Religião no poder
Bancada evangélica seria menor se igreja pagasse impostos, aponta estudo
Bruno Ribeiro
Estudo se baseou em
dados fornecidos pelas igrejas à Receita Federal. Com uma alíquota de 34%, o
total de igrejas poderia ser até 74% menor
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No Brasil, hoje, há quase 220 mil igrejas (templos religiosos) |
A pesquisa “A Economia Política do Pentecostalismo: Uma
Análise Estrutural Dinâmica”, dos professores Raphael
Corbi, da USP, e Fábio Sanches, do
Insper, faz uma análise sobre efeitos práticos da política de incentivos
fiscais vigente.
“Eleição a
eleição, a gente vê um aumento da bancada evangélica. Esse aumento tem a
ver, sim, com a expansão geográfica dos templos, que por sua vez está ligada
aos incentivos fiscais”, disse Corbi.
A ideia foi medir a expansão das igrejas no País desde a aprovação da Constituição e projetar como esse movimento teria se dado caso elas pagassem impostos. Para isso, utilizaram modelos matemáticos já existentes, usados para indicar o peso das alíquotas de impostos variadas para o crescimento de outros setores.
O estudo se baseou em dados fornecidos pelas igrejas à Receita Federal. Com uma alíquota de 34%, a taxa média cobrada das demais atividades, o total de igrejas no País, hoje de 216,3 mil poderia ser até 74% menor.
A segunda parte do estudo avaliou o impacto político dessa eventual redução. Os pesquisadores cruzaram os mesmos dados da Receita com informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a eleição de candidatos da Frente Parlamentar Evangélica. E mediram a variação de votos que os candidatos da bancada tiveram em momentos anteriores ou posteriores à abertura de uma igreja em determinada região. Dessa forma, observaram que, após uma igreja ser aberta, candidatos desse grupo têm a participação nos votos subir de 2% a 3%.
O fenômeno vale para as igrejas evangélicas, mas não para as católicas. A abertura de uma igreja romana não influencia os resultados eleitorais, de acordo com a pesquisa. “Fiéis de igrejas pentecostais tendem a ser mais participativos” e comparecem mais aos locais de reunião, disse Fábio Sanches, do Insper.
Raphael Corbi, da USP, disse que a pesquisa “não tem julgamento de valor”. “É um artigo agnóstico no sentido de questionar se será que devemos ou não subsidiar igrejas. Não é um ataque às pentecostais. O subsídio ajuda a explicar essa ascensão meteórica dessas igrejas? Sim. Essa ascensão está associada à expansão desse grupo político? Sim. E a gente trouxe números para quantificar isso.”
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CEZINHA DE MADUREIRA - deputado federal pelo PSD de São Paulo |
Contrapartida
O coordenador da Frente Parlamentar Evangélica na Câmara, deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), disse que as igrejas prestam uma série de serviços sociais às comunidades onde estão instaladas. “Elas fazem o que o Estado não faz.” Por isso, na avaliação dele, a isenção fiscal garantida pela Constituição é revertida em serviços.
Para o deputado, o crescimento da bancada é decorrente do aumento da população evangélica no País. Mas, na avaliação dele, o aumento desse porcentual não está ligado ao crescimento da abertura de novos templos.
Madureira afirmou que as projeções são de crescimento ainda maior da população evangélica no País na próxima década. Desse modo, afirmou, “a bancada evangélica vai crescer ainda mais”.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Sábado, 1 de maio de 2021 – Pág. A8 – Internet: clique aqui (acesso em: 03/05/2021).
Estado
laico
Marcelo de Azevedo Granato
Doutor em Direito pela USP e pela Università degli Studi di Torino, integrante do Instituto Norberto Bobbio. É professor da FACAMP (Faculdades de Campinas – SP)
A sociedade não pode ter por voz os preceitos
de uma religião, qualquer que seja ela, esta é a base do Estado laico
No Estado laico, os indivíduos não estão sujeitos à direção
espiritual do clero.
Isso não significa, absolutamente, que as religiões não tenham lugar num Estado laico. O Estado laico não é ateu, é simplesmente neutro em matéria religiosa. Por isso mesmo, um Estado laico considera “inviolável a liberdade de consciência e de crença”, assegura “o livre exercício dos cultos religiosos” e garante, “na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (artigo 5.º, inciso VI, da Constituição Federal).
A discussão sobre a laicidade do Estado brasileiro foi retomada com o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 701, relativa à proibição de celebrações religiosas presenciais por motivos ligados à prevenção da covid-19. Na véspera da Páscoa, o ministro Kassio Nunes Marques concedeu medida cautelar autorizando a realização dessas celebrações sob as condições fixadas em sua decisão (presença limitada a 25% da capacidade do local, “janelas e portas abertas, sempre que possível”, etc.).
Diante da repercussão dessa decisão – duramente criticada no meio jurídico –, agravada por decisão em sentido oposto do ministro Gilmar Mendes, o caso foi rapidamente levado ao plenário do Supremo. Antes do seu julgamento pelos ministros, o advogado-geral da União, André Mendonça, fez sua sustentação oral. Centrado em aspectos religiosos, Mendonça afirmou que “os verdadeiros cristãos” estariam “sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto”. Na fala do advogado-geral da União, a religião emerge como valor supremo dos cristãos, pelo qual estariam dispostos a dar a própria vida (e, deduz-se, a eventualmente contaminar terceiros).
De início, chama atenção o fato de que o advogado-geral não tem por função falar em nome dos cristãos. Ainda mais porque a decisão de Kassio Nunes Marques se voltou para “cultos, missas e reuniões de quaisquer credos e religiões”.
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ANDRÉ MENDONÇA - atual Advogado-Geral da União é pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), atende por reverendo André na igreja da asa sul, em Brasília (DF) |
A par disso, a fala de Mendonça sobre o valor da religião e sua prática impõe ressaltar que num Estado laico e democrático, como o Brasil, nenhum valor é absoluto; a cada um de nós é conferida a liberdade de adotar os próprios valores (e opiniões, crenças, etc.), respeitada a mesma liberdade dos demais.
Laicidade e democracia são verdadeiros métodos de convivência; métodos que não têm
um conteúdo predeterminado, não se orientam por “verdades”, justamente
porque se pautam pela persuasão, pelo diálogo de indivíduos que “são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (artigo 5.º da Constituição
Federal). Essa igualdade independe do fato de termos características, opiniões,
opções ou crenças que nos diferenciam uns dos outros.
A todas as nossas diferenças, que tornam cada um de nós pessoas
únicas, a Constituição atribui o mesmo valor jurídico.
Assim, não importa que, como constou da decisão de Kassio
Nunes na ADPF 701, “mais de 80% dos brasileiros” se tenham declarado cristãos
no Censo de 2010. Num Estado laico, os direitos não são funções da vontade
da maioria. Da mesma forma, nas democracias não é a aplicação da regra
da maioria que torna democrática uma decisão. A regra da maioria é um
expediente pelo qual pessoas com opiniões diferentes chegam a uma decisão
coletiva.
O que torna democrática uma decisão é a participação direta ou
indireta de todos os membros da comunidade no processo de decisão.
Sendo assim, os
grupos religiosos devem ter voz na sociedade, MAS a sociedade não pode
ter por voz os preceitos de uma religião, qualquer que seja.
É o que resulta do artigo 19, inciso I, da Constituição Federal, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios não só “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento”, mas também “manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”, ressalvada a colaboração de interesse público “na forma da lei”.
É o que também resulta do Direito Internacional. Tanto o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
(1966) quanto a Convenção Americana de Direitos
Humanos (1969) atribuem status elevado à liberdade religiosa, mas autorizam
limitações legais...
... “que se façam necessárias para proteger a segurança (...) a
saúde (...) ou os direitos e as liberdades das demais pessoas” (artigos 18 do
pacto e 12 da convenção).
Em suma, ao Estado laico cumpre a defesa da ordem social – em sua pluralidade –, e não a de uma específica visão global de mundo, religiosa ou não.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço Aberto – Sábado, 1 de maio de 2021 – Pág. A2 – Internet: clique aqui (acesso em: 03/05/2021).
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