«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 1 de julho de 2021

“A democracia é sempre vulnerável a autocratas eleitos”

 Rodrigo Turrer

Entrevista com Steven Levitsky

Professor de Ciência Política em Harvard (EUA) e coautor de “Como as democracias morrem” 

Como líderes autoritários podem solapar instituições democráticas, como é possível perceber esse processo e o que fazar para evitá-lo

STEVEN LEVITSKY

Como líderes autoritários eleitos solapam a democracia?

Steven Levitsky: Às vezes eles fazem de maneira devagar e sutil, então muitos cidadãos sequer percebem o que está acontecendo. A primeira regra de qualquer autocrata ou pretendente de autocrata é regular o Judiciário. Ele tenta desmerecer as regulações da Suprema Corte e em seguida controlá-la, usando maioria no Congresso para que a lei fique em suas mãos e ele possa usar isso como uma arma contra seus adversários ou um escudo contra possíveis acusações. Vimos isso na Turquia, na Rússia, na Hungria, na Venezuela. É assim que começa.

[No Brasil, os bolsominions defendem o fechamento do Supremo Tribunal Federal]

Outra maneira comum de começar esse processo é usar referendos para minar outras instituições democráticas. Então usa-se o referendo para:

* alterar a Constituição,

* mudar o Congresso,

* estabelecer uma nova composição no Judiciário,

* minar a oposição.

Uma vez que a Suprema Corte esteja na mão do autocrata, ele vai usá-la para punir e enfraquecer a oposição. Estamos vendo isso começar em El Salvador. Estamos vendo esse processo bem estabelecido na Nicarágua. E foram todos líderes eleitos, em democracias até então saudáveis.

Quando é possível perceber que esse processo começou?

Levitsky: Às vezes é bem óbvio. Alberto Fujimori fechou o Congresso. Hugo Chávez convocou um referendo para alterar a Constituição. Mas em outros lugares é preciso atentar para a maneira como o presidente trata as instituições democráticas que deveriam salvaguardar a democracia, sejam autoridades eleitas, sejam cortes, tribunais constitucionais, ou agências independentes que tem por obrigação fiscalizar e monitorar o funcionamento do governo.

Quando você percebe que um líder está começando a aparelhar essas agências, está desacreditando seu funcionamento, reduzindo sua independência, ou cortando o financiamento para ela, como está acontecendo em El Salvador neste momento, é um sinal. Às vezes é apenas populismo, uma maneira do líder acenar para as bases, mas em geral é um sinal preocupante do começo de um assalto à democracia.

Então é preciso reforçar o funcionamento das instituições democráticas.

Em países em que agências não são tão independentes e o sistema político tem propensão maior à corrupção por haver menos salvaguardas, o que se pode fazer para evitar a erosão democrática?

Levitsky: É mais difícil. Onde agências reguladoras e mecanismos fiscalizatórios têm independência, caso de Chile, Argentina, Uruguai, Brasil e México, é mais fácil deter os arroubos autoritários de um presidente. No Brasil, por exemplo, apesar do pendor autoritário de Bolsonaro, ele não tem sido capaz de controlar o Judiciário, que é muito independente. Em países em que isso não acontece, caso de El Salvador, é basicamente a comunidade internacional ou a própria política local. No Peru, por exemplo, a política é tão fragmentada que ninguém consegue ser forte o suficiente para impor sua vontade como acontece com Bukele em El Salvador ou Chávez na Venezuela.

Nos últimos 20 anos os líderes eleitos no Peru, por mais corruptos e mais ricos que fossem, eram tão fracos politicamente que nunca tiveram controle do Congresso, nunca foram populares o suficiente para convocar um referendo ou mudar a Constituição e impor sua vontade. Neste caso, foi a fragmentação política que preservou o jogo democrático. Mas a única maneira concreta de preservar e salvaguardar a democracia é que seus atores sejam fortes o suficiente e as instituições independentes para fiscalizar e monitorar o líder eleito. 

Como proteger a democracia de líderes eleitos que não respeitam o sistema democrático?

Levitsky: Em todo o mundo, as democracias estabelecidas enfrentam um processo de “erosão”: estão muito menos estáveis ​​e ainda menos democráticas do que décadas atrás. Nenhuma democracia é inquebrantável, e a maior ameaça à democracia é acreditar que ela é permanente e não precisa ser defendida. A democracia sempre é vulnerável à eleição de líderes autoritários. Seja ele Getúlio Vargas, Juan Perón, Hugo Chávez, Donald Trump, Jair Bolsonaro, ou Bukeke.

Quando as pessoas estão insatisfeitas, ou com raiva do sistema, elas reagem e elegem líderes populistas que prometem mudar o sistema.

Então, a primeira regra para proteger a democracia é ter certeza que alguém assim não seja eleito. O partido político, que é uma instituição democrática, precisa impedir que em seus quadros haja alguém com inclinação autoritária e não seja dominado por um populista - o que, na minha opinião, foi o maior erro do Partido Republicano quando Trump participou das primárias. Em seguida, a elite econômica tem que barrar ou deixar de financiar partidos ou candidatos que tenham pendores autoritários, porque se aliar a candidatos que não apoiam a democracia é um erro. A segunda regra é garantir que as instituições democráticas sejam funcionais e preservadas desses que querem agarrar o poder. Mas não existe uma fórmula fechada ou perfeita para prevenir ataques autoritários, porque a democracia é sempre vulnerável. 

AUTORITÁRIOS DE HOJE: da esquerda para a direita, temos: Donald Trump (ex-presidente dos Estados Unidos), Vladimir Putin (Rússia), Jair Bolsonaro (presidente do Brasil), Xi Jinping (presidente da China) e Recep Tayyip Erdogan (presidente da Turquia)

Temos visto muitos líderes internacionais levantando a bandeira de fraude eleitoral: Donald Trump, Netanyahu, Keiko Fujimori. Quais os efeitos de longo prazo dessas alegações?

Levitsky: É terrível. É o pior cenário para uma democracia. A história, ainda, vai avaliar os efeitos desse processo, mas o exemplo que Trump iniciou e que tem sido copiado por outros líderes derrotados é um comportamento muito perigoso. Primeiro, porque é um ataque direto à credibilidade do sistema eleitoral, e mina a legitimidade de todo o processo, que está no coração da democracia. As instituições eleitorais nos Estados Unidos funcionam. As instituições eleitorais no Peru funcionam. São confiáveis, independentes e têm reconhecimento internacional. Mas os candidatos perdedores saem alardeando que a eleição foi fraudada sem nenhuma evidência, particularmente por causa do papel das mídias sociais. Esses candidatos tem uma base de apoio forte, e estão jogando para sua base de apoio, que passa a ter sua própria interpretação dos fatos, sua ‘verdade pessoal’. Então, 30% a 40% de um país compra imediatamente essa versão de fraude sem nenhuma evidência, e passa a acreditar que o sistema foi fraudado, que foi roubado. 

É aí que a legitimidade de todo o sistema eleitoral começa a ruir e a erosão democrática se consolida. Foi o que o Partido Republicano permitiu que Trump fizesse, que Keiko Fujimori fez. Esse é um passo gigante para erodir uma democracia: quando um candidato majoritário rasga as regras do jogo democrático e não aceita o resultado de uma eleição legítima.

A democracia só funciona quando o perdedor aceita o resultado de uma eleição. Essa talvez seja a primeira regra do jogo democrático.

E quando ela não é seguida, a democracia se torna muito mais vulnerável. É neste ponto que estamos nos Estados Unidos, é assim que a situação está no Peru, e infelizmente, outros países vão ver cenas parecidas em suas eleições. 

Depois que a democracia está erodida, como reconstruí-la?

Levitsky: É sempre possível, mas é difícil. A Rússia, por exemplo, nunca foi uma democracia de fato, ela sempre esteve dominada por líderes autoritários e Putin sempre exerceu controle sobre o processo eleitoral, sobre as instituições e sobre a oposição. Mas em países em que existe uma tradição democrática, caso do Chile, Argentina, Brasil, com histórico eleitoral e de respeito às regras democráticas, as instituições democráticas estão arraigadas e têm mais capacidade de se manter independentes. A sociedade civil teria mais dificuldade em aceitar o fim do jogo democrático. 

Mas existem democracias muito instáveis, caso do Equador e da Bolívia. Nesses países, líderes autoritários tentaram dominar todo o sistema eleitoral, como Rafael Corrêa e Evo Morales, mas não perduraram. A democracia foi brevemente sufocada sob seus mandatos, mas a sociedade civil e as instituições reagiram e conseguiram virar o jogo. Mesmo em democracias estabelecidas, como é o caso dos Estados Unidos, existe a chance de uma séria crise eleitoral, e eu acredito que teremos uma em 2024, com alegações de fraude e de roubo. Mas as chances de o processo retornar aos trilhos aumentam se você tiver partidos políticos fortes, uma oposição democrática, agências que fiscalizem o processo eleitoral, um Judiciário independente e uma sociedade civil engajada. Com isso é possível trazer a democracia de volta. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional / Democracia em Erosão – Domingo, 27 de junho de 2021 – Pág. A12 – Internet: clique aqui (acesso em: 01/07/2021).

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