«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Inflação é fome, inflação é morte

 Olhando por detrás dos números

 Editorial

Jornal «O Estado de S. Paulo» 

Para dezenas de milhões de famílias, inflação significa maior dificuldade para comer, morar, manter crianças na escola e pagar contas de água, luz e gás.

A imagem diz tudo! Na frente de um cartaz de propaganda enganosa, a triste realidade!

No mercado financeiro, a alta de preços é tratada normalmente como um indicador, entre vários outros, da tendência dos juros e da rentabilidade de ações e de outros investimentos. Por isso, houve recuo dos juros futuros depois da divulgação, na terça-feira passada, da prévia da inflação de maio. Com alta de 0,44%, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) oscilou bem menos que no mês anterior, quando havia subido 0,60%. Essa mudança foi saudada, segundo noticiário da Agência Estado, como uma “trégua”. Seria muito estranho, no entanto, falar em trégua para quem tivesse de comprar comida, naquele dia, ou liquidar a conta de luz.

Fora do tal “mercado”, a realidade prosaica é bem menos confortável.

Para começar, o recuo de 0,60% para 0,44% ocorreu na média da variação de preços. Há detalhes muito mais feios que a média e muito mais incômodos no dia a dia das pessoas “comuns”. Com alta de 0,48%, o custo da alimentação cresceu mais que no mês anterior:

1) O gás de botijão encareceu 1,45%, menos que em abril (2,49%), mas esse preço aumentou pelo 12.° mês consecutivo. Mas é outro o ponto mais importante, aparentemente esquecido por quem falou em trégua.

Os novos aumentos, mesmo os mais limitados, ocorreram sobre preços já muito elevados. Para as famílias, a situação já era ruim e continuou piorando. Nos 12 meses até maio, o IPCA-15 subiu 7,27%. Essa foi a maior variação desse tipo desde aquela registrada nos 12 meses terminados em novembro de 2016, de 7,64%. 

Não há como confundir aumento menor e diminuição de preços. Nos 12 meses até maio, o custo da alimentação, medido pelos critérios do IPCA-15, subiu 12,19%. Mas isso também é um número médio.

2) O grupo cereais, leguminosas e oleaginosas, no qual se incluem feijão e arroz, encareceu 40,82% nesse período.

3) Os preços das carnes subiram 35,68%.

4) Leite e derivados passaram a custar 11,32% mais.

5) No caso do gás, a alta chegou a 21,09%. 

Esses níveis foram alcançados porque os novos aumentos, grandes ou pequenos, ocorreram sobre bases muito elevadas. Ninguém paga, no supermercado, apenas a variação de preço registrada nos últimos 7 ou 30 dias. Paga o preço anterior mais o novo aumento – ou, na melhor hipótese, o preço anterior menos a variação negativa. Esses detalhes talvez sejam menosprezados quando se cuida do dia a dia dos ativos financeiros, mas sua importância é vital para as famílias. 

O Brasil andou para trás mais de 12 anos! A extrema pobreza tem atingido níveis daqueles sombrios tempos que pensávamos ultrapassados

É impressionante o ritmo dos aumentos de preços 

Nem a fantasia da trégua, no entanto, durou uma semana. O IPCA-15, apurado entre 14 de abril e 13 de maio, foi divulgado no dia 25. Três dias depois, a Fundação Getulio Vargas publicou o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), pesquisado entre 21 de abril e 20 de maio. O indicador subiu 4,10%, contra 1,51% na apuração anterior, e acumulou alta de 14,39% no ano e de 37,04% em 12 meses. 

O aumento foi puxado pelos preços no atacado, com alta de 5,23% no mês e 50,21% em 12 meses. Esse componente tem peso de 60% na formação do IGP-M. No mês, as matérias-primas brutas encareceram 10,15%, refletindo principalmente as cotações internacionais.

Os bons preços externos de mercadorias agrícolas e minerais têm assegurado uma robusta receita comercial ao Brasil, mas têm afetado perigosamente os preços internos.

Esse efeito tem resultado também da relação entre o dólar e o real, uma das moedas mais desvalorizadas do mundo. Essa desvalorização tem refletido a insegurança dos investidores quanto à evolução das contas públicas e diante das prioridades presidenciais. 

Alta de preços no atacado acaba afetando os preços no varejo, embora o aperto das famílias dificulte o repasse. Os preços ao consumidor, segundo componente mais importante do IGP-M, subiram 0,61% na última apuração, bem mais que na anterior (0,44%). Em 12 meses, a alta chegou a 7,36%, número parecido com o do IPCA-15. Fora do mercado financeiro existe a inflação sem gravata. Esta é muito mais feia. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Notas & Informações – Domingo, 30 de maio de 2021 – Pág. A3 – Internet: clique aqui (acesso em: 30/05/2021).

Tipificando o crime!

 Não se trata de genocídio, mas de crime contra a humanidade

 José Roberto Batochio

Advogado criminalista, foi presidente do Conselho Federal da OAB e deputado pelo PDT-SP 

O incremento do coronavírus se deu por ações e omissões do mecenas da doença

JOSÉ ROBERTO BATOCHIO

Na candente retórica da política não configura crime qualificar o presidente da República de genocida em razão de sua estratégia de amistosa convivência com o coronavírus. Tampouco é crime desejar a sua morte, pois a causa supralegal do “direito à perversão” isenta de punição quem deseja o falecimento de outrem, desde que não faça preparativos para tanto e, por óbvio, muito menos atue para consumar o ato. Ainda que recorrente como palavra polissêmica nas manifestações populares, a imputação leiga de genocídio estiliza a legítima crítica pública sem encontrar adequação técnica no Direito Internacional, mas...

... é indubitável que, à luz da boa doutrina, tal conduta mais se identificaria com a que vem definida como crime contra a humanidade.

Criados pelo jurista polonês Raphael Lemkin, em 1943, com a união das palavras grega génos (família, tribo, raça) e latina caedere (matar) a partir dos episódios de extermínio de armênios e judeus, os termos genocídio/genocida foram introduzidos no Direito pelo Estatuto de Roma, tratado que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional (TPI), em 1998, do qual o Brasil se tornou signatário pelo decreto de número 4.388/2002. 

O artigo 6.º define o crime de genocídio como “qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal: a) Homicídio de membros do grupo; b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo”. 

Os crimes contra a humanidade estão conceituados no artigo 7.º, em que se tipificam as iniciativas de ataque sistemático e generalizado a populações civis, sem distinção de características físicas ou culturais, entre eles

atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental”.

Nessa barbárie se enquadraria a performance do presidente – suficiente para levá-lo às barras do Tribunal Penal Internacional, a exemplo do general croata Ante Gotovina, do ditador líbio Muamar Kadafi e do ex-ministro queniano William Samoei Ruto.

Os “atos desumanos” do presidente do Brasil estão demonstrados em entrevistas, lives, memes e outras manifestações tão trágicas quanto sarcásticas, para sustentar uma política sanitária na qual especialistas identificam, antes de descaso com a saúde pública, uma campanha pró-vírus.

Não se trata apenas de manifestações pessoais, mas de atos oficiais – como demonstrou um levantamento de 3.049 normas federais para a covid-19, analisadas pelo Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário da Universidade de São Paulo e pela Conectas Direitos Humanos. 

BOLSONARO causa aglomeração, em plena pandemia, em Santa Catarina, nas vésperas de natal de 2020, quando tirou alguns dias de férias

O incremento descontrolado do coronavírus se deu por ações e omissões. Como um mecenas da doença, o presidente não equipou o serviço de saúde para o combate à pandemia e boicotou medidas recomendadas pelas organizações internacionais, como:

* o confinamento,

* o uso de máscara e a restrição a aglomerações,

* tanto quanto deixou de adquirir vacinas em tempo hábil, e

* ainda pôs em dúvida a eficácia de imunizantes, ao mesmo tempo que,

* como um taumaturgo desastrado, tentou sobressair com a receita de remédios ineficazes, a buscar um quiproquó diversionista de “tratamento precoce” – contradição terapêutica e semântica. Que mais poderia fazer, se, como justificou, “não é coveiro?” 

A coreografia de abre-alas da pandemia, apregoando laissez-faire, laissez-aller, laissez-passer, ou deixai fazer, deixai ir, deixai passar, ...

... foi incentivo para a população viver e trabalhar como se o perigo fosse uma “gripezinha” que segrega um agente infeccioso só maléfico para os predestinados à morte, aos portadores de comorbidades e, no linguajar chulo, aos “maricas”.

A degenerada epidemiologia do Planalto consistiu em deixar a natureza seguir seu curso, o vírus abater os que, em darwinismo imunológico, não adaptassem o organismo à resistência ao mal, enquanto a maioria ficaria naturalmente refratária, e sobreviesse a chamada imunidade de rebanho – ao custo, quem sabe, de alguns milhões de vidas. De quebra, a economia não sofreria tanto e a reeleição do messias estaria assegurada. 

O conjunto da obra aponta para o crime contra a humanidade. Advogados brasileiros já protocolaram pedido de investigação no Tribunal Penal Internacional.

Embora lento, pois segue o rito do indispensável devido processo legal, com audiências de instrução e amplo direito de defesa, o inquérito do TPI pode declarar a infâmia de uma administração que elegeu a morte como opção preferencial. 

Tudo considerado, porém, não se pode negar que “#genocida” tem força de palavra de ordem e internacionaliza o problema, ao correr o mundo como motivo já invocado para intervenção estrangeira no Brasil. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço Aberto – Domingo, 30 de maio de 2021 – Pág. A2 – Internet: clique aqui (acesso em: 30/05/2021).

sábado, 29 de maio de 2021

Solenidade da Santíssima Trindade – Ano B – HOMILIA

 Evangelho: Mateus 28,16-20 

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus. Naquele tempo: 16 Os onze discípulos foram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado. 17 Quando viram Jesus, prostraram-se diante dele. Ainda assim alguns duvidaram. 18 Então Jesus aproximou-se e falou: «Toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra. 19 Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, 20 e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei! Eis que eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo».

Palavra da Salvação. 

Alberto Maggi*

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano

Trindade Santa: experiência das bem-aventuranças 

Na solenidade da Santíssima Trindade, a liturgia nos propõe os últimos cinco versículos do Evangelho Segundo Mateus. Cinco versículos nos quais o Evangelista resume toda a sua narração. Vejamos. 

«Naquele tempo: Os onze discípulos». São onze discípulos! Os discípulos não são mais doze! Como? Quem falta? Falta Judas. Não porque haja traído Jesus, pois, também Pedro renegou Jesus e, no entanto, está aí. Por que falta Judas? Jesus disse: «Não podeis servir a Deus e a Mamom [= dinheiro]» (Mt 6,24). Judas fez a sua escolha! Escolheu o lucro, o dinheiro e destruiu a si mesmo. 

«Os onze discípulos foram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado No entanto, Jesus jamais indicou monte algum! Se, de um lado, há três convites aos discípulos, duas da parte de Jesus e uma do anjo, para ir e subir para a Galileia a fim de encontrar o Cristo ressuscitado, por outro lado, jamais foi mencionado um lugar em particular. E, muito menos, um monte. Por que o Evangelista, aqui, não diz a «um monte» da Galileia, uma região montanhosa, mas diz «o monte», com o artigo definido? Portanto, um monte conhecido. Qual é este monte? A expressão «o monte», neste evangelho, apareceu para o Monte das Bem-Aventuranças. O que está dizendo o Evangelista, que vale, inclusive, para nós? A experiência do Cristo Ressuscitado não foi um privilégio concedido, dois mil anos atrás, a um pequeno grupo de pessoas. Mas uma possibilidade para todos que creem, em todos os tempos. Como se faz? Basta ir, na Galileia, ao Monte das Bem-Aventuranças, isto é, acolher a mensagem de Jesus que foi resumida e formulada nas bem-aventuranças. As quais têm o seguinte significado:

Ocupem-se do bem dos outros, permitindo a Deus, como Pai, de ocupar-se com vocês! Nisso farão a experiência visível de Deus.

Esse é o modo de ir a esse monte específico, o Monte das Bem-Aventuranças. 

«Quando viram Jesus, prostraram-se diante dele Portanto, veem em Jesus a condição divina em plenitude. Prossegue o Evangelista: «Ainda assim alguns duvidaramMas do que duvidam? Não duvidam dele, porque o veem, não duvidam de sua ressurreição, porque se prostaram por terra. Então, do que duvidam? Eram discípulos que haviam dito estarem prontos para morrer por Jesus. Mas, tão logo, viram os guardas, fugiram! Todos eles abandonaram, renegaram Jesus. Não sabem se são capazes de chegar a esse nível de vida, passando através da morte e da perseguição.

Portanto, não duvidam de Jesus, mas de si mesmos!

A única vez que aparece essa expressão no Evangelho, é quando Jesus convidou Pedro a caminhar sobre as águas e ele começou a afundar, então, Jesus adverte-0 chamando-o de «Homem de pouca fé, por que duvidaste?» (Mt 14,31). 

Jesus, então, vai ao encontro da fraqueza, da fragilidade humana. Aproxima-se e diz: «Toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra Ora, no início desse Evangelho, foi o diabo que ofereceu a Jesus o poder, através da adoração, justamente, do Poder. Jesus demonstra que atingiu a condição divina não através do poder, mas através do dom de si mesmo, o Amor. A esses discípulos imperfeitos, que não compreenderam muito, pois ainda eram ligados à ideia da restauração do reino de Israel, não tinham compreendido a universalidade do Reino de Deus; a eles, que se demonstraram incapazes, Jesus lhes diz: «Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos». Jesus não lhes faz um curso de aperfeiçoamento, porque não tem necessidade de pessoas perfeitas, mas de pessoas com suas próprias fraquezas. Paulo escreve que: «Trazemos este tesouro em vasos de argila» (2Cor 4,7). Portanto, a força da mensagem do Senhor é aquilo que conta, independentemente da fraqueza humana! 

Jesus manda-lhes converter em discípulos todas as nações pagãs, todos os povos, «batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo». Isso não é uma fórmula litúrgica. Jesus tinha convidado seus discípulos a seguirem-no para serem «pescadores de homens» e salvar-lhes daquilo que poderia trazer a morte. Agora, lhes convida a dar aos homens aquilo que comunica a vida. Batizar, o verbo significa «submergir». Fazê-los ter a experiência plena do amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Essa é a plena realidade, e continua Jesus dizendo: «ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei». A única vez que se fala de mandamentos, de algo ordenado por Jesus, é justamente na explicação das Bem-aventuranças. Portanto, Jesus não convida a anunciar uma doutrina, mas aprender uma prática que é aquela das Bem-Aventuranças. Ocupar-se com o bem dos outros para permitir a Deus, como Pai, de ocupar-se com a nossa própria felicidade. 

E, se existe isso, e esta é a grande garantia de Jesus: «Eis que eu estarei convosco». Jesus, desde o início do Evangelho foi definido como o «Deus conosco»,...

... um Deus que não é para procurar, mas acolher e ir com ele e como ele em direção aos outros.

Depois, diz «todos os dias, até ao fim do mundo». Até o final dos tempos. Não é prazo, mas uma qualidade da presença.

Se a comunidade se empenha com Jesus e como Jesus a ser bem-aventurança, a proclamar as bem-aventuranças, tem a segurança de que o Senhor a acompanha e reforça a sua atividade!

* Transcrito, traduzido do italiano e editado por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

Quantas revelações o Evangelho deste domingo nos traz! 

A primeira delas: todos os povos, de todos os lugares desta Terra podem e devem fazer a experiência de encontrar o Senhor, o Ressuscitado! Esse encontro não se dá em um lugar, Israel, mas em uma condição especial de vida, que chamamos de bem-aventuranças. Sim, experimentar o Deus Trindade é viver e proclamar as bem-aventuranças aos quatro cantos deste planeta. Ninguém está de fora! 

A segunda revelação deste Evangelho: há, somente, duas escolhas a fazer nesta vida. Vejamos: ocupar-se do bem, da felicidade dos OUTROS e deixar que Deus ocupe-se da nossa felicidade. Ou, escolher servir o lucro, o dinheiro, os bens materiais e vender, literalmente, a alma ao diabo, como fez Judas Iscariotes! Quem escolher o dinheiro, afasta-se, inevitavelmente, de Deus! 

A terceira revelação que encontramos é a necessidade de duvidarmos de nós mesmos! Isso mesmo! Não somos discípulos de Jesus porque somos perfeitos, somos seguidores dele porque ele nos ama, ele nos chama, ele nos escolhe e acolhe como somos! Devemos ter a humildade de reconhecer que jamais tivemos ou teremos as qualidades necessárias para sermos seus discípulos e discípulas, no entanto, pela sua compaixão e misericórdia, o Senhor nos aceita com nossas fraquezas e limitações! 

Finalmente, uma última revelação, nos diz que «batizar», mergulhar as pessoas na opção pelo Cristo significa, sobretudo, comunicar vida, possibilitar à pessoa atingir a sua plenitude, no AMOR. O «poder» de Jesus provém do dom de si mesmo! O poder e a autoridade de Cristo vêm do AMOR. Se não compreendermos, vivermos e proclamarmos isso ao mundo, não podemos desejar contar com a presença de Deus ao nosso lado! 

Fonte: Alberto Maggi, SS. Trinità, 30 maggio 2021, Mt 28,16-20 – Internet: clique aqui (acesso em: 26/05/2021).

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Só com educação, o Brasil tem futuro

 Necessário retorno às escolas: gradual, seguro e que recupere a aprendizagem

 Priscila Cruz

Cofundadora e Presidente Executiva do “Todos Pela Educação” 

Se nada for feito já, o dano a esta geração de estudantes pode ser irrecuperável, bem como, ao Brasil

 

A interrupção prolongada das aulas presenciais, consequência do descontrole da pandemia no País, está causando um profundo e cruel retrocesso na educação brasileira, com graves repercussões:

* na desigualdade educacional,

* na aprendizagem escolar e

* no sistema de proteção física, socioemocional e alimentar de milhões de crianças e jovens. 

Deve-se fazer um alerta com toda a ênfase possível:

... se nada for feito com urgência e de forma ampla, o dano a esta geração de estudantes pode ser irrecuperável.

Todos nós viveremos em condições muito mais precárias de desenvolvimento social e econômico, dada a relação, há muito consolidada, da educação com:

* o crescimento econômico,

* a distribuição de renda,

* a segurança pública,

* a prevenção de doenças,

* a proteção ao meio ambiente e

* o fortalecimento da cidadania e da democracia. 

Para mudar essa trajetória precisamos trabalhar para promover o retorno gradual, seguro e que reverta os efeitos brutais no desenvolvimento e na aprendizagem dos alunos das escolas públicas.

Primeiro, é preciso acabar de vez com a polarização, que só promove o atraso. A reabertura das escolas não é “de direita” nem “de esquerda”; não é ser contra ou a favor do presidente; não é ser a favor da vida ou da morte. O que precisamos fazer é alinhar as difíceis decisões com o melhor interesse da coletividade e, principalmente, com o direito à educação de cada uma das crianças e dos adolescentes e jovens do País. 

Pois bem, destrinchemos “trabalhar para promover o retorno gradual, seguro e que recupere os prejuízos causados”. 

Os esforços devem ser redobrados e acabar com o imobilismo apoiado em proposições desonestas como “aprendizagem se recupera depois”. O árduo processo de reabertura das escolas exige planejamento detalhado, investimento e muito trabalho, como indicamos, no Todos Pela Educação, na publicação Recomendações para o plano de reabertura das escolas nas novas gestões municipais, entregue a todos os prefeitos do Brasil no início deste ano. 

PRISCILA CRUZ

Medidas concretas a serem tomadas

A abertura segura passa:

1) pela prioridade e pela aceleração da vacinação dos professores,

2) pelo distanciamento físico nas escolas,

3) pela rotina de monitoramento da situação epidemiológica com reação rápida caso haja contaminação ou surto e

4) pela definição de rigorosos protocolos sanitários e de contingência,

5) conjugados à formação frequente de alunos e profissionais da educação.

6) Também são fundamentais a distribuição de máscaras (preferencialmente PFF2 ou N95) a todos os que frequentam a escola e

7) o uso de ambientes com ventilação cruzada, que renove constantemente o ar. 

Aqui vale algum esclarecimento acerca das condições físicas das escolas, pois há uma percepção geral equivocada a respeito dessa questão. Não obstante apenas 26% das escolas brasileiras terem quadra coberta (locais que poderiam abrigar mais atividades escolares durante a pandemia), nelas se concentram 48% das matrículas (22,6 milhões de alunos). Também é importante esclarecer que 98,1% dos alunos brasileiros estudam em escolas com água potável. Não há informação pública sobre as condições de ventilação nas escolas públicas, mas esse levantamento deve ser feito em cada rede de ensino, para que as reformas necessárias sejam realizadas imediatamente.

O que dizer de secretarias de Educação que mantêm escolas sem janelas nas salas de aula e nada fazem a respeito enquanto elas estão fechadas?

8) Por fim, é preciso recuperar os prejuízos, com um amplo esforço de busca ativa e de ações intersetoriais para garantir que todos os alunos voltem às escolas e nelas permaneçam. O retorno demanda momentos de acolhimento e suporte emocional e de fortalecimento de vínculos entre alunos e profissionais da educação. Além de, é claro, uma organização pedagógica voltada para mitigar os brutais efeitos da pandemia no desenvolvimento e na aprendizagem dos estudantes:

* reorganizar currículos,

* repensar os calendários e

* desenvolver, com os professores e gestores escolares, estratégias de identificação e de superação das lacunas de aprendizagem. 

Os professores vacinados deveriam voltar imediatamente às escolas; as escolas com infraestrutura mais adequada devem reabrir antes, enquanto as outras devem ser reformadas imediatamente; os alunos mais vulneráveis devem ter prioridade na reabertura. 

Frases de efeito como “reabrir escolas é genocídio”, “educação depois se recupera”, ou “professor não quer trabalhar”, “tem que reabrir tudo porque não há contágio nas escolas”, promovem inação e ódio. O trabalho é enorme e nada trivial para garantir as condições necessárias, ao mesmo tempo que não podemos esperar por uma situação perfeita (fim da pandemia, todos vacinados, 100% das escolas com infraestrutura ideal) para iniciar de forma progressiva e segura a reabertura das escolas.

Onde e quando for possível e seguro, é preciso reabri-las.

Que o comércio de maneira geral possa reabrir enquanto as escolas permanecem fechadas é tão sintomático quanto cruel. Escancara as prioridades e um descaso absoluto com alunos e professores das escolas públicas e com nosso próprio futuro. 

A vida desses alunos depende de quebrarmos o imobilismo. É possível fazer muito, então façamos! 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço Aberto – Quinta-feira, 27 de maio de 2021 – Pág. A2 – Internet: clique aqui (acesso em: 27/05/2021).

terça-feira, 25 de maio de 2021

“Não é doença, é fome”

 Um povo largado à sua própria sorte!

 Afonso Benites

Jornalista e professor de Comunicação para o Setor Público no Insper 

Unidades de saúde de Brasília identificam aumento de busca por pessoas com sintomas que acreditam ser de doença, mas que, na verdade, estão famintas. É mais um dramático impacto da pandemia

A cabeleireira Jaqueline Silva Viana, de 40 anos, em sua casa, com os filhos Ítalo, 21 anos, Tamires, 11 anos, e o neto Davi, 3 anos

Era junho de 2020 quando a cantora e atendente em padaria Lígia Régia da Silva, de 38 anos, perdeu o emprego. No mesmo mês, o pedreiro Josimar Moraes, 48, foi despejado de casa porque não tinha como pagar aluguel de 600 reais, e passou a catar materiais recicláveis pelas ruas. A pandemia de coronavírus também mudou por completo a vida de Jaqueline Silva Viana, 40, uma cabeleireira que viu os dois salões em que trabalhava como freelancer fecharem no ano passado. Além da perda de renda durante a maior crise sanitária do planeta, há outro desastre que une esses três moradores de Brasília:

... eles estão doentes de fome.

Médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde relatam que, nos últimos meses, têm percebido um aumento no número de pessoas que dão entrada em centros de saúde pública com sintomas que acreditam ser de alguma doença, mas, na verdade, estão famintas. E em plena capital do país, a terceira cidade com o maior produto interno bruto (PIB) do Brasil. 

Fome em plena capital do Brasil 

“Todas as semanas, atendo mais ou menos cinco pacientes dizendo que estão doentes, mas, quando examinamos, notamos que, na verdade, não é doença, é fome”, disse a médica Natália, que trabalha em uma unidade de saúde de Sobradinho, cidade-satélite do Distrito Federal.

“Em 15 anos de profissão, nunca imaginei que ouviria relatos como os que tenho ouvido ultimamente. Ainda mais em uma cidade tão rica”, completa a profissional.

Para esta reportagem, foram ouvidos doze médicos, enfermeiros, gestores e terapeutas que trabalham no Sistema Único de Saúde. Como não tinham autorização do poder público para dar entrevista, seus nomes verdadeiros foram preservados para evitar que sofram punições. 

Em São Sebastião, outra cidade-satélite, os relatos são parecidos.

“Já atendi paciente que chegou aqui com tontura. Quase desmaiando. Dei o meu lanche da tarde para ele e notei que seu problema era fome, não doença”, conta Marcelo, médico há 22 anos.

O mesmo ocorreu em Ceilândia. “Já atendíamos pessoas com alto índice de vulnerabilidade social. Mas, antes, elas diziam que tinham comido duas ou três vezes ao dia. Agora, dizem que, quando comem uma, já se dão por satisfeitas”, afirmou a terapeuta Mariana. 

Sem maneira de botar comida em casa, é comum também aparecerem pessoas com crise de ansiedade e pânico.

“Imagina você ter crianças em casa e não saber como vai levar comida pra casa? É de deixar qualquer um doente, mesmo. Temos visto muitos casos assim”, diz o agente de saúde Kleidson Oliveira...

... que há cinco anos trabalha em ONGs que dão assistência às pessoas que vivem nas ruas ou em comunidades pobres da capital brasileira. “Nunca vi tanta gente nas ruas e em condições tão desesperadoras”, afirma. 

A população brasileira empobreceu! 

A situação é resultado do empobrecimento da população brasileira. No ano passado, o Brasil viu disparar o número de pessoas com insegurança alimentar grave ou moderada, 27,7% da população está neste grupo. Significa dizer que cerca de 58 milhões de brasileiros correm o risco de deixar de comer por não terem dinheiro. Os dados são de uma pesquisa feita por cientistas do grupo “Alimentos para a Justiça”, da Universidade de Berlim em parceria com as universidades Federal de Minas Gerais (UFMG) e de Brasília (UnB). O levantamento contou com o financiamento do Governo alemão e foi divulgado em abril. [E o governo brasileiro? Nem aí!] 

Desde meados do ano passado, a cabeleireira Jaqueline teve de buscar novas fontes de renda. Passou a lavar roupas para vizinhos e a fazer cortes de cabelo em domicílio. Contudo, como seus clientes também estavam com poucos recursos financeiros, viu o dinheiro minguar. Na semana passada, com três meses de aluguel atrasado —uma dívida total de 2.400 reais— e a despensa vazia, ela caminhou dez quilômetros até um centro de saúde em Ceilândia, onde o filho Ítalo recebe tratamento psiquiátrico. Lá, enquanto o rapaz era atendido pela equipe médica, ela relatou a uma outra profissional que estava se sentindo fraca e um pouco perdida, sem saber o que fazer.

O diagnóstico: fome e crise de ansiedade.

O nervosismo ocorria principalmente por não saber como proporcionar uma vida digna aos seus dois filhos, de 21 e 11 anos, e um neto, de 3 anos, que dependem dela para viver. 

“Me receitaram remédios que nem sempre tem no posto. Preciso de 100 reais para os meus remédios e os do meu filho. Mas como vou comprar, se nem dinheiro pra comer tenho?”, indigna-se. Sensibilizados pela situação, os profissionais da unidade de saúde doaram duas cestas de alimentos para a cabeleireira. Não puderam fazer diretamente, para não vincular o atendimento na unidade à doação. Então, pediram para um conhecido entregar os produtos no dia seguinte na casa dela. Pela primeira vez no mês ela pôde abastecer o armário da cozinha.

“Foi uma bênção. Só que a situação é humilhante para quem trabalha e paga as suas contas desde os 14 anos de idade.”

Situação semelhante foi relatada pela cantora Lígia Régia. Além de perder seus shows na noite brasiliense, o carro da família foi roubado com parte dos equipamentos que ela e seu pai usavam nas apresentações. “Somos cantores amadores. Não tínhamos dinheiro para o combustível, quem dirá para seguro do carro. Agora, estamos sem equipamentos e sem comida”, declarou a cantora, que vive com o pai e as duas filhas, de 8 e 3 anos. “Eu tinha dois contratos perto de serem assinados. Não tenho perspectiva de nada mais”. 

O ÚNICO REMÉDIO PRA FOME É A COMIDA

 Eliza

GESTORA DE SAÚDE EM BRASÍLIA

Área em que moradores de rua vivem na Asa Norte, em Brasília. Entre eles, o pedreiro Josimar Moraes

As campanhas de doações de alimentos que os postos de saúde realizam acabam por ajudar centenas de pessoas que não têm o que comer. Eles angariam apoio de vizinhos da comunidade que se mobilizam para entregar alimentos não perecíveis por meio de agentes comunitários.

“Não chega a ser um trabalho organizado. É apenas um alento, um carinho, o único remédio pra fome é a comida”, afirma a gestora Eliza, uma das organizadoras dos programas de arrecadação.

As campanhas, no entanto, atingem apenas os pacientes que têm moradia fixa. Não é o caso do pedreiro e catador de recicláveis Josimar. “Fome? É claro que eu já passei e ainda passo, de vez em quando. Quando comecei a catar latinhas, eu nem sabia pra quem eu tinha de vender. Nos últimos dois meses me estruturei melhor, mas ainda tem dias que não sei se terei o almoço ou a janta”, diz ele em um acampamento em área pública na Asa Norte de Brasília. Raramente recebem doações por lá. 

“Ouvi dizer que nos postos de saúde alguns trabalhadores estavam doando cestas. Mas pediram para eu dar um endereço. Como vou fazer isso, se vivemos na rua?”, afirmou ao lado de três filhos (de 5, 7 e 8 anos) e da esposa que está se recuperando de um resfriado e pouco tem ajudado no trabalho.

No dia em que a reportagem o encontrou, Josimar teria o que comer. Ele tinha comprado um pacote de arroz, que cozinharia em uma fogueira, e ganhou dez pães velhos de uma padaria do bairro. “Hoje, o dia vai ser tranquilo. Amanhã, eu penso depois. Cada dia tem a sua agonia”. 

Fonte: El País – Brasil / Pandemia de coronavírus – Segunda-feira, 24 de maio de 2021 – 12h59 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui (acesso em: 25/05/2021).

O que fazer para salvar vidas?

 Na falta de lockdown nacional, precisamos falar sobre mais estratégias

 Pedro Burgos

Jornalista e professor de Comunicação para o Setor Público no Insper 

Nada pode ser mais efetivo contra a pandemia do que um lockdown no país todo. Já está claro, porém, que isso não vai acontecer.

Durante a pandemia, aqueles que necessitam tomar trens ou metrô, em São Paulo (SP), sempre se deparam com grandes aglomerações e riscos!

Não é difícil entender por que tantos cientistas renomados defendem um lockdown nacional rigoroso. Fazer o máximo para que todo mundo fique em casa por três ou quatro semanas faz todo o sentido. 

Alguém é infectado pelo Sars-CoV–2, o vírus da Covid, quando está próximo de uma outra pessoa contaminada. Fatores como uso e qualidade da máscara, se as duas pessoas estão ou não em local fechado, sem circulação de ar, afetam as chances de infecção. Dessa forma, a chance de você pegar o vírus em um restaurante ou fazendo compras no shopping – ou seja, interagindo com dezenas de estranhos – é evidentemente maior do que se você ficar em casa. 

Com o fechamento total, o número de contatos cai, e é razoável crer que em três ou quatro semanas haverá significativamente menos vírus circulando. Nesse meio-tempo, quem estava infectado já desenvolveu sintomas e se hospitalizou ou estará curado. Depois de um tratamento de choque, teoricamente, tudo pode ser reaberto aos poucos com mais segurança. 

Especialistas defendem que foi com lockdowns rígidos que se controlaram surtos em países ricos como Israel, Nova Zelândia, Reino Unido e Portugal. Parece lógico, então, receitar isso ao Brasil inteiro. E é o que temos visto sendo sugerido por epidemiologistas e outros cientistas com cada vez mais frequência desde março deste ano, quando os números de novos casos e óbitos ficaram assustadores. 

O maior problema: não há chance política de que isso ocorra.

Não em nível nacional – isto é, com todas as cidades e Estados, sincronizados, sob ordem e coordenação do Ministério da Saúde.

O governo federal já deu seguidos avisos de que é mais fácil ele criar uma lei proibindo algo assim do que sugerindo a medida.

Há algumas semanas, nas redes sociais, pedi para cientistas “virarem o disco”. Para que, em vez de falar sempre em uma solução inexequível, darem outras orientações eficazes, que não dependam da caneta de Bolsonaro.

Muitos retrucaram que o lockdown nacional é, sim, uma medida amarga, mas necessária, e que não há outra melhor.

Vários disseram que outros países fizeram isso, e se o Brasil não faz é por ter um presidente negacionista (ele é, mas a discussão deste texto não). 

O primeiro problema neste debate é achar que a relutância em adotar um lockdown nacional é algo que só acontece no Brasil. Em 2020, diversos países pobres e em desenvolvimento como o nosso adotaram medidas restritivas longas e rigorosas, como Peru, Argentina, África do Sul e Índia. Diante de uma segunda onda ainda mais violenta, em 2021, não vimos o mesmo movimento se repetindo nesses lugares. 

No Rio de Janeiro (RJ), bem como, em outras cidades grandes e médias, os ônibus circulam lotados, com risco à saúde de todos!

Três entraves para um lockdown nacional 

1º) Em parte, porque agora se sabe que os custos foram maiores que o previsto, e os auxílios emergenciais não conseguiram cobrir tudo. Na Índia, os 50 dias de lockdown fizeram 122 milhões de pessoas perderem o emprego; crianças em países latino-americanos ficaram 158 dias fora da escola em 2020 – contra 95 da média mundial. O custo econômico se traduziu em custo político também. Com protestos anti-lockdown vistos da Argentina à Bélgica, ficou claro que fechar um país inteiro é politicamente arriscado – o que torna a adoção da medida ainda mais improvável por aqui, seja agora, seja numa eventual terceira onda. 

 2º) O segundo problema da ideia de um lockdown nacional é achar que a ciência não avançou em mais de um ano de pandemia. Mesmo os países que adotaram medidas bem restritivas na segunda onda selecionaram melhor o que fechar. Estudos mostraram que limitar o funcionamento de supermercados e farmácias (onde as pessoas transitam de máscara e interagem por pouco tempo) tem pouco impacto na transmissão se comparado à criação de barreiras sanitárias entre os Estados ou as cidades mais infectadas, ou ao fechamento de bares. 

No início da pandemia não sabíamos quão baixo era o risco de contágio em lugares abertos. Hoje, entendemos que fechar parques e praias faz pouco sentido, e que crianças têm menos chances de carregar o vírus. Lockdowns totais ignoram essas particularidades. 

3º) O terceiro problema é achar que o Brasil, um país continental, vive apenas uma pandemia, e não várias, com ritmos de contágio distintos. Enquanto escrevo este texto, Manaus está há mais de um mês sem registrar mais de dez mortes por Covid em um dia, na média móvel. Uma queda de 90% sobre o fim de janeiro. O oposto se vê em capitais do Nordeste – a segunda onda não chegou ao mesmo tempo em todos os lugares. 

Ou seja: lockdowns regionais, mais fáceis de levar a cabo, podem ser mais úteis do que se imagina.

Advogar por regras nacionais uniformes é ignorar o que vem sendo feito em quase todos os países, que têm preferido adotar medidas mais localizadas, por Estado/província – restringindo inclusive a movimentação entre elas. 

Se o lockdown nacional não virá, é melhor gastar mais tempo indicando outras medidas mais factíveis, que poderiam estar salvando vidas hoje. Por exemplo: autoridades de saúde falam para evitar aglomerações o tempo todo, mas raramente dão orientações sobre minimização de riscos para quando você precisa estar aglomerado. Trabalhadores essenciais – enfermeiras, caixas de supermercado – têm que “se aglomerar” no transporte público todos os dias. Além do “use máscara”, o que tem sido dito às pessoas? 

Algumas medidas simples, mas eficazes 

Muito pouco. E poderiam dizer bem mais.

Em diversos países, as autoridades solicitaram que os cidadãos ficassem em silêncio no metrô e ônibus.

Faz todo o sentido: se todo mundo estiver com boa máscara, bem ajustada, e sem conversar, o risco de contágio cai muito. É o que Japão e França fizeram, e o transporte público deles não é menos muvucado que o nosso. Máscara boa e silêncio no transporte público é uma política barata, que não depende do governo federal, mas que não recebe comparativamente a mesma atenção de especialistas. Consequentemente são menos consideradas por governadores e prefeitos. 

É o caso da ventilação também. Escolas da Argentina colocam baratos medidores de carbono nas salas de aula, e fazem intervalos, abrindo portas e janelas, quando o ar fica parado por muito tempo – o que facilitaria o contágio. Mais uma medida simples e racional. 

Estamos há mais de um ano nessa situação.

Ao que tudo indica, mesmo com vacina, é bem possível que fiquemos mais um bom tempo sob novas ondas.

Precisamos de um debate mais amplo e realista se quisermos sair dessa vivos. 

Fonte: Super Interessante – Sociedade – Edição 427 – Maio de 2021 – Págs. 10 a 11 – Internet: clique aqui (acesso em: 24/05/2021).

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Só um pacto salva

 “Ciberpopulismo não é fenômeno provisório, está instalado”

 Tulio Kruse 

Entrevista com Andrés Bruzzone

Filósofo e comunicador 

Em seu primeiro livro, Andrés Bruzzone afirma que democracia terá de lidar com o encontro do populismo tradicional com a tecnologia

ANDRÉS BRUZZONE

O filósofo e comunicador Andrés Bruzzone, de 57 anos, vive seu segundo confronto com a armadilha da polarização na política. Brasileiro nascido na Argentina, nutre desgosto pela divisão na sociedade que se aprofundou durante os anos de kirchnerismo no país vizinho, a partir da década de 2000. Ele diz que vê, há pelo menos cinco anos, o mesmo ocorrer no Brasil e tem poucos motivos para ser otimista em relação às eleições de 2022. 

Esse desconforto o levou à pesquisa para o recém-lançado livro Ciberpopulismo (editora Contexto), um ensaio sobre o uso da tecnologia e das redes sociais pela extrema direita. Em entrevista ao Estadão, Bruzzone diz que o fenômeno do populismo digital veio para ficar e que, enquanto partidos democráticos sofrem para se adaptar ao novo cenário, haverá menos espaço para moderação. É por isso que ele se diz cético quanto à chamada “terceira via” no Brasil. “A minha leitura é de que estão fora do jogo, o que é muito triste. Assim perdemos nuances, estamos entre branco e preto, doença ou saúde, não tem meio-termo. No limite, é preciso escolher de maneira binária. Isso é muito ruim para a democracia.” 

O tom do seu livro parece pessimista. O sr. diz que expectativas frustradas – na economia, nas condições de vida em sociedade – explicam o surgimento da onda populista à direita, mas os movimentos democráticos ainda não têm uma resposta para isso. Ou têm?

Andrés Bruzzone: Eu realmente não sou otimista. De alguma maneira, acho que a democracia está encontrando mecanismos para se proteger – assim como a mídia tradicional, uma vez que a tendência digital estava colocando em risco o próprio jornalismo. A democracia, nesse sentido, tem mecanismos de defesa. Mas não sou otimista. Nós votamos com três órgãos do corpo. Com o coração naquilo que amamos – nos identificamos com uma pessoa, um partido. Votamos com o cérebro também, fazemos escolhas racionais. Essas duas coisas funcionam, mas o populismo age diretamente no terceiro órgão: a tripa, as entranhas.

O populismo apela de maneira mais intensa para paixões negativas, o medo e o ódio. São muito intensas, muitas vezes mais do que as paixões positivas.

As redes sociais são muito mais eficazes para odiar do que para gostar. Há muito mais haters do que lovers.

Num ambiente polarizado e populista, olhar para as taxas de rejeição passa a ser mais importante do que para as taxas de adesão.

Quando se juntam esses dois fenômenos – das mídias digitais e do populismo – e os dois apontam para o ódio, para frustrações, fúria e canalização do medo, é muito difícil fugir da armadilha. 

Parece mais fácil usar as redes sociais para promover ódio e desinformação. As instituições democráticas não conseguem aprender com as ferramentas do extremismo?

Bruzzone: Idealmente, sim. Não consigo encontrar motivos estruturais para que isso não seja possível. Ocorre que, até agora, não vemos isso. Houve a fase do otimismo digital, a Primavera Árabe e discussões sobre a possibilidade do voto direto (em leis). Isso ainda não está acontecendo de maneira consistente. Ainda que seja possível em teoria, não vemos na prática. Com certeza há uma infinidade de ferramentas para avaliar o trabalho dos eleitos, e uma militância digital claramente democrática muito forte. Há uma fiscalização nas redes sociais. Quando um ex-secretário mente numa CPI, isso se espalha na rede, não há como esconder. Há um ganho de transparência, e isso não deveria nunca significar menos democracia. Talvez seja necessário ainda algum tempo para a democracia e suas instituições aprenderem a lidar com essa realidade nova. Isso ainda está por ser visto. 



O ciberpopulismo é apenas o uso da tecnologia para promover a polarização, a mesma que já vimos no século 20, ou há mais do que isso?

Bruzzone: Ele (o ciberpopulismo) nasce desse encontro entre o populismo tradicional e a tecnologia, que é muito recente. Ele nasce disso, mas provoca uma mudança estrutural. Primeiro se aproveita de mudanças nos sistemas de meios de comunicação e de partidos políticos e, ao mesmo tempo, acentua essas mudanças estruturais. Acho que é muito mais do que um fenômeno contingente. Não é, provavelmente, um fenômeno provisório e, sim, algo que está instalado. A democracia vai precisar lidar com esse encontro do populismo com as possibilidades que a tecnologia coloca à disposição dos especialistas em campanhas políticas. 

Mais comunicação é um problema para a democracia?

Bruzzone: É um paradoxo. Por enquanto, o maior acesso a informações está enfraquecendo e ameaçando as democracias. Mas não devia. O que provavelmente está faltando é o poder fiscalizador do Estado, a regulamentação dos processos de produção e distribuição de informações. Eu não acredito, e não acho que seja sustentável hoje, que uma desregulação total seja positiva. 

O sr. cita no livro o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, que diz que o populismo de esquerda não tem chance de alcançar o apelo populista da direita. Concorda?

Bruzzone: Eu não concordo com nenhum prognóstico tão taxativo. Acho que não. Em uma primeira fase, vimos a extrema direita se armar muito bem digitalmente, conseguiu canalizar uma série de frustrações. Ela fez com que partes da população, que estavam invisíveis, fossem visibilizadas – isso nos Estados Unidos, França, Brasil. Havia pessoas pouco importantes politicamente porque não tinham meios de participar. O que a extrema direita viu foi que poderia dar a essas pessoas um horizonte de representação, fazê-las visíveis. E aí veio essa onda que estamos vivendo no Brasil e no mundo. Não acho que partidos de centro e de esquerda não consigam também aprender. Acho que, no Brasil, estamos vendo um momento muito preocupante, mas, ao mesmo tempo, interessante. A esquerda brasileira está aprendendo a usar redes sociais, vemos isso no cotidiano. E vem aí uma eleição que vai ser muito pautada pelos sistemas digitais de construção de discurso. Cabe a cada um apostar a favor ou contra Tony Blair. (A eleição) terá, claramente, um dinâmica de ciberpopulismo. Será uma polarização extrema, na qual quem eu odeio será tão importante quanto quem eu amo. O Brasil vai viver essas polarizações sobrepostas. 

O sr. cita a possibilidade incerta da construção de um populismo de esquerda, que não tenha vocação antidemocrática. Acha que essa é uma porta de saída viável para manter a democracia?

Bruzzone: Essa é uma questão extremamente delicada. Polarização, assim como populismo, é uma palavra que nomeia muitas coisas diferentes. Precisamos tomar cuidado com essa noção. Na discussão sobre a Terra ser redonda ou plana, por exemplo, não existe polarização e não existe ponto médio entre os dois. De um lado há a ciência, e do outro um pensamento não racional. Não existem polos equivalentes quando, de um lado, há uma força antidemocrática.

Não há nenhuma equivalência entre qualquer candidato democrático e outro que quer explodir o sistema.

Pode existir polarização, mas não existe equivalência entre os dois. Às vezes se pensa que a polarização leva a um equilíbrio, ao colocar uma situação de equivalência entre dois polos, e isso não é verdade. Existe um limite, que é o do jogo democrático. Dentro dele, tudo. E fora dele, nada. Essa deve ser, entendo eu, a posição de qualquer democrata que acredita no pluralismo. Isso te leva a um paradoxo. Você é obrigado a votar, muitas vezes, em um candidato que você detesta – mas detesta dentro do jogo democrático. A polarização te leva a essas situações. O polo democrático é sempre melhor para a democracia.

Não há justificativa de qualquer pessoa com o mínimo de decência cívica para apoiar um candidato que claramente é antidemocrático.

O que vai marcar o jogo da próxima eleição é a equação de quantas pessoas apoiam cada um dos dois candidatos e quantas pessoas os detestam, a ponto de votar em alguém que normalmente não votariam. 

Em um cenário conflagrado como esse, o “centro democrático” ou a chamada “terceira via” perdem? Têm alguma chance de ganhar discussões?

Bruzzone: A minha leitura é de que estão fora do jogo – o que é muito triste. Assim perdemos nuances, estamos entre branco e preto, entre doença ou saúde, não tem meio-termo. No limite, é preciso escolher de maneira binária. Isso é muito ruim para a democracia. 

Existe alguma saída para a armadilha do ciberpopulismo?

Bruzzone: Eu diria que somente com um acordo muito claro das forças democráticas. O Brasil tem uma vocação de diálogo e contemporização muito maior, por exemplo, do que a Argentina. É um país federal, em que o poder está mais fragmentado. Faço essa comparação por dois motivos: porque conheço o modelo argentino e porque é um lugar interessante para entender o que pode acontecer quando uma polarização se impõe e perdura.

Eu acho que um pacto democrático seria a única saída para esta situação, essa armadilha.

Havendo esse pacto entre as forças de esquerda e direita democráticas, dá para se deixar de fora os antidemocráticos. É preciso fomentar o diálogo, procurar entender e abrir espaço para o diferente. Aprender a escutar e promover escuta. É muito difícil construir um pensamento coletivo se, mesmo com diferenças à direita e à esquerda, os que temos uma vocação sinceramente democrática não conseguirmos acordos básicos. Tem alguém querendo tacar fogo no circo, não podemos deixar. Se o circo queimar, estamos todos incinerados. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Domingo, 23 de maio de 2021 – Pág. A10 – Internet: clique aqui (acesso em: 23/05/2021).