Isso é democracia?
Chega de barbárie
Editorial
Jornal «Folha de S. Paulo»
Morticínio
policial no Rio é mais um exemplo da estupidez da guerra às drogas, que não
muda nada
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Operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro na favela do Jacarezinho - Quinta-feira, 6 de maio de 2021 |
Se há êxitos dignos de nota em algumas ações baseadas na boa técnica investigativa e no uso da inteligência, o que se verifica há décadas em grandes centros urbanos é a prevalência da lógica de guerra entre a polícia e quadrilhas armadas que atuam na ponta da venda de entorpecentes em bairros vulneráveis e abandonados pelo Estado.
No Rio, em particular, as renovadas incursões em morros e
favelas voltam-se com frequência exasperante, de maneira brutal e
indiscriminada, contra populações inteiras, sem que se observem
direitos constitucionais básicos.
Invadem-se residências, bens são danificados, atira-se a esmo,
matam-se inocentes e suspeitos desarmados; cenas são alteradas para evitar a
perícia de possíveis execuções.
Tudo é concebido para instalar uma atmosfera de pânico, que repete, em nome da repressão a traficantes, a mesma tática por estes utilizada.
No caso desta quinta (6 de maio), tratava-se oficialmente de desbaratar o aliciamento de menores por um grupo de narcotraficantes. Além do saldo de 28 mortos, entre os quais um policial [Já são 29 mortos! Com mais um policial falecido], e de relatos de abusos contra moradores, cabe perguntar qual foi o resultado alcançado.
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Polícia carrega corpo de pessoa morta durante a operação em Jacarezinho |
Lá se vão quase duas décadas do lançamento do filme
“Cidade de Deus”, que retratava a já então conhecida participação de
crianças e adolescentes no mundo do crime.
Em que as constantes invasões de favelas por policiais e as
ocupações pelo Exército contribuíram para modificar essa realidade?
Não se retiram menores das mãos do tráfico à bala. É preciso implantar políticas de promoção social, de redução de desigualdades e de pacificação —objetivos que até foram perseguidos, há alguns anos, pelas UPPs, mas que se perderam.
É necessário ainda, como tem defendido esta Folha, que a sociedade encare com maturidade o debate sobre a legalização criteriosa de substâncias hoje ilícitas.
É abominável que representantes da polícia, do governo fluminense e
da própria Presidência da República tenham se
apressado em justificar o ocorrido com argumentos do tipo “tudo bandido”
—para citar o que disse o vice-presidente, general Hamilton Mourão.
Os detalhes da atuação policial no Jacarezinho precisam ser apurados e cabe ao Supremo Tribunal Federal examinar o quanto antes a petição protocolada pelo Núcleo de Assessoria Jurídica vinculado à UFRJ que aponta descumprimento de restrição a operações na favela. Chega de barbárie.
Fonte: Folha de S. Paulo – Opinião / Editoriais – Sábado, 8 de maio de 2021 – Pág. A2 – Internet: clique aqui (acesso em: 08/05/2021).
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