«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 27 de julho de 2021

Você já pensou nisso?

 A mudança climática global é também uma crise espiritual

 Daniel P. Horan

Teólogo franciscano, cátedra “Duns Scotus” de Espiritualidade na Catholic Theological Union, em Chicago, onde é professor de Teologia Sistemática e Espiritualidade 

Há uma visão distorcida que faz uma separação entre aquilo que se considera “sagrado” do que é tido como “secular”, aquilo que é “sobrenatural” daquilo que é “natural”

DANIEL P. HORAN - teólogo franciscano norte-americano

Como todas as ameaças individuais e coletivas para a segurança, o claro e presente perigo de uma mudança climática global é, também, tanto uma crise espiritual quanto uma crise existencial. 

Até agora, neste verão, o mundo testemunhou uma série de perturbadoras catástrofes relacionadas ao clima que por si só são chocantes, e se consideradas em conjunto deveriam causar medo nos corações e mentes de todos nós. 

Incluído nesses terríveis eventos estão as ondas de calor recorde no Pacífico Norte, nos Estados Unidos e Canadá, matando mais de 100 pessoas; os incêndios ainda mais precoces no Oeste dos Estados Unidos; secas devastadoras em muitas partes dos Estados Unidos, enquanto em outras partes há “chuvas de monções”; e as horríveis enchentes na Alemanha e Bélgica que destruíram comunidades e mataram pelo menos 165 pessoas. 

O que é significativo sobre eventos assim não é que – eles estão ligados à mudança climática global, uma vez que esta já foi constatada cientificamente. Mas o que é comum a esses eventos é que dominaram nossas manchetes de jornais nas últimas semanas e que estão afetando muitas das mais prósperas comunidades e nações do mundo. 

Os que insistiram em negar a realidade e falsear as afirmações que a mudança climática é real ou que é algum tipo de farsa política são os que tem, até agora, vivido dentro de um contexto de luxo e conforto isolados dos severos fatos do mundo de hoje. Enquanto isso, bilhões de pessoas não tiveram o privilégio de tal ignorância intencional, uma vez que os pobres globais têm suportado o fardo do fenômeno climático mais extremo por décadas e continuam a sofrer de uma maneira impensável para os cidadãos do chamado “Primeiro Mundo”. 

Em “Laudato Si’, sobre o cuidado da Casa Comum”, o Papa Francisco identificou precisamente essa desigualdade global no que diz respeito às consequências das mudanças climáticas: 

“As mudanças climáticas são um problema global com graves implicações ambientais, sociais, econômicas, distributivas e políticas, constituindo atualmente um dos principais desafios para a humanidade. Provavelmente os impactos mais sérios recairão, nas próximas décadas, sobre os países em vias de desenvolvimento. Muitos pobres vivem em lugares particularmente afetados por fenômenos relacionados com o aquecimento, e os seus meios de subsistência dependem fortemente das reservas naturais e dos chamados serviços do ecossistema como a agricultura, a pesca e os recursos florestais. Não possuem outras disponibilidades econômicas nem outros recursos que lhes permitam adaptar-se aos impactos climáticos ou enfrentar situações catastróficas, e gozam de reduzido acesso a serviços sociais e de proteção”.

Ele continuou descrevendo o surgimento de uma nova e dolorosa crise humanitária que está inextricavelmente ligada à mudança climática global – o aumento de migrantes ambientais e refugiados. O Papa explica: 

“Por exemplo, as mudanças climáticas dão origem a migrações de animais e vegetais que nem sempre conseguem adaptar-se; e isto, por sua vez, afeta os recursos produtivos dos mais pobres, que são forçados também a emigrar com grande incerteza quanto ao futuro da sua vida e dos seus filhos. É trágico o aumento de emigrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental, que, não sendo reconhecidos como refugiados nas convenções internacionais, carregam o peso da sua vida abandonada sem qualquer tutela normativa. Infelizmente, verifica-se uma indiferença geral perante estas tragédias, que estão acontecendo agora mesmo em diferentes partes do mundo. A falta de reações diante destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o qual se funda toda a sociedade civil”.

Esta última parte, sobre...

... a indiferença que milhões de homens e mulheres demonstram em relação à mudança climática em geral e suas consequências desastrosas para nossos semelhantes, ...

...está no cerne do que estou chamando de crise espiritual. Acredito que o que torna a mudança climática global uma crise espiritual para muitos se reflete em pelo menos três grandes falhas que os cristãos e muitas pessoas de boa vontade demonstram. 

Três grandes falhas dos cristãos e pessoas de boa vontade 

1) O primeiro é o fracasso em reconhecer nossa interconexão inerente. Francisco fala sobre isso em termos da frase “ecologia integral”, que é a ideia de que “tudo está interligado”. Isso se aplica tanto ao mundo não humano quanto ao mundo humano na era da globalização. 

O fato de tantas pessoas estarem sofrendo em uma escala que é inimaginável para a maioria dos cidadãos abastados do mundo, e ainda assim pouco ou nada ser feito e a maioria das pessoas não se importar, representa um claro fracasso. Francisco diz em Laudato Si’:

É preciso revigorar a consciência de que somos uma única família humana. Não há fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo, também não há espaço para a globalização da indiferença”.

Diante de crises humanitárias massivas, as nações ricas estão colocando “fronteiras e barreiras” cada vez maiores para nossos irmãos e irmãs que estão morrendo.

O fato de que tantos fiéis que se identificam a si mesmos possam continuar a se considerar cristãos fiéis, ao mesmo tempo que exibem tal indiferença insidiosa, é de fato uma crise espiritual.

2) A segunda falha decorre dessa indiferença. É a inação individual e coletiva, que inclui o fracasso em abraçar o que o papa chama de “conversão ecológica” necessária para começarmos a ver o mundo de uma nova maneira. A maior parte do mundo rico não consegue sequer reunir a energia necessária para cuidar. E isso é indicativo de uma crise espiritual porque é inerentemente pecaminoso. 

Lembro-me do que o teólogo jesuíta James Keenan, do Boston College, disse em seu livro “Moral Wisdom: Lessons and Texts from the Christian Tradition” (“Sabedoria moral: lições e textos da Tradição Cristã”, em tradução livre) sobre a definição central de pecado. Ele escreveu que o pecado é “falhar em amar” nossos irmãos e irmãs. 

JAMES KEENAN - teólogo moral jesuíta norte-americano

Ele explica:

“Nosso pecado geralmente não está no que fizemos, nem no que não pudemos evitar, nem no que tentamos não fazer. Nosso pecado é geralmente onde você e eu estamos confortáveis, onde não sentimos as necessidades do irmão”.

O pecado, de acordo com Keenan, tem muito a ver com operar de uma posição de força e conforto, o que leva à complacência.

No contexto da mudança climática global, não há pessoas mais fortes, confortáveis e complacentes do que os globalmente ricos que só agora parecem estar experimentando os primeiros gostos de nosso fracasso em se preocupar em amar uns aos outros e ao planeta.

O pecado exige arrependimento e conversão. O pecado ecológico exige o mesmo, o que é necessário agora mais do que nunca. 

3) A terceira falha é a concepção estrita da maioria das pessoas do que deve ser incluído na oração. O mal da mudança climática global e o sofrimento de muitos não mudará meramente por nossa oração isolada. Mas é importante reconhecer que a oração é chave para conversar e vivência da nossa vocação cristã. Uma forma de entender que a mudança climática é uma crise espiritual é que muitos cristãos compartimentalizam suas relações com Deus de sua relação com o mundo natural. 

Esse tipo de separação artificial, que pode ser motivada por uma visão distorcida de que o “sagrado” é diferente do “secular” ou o “sobrenatural” do “natural”, leva muitos a excluir uma reflexão espiritual séria sobre a interconexão do “clamor da terra” e o “clamor dos pobres”. 

À medida que as coisas continuam a piorar, vidas humanas e não humanas continuam a ser ameaçadas e mortas, e as decisões devem ser tomadas por indivíduos e comunidades, não podemos ignorar a dimensão espiritual da crise climática em nosso meio. Na verdade, como Francisco nos lembra regularmente, ...

... tudo está interligado, e isso inclui não só a vasta comunidade de criação da qual você e eu fazemos parte, mas também inclui o que trazemos para a oração e o que dela flui em termos de ação.

Traduzido do inglês por Wagner Fernandes de Azevedo. Publicado pelo site “National Catholic Reporter”, na quarta-feira, 21 de julho de 2021. Acesse a versão original, clicando aqui. 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sábado, 24 de julho de 2021 – Internet: clique aqui (Acesso em: 24/07/2021).

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