Assunto prioritário
Renda básica pós-pandemia
Adriana Fernandes
Repórter especial de economia da sucursal de Brasília – DF
Com o aumento da
pobreza e das diferenças sociais, faz-se necessário garantir uma renda básica
que proporcione a sobrevivência
Nenhum dos 11
ministros do Supremo votou contra a regulamentação da lei Suplicy após
17 anos da sua sanção, em 2004, inclusive Kassio Nunes Marques, indicado pelo
presidente Jair Bolsonaro. Deram todos um uníssono sim.
Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer não regulamentaram. Agora, o STF obriga o governo Bolsonaro a fazer o que esses presidentes não fizeram apesar do comando legal.
Poucos sabem, mas a decisão partiu de uma ação ajuizada pela Defensoria Pública da União no Rio Grande do Sul em nome de um morador de rua: Alexandre da Silva Portuguez, de 51 anos, com epilepsia, que recebe R$ 91 por mês do programa Bolsa Família.
No voto, o ministro relator Marco
Aurélio Mello assinalou:
“Quem é espoliado
no mínimo existencial, indispensável ao engajamento político e à feição dos
direitos fundamentais à vida, à segurança, ao bem-estar e à própria dignidade, vive
em condições sub-humanas, sendo privado do status de cidadão”.
Após a pandemia, há várias propostas circulando nos Legislativos no mundo inteiro, como Estados Unidos, México e Coreia, para a criação de um modelo de renda básica. Em alguns lugares, o Executivo (nacional ou subnacional) tem protagonizado a renda básica, como em Ontário, Finlândia e a brasileira Maricá, município do Estado do Rio de Janeiro.
No Judiciário, essa é a primeira vez, porém, que há decisão da Suprema Corte, diz o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira. Além de ampliar recursos, será preciso redesenho dos benefícios para que atendam à determinação de regulamentação do STF.
A lei brasileira, esquecida na gaveta por quase duas décadas,
institui por etapas a renda básica de cidadania, começando pelos mais
necessitados, até se tornar universal. A expectativa agora é que o Executivo
planeje as etapas seguintes até chegar à renda básica universal e
incondicional.
Se o governo não se abrir para regulamentar, já há uma mobilização
no Congresso para fazê-lo, alterando a lei do Bolsa Família.
Os valores do benefício terão de estar definidos em 2022. Esse ponto é central para entender porque o governo não poderá fugir do problema. Ou regulamenta ou tenta mudar a lei no Congresso. O governo pode até fazer uma regulamentação tosca, mas terá de seguir a decisão do STF.
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EDUARDO SUPLICY - o ex-senador sempre foi o grande defensor e divulgador da necessidade de uma renda básica ou renda cidadã à população mais carente do Brasil |
É nesse contexto que o debate da responsabilidade social pode renovar fôlego, inclusive nesse momento em que o presidente da Câmara, Arthur Lira, tenta a retomada da tramitação da reforma tributária.
Com o aumento da pobreza devido à pandemia da covid-19 e a perspectiva do fim do auxílio emergencial, no ano passado, propostas para o fortalecimento da rede de proteção social pipocaram no Congresso, inclusive com mudanças na área tributária para taxar os mais ricos.
Durante vários meses, governo e lideranças do Congresso acenaram com medidas para abrir espaço no Orçamento a um programa social mais robusto que abarcasse os “invisíveis” que a crise sanitária tinha revelado. Mas o foco depois foi um só: aumentar o espaço no Orçamento para emendas parlamentares para obras eleitoreiras.
Os críticos do STF alegam que é ativismo da Corte. A procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo, Élida Graziane, põe luz no debate: o Supremo está mandando que se resguarde mais recursos para a agenda dos direitos fundamentais.
Ou seja, o STF pauta o tamanho do Estado abaixo do qual não se admite que ele opere. “Estamos disputando o tamanho do Estado no Orçamento”, diz. Os últimos meses têm mostrado que essa briga tem sido cada vez mais feroz e desastrosa.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Economia & Negócios – Sábado, 1 de maio de 2021 – Pág. B4 – Internet: clique aqui (acesso em: 03/05/2021).
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