Pobres abandonados à própria sorte

 Custo de despesas básicas sobe 30% acima da inflação e corrói orçamento

 Renée Pereira 

Famílias mais pobres são as mais prejudicadas pela alta dos itens básicos; salários não acompanham inflação

 

[...]

No ano passado, a inflação média dos itens essenciais ficou 30% acima do IPCA, de 4,5%. Mas, em alguns casos, a diferença foi bem maior:

* A energia elétrica, por exemplo, subiu 9,12% e

* a alimentação em casa, 18,16%.

* Esse movimento continuou no início deste ano, com a explosão de 21,65% dos preços dos combustíveis (veículos e gás) até março.

Os aumentos já foram suficientes para deixar a inflação das despesas essenciais 22% acima do IPCA neste ano - os números não consideram o índice de abril, anunciado nesta terça-feira, 11, de 0,31%. 

Isso significa que boa parte da renda disponível está sendo comprometida com apenas algumas despesas, diz a economista da Tendências Consultoria Integrada, Isabela Tavares, responsável pelo levantamento.

“Na prática, tem sobrado menos dinheiro para gastar com bens e serviços.”

De janeiro de 2020 para cá, a renda disponível (depois do pagamento de despesas essenciais) para gastar com esses itens caiu de 42,11% para 41,33% - o menor patamar, pelo menos, desde 2009. Só no ano passado, essa queda representou R$ 45 bilhões a menos de consumo para o brasileiro. 

O movimento, no entanto, não é recente. Em 2012, a renda disponível do brasileiro era de 45,47%. Nesse período, a escalada dos preços de despesas essenciais acima da inflação vem corroendo gradualmente a renda do brasileiro. “A pressão inflacionária aliada à deterioração do mercado de trabalho tem restringido cada vez mais o consumo de outros bens e serviços”, diz Isabela. 


O problema é que essa escalada não deve parar por aí, afirmam especialistas.

Na energia elétrica, por exemplo, é esperado para este ano novos e salgados aumentos na conta de luz do brasileiro. Rodrigo Moraes, especialista em Planejamento Energético da Go Energy, explica que, apesar de haver sobreoferta de energia, a expectativa é que preço continuará elevado durante todo este ano. 

Estamos enfrentando um período crítico de chuva, que afeta os reservatórios e obriga o acionamento de termoelétricas, mais caras. Neste ano, não teremos bandeira verde”, diz ele. No momento, a bandeira definida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é vermelha, que indica que haverá acréscimo no valor da energia a ser repassada ao consumidor final.

“No meu orçamento, o que mais tem pesado são os preços de energia, gás e alimentação”,...

afirma o consumidor Marcio Douglas Moura de Araújo, que mora com a mulher e duas filhas. 

Para ele, como não dá para cortar mais o consumo de energia, o jeito tem sido mudar a alimentação. Além da carne, que saiu do cardápio, a ida à feira tem sido restringida. “Também mudei o supermercado. Antes ia ao Pão de Açúcar. Hoje vou ao Dia.” 

Na avaliação do economista Christiano Arrigoni, professor do Ibmec/RJ, a estratégia de Araújo está correta, mas nem tudo dá para ser substituído. É por isso que a renda cai, já que os salários não acompanham essa escalada de preços. Embora a inflação tenha ficado baixa no ano passado, o custo de vida para famílias mais pobres aumentou bastante, diz ele. “A inflação é um índice de preços de uma família típica, representa uma média.

Para uma família mais pobre em que o grosso do orçamento vai para alimentos, energia e transporte, esses aumentos pesam muito.”

Por isso, a sensação de que a inflação é maior do que aquela mostrada nos índices. “É nítido que a renda vem despencando. E isso é um drama, pois afeta toda a estrutura de consumo das famílias”, afirma o economista do Insper Otto Nogami. “E assim, o salário fica insuficiente para as necessidades do dia a dia.” 

O orçamento das famílias, segundo a Tendências, só não está mais apertado porque houve um arrefecimento em alguns itens nos últimos meses, o que compensou parte do aumento da conta de luz, da gasolina, do gás de cozinha e dos alimentos. Com a pandemia, a educação teve uma queda com os descontos dados pelas escolas por causa das aulas online. O mesmo ocorreu com os alugueis. 

Para a especialista em gestão empresarial Erika Pellini, o novo normal com a pandemia reduziu alguns gastos e elevou outros. Em home office, ela diminuiu o consumo de gasolina, mas elevou os gastos com alimentação e energia elétrica. “Tento ficar vigilante e evito deixar luzes e aparelhos ligados sem necessidade e, ainda assim, a despesa aumentou.” Ela conta que começou a fazer uma revisão do orçamento e pretende enxugar alguns gastos, como por exemplo, telefonia celular. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Economia & Negócios – Quarta-feira, 12 de maio de 2021 – 05h00 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui (acesso em: 13/05/2021).

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