessoal convivem bem com o clericalismo, enquanto as CEBs e Pastorais sociais não se submetem a ele.

Se a Igreja quer mesmo ser Povo de Deus atuante na história humana, tem que suprimir o clericalismo. Francisco tem dito isso, mas sabe que não é fácil passar do ideal à prática. Penso que uma medida eficiente para promover essa mudança é fechar os seminários e colocar os vocacionados na pastoral, oferecendo-lhes a formação na ação. Esse modelo foi implementado por Dom Helder Câmara, quando arcebispo de Olinda e Recife. Os vocacionados viviam como qualquer jovem leigo, sendo acompanhados por professores e professoras que ensinavam a Teologia a partir da reflexão sobre sua experiência de vida, utilizando para isso os sábados e os períodos de férias. Com um custo muito inferior ao dos atuais seminários – que são viveiros do clericalismo – a Igreja poderá formar presbíteros, diáconos e diaconisas seguindo o método “ver, julgar, agir e celebrar”. E assim formar agentes da unidade eclesial para as necessidades do mundo atual.
PAPA FRANCISCO - quando esteve em visita ao Brasil

Como avalia os quatro anos do pontificado de Francisco? Quais diria que são as três questões mais positivas do pontificado e os seus três desafios?

Pedro Ribeiro de Oliveira: Ele retomou a proposta de aggiornamento [= atualização] de João XXIII atualizando-a e fundamentando-a com a Teologia do Concílio Vaticano II. A isso chama de projeto de Igreja em saída. Mas a oposição clerical adotou a estratégia da inércia: fazer de conta que as normas dadas por João Paulo II e Bento XVI ainda estão em vigor.

Penso que o projeto de Francisco só conseguirá avançar sob duas condições:
1ª) A primeira é fazer seu sucessor na mesma linha pastoral. Por isso está dando formato mais universalista ao colégio de cardeais.
2ª) A segunda condição é conquistar o apoio efetivo das bases da Igreja. Esta condição é mais complicada, porque depende de bispos com ousadia para substituir as velhas estruturas curiais e paroquiais por estruturas participativas, padres que abandonem o clericalismo e leigos e leigas com coragem e competência para assumir sua missão na Igreja e no Mundo. Francisco dá exemplo de liberdade e criatividade, mas ainda tem sido pouco seguido.

Não sei definir quais seriam as questões mais e menos positivas de seu pontificado. Mas com certeza seu maior desafio é o de convencer a Igreja Católica que o mundo está em estado de guerra:
* guerras localizadas,
* étnicas,
* contra a droga ou o terrorismo, mas todas mortíferas,
* dentro do quadro maior da guerra da espécie humana contra a Terra, nossa casa comum.

Francisco já abordou esse tema por várias vezes, mas ainda não conseguiu convencer as bases da Igreja que não basta falar de paz nos corações enquanto a violência está solta pelo mundo, produzindo miséria, refugiados, mutilações e mortes. De Roma ele percebe a realidade global, mas as Igrejas locais continuam olhando para dentro delas mesmas e, no máximo, o que ocorre na sua vizinhança. Imagino o grau de angústia do Papa!

Deseja acrescentar algo?

Pedro Ribeiro de Oliveira: Sim. Não creio que de um momento para o outro a Igreja Católica do Brasil retome o rumo libertador que a caracterizou nas décadas de 1970 e 80. Acredito que isso só acontecerá depois do susto que ela tiver, ao constatar no censo demográfico de 2020 o grande aumento da desafeição dos católicos.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 21 de abril de 2017 – Internet: clique aqui.