Base radicalizada pode “fazer estrago” à democracia
Tulio Kruse
Entrevista
com Isabela Kalil
Antropóloga, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp) e co-coordenadora do OED Brasil (Observatório da Extrema Direita), é estudiosa de movimentos de extrema-direita no Brasil e Estados Unidos
Embora
Bolsonaro esteja enfraquecido politicamente, um núcleo fiel aprova sua gestão “absurda”,
afirma pesquisadora
ISABELA KALIL - antropóloga |
Estudiosa disse ver nas manifestações a favor do presidente Jair Bolsonaro mais recentes o início não oficial da campanha pela sua reeleição. Ela vê a base de apoiadores do governo reduzida – mas, mesmo assim, enxerga riscos à democracia brasileira na disputa marcada para 2022.
O que a preocupa são as dúvidas lançadas com frequência pelo presidente sobre o sistema eleitoral e a disposição para o confronto. “O fato de ele se enfraquecer do ponto de vista da política formal, partidária, não significa que não há riscos para a democracia. É possível ter um número reduzido de pessoas que fazem um estrago do ponto de vista da vida pública e institucional.”
Qual é o perfil dos manifestantes que foram
às ruas apoiar Bolsonaro nos últimos meses?
Isabela Kalil: Ao longo de 2019, vimos que há uma base formada por pessoas
acima de 45 anos, principalmente homens. Há aqueles que são pró-armas,
favoráveis à violência e adotam posturas abertamente antidemocráticas.
Há até um certo saudosismo de regimes autoritários. Esse grupo forma uma
base muito fiel, e é possível que estejamos falando de algo em torno de 10%
a 15% dos eleitores.
Ao
contrário do que parece, quanto mais absurda for a gestão de Bolsonaro, com
declarações de pouco apreço à vida e outras coisas que poderiam afastar
eleitores, mais esse nicho aprova.
Precisamos olhar para a
realidade e nos dar conta de que existe um tipo de eleitor que quer isso
mesmo. Por outro lado, nem todo mundo que votou em Bolsonaro é
bolsonarista. Há eleitores mais voláteis ou mais pragmáticos que podem votar em
outra pessoa, dependendo de quem estiver concorrendo. MANIFESTAÇÃO DE APOIADORES DE BOLSONARO, na Avenida Paulista, em São Paulo (SP), no dia 1º de maio de 2021
As manifestações atuais se restringem ao
núcleo mais fiel ou há adesão de outros grupos?
Isabela Kalil: Descrevi um tipo de eleitor muito radicalizado, mas
não é só. Não foi à toa que foi marcado para 1.º de Maio, e isso acho que
não podemos naturalizar. É uma data histórica, e quem faz manifestação
nessa data são as centrais sindicais. O evento teve diferentes motes. Um era
o “eu autorizo”, que ganhou muita repercussão porque ele tem uma espécie de
senha para autorizar um golpe. Mas há também ali a narrativa da liberdade
ao trabalho. Ali estão microempresários, empreendedores, autônomos,
empregadores de maneira geral que estão reivindicando não só liberdade para
trabalhar, mas a liberdade para que seus empregados trabalhem. Não
necessariamente essas pessoas se enquadram nessa base mais ligada à violência e
que defende interromper as liberdades democráticas. Embora o “eu autorizo” seja
um apelo antidemocrático, não dá para negar. Além disso, há a questão do
voto impresso.
Bolsonaro
está tentando desacreditar o sistema como um todo.
Então, há nessas
manifestações três pontos:
* entregar a autoridade ao chefe do Poder Executivo,
mesmo que de forma autoritária;
* liberdade para o trabalho; e
* dizer que há fraude no sistema eleitoral.
A sra. já disse que os atos bolsonaristas no
1º de Maio foram um lançamento não oficial da candidatura à reeleição. Por quê?
Isabela Kalil: Essas manifestações passam a ser organizadas no dia
em que há a votação sobre a anulação dos processos contra o ex-presidente Lula
no plenário do STF. Acho que as manifestações são organizadas, em parte,
como uma resposta, sim, à situação de Lula. A outra razão é que essas
mobilizações têm, efetivamente, a questão central do voto impresso. Eles já estão
falando sobre 2022.
Basicamente,
a mensagem que ele quer passar é que, se perder em 2022, as eleições
foram fraudadas.
O bolsonarismo entra mais forte ou mais fraco nessa corrida eleitoral antecipada?
Isabela Kalil: Depende. Do ponto de vista do institucional – se
estivéssemos efetivamente jogando o jogo da democracia –, está enfraquecido. As
pesquisas mostram isso, e acho que a CPI vai ter desdobramentos e efeitos que
vão enfraquecer ainda mais a imagem de Bolsonaro.
O
fato de se enfraquecer do ponto de vista da política formal, partidária, não
significa que não temos riscos para a democracia.
Foi o que Trump fez, ele não aceitou inicialmente o resultado das eleições. Houve ali uma situação gravíssima na invasão do Capitólio por grupos que são verdadeiras seitas, baseados em teorias conspiratórias. Não estou dizendo que a mesma coisa vai acontecer aqui. Até porque acho que já tivemos um fenômeno parecido no ano passado, quando tivemos os grupos que apoiam o presidente jogando fogos de artifício contra o prédio do STF.
Sem uma reação institucional, qual seria o
desdobramento?
Isabela Kalil: O que importa é o número de pessoas que estão apoiando
Trump ou o número de pessoas que estão invadindo o Capitólio? No jogo
democrático, medimos a força de um movimento por voto.
Mas,
se há manifestações antidemocráticas como essa, não importa tanto o número.
É possível ter um número reduzido de pessoas que fazem um estrago do ponto de vista da vida pública e institucional.
Fonte: Estado de S. Paulo – Política – Domingo, 16 de maio de 2021 – Pág. A6 – Internet: clique aqui (acesso em: 16/05/2021).
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