«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 31 de julho de 2021

18º Domingo do Tempo Comum – Ano B – HOMILIA

 Evangelho: João 6,24-35 

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João. Naquele tempo: 24 Quando a multidão viu que Jesus não estava ali, nem os seus discípulos, subiram às barcas e foram à procura de Jesus, em Cafarnaum. 25 Quando o encontraram no outro lado do mar, perguntaram-lhe: «Rabi, quando chegaste aqui?» 26 Jesus respondeu: «Em verdade, em verdade, eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos. 27 Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará. Pois este é quem o Pai marcou com seu selo». 28 Então perguntaram: «Que devemos fazer para realizar as obras de Deus?» 29 Jesus respondeu: «A obra de Deus é que acrediteis naquele que ele enviou». 30 Eles perguntaram: «Que sinal realizas, para que possamos ver e crer em ti? Que obra fazes? 31 Nossos pais comeram o maná no deserto, como está na Escritura: “Pão do céu deu-lhes a comer”. 32 Jesus respondeu: «Em verdade, em verdade vos digo, não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. 33 Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo». 34 Então pediram: «Senhor, dá-nos sempre desse pão». 35 Jesus lhes disse: «Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede».

Palavra da Salvação. 

Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

Jesus é a resposta completa às necessidades humanas 

Vimos, no Evangelho do domingo passado que, com o episódio da partilha dos pães e dos peixes que representa a Eucaristia, Jesus levou a multidão a crescer, a se tornar ser humano, ser humano adulto. Infelizmente, falhou. Os participantes não compreenderam o significado do gesto de Jesus. A passagem que, hoje, lemos é o sexto capítulo de João, é a continuação, são os versículos 24 a 35. 

E novamente aqueles a quem Jesus trouxe à condição de seres adultos e maduros se encontram como uma multidão, porque não entenderam. Essa multidão sai «à procura de Jesus». Este verbo “procurar”, no Evangelho de João, tem sempre uma conotação negativa, indica capturar, apedrejar, matar. Eles o procuram, o encontram e se voltam para ele chamando-o de «Rabi», mestre da lei, é isso que eles querem: Jesus queria libertá-los, eles querem se submeter. 

E «Jesus respondeu», e é uma afirmação que é precedida de uma declaração solene: «Em verdade, em verdade, eu vos digo». Isto é, o que eu vos digo é certo, é verdadeiro: «estais me procurando não porque vistes sinais», qual foi o sinal?

Fazer-se alimento para os outros, este é o significado da Eucaristia e da partilha dos pães.

Prossegue o Evangelho: «mas porque comestes», isto é, por causa do alimento em si mesmo, «pão e ficastes satisfeitos». Portanto, Jesus os convidou a fazerem-se pão para os outros, eles só entendiam o pão para si. E aqui o verbo está no imperativo: «Esforçai-vos», literalmente, trabalhai, «não pelo alimento que se perde», qual é a comida que não dura? Aquilo que diz respeito ao corpo, à parte física, biológica, «mas pelo alimento que permanece até a vida eterna», a vida que se chama eterna não tanto pela duração indefinida, mas pela qualidade indestrutível, «e que o Filho do Homem vos dará». Porque o Pai, Deus, colocou seu selo sobre ele. Jesus é a garantia da presença divina, Jesus manifesta a presença de Deus. 

«Então perguntaram: “Que devemos fazer para realizar as obras de Deus?”» E, novamente, há um mal-entendido. Jesus os convida a serem livres, eles querem submeter-se, não estão habituados a uma relação com Deus de liberdade, mas de submissão e perguntam o que devem fazer. E aqui está a resposta de Jesus: «Esta é a obra de Deus». “A obra de Deus” a única vez que aparece no Antigo Testamento é no livro de Êxodo, capítulo 32, versículo 16, e indica as tábuas da lei. Então esta é “a obra de Deus”, ou seja, aquilo que substitui as tábuas da lei, «é que acrediteis naquele que ele enviou».

Não é mais obedecer a uma lei, mas SE ASSEMELHAR A UMA PESSOA que é Jesus e Jesus é o amor de Deus por toda a humanidade.

Mas, mesmo assim, o diálogo é entre surdos, eles não entendem. «Eles perguntaram: “Que sinal realizas, para que possamos ver e crer em ti?”» É típico da religião pedir um sinal para ver para, depois, poder crer, mas Jesus nunca aceita, ele dá uma reviravolta: não um sinal para se ver e, depois, crer, mas crer para tornar-se sinal para ver. E eles se referem aos nossos pais: «Nossos pais comeram o maná no deserto». Jesus acabou de falar do Pai e eles se referem aos pais. Jesus fala do presente e eles se referem ao passado, Jesus fala pela humanidade e eles se referem a Israel. 

E aqui está a resposta de Jesus, novamente com a declaração solene: «Em verdade, em verdade vos digo, não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu». A ênfase de que o de Jesus é o pão verdadeiro indica que há outros pães que são falsos e se o outro pão é falso não pode transmitir vida, mas apenas comunicar a morte.

A observância da lei não realiza a pessoa.

E aqui está a conclusão de Jesus: «Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu», isto é, que tem origem divina, «e dá vida ao mundo», novamente este tema da vida indestrutível retorna. Finalmente, eles começam a entender: «Então pediram: “Senhor”», finalmente o chamam de Senhor, antes, o haviam chamado de Rabi, creram que fosse um profeta. Finalmente, enxergam nele algo a mais: «Senhor, dá-nos sempre desse pão», é a frase que se assemelha ao pedido do Pai Nosso. «Jesus lhes disse: “Eu sou”». “Eu sou” é o nome de Deus, portanto Jesus reivindica a condição divina. Prossegue Jesus: «o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede». O que se quer dizer com esta declaração solene?

Que Jesus é a resposta completa às necessidades do ser humano.

O desejo de plenitude que todo homem carrega dentro de si se encontra em Jesus, como? Jesus não convida as pessoas a se concentrarem em si mesmas, em sua própria perfeição espiritual, tão distante e inatingível quanto é grande essa ambição, mas na doação de si aos outros que é alcançável, que é imediata e que dá plenitude de vida ao ser humano. 

* Traduzido do italiano e editado por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

Fica muito claro, no Evangelho deste domingo, que a grande reviravolta que Jesus operou na vida dos seres humanos que tiveram contato com ele foi: deixarem de ser dependentes, apegados ao que é primário, ou seja, à busca pela saúde e pelo alimento, para se dedicarem ao que é ESSENCIAL: a vida plena, a vida madura, a vida livre! 

Aquilo que levou os seres humanos a criarem suas várias religiões, a grosso modo, foi a busca por segurança/proteção, por abundância de alimentos, saúde e por prosperidade. Mas, tudo isso é voltado, apenas, para a sobrevivência neste mundo. Aos poucos, o ser humano sentiu a necessidade de algo que desse um SENTIDO para a sua vida. Algo que justificasse o motivo dele estar sobre esta Terra. A razão dele viver e existir. 

E é sobre isso que Jesus fala às multidões que o “procuram” pelo pão que sacia o estômago, mas não promove uma vida distinta da existência que a pessoa tinha antes, a denominada “vida eterna”.

Jesus dá nome a essa proposta: o “pão da vida”, que é ele mesmo!

Doravante a salvação, a libertação e a esperança humanas não dependerão mais de leis, normas, ritos e tradições, mas da adesão a uma pessoa, à sua mensagem e ao seu estilo de vida, estamos falando de JESUS CRISTO, o Filho de Deus! 

O fundamental, na vivência da FÉ CRISTÃ, é viver uma vida de bondade, respeito e solidariedade pelos outros seres humanos! Pois, como observa o teólogo espanhol José María Castillo, “quando esse é o tipo de vida que se impõe, resolve-se, não somente o problema da fome, mas tantos outros problemas humanos que nos tornam desgraçados ou, se se resolvem, fazem-nos felizes”.


 Oração após a meditação do Santo Evangelho 

O Senhor dá o pão aos famintos 

1 Aleluia! Louva o Senhor, minh’alma,

2 louvarei o Senhor enquanto eu for vivo, enquanto viver, cantarei hinos a meu Deus.

3 Não confieis nos poderosos, em seres humanos que não podem salvar,

4 Exalam o espírito e voltam ao pó da terra; nesse dia se acabam seus planos.

5 Feliz quem recebe auxílio do Deus de Jacó, quem espera no Senhor seu Deus,

6 criador do céu e da terra, do mar e de quanto contém. Ele é fiel para sempre,

7 faz justiça aos oprimidos, dá alimento a quem tem fome. O Senhor livra os prisioneiros,

8 o Senhor devolve a vista aos cegos, o Senhor levanta quem caiu, o Senhor ama os justos,

9 o Senhor protege os estrangeiros, ampara o órfão e a viúva, mas transtorna o caminho dos

ímpios.

10 O Senhor reina para sempre, o teu Deus, Sião, por todas as gerações. Aleluia!

(Salmo 146 [145]) 

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie – XVIII Domenica del Tempo Ordinario – 05 agosto 2018 – Internet: clique aqui (acesso em: 28/07/2021).

quarta-feira, 28 de julho de 2021

A fome é um escândalo

 Papa: a fome no mundo é um escândalo e um crime contra os direitos humanos

 Andressa Collet

Repórter – VATICAN NEWS (26/07/2021) 

“Produzimos comida suficiente para todas as pessoas, mas muitas ficam sem o pão de cada dia. Isso ‘constitui um verdadeiro escândalo’, um crime que viola direitos humanos básicos”

PAPA FRANCISCO - uma voz profética

Com a frase acima, Papa Francisco faz sua denúncia junto à Pré-Cúpula sobre os sistemas alimentares da ONU na tarde desta segunda-feira (26 de julho). O Pontífice recorda que é...

... “dever de todos extirpar esta injustiça através de ações concretas e boas práticas, e através de políticas locais e internacionais ousadas”.

O Papa Francisco, através de uma mensagem, também participa da Pré-Cúpula sobre sistemas alimentares da Organização das Nações Unidas (ONU) que começou nesta segunda-feira (26 de julho), em Roma, junto com representantes de mais de 110 governos do mundo, entre eles, o Brasil. Até quarta-feira (28 de julho), as sessões – em formato híbrido, presencial e virtual – preparam o maior evento global sobre o tema agendado para setembro, na Assembleia Geral das Nações Unidas. 

O texto em espanhol do Pontífice foi lido pelo secretário para as Relações com os Estados do Vaticano, dom Paul Richard Gallagher, e dirigido ao secretário geral das Nações Unidas, António Guterres. Na mensagem, Francisco começa destacando “como um dos nossos maiores desafios hoje é vencer a fome, a insegurança alimentar e a desnutrição na era da Covid-19”, uma pandemia que projetou ainda mais as injustiças, “minando a nossa unidade como família humana”, sobretudo os pobres e a casa comum. 

FOME É CRIME! FOME É ESCÂNDALO! FOME É PECADO!

O escândalo das vítimas da fome 

É necessária “uma mudança radical”, alerta o Pontífice, diante da exploração da natureza com o uso irresponsável e o abuso dos bens: 

“Produzimos comida suficiente para todas as pessoas, mas muitas ficam sem o pão de cada dia. Isso ‘constitui um verdadeiro escândalo’, um crime que viola direitos humanos básicos. Portanto, é um dever de todos extirpar esta injustiça através de ações concretas e boas práticas, e através de políticas locais e internacionais ousadas.”

Nessa perspectiva, continua o Papa na mensagem, a “correta transformação dos sistemas alimentares desempenha um papel importante” para fortalecer economias locais e reduzir o desperdício alimentar, por exemplo. Para garantir “o direito fundamental a um padrão de vida adequado” para alcançar a Fome Zero até 2030,

“não basta produzir alimentos”, comenta Francisco, mas é preciso “uma nova mentalidade e uma nova abordagem integral e projetar sistemas alimentares que protejam a Terra e mantenham a dignidade da pessoa humana no centro; que garantam alimentos suficientes globalmente e promovam o trabalho digno em nível local; e que alimentem o mundo de hoje, sem comprometer o futuro”.

O setor rural deve ser valorizado 

O Papa, então, orienta para a recuperação do setor rural como ação fundamental na pós-pandemia e para corrigir “as raízes do nosso sistema alimentar injusto”. O Pontífice comenta sobre a importância dos “conhecimentos tradicionais” dos agricultores que não devem ser negligenciados ou ignorados. Um reconhecimento que “deve ser acompanhado de políticas e iniciativas que atendam plenamente às necessidades das mulheres rurais, promovam o emprego de jovens e melhorem o trabalho dos agricultores nas áreas mais pobres e mais remotas”. E o Papa finaliza a mensagem: 

“Ao longo deste encontro, temos a responsabilidade de realizar o sonho de um mundo onde o PÃO, a ÁGUA, os REMÉDIOS e o TRABALHO fluam em abundância e cheguem primeiro aos mais necessitados. A Santa Sé e a Igreja Católica estarão a serviço desse nobre objetivo, oferecendo a sua contribuição, unindo forças e vontades, ações e sábias decisões.”

Em Cuiabá (MT), pessoas ficam na fila de um açougue para ganharem pedaços de ossos com raspas de carne, nervo e gordura, pois não tem "mistura" para comer!
A fome de comida e de dignidade 

E um vídeo especial intitulado “Comida para todos: um apelo moral”, com uma prévia lançada nesta segunda-feira (26), mas que será exibido na sessão da Pré-Cúpula que o Vaticano vai sediar nesta terça-feira (27), o Papa Francisco reforça a preocupação com as vítimas da fome e da desnutrição no mundo.

O Pontífice chama a todos, novamente, para “mudar os estilos de vida, o uso dos recursos, os critérios de produção até o consumo” para garantir sistemas alimentares sustentáveis.

Quantas mães e quantos pais, ainda hoje, vão dormir com o tormento de não ter no dia seguinte pão suficiente para os próprios filhos! 

Assistam ao vídeo com a fala do Papa, em espanhol, clicando sobre a imagem abaixo: 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 27 de julho de 2021 – Internet: clique aqui (Acesso em: 28/07/2021).

Farinha do mesmo saco

 Extrema direita: religião, militarismo e neoliberalismo

 Robson Sávio Reis Souza

Pós-doutor em Direitos Humanos, doutor em Ciências Sociais, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, onde também é professor do Departamento de Ciências da Religião, membro da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (Soter) 

A RELIGIÃO é o principal elemento de constituição dessa base social da extrema-direita global. Mas, são o MILITARISMO e o ULTRALIBERISMO que caracterizam o domínio do poder estatal (da extrema-direita) em níveis nacionais, com intentos globais. 

ROBSON SÁVIO REIS SOUZA

A extrema-direita global desfruta de símbolos do cristianismo para formar uma “milícia religiosa”, a reeditar a guerra do bem contra o mal. No caso, o bem seria tudo aquilo associado ao pensamento conservador (religião, família tradicional, propriedade privada, meritocracia, precedência do individual sobre o público). O mal, por sua vez, está associado à modernidade, ciência, feminismo, esquerdismo, luta de classe, estado social, etc.. 

Montada, como numa CRUZADA RELIGIOSA, em tradições da “família conservadora”, a extrema-direita une líderes como:

* Bolsonaro;

* extremistas norte-americanos, incluindo grupos supremacistas (e lideranças religiosas evangélicas e católicas, até mesmo junto ao episcopado);

* Viktor Orban (Hungria);

* Vladimir Putin (que se aliou à Igreja Católica Ortodoxa Russa);

* Le Pen (França);

* extremistas da Espanha, Inglaterra e até

* neonazistas alemães. 

No Brasil, além de lideranças evangélicas neopentecostais (principalmente das grandes igrejas midiáticas - muitas delas verdadeiras empresas religiosas), a extrema-direita goza de prestígio junto a membros do clero e do episcopado católicos, vários padres midiáticos, instituições religiosas (algumas midiáticas), youtubers famosos e uma bancada de ultraconservadores no Parlamento (de câmaras de vereadores ao Congresso Nacional). 

Essa aliança une o:

* conservadorismo RELIGIOSO,

* o poder político ancorado no MILITARISMO (no caso esse governo militarizado - que se vangloria na defesa de moralismos à la Olavo de Carvalho) e

* no poder econômico alicerçado no ULTRALIBERALISMO (à la Paulo Guedes e figuras esdrúxulas, do tipo o Véio [Luciano Hang] das megalojas de produtos variados, Wizzard e outros negociantes que, segundo dizem, para alcançarem o sucesso INDIVIDUAL e PRIVADO vendem até a mãe). 

Ao centro, Jair Bolsonaro, à esquerda Beatrix von Storch (deputada do partido Alternativa para a Alemanha, de extrema-direita racista, neta de um dos principais ministros de Adolf Hitler) e Sven von Storch (marido de Beatrix)

Uma neocristandade

Portanto, a base social que agrega essa massa difusa precisa de um discurso MORALISTA, CRISTÃO, CONSERVADOR para manter mobilizada uma legião religiosa que tem em líderes carismáticos radicais, como Bolsonaro, Putin e outros, e para defender radicalmente uma visão salvacionista e redentora do mundo. Uma recristianização global, que é a base da Teologia do Domínio presente nos discursos desses grupos religiosos (a crença segundo o qual a religião deve dominar o poder político, a cultura, a educação, as artes, os comportamentos etc.). 

A RELIGIÃO é o principal elemento de constituição dessa base social da extrema-direita global.

Mas, são o MILITARISMO e o ULTRALIBERISMO que caracterizam o domínio do poder estatal (da extrema-direita) em níveis nacionais, com intentos globais. Não por coincidência, governos teocráticos, militares e ultraliberais são formas distintas de autoritarismos. 

Por isso, na ausência momentânea de Trump, Bolsonaro é um dos candidatos à liderança da extrema-direita global conforme ficou claro na visita de uma liderança neonazista alemã ao presidente brasileiro nesta semana. 

Uma observação final: o Papa Francisco é a principal liderança global no enfrentamento à extrema-direita. Por isso, é tão perseguido, inclusive dentro da Igreja Católica. Estima-se, por exemplo, que dos 240 bispos norte-americanos, somente uns 40 apoiam explicitamente Francisco. Não ouso afirmar sobre a situação no Brasil. Mas, certamente o apoio do episcopado brasileiro ao Papa Francisco é bem maior e mais explícito. Vide manifestações da CNBB nos últimos tempos. 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 28 de julho de 2021 – Internet: clique aqui (Acesso em: 28/07/2021).

terça-feira, 27 de julho de 2021

Você já pensou nisso?

 A mudança climática global é também uma crise espiritual

 Daniel P. Horan

Teólogo franciscano, cátedra “Duns Scotus” de Espiritualidade na Catholic Theological Union, em Chicago, onde é professor de Teologia Sistemática e Espiritualidade 

Há uma visão distorcida que faz uma separação entre aquilo que se considera “sagrado” do que é tido como “secular”, aquilo que é “sobrenatural” daquilo que é “natural”

DANIEL P. HORAN - teólogo franciscano norte-americano

Como todas as ameaças individuais e coletivas para a segurança, o claro e presente perigo de uma mudança climática global é, também, tanto uma crise espiritual quanto uma crise existencial. 

Até agora, neste verão, o mundo testemunhou uma série de perturbadoras catástrofes relacionadas ao clima que por si só são chocantes, e se consideradas em conjunto deveriam causar medo nos corações e mentes de todos nós. 

Incluído nesses terríveis eventos estão as ondas de calor recorde no Pacífico Norte, nos Estados Unidos e Canadá, matando mais de 100 pessoas; os incêndios ainda mais precoces no Oeste dos Estados Unidos; secas devastadoras em muitas partes dos Estados Unidos, enquanto em outras partes há “chuvas de monções”; e as horríveis enchentes na Alemanha e Bélgica que destruíram comunidades e mataram pelo menos 165 pessoas. 

O que é significativo sobre eventos assim não é que – eles estão ligados à mudança climática global, uma vez que esta já foi constatada cientificamente. Mas o que é comum a esses eventos é que dominaram nossas manchetes de jornais nas últimas semanas e que estão afetando muitas das mais prósperas comunidades e nações do mundo. 

Os que insistiram em negar a realidade e falsear as afirmações que a mudança climática é real ou que é algum tipo de farsa política são os que tem, até agora, vivido dentro de um contexto de luxo e conforto isolados dos severos fatos do mundo de hoje. Enquanto isso, bilhões de pessoas não tiveram o privilégio de tal ignorância intencional, uma vez que os pobres globais têm suportado o fardo do fenômeno climático mais extremo por décadas e continuam a sofrer de uma maneira impensável para os cidadãos do chamado “Primeiro Mundo”. 

Em “Laudato Si’, sobre o cuidado da Casa Comum”, o Papa Francisco identificou precisamente essa desigualdade global no que diz respeito às consequências das mudanças climáticas: 

“As mudanças climáticas são um problema global com graves implicações ambientais, sociais, econômicas, distributivas e políticas, constituindo atualmente um dos principais desafios para a humanidade. Provavelmente os impactos mais sérios recairão, nas próximas décadas, sobre os países em vias de desenvolvimento. Muitos pobres vivem em lugares particularmente afetados por fenômenos relacionados com o aquecimento, e os seus meios de subsistência dependem fortemente das reservas naturais e dos chamados serviços do ecossistema como a agricultura, a pesca e os recursos florestais. Não possuem outras disponibilidades econômicas nem outros recursos que lhes permitam adaptar-se aos impactos climáticos ou enfrentar situações catastróficas, e gozam de reduzido acesso a serviços sociais e de proteção”.

Ele continuou descrevendo o surgimento de uma nova e dolorosa crise humanitária que está inextricavelmente ligada à mudança climática global – o aumento de migrantes ambientais e refugiados. O Papa explica: 

“Por exemplo, as mudanças climáticas dão origem a migrações de animais e vegetais que nem sempre conseguem adaptar-se; e isto, por sua vez, afeta os recursos produtivos dos mais pobres, que são forçados também a emigrar com grande incerteza quanto ao futuro da sua vida e dos seus filhos. É trágico o aumento de emigrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental, que, não sendo reconhecidos como refugiados nas convenções internacionais, carregam o peso da sua vida abandonada sem qualquer tutela normativa. Infelizmente, verifica-se uma indiferença geral perante estas tragédias, que estão acontecendo agora mesmo em diferentes partes do mundo. A falta de reações diante destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o qual se funda toda a sociedade civil”.

Esta última parte, sobre...

... a indiferença que milhões de homens e mulheres demonstram em relação à mudança climática em geral e suas consequências desastrosas para nossos semelhantes, ...

...está no cerne do que estou chamando de crise espiritual. Acredito que o que torna a mudança climática global uma crise espiritual para muitos se reflete em pelo menos três grandes falhas que os cristãos e muitas pessoas de boa vontade demonstram. 

Três grandes falhas dos cristãos e pessoas de boa vontade 

1) O primeiro é o fracasso em reconhecer nossa interconexão inerente. Francisco fala sobre isso em termos da frase “ecologia integral”, que é a ideia de que “tudo está interligado”. Isso se aplica tanto ao mundo não humano quanto ao mundo humano na era da globalização. 

O fato de tantas pessoas estarem sofrendo em uma escala que é inimaginável para a maioria dos cidadãos abastados do mundo, e ainda assim pouco ou nada ser feito e a maioria das pessoas não se importar, representa um claro fracasso. Francisco diz em Laudato Si’:

É preciso revigorar a consciência de que somos uma única família humana. Não há fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo, também não há espaço para a globalização da indiferença”.

Diante de crises humanitárias massivas, as nações ricas estão colocando “fronteiras e barreiras” cada vez maiores para nossos irmãos e irmãs que estão morrendo.

O fato de que tantos fiéis que se identificam a si mesmos possam continuar a se considerar cristãos fiéis, ao mesmo tempo que exibem tal indiferença insidiosa, é de fato uma crise espiritual.

2) A segunda falha decorre dessa indiferença. É a inação individual e coletiva, que inclui o fracasso em abraçar o que o papa chama de “conversão ecológica” necessária para começarmos a ver o mundo de uma nova maneira. A maior parte do mundo rico não consegue sequer reunir a energia necessária para cuidar. E isso é indicativo de uma crise espiritual porque é inerentemente pecaminoso. 

Lembro-me do que o teólogo jesuíta James Keenan, do Boston College, disse em seu livro “Moral Wisdom: Lessons and Texts from the Christian Tradition” (“Sabedoria moral: lições e textos da Tradição Cristã”, em tradução livre) sobre a definição central de pecado. Ele escreveu que o pecado é “falhar em amar” nossos irmãos e irmãs. 

JAMES KEENAN - teólogo moral jesuíta norte-americano

Ele explica:

“Nosso pecado geralmente não está no que fizemos, nem no que não pudemos evitar, nem no que tentamos não fazer. Nosso pecado é geralmente onde você e eu estamos confortáveis, onde não sentimos as necessidades do irmão”.

O pecado, de acordo com Keenan, tem muito a ver com operar de uma posição de força e conforto, o que leva à complacência.

No contexto da mudança climática global, não há pessoas mais fortes, confortáveis e complacentes do que os globalmente ricos que só agora parecem estar experimentando os primeiros gostos de nosso fracasso em se preocupar em amar uns aos outros e ao planeta.

O pecado exige arrependimento e conversão. O pecado ecológico exige o mesmo, o que é necessário agora mais do que nunca. 

3) A terceira falha é a concepção estrita da maioria das pessoas do que deve ser incluído na oração. O mal da mudança climática global e o sofrimento de muitos não mudará meramente por nossa oração isolada. Mas é importante reconhecer que a oração é chave para conversar e vivência da nossa vocação cristã. Uma forma de entender que a mudança climática é uma crise espiritual é que muitos cristãos compartimentalizam suas relações com Deus de sua relação com o mundo natural. 

Esse tipo de separação artificial, que pode ser motivada por uma visão distorcida de que o “sagrado” é diferente do “secular” ou o “sobrenatural” do “natural”, leva muitos a excluir uma reflexão espiritual séria sobre a interconexão do “clamor da terra” e o “clamor dos pobres”. 

À medida que as coisas continuam a piorar, vidas humanas e não humanas continuam a ser ameaçadas e mortas, e as decisões devem ser tomadas por indivíduos e comunidades, não podemos ignorar a dimensão espiritual da crise climática em nosso meio. Na verdade, como Francisco nos lembra regularmente, ...

... tudo está interligado, e isso inclui não só a vasta comunidade de criação da qual você e eu fazemos parte, mas também inclui o que trazemos para a oração e o que dela flui em termos de ação.

Traduzido do inglês por Wagner Fernandes de Azevedo. Publicado pelo site “National Catholic Reporter”, na quarta-feira, 21 de julho de 2021. Acesse a versão original, clicando aqui. 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sábado, 24 de julho de 2021 – Internet: clique aqui (Acesso em: 24/07/2021).

Militares com sede de poder

 Ideia de virada de mesa ronda generais desde a facada em Juiz de Fora (MG)


Marcelo Godoy 

Generais questionaram a legitimidade da eleição de 2018 e houve um grupo que quis virar a mesa; perspectiva de vitória do capitão impediu o golpe

JAIR BOLSONARO: um governo de militares com sede de poder!

As ameaças contra a democracia e as eleições de 2022 do ministro Walter Braga Netto não foram as primeiras de generais desde que Jair Bolsonaro despontou como opção real para a conquista da Presidência da República, em 2018. Apesar da negativa do ministro, os espectros do golpe de Estado e do cancelamento das eleições rondam o governo. Eles passaram pela cabeça de integrantes do Alto Comando do Exército, por exemplo, em 6 de setembro de 2018. Era o dia do atentado à faca contra o então candidato do PSL, em Juiz de Fora, em Minas. 

Um general amigo de Hamilton Mourão – com quem ele trabalhou – e do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, contou em duas oportunidades à coluna os detalhes de um segredo: a intenção de se melar as eleições de 2018. Era, segundo ele, ideia de quatro, cinco colegas favoráveis a virar a mesa, pois acreditavam que, se Bolsonaro morresse, as eleições perderiam a legitimidade. Prevaleceu no Alto Comando a visão do general Eduardo Villas Bôas: Bolsonaro ia se recuperar e tinha grande chance de vencer o pleito. Desnecessário, portanto, o golpe. 

Segundo o general, havia um grupo que queria virar o “negócio do avesso”. Se Bolsonaro morresse em razão da facada, repetiu o oficial, “isso virava”, pois havia quatro estrelas de peso que iam “virar o negócio”. Para o militar, tratava-se de uma posição emocional, mas que seria um “grave retrocesso”. Generais de peso são, segundo ele, aqueles que detém o comando de tropas. Pelo menos três dos mais exaltados estavam nessa situação em 2018. 

EDUARDO VILLAS BÔAS - o general que foi um dos maiores articuladores do retorno dos militares ao poder, via Bolsonaro

Pouco depois da facada, em 9 de setembro, Villas Bôas, então comandante do Exército, disse ao Estadão: “Nós estamos agora construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada”. E completou: “Com relação a Bolsonaro, ele não sendo eleito, ele pode dizer que prejudicaram a campanha dele. E, ele sendo eleito, provavelmente será dito que ele foi beneficiado pelo atentado, porque gerou comoção”. 

Villas Bôas admitia o óbvio. E dizia que Bolsonaro contava com simpatias entre os militares. Os comandantes das Forças foram visitar o candidato internado em São Paulo. O relato mostra que conversas sobre ter ou não eleições não são algo estranho entre militares.  Alguns dizem que isso é mera manifestação de zap zap, coisa de grupos fechados de redes sociais nos quais valentões, às vezes, dizem que estão preparados para matar ou morrer ou que prendem e arrebentam. Ou ainda que teremos danos colaterais em uma ação do Exército para “reestabelecer a ordem”. Uma ordem que interessa só a esses militares. 

O espectro do golpe ronda os militares e é também alimentado pelos civis. Pelos que desejam um novo AI-5 e pelos que acreditam ver em cada general um Olympio Mourão Filho. No atual Alto Comando há integrantes que são constrangidos dia sim e dia sim também a reafirmar o compromisso da Força Terrestre com a defesa da democracia. Não aquela entendida por Bolsonaro, onde somente seus amigos podem se manifestar, mas a outra, a que resulta da soberania do povo. 

A República no Brasil parece sofrer daquela maldição que o professor Roberto Romano dizia que Montesquieu via na Rússia: países com enormes extensões e populações não poderiam ser democráticos; apenas despóticos. É que entre a realidade e a consciência há um intervalo. E nele se insinua não o diálogo, mas a força.

A natureza última do poder para militares envolvidos na política é justamente esta: a FORÇA. Se um grupo deixar de usá-la, pensam, inexoravelmente, outro vai utilizá-la.

O agir comunicativo, como imaginado por Jürgen Habermas, não tem cidadania diante das armas. 

Villas Bôas já disse que fez seu famoso tuíte contra a libertação de Lula, então preso e condenado pela Lava Jato, porque assistira a manifestações de generais, como Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, ex-presidente do Clube Militar, que diziam que o Supremo poderia se tornar “indutor da violência”, caso libertasse o petista. Da ideia de Lessa à ação de Vilas Bôas foi um pulo. Fenômeno igual se observa com Braga Netto. 

BRAGA NETTO - general ministro da Defesa que representa a politização das Forças Armadas, dando palpite em assuntos que não lhe dizem respeito!

O ministro da Defesa já subiu no palanque do presidente e assinou nota com os comandantes das Forças para dar “um pito” no senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid.

Ainda que Aziz tenha sido infeliz ao se referir ao “lado podre do Exército”, a reação foi interpretada em Brasília como desproporcional. Agora, ao tentar desmentir a reportagem do Estadão sobre o golpe, o general se vale de nova nota, que, em seus dois últimos parágrafos, faz a defesa do voto impresso. Mas este não é um tema do Ministério da Defesa. A Pasta sob Bolsonaro parece se tornar uma Secretaria de Governo. 

Se é assim, em breve seria bom o Ministério responder sobre:

a) os contratos sob suspeita revelados pela CPI da Covid.

b) E talvez nos dê uma explicação sobre a desfaçatez de quem cria uma regra para ganhar acima do teto enquanto todos os demais funcionários estão com salários congelados.

c) Ou sobre os empregos para mulheres, filhos e parentes em boquinhas de empresas públicas e repartições.

d) Ou ainda sobre a entrega de bilhões do orçamento deixado às saúvas do Centrão.

e) Podemos ver notas de repúdio ao extremismo de direita que se infiltrou por meio de uma ralé ressentida no governo e atacou a Educação, a Saúde e a Ciência e Tecnologia?

f) Ou uma manifestação sobre os mais de 545 mil mortos da pandemia e a volta do lulismo, os dois maiores legados de Bolsonaro? 

Para analistas políticos, como o professor José Álvaro Moisés, Braga Netto produziu a nota sobre o voto impresso porque essa é a estratégia desse governo impopular para questionar as eleições. Pouco importa se ele será ou não adotado. O resultado será o mesmo.

JOSÉ ÁLVARO MOISÉS - professor de Ciência Política da USP

Sem ele [o voto impresso], o bolsonarismo questionará as eleições por não serem auditáveis. Com ele, só a queixa mudará. Haverá a recontagem infinita para não se admitir a derrota do presidente e preparar o terreno para o golpe.

Não se quer transparência. O que se deseja é uma desculpa.

Os liberticidas procuram sempre produzir exceções. De preferência por meios supostamente legais.  

Há uma diferença entre o pleito de 2018 e o de 2022: a perspectiva de poder de Bolsonaro. Se em 2018 os pensamentos golpistas foram esconjurados por que a vitória eleitoral se avizinhava do capitão, desta vez, a certeza do triunfo nas urnas é algo distante do presidente. Em vez de apaziguamento, tudo aponta para a radicalização de um governo que começou a ruir no dia em que o pai resolveu proteger o filho rico, o senador Flávio Bolsonaro. O temperamento do presidente e o radicalismo da extrema-direita e dos oportunistas que o circundam fizeram o restante do serviço. 

Hoje, militares procuram se desvincular da criação das urnas eletrônicas e do processo de verificação dos equipamentos – em ambos os casos, oficiais das três Forças estiveram presentes. Não percebem que a oportunidade para uma saída honrosa é cada vez mais estreita? Há Chamberlains demais neste País. Eles só fortalecem os autoritários de todos os matizes. O Brasil conviveu muito tempo com os atos antidemocráticos investigados pelo Supremo Tribunal Federal.

Está na hora de passar do diálogo aos depoimentos e interrogatórios. É preciso mostrar que o destino que a lei reserva aos liberticidas é a cadeia.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política / Cenário – Sábado, 24 de julho de 2021 – Pág. A12 – Internet: clique aqui (acesso em: 24/07/2021).

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Raiva popular em Cuba

 Compreenda o que se passa nesse país

 Joana Salém Vasconcelos

Doutora em História pela USP. Autora de “História agrária da revolução cubana: dilemas do socialismo na periferia” (Alameda) 

A revolta popular em Cuba reflete insatisfações de duas naturezas: econômica e política

Manifestantes pelas ruas de Havana, a capital de Cuba, 11 de julho de 2021

Antes de classificar a revolta popular ocorrida no dia 11 de julho em diferentes partes de Cuba como uma “revolução colorida” ou como uma jogada imperialista, é necessário olhar atentamente aos problemas internos do país e as contradições atuais da revolução. 

Com a pandemia, o PIB cubano caiu 11% e o turismo paralisou. As divisas trazidas pelos turistas secaram. Estas eram responsáveis por irrigar uma parte importante da vida econômica da população das cidades maiores (Havana, Santiago, Santa Clara, Trinidad, entre outras). Diante da escassez de divisas, o governo resolveu antecipar uma reforma monetária e cambial que unifica as duas moedas emitidas pelo Estado e reforma a estrutura da renda nacional. O pacote foi chamado Tarea Ordenamiento e decretado em dezembro de 2020.

Apesar das boas intenções, a medida gerou desequilíbrios e distorções difíceis de corrigir.

A revolta popular de domingo (11/07) reflete insatisfações de duas naturezas: econômica e política. Antes de rotulá-las, é fundamental entendê-las. 

Insatisfações econômicas: impactos da Tarea Ordenamiento na vida dos cubanos

O principal objetivo da Tarea Ordenamiento e da unificação monetária é corrigir desigualdades sociais e acabar com o desestímulo à produtividade gerados pela fronteira interna das duas moedas na economia cubana.

Assim, a Tarea Ordenamiento eliminou o CUC (moneda convertible ou “dólar cubano”, com paridade aproximada ao dólar estadunidense) e unificou a moeda nacional no peso cubano (25 para 1). Como amortecimento transitório, o governo criou a Moneda Libremente Convertible (MLC), que tem valor de divisa (1 MLC vale 25 pesos cubanos) e só existe em forma de cartão.

É uma “reserva transitória de valor”, que deve ser encerrada em breve. Junto com isso, o governo eliminou subsídios a produtos e itens do cotidiano, aumentou tarifas e multiplicou salários em cinco vezes. 

Não é preciso ser um gênio para perceber que a medida pode ser um gatilho inflacionário e gerar descontrole cambial no mercado paralelo. Num contexto de escassez de produtos, a medida requer uma liquidez monetária que parece não existir na sociedade e pode criar um caldeirão de pólvora de insatisfação. Só que agora, diferente de 1994, essa insatisfação se expressa pelas redes sociais e smartphones. 

Em resumo, a Tarea Ordenamiento era para ser um remédio, mas impactou diretamente o poder de compra dos cubanos e mostrou efeitos colaterais duros no cotidiano. Embora o governo tenha criado a MLC, não parece ter sido suficiente para reorganizar a capacidade de consumo popular no nível imediato. 

No dia a dia, a relação entre necessidade popular, disponibilidade de produtos e poder de compra está desequilibrada desde 2020. O fim abrupto do CUC induziu o aumento do mercado paralelo de divisas e das zonas de descontrole cambial, decorrentes da necessidade imediata das pessoas em consumir alguns itens em contexto de escassez. Não estamos falando de luxo, nem de consumismo. É alimentação, eletricidade, gás, combustível e outros itens básicos que se tornaram mais difíceis de encontrar e comprar na pandemia. 

O bloqueio dos Estados Unidos representa uma parte importante dessa crise, não há dúvidas.

Mas é um erro atribuir o problema exclusivamente ao bloqueio. Parte da esquerda brasileira comete esse erro reiteradamente e não examina as contradições internas da sociedade cubana.

A longevidade da revolução só pode ser explicada pela sua fortaleza interna. Recusar a ver as fissuras internas é também uma forma de negacionismo. 

A crise econômica (bloqueio, pandemia, turismo a nível quase zero, escassez de divisas e de produtos, fim abrupto do CUC, pressão inflacionária do mercado paralelo, desequilíbrio entre necessidade e renda) é uma armadilha de difícil saída. Além disso, em junho e julho, Cuba enfrentou o agravamento da pandemia, arriscando ter escassez de seringas para aplicar a vacina e com aumento na curva de contágios. O governo cubano controlou a pandemia de maneira exemplar até aqui, mais eficiente que a Bélgica ou a Suécia, que tem a mesma população e respectivamente 10 e 20 vezes mais mortos por covid. Mas a tentativa recente de ressuscitar o turismo na ilha abriu caminho para novas variantes, gerando recorde de mortes diárias (47 em um dia). Talvez a aprovação da vacina Abdala, 100% cubana, seja a única boa notícia do ano para a ilha. 

Insatisfação política: crise do poder popular

Como em outros momentos da sua história, Cuba poderia atravessar a crise econômica com unidade popular. Mas há ainda um problema político que não deve ser menosprezado. Existe um engessamento ou quebra dos canais de poder popular nas estruturas políticas do socialismo cubano. Faz anos que alguns cubanos de esquerda alertam sobre a necessidade de recriação das formas do poder popular.

O poder popular dos Comitês de Defesa da Revolução (CDR), da CTC-Revolucionaria, da Federação de Mulheres Cubanas, dos organismos da juventude comunista e outros braços do Partido estão burocratizados, perderam representatividade histórica e se tornaram insuficientes.

São demasiado oficialistas e já não absorvem as contradições internas da sociedade, para vocalizar a população em suas diferentes nuances. Na realidade, muitos deles se tornaram órgãos de representação do Estado perante a sociedade, e não da sociedade perante o Estado. 

Fernando Martinez Heredia, amigo de Che Guevara e falecido em 2017, dizia que a política popular da revolução era a base da sua força e que a construção de uma cultura de solidariedade orgânica era uma batalha constante.

Faz tempo que alguns cubanos de esquerda indicam que o governo precisa criar novos mecanismos de decisão e poder popular para além das eleições bianuais. A revolução não pode sobreviver sem apoio popular e essa sustentação não é automática.

Em um processo revolucionário, a relação entre o Estado e a sociedade precisa ser constantemente reinventada e reconstruída.

É isso que faz de uma revolução, uma REVOLUÇÃO: ser capaz de recriar revolucionariamente os mecanismos de poder popular, para que os governos representem processos sociais de decisão real e direta da população sobre seu país.

Se Raul Castro se empenhou decididamente em reformar a economia da ilha expandindo formas de negócio privado, o reformismo não atingiu da mesma forma as estruturas políticas do país. Os órgãos de representação estão burocratizados e, com exceção do período constitucional de 2018-2019, não foram criados métodos alternativos de decisão popular. A revolta de 11/07 expressa isso: um povo que está sentindo raiva e está passando dificuldades econômicas, mas não tem canais suficientes de expressão e poder. O resultado é essa panela de pressão. 

RAUL CASTRO, com 90 anos, governou Cuba de 24 de fevereiro de 2008 a 19 de abril de 2018

Legitimidade de protesto X Oportunismo imperialista

A população cubana tem legitimidade de protestar. Ao perceber que suas demandas e insatisfações não são escutadas pelo governo, que os espaços de diálogo entre Partido e sociedade não são mais tão eficazes como antes, ou mesmo desapareceram, a população pode, eventualmente, ir às ruas com raiva. 

Também não devemos menosprezar a mobilização cultural de novembro de 2020 e o manifesto 27N – que afirmou estar dentro da constituição, portanto, do socialismo. Assinado por mais de 300 trabalhadores da cultura, o manifesto demandava mais canais de poder de decisão política para a população e novos fóruns de diálogo em que seja plenamente possível divergir. O 27N é a face mais organizada dos trabalhadores da cultura, que antecipa amigavelmente um sentimento de insatisfação mais amplo. 

É claro que o imperialismo vai “cumprir seu papel” e cubano-americanos de Miami vão tentar se apropriar do sentimento das ruas de 11/07. Desde 1994, a direita cubana radicada nos Estados Unidos não tinha uma oportunidade política tão fértil para sua militância contrarrevolucionária. Os “algoritarismos” estão ativados. O imperialismo ao mesmo tempo produz a crise e se beneficia das dificuldades internas do país. 

Dentro de Cuba existe um setor popular contra a revolução, que considera o governo uma ditadura. São eles que gritaram “abaixo a ditadura” e “liberdade” no 11/07. Não conseguimos medir com exatidão o tamanho desse setor, mas historicamente foi minoritário. 

Acontece que o imperialismo e a militância contrarrevolucionária se misturam ao povo cubano na sua insatisfação e tratam de conduzir a raiva para uma lógica antissocialista.

Não se deve rotular e generalizar os cubanos nas ruas como “manipulados” ou “liberais” ou “contrarrevolucionários”. É preciso ter cuidado para examinar o que o povo revoltado sente. Existe legitimidade na sua raiva e se o governo não criar mecanismos econômicos rápidos para resolver o problema do consumo de itens básicos cotidianos, se não abrir canais eficientes de diálogo e não produzir novos organismos de poder de decisão popular, essa raiva pode não passar tão fácil. E é isso que os inimigos da revolução cubana desejam. 

Por fim

Por último, não podemos menosprezar o papel das próprias reformas econômicas de Raul Castro no tipo de revolta que ocorreu em 11/07. Desde 2011, o governo cubano facilitou a criação de negócios por conta própria individuais, que cresceram de 50 mil para mais de 500 mil entre 2010 a 2020. Já a criação de cooperativas foi dificultada por procedimentos burocráticos e falta de incentivos, não passando de 700 as novas unidades criadas no mesmo período. 

Uma economia que cresce com negócios privados e não com cooperativas estimula uma subjetividade individualista, que a revolução cubana (notadamente Che Guevara e Fidel Castro) batalharam para combater. A desigualdade de tratamento do Estado para criação de negócios privados e de cooperativas está sendo apontada como um problema por pesquisadores aliados da revolução há uma década. 

Se a fortaleza da revolução cubana é sua capacidade de coesão popular e de subjetividade solidária, é hora de abrir novos canais de representatividade e dinamizar a relação de escuta e diálogo entre sociedade e Estado.

O governo precisa se mostrar mais convincente, não apenas com palavras, mas com medidas econômicas emergenciais, para que a população enraivecida se sinta verdadeiramente escutada. 

Fonte: A Terra é Redonda – Artigos – Sábado, 24 de julho de 2021 –Internet: clique aqui (acesso em: 26/07/2021).