«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 27 de julho de 2023

17º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Homilia

 Evangelho: Mateus 13,44-52 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas)

Quem escolhe a vida está cheio de vida, quem escolhe a morte está cheio de morte, portanto é inútil!

No capítulo 13 do Evangelho de Mateus (versículos 24 a 43 — domingo passado), Jesus, com três parábolas, advertiu a comunidade contra os três riscos, contra as três tentações:

* com a parábola do joio, advertiu a comunidade contra a tentação de ser comunidade, apenas, dos eleitos;

* com a parábola da mostarda alertou sobre a tentação da grandeza e, finalmente,

* com a parábola do fermento admoestou sobre o desânimo.

Agora, como antídoto a estas três tentações, Jesus convida à fidelidade à primeira bem-aventurança, e faz isso novamente com parábolas. Vamos ler, é o capítulo 13 do Evangelho Segundo Mateus, versículo 44 em diante. 

Mateus 13,44: «“O Reino dos Céus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo.»

O Reino dos Céus”, lembro que o Reino dos Céus não significa um reino após a morte, um reino nos céus, mas o Reino de Deus, ou seja, a sociedade alternativa que Jesus veio criar nesta terra, “é como um tesouro”, o termo tesouro abre e fecha esta passagem (Mt 13,44-52), portanto ela é marcada pela beleza, esplendor. Prossegue Jesus: “escondido no campo; um homem o encontra”, este homem não procurava o tesouro, ele o encontrou, era uma oportunidade que soube aproveitar na sua vida e, sem hesitar, escreve o evangelista “o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai”, literalmente pela alegria de o ter encontrado, “vende todos os seus bens”, não muda de ideia, “e compra aquele campo”. São Paulo, na Carta aos Filipenses, escreve: “o que para mim era ganho, considerei perda por amor de Cristo... por Ele abandonei todas essas coisas e as considero lixo” (Fl 3,7.8). Quando se encontra Jesus e sua mensagem, esta é a resposta para aquele desejo de plenitude de vida, que cada pessoa carrega dentro de si, e tudo o mais perde valor. 

Mateus 13,45-46: «O Reino dos Céus também é como um comprador que procura pérolas preciosas. Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola.»

Jesus continua dizendo sempre que: “O Reino dos Céus também é como um comprador que procura pérolas preciosas”, enquanto o primeiro homem, na parábola anterior, encontrou o tesouro por acaso, mas soube aproveitar a oportunidade da sua vida, o segundo homem, ao contrário, é aquele que procura esta oportunidade: “Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola”. O que o evangelista quer dizer é que seguir Jesus não é à custa de sabe-se lá quais sacrifícios, o termo “sacrifícios” aparece apenas duas vezes e em sentido negativo neste Evangelho, mas o seguimento gera alegria, o termo alegria aparece seis vezes no Evangelho de Mateus. 

Mateus 13,47-48: «O Reino dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar e que apanha peixes de todo tipo. Quando está cheia, os pescadores puxam a rede para a praia, sentam-se e recolhem os peixes bons em cestos e jogam fora os que não prestam.»

Jesus continua: “O Reino dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar”, Jesus convidou os seus discípulos a serem pescadores de homens e, agora, diz como se deve pescar, “e que apanha de todo tipo”, não há, no texto original grego, a palavra “peixe”, é um acréscimo do tradutor, portanto recolhe de tudo. A oferta de Deus, a oferta do seu amor, é para toda a humanidade, cabe aos homens acatá-la ou não: “Quando está cheia, os pescadores puxam a rede para a praia, sentam-se e recolhem os peixes bons em cestos e jogam fora os que não prestam”, e aqui infelizmente a tradução em algumas bíblias é “maus”, o que indica um julgamento moral por parte do pescador. Não, não é assim, “jogam fora os podres”, o termo usado pelo evangelista é podre, não é um julgamento, não se trata de bom e ruim, mas é uma observação: quem pode trazer vida e quem está podre, portanto, não é um julgamento moral, mas uma constatação.

Quem escolhe a vida está cheio de vida, quem escolhe a morte está cheio de morte, portanto é inútil. 

Mateus 13,49-50: «Assim acontecerá no fim dos tempos: os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos, e lançarão os maus na fornalha de fogo. E aí haverá choro e ranger de dentes.»

E, de fato, Jesus continua: “Assim acontecerá no fim”, não do mundo, mas “dos tempos, “os anjos virão para separar os homens maus”, são como os semeadores de ervas daninhas, são os filhos do diabo, “dos que”, não é dito bons, mas “são justos”, justos significa os fiéis, os fiéis à mensagem de Jesus, “e lançarão os maus na fornalha de fogo”. Esta é uma citação do profeta Daniel, capítulo 3, versículo 6, onde a fornalha ardente era o castigo para aqueles que não adorassem o poder expresso pela estátua de Nabucodonosor. Aqui, agora, ao invés, para Jesus há a fornalha ardente! O que significa a fornalha ardente? A destruição completa — esse é o fim de quem adora o poder! Então quem escolhe o amor, a partilha, a generosidade, o perdão, este é o Reino dos Céus, é o Reino de Deus que Jesus veio inaugurar, eles são cheios de vida e a comunicam; aqueles que, em vez disso, escolhem o egoísmo, a ganância, o poder, estão cheios de morte. Então não há julgamento da parte de Deus, mas simplesmente uma constatação entre quem está cheio de vida e quem já está na putrefação da morte. “E aí haverá choro e ranger de dentes”, imagem bíblica que indica fracasso na vida. 

Mateus 13,51-52: «Compreendestes tudo isso?” Eles responderam: “Sim”. Então Jesus acrescentou: “Assim, pois, todo o mestre da Lei, que se torna discípulo do Reino dos Céus, é como um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas”.»

No final das sete parábolas do reino (capítulo 13 de Mateus), Jesus diz: “Compreendestes tudo isso?”. Eles responderam-lhe: “Sim”. E disse-lhes: “Assim, pois, todo o mestre da Lei”, literalmente, está escrito “escriba”, que era uma personagem importante, era o mestre por excelência de Israel, representava o magistério infalível, “que se torna discípulo”: também o mestre, perante a novidade de Jesus, deve voltar à escola, deve tornar-se discípulo, talvez este seja um pouco o retrato do evangelista. “... do Reino dos Céus, é como um pai de família que tira do seu tesouro”, eis a palavra tesouro que abria a passagem (versículo 44) e a fecha, “coisas novas”, literalmente melhores, o evangelista usa o mesmo termo que, no Evangelho de João, indicará o mandamento novo, o mandamento melhor, “e velhas”, o que quer dizer o evangelista? Que a mensagem de Jesus sempre tem precedência sobre a de Moisés: a nova aliança vem antes da última aliança do Antigo Testamento. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Jesus é realmente fundamental. Sem Ele nada teria sentido!»

(Santo Inácio de Loyola: 1491 a 1556 — fundador da Companhia de Jesus)

O nosso mundo, a nossa sociedade se perdeu porque perdeu a Jesus, o Cristo, o Filho do Deus vivo, o único e real sentido para as nossas pobres vidas! Como bem nos recorda Clive Staples Lewis (1898-1963) famoso escritor irlandês: “A história humana é a longa e terrível história do homem tentando encontrar outro além de Deus para fazê-lo feliz”. Inclusive, acontece com frequência, dos seres humanos, mesmo quando buscam a Deus, não o fazerem porque desejam conformar suas vidas com a vontade de Deus, mas para obter favores que podem vir, segundo eles, apenas do sobrenatural! Conversão, de verdade, não acontece! Temos outros ídolos para os quais entregamos o melhor de nosso tempo, de nossas atenções, de nossos esforços, portanto, de nossa vida! 

Jesus teme que a multidão e os seus próprios discípulos o sigam não com a intenção que ele desejaria, ou seja: para pôr em prática o apaixonante projeto do Pai, o Reino de Deus, que consiste em “conduzir a humanidade para um mundo mais justo, fraterno e feliz, encaminhando-o, desse modo, para sua salvação definitiva em Deus” (José Antonio Pagola). Esse é o tesouro pelo qual vale a pena “vender” tudo, “sacrificar” tudo, “despojar-se” de tudo! Aliás, três papas, em um passado recente, confirmaram essa novidade do Reino de Deus, ao afirmarem:

a) Paulo VI: “Somente o Reino de Deus é absoluto. Todo o resto é relativo”.

b) João Paulo II: “A Igreja não é, ela mesma, o seu próprio fim, pois está orientada ao Reino de Deus, do qual é gérmen, sinal e instrumento”.

c) Francisco: “O projeto de Jesus é instaurar o Reino de Deus”. 

O grande drama é que vivemos distraídos com práticas, costumes e preocupações que não pertencem ao núcleo, ao centro, ao que é principal no Evangelho: o Reino de Deus! Por isso, a decisão mais importante que devemos tomar, atualmente, em nossa Igreja e em todas as nossas comunidades cristãs, segundo José Antonio Pagola, é a de...

“recuperar o projeto do Reino de Deus com alegria e entusiasmo”.

Sem isso, seremos uma instituição que não cumprirá a missão que nos confiou Jesus: “Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19). 


Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Senhor, não tenho tempo! Minha vida corre entre atividades, serviços e prazos, e não tenho tempo para estar contigo. Não tenho tempo para descansar em teu coração, colocando minhas ansiedades e medos, minhas expectativas e minhas realizações, minhas conquistas e meus fracassos. No entanto, tu me garantes que ali posso encontrar o tesouro pelo qual vale a pena gastar minha vida, a pérola única de valor inestimável que daria sentido aos meus esforços. Só se eu soubesse lançar minha rede no mar do teu coração poderia encher cestas com teus dons. Finalmente, lembra-me que se eu decidir me tornar teu discípulo, tu me ensinarás como extrair coisas novas e velhas da minha vida diária. Compreendo bem que o teu Reino não cresce com as sobras do meu tempo, com as sobras das minhas energias, com as sobras dos meus afazeres. Ofereço-te, Senhor, toda a minha pobreza e desejo dar-te mais espaço na minha vida.»

(Fonte: GOBBIN, Marino O.Carm. Orazione finale. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 472.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni –16ª Domenica del Tempo Ordinario – Anno A – 19 luglio 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 18/07/2023).

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Crescimento dos Evangélicos

 Quais são as igrejas evangélicas que mais cresceram na última década

 Bruno Caniato 

A ASSEMBLEIA DE DEUS lidera entre as igrejas que mais crescem no Brasil, com 9.348 templos inaugurados em dez anos (IEADERN/Divulgação)

Número de templos dobrou desde 2010 e já supera 100 mil locais de culto em todo o país

O crescimento da população evangélica no Brasil é um fenômeno extraordinário e sem precedentes. Entre 1940 e 2010, este grupo religioso saltou de 2,7% para 22,2% dos brasileiros – a expectativa é que os dados do Censo 2022, que ainda precisam ser detalhados, apontem uma representação evangélica de mais de 30% da população. Este aumento estrondoso pode ser verificado pela impressionante expansão das igrejas protestantes, que dobraram o número de templos na última década e hoje passam de 100 mil

O "boom" das igrejas evangélicas fortaleceu todas as denominações, em geral, mas algumas vertentes se destacam neste avanço acelerado. As líderes em abertura de templos nas últimas décadas foram as pentecostais, tendo em primeiro lugar a Assembleia de Deus — entre 2010 e 2019, esta denominação inaugurou mais de 9.000 igrejas abertas em todo o território nacional, uma disparada de 115% em dez anos

Tradicionalmente, as pentecostais têm um potencial de capilaridade imenso, particularmente em regiões mais isoladas do país ou periféricas das grandes cidades — com frequência, os templos desempenham papéis fundamentais de assistência às comunidades onde há pouca presença do Estado

Também estão neste grupo denominações como a Congregação Cristã no Brasil, que abriu 3.445 igrejas na década passada (alta de 92%), e a Igreja Cristã Maranata, com 1.530 novos templos (avanço de 35%) — veja quadro abaixo. 

Em segundo lugar no ranking da expansão, vieram as igrejas neopentecostais. Mais concentradas em centros urbanos, estas igrejas compartilham a dedicação à chamada “teologia da prosperidade” — doutrina que promete melhorar a condição financeira de seus fiéis. A neopentecostal brasileira mais conhecida, a Igreja Universal do Reino de Deus, inaugurou 2.515 templos entre 2010 e 2019. Outra denominação famosa neste grupo é a Igreja Mundial do Poder de Deus, criadora de 2.310 locais de culto no mesmo período. 

A terceira vertente evangélica que mais se expandiu no país é das igrejas missionáriasAdventista, Metodista, Luterana, Batista, Anglicana, Menonita e Presbiteriana compõem esta categoria. As missionárias incluem algumas das mais antigas igrejas evangélicas brasileiras, mas o grupo cresceu relativamente pouco na última década, registrando cerca de 53% de novos templos contra 76% das neopentecostais e quase 98% das pentecostais. Em parte, esta desaceleração das missionárias é resultado de suas estruturas mais engessadas e hierarquizadas, semelhantes ao catolicismo, que dificulta a reprodução das igrejas em ritmo tão arrebatador quando as outras denominações. 

Fonte: VEJA – Brasil – Atualizado em 24 julho de 2023, às 08h54 – Publicado em 22 julho 2023, às 15h39 – Internet: clique aqui – Acesso em: 24/07/2023.

Os seguidores de Jesus

 As evidências de que Jesus teria tido mais do que 12 apóstolos

 Edison Veiga

Jornalista freelancer e escritor brasileiro radicado na Eslovênia 

A mais famosa representação dos apóstolos: "A Santa Ceia", de Leonardo da Vinci - Domínio Público

Pesquisadores apontam que o número amplamente conhecido de apóstolos é mais simbólico do que um relato exato da realidade

O estudo dos textos bíblicos é um mergulho em uma seara perigosa. Principalmente porque, 2.000 anos depois, os relatos conhecidos chegam com camadas interpretativas construídas por todo um arcabouço chamado de fé. 

Mas muitos especialistas contemporâneos defendem que a ideia dos 12 apóstolos é muito mais simbólica do que um relato exato da realidade. Uma construção posterior à vida de Jesus que serviu para fundamentar a hierarquia dentro da comunidade dos cristãos primitivos

“Sobre a questão dos 12: eu diria que há uma forte tendência a ser uma representação simbólica, baseada nos 12 filhos de Jacó, nas 12 tribos de Israel [clãs familiares do antigo povo hebreu], ou mesmo em outras tradições”, afirma à BBC News Brasil o historiador André Leonardo Chevitarese, professor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), autor dos recém-lançados “Jesus de Nazaré: o que a História tem a Dizer Sobre Ele” e “Jesus, o Mago: um Olhar (Ainda) Negligenciado Sobre Jesus de Nazaré”, entre outros. 

“Se de fato Jesus fez 12 apóstolos entre os seus seguidores, isso é disputável em termos de tradições manuscritas”, acrescenta ele. “Havia outros, sim, e inclusive uma mulher”, ressalta à BBC News Brasil o historiador, teólogo e filósofo Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie. 

“O termo apóstolo parece ser um termo que não tem um único uso”, explica ele. “Ganha status de título e qualifica 12, mas há aqueles que acham que não são só os 12, então qualificam um grupo mais amplo, um grupo que merece destaque. É um elemento basilar da igreja primitiva.” 

PAULO E LUCAS

Para entender a controvérsia, contudo, é preciso buscar compreender o que a Bíblia diz sobre os apóstolos de Jesus. 

E a mais antiga menção está na primeira carta de Paulo aos Coríntios, um documento que foi escrito na primeira metade da década de 50, antes, portanto, dos evangelhos. 

Ali está aquele trecho que é conhecido como o mais antigo querigma do cristianismo, ou seja, o anúncio da fé que os primeiros cristãos faziam. E diz que “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas, depois aos doze” [1Cor 15,3b-5]. 

Chevitarese avalia que esse trecho, por si só, carrega alguns problemas — e é por isso que algumas versões em grego antigo dizem “onze”, em vez de “doze”. Paulo não sabia que tinha havido um traidor”, comenta ele. Judas Iscariotes teria sido aquele que entregou Jesus, portanto ele não poderia estar junto ao grupo depois da morte daquele a quem seguiam. 

“Está aí, de qualquer forma, a ideia dos doze. Mas é a única vez que Paulo menciona isso em suas sete cartas, todas datadas da mesma década”, afirma o historiador. 

Moraes acredita que tenham sido doze os formadores do núcleo principal dentre os que acompanhavam Jesus, dado o simbolismo. Mas reconhece problemas, sobretudo quando as cartas paulinas são comparadas aos evangelhos e ao Atos dos Apóstolos. “Sim, eram doze, existe um elemento simbólico muito forte”, argumenta. 

Em Paulo, a noção de apóstolo é um pouco mais estendida. Assim, está clara a posição peculiar dos Doze na igreja primitiva, mas não fica claro se tal posição já havia quando Jesus estava vivo”, diz. 

Quando a leitura é dos evangelhos — os quatro livros bíblicos que narram a vida de Jesus —, a situação se torna ainda mais complicada. “Isto porque só um autor do material neotestamentário mencionou o que exatamente seriam esses doze”, pontua Chevitarese. “Isso você vai encontrar em Lucas, capítulo 6. É um livro comumente datado como sendo dos anos 90, do final do primeiro século.” 

Ou seja: é um relato já escrito sob a “contaminação ideológica”, intencional ou não, de uma igreja primitiva que surgia. E o autor não havia presenciado, ele próprio, os episódios que narrava. Em tempo: no trecho do evangelho de Lucas está escrito que “quando amanheceu, [Jesus] chamou os seus discípulos e escolheu doze deles, aos quais deu o nome de apóstolos” [Lc 6,13]. 

“Assim, há essa menção a um grupo seleto que Jesus teria escolhido entre os seus discípulos”, afirma o historiador. 

Os apóstolos representados em afresco de Domenico Ghirlandaio, século 15 - Domínio Público

NÚMERO DE SEGUIDORES 

Mas quantos de fato seguiam Jesus? Para Chevitarese, “era um movimento muito pequeno e intrajudaico”. “Não estamos falando de um candidato messiânico que arrastava multidões. Jesus era uma liderança popular situada basicamente no ambiente galileu e movimentava um pequeno número de aderentes”, analisa. 

Esses aderentes, conforme define o pesquisador, podem ser chamados de “discípulos, indivíduos que ouviram suas mensagens, concordaram com elas e tomaram a decisão de ficarem próximos a Jesus”. “Prioritariamente ele atua em ambientes rurais, campesinos”, acrescenta. 

Mas se a maioria dos seguidores de Jesus era formada por esses camponeses pobres, também havia uma elite letrada que acabou se interessando. “É o que explica por que, nos anos 50, desde muito cedo, os textos que temos acesso estavam em grego e não em aramaico. Havia uma pequena elite citadina que concordava com Jesus do ponto de vista dos problemas gerados pela ocupação romana, pela aliança de setores da elite judaica com Roma.” 

Uma pista sobre quantos eram esses pode ser encontrada também na carta de Paulo aos Coríntios, pois logo na sequência ao trecho em que ele menciona os doze, ele afirma que Jesus também teria sido visto pormais de 500 irmãos de uma só vez” [1Cor 15,6]. 

Ou seja, de alguma maneira, Jesus tinha mais discípulos do que propriamente os doze. E não há por que não admitir, dentro dessa dimensão, que havia também discípulas, mulheres que haviam deixado parte dos seus afazeres cotidianos para ouvi-lo”, diz Chevitarese. 

APÓSTOLO OU DISCÍPULO — E UMA APÓSTOLA MULHER

Há um problema etimológico nesta questão. O que difere um discípulo de um apóstolo? Segundo o “Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa”, discípulo é aquele “que recebe ensino de alguém”, “aluno”. Apóstolo, na definição do mesmo dicionário, seria cada um dos “12 [...] incumbidos por este [Jesus] da pregação do Evangelho”. A palavra é derivada do grego e tem o significado original de “enviado”

Mas se a fonte mais antiga para legitimar a existência dos Doze é Paulo, o mesmo Paulo indica que havia outros apóstolos — assim chamados. Inclusive mulheres

Na carta aos Romanos, também dos anos 50, ele saúda o casal “Andrônico e Júnia, meus parentes e meus companheiros de cativeiro”. E diz que os dois “são apóstolos eminentes e pertenceram a Cristo mesmo antes de mim” [Rm 16,7]. “Ele, Paulo, está dizendo que esses caras notáveis ali estavam entre os apóstolos. E tem mulher aí, a Júnia”, comenta Chevitarese. “Ela era uma apóstola.” 

Moraes lembra que hoje “tem muito fundamentalista que diz que Júnia era nome de homem". "Mas era mulher”, rebate. 

“Ou seja, na mesma tradição que Paulo usa e trabalha e fundamenta os Doze, quando ele anuncia o mais antigo querigma, ele também tem uma carta mencionando que existiam apóstolas em seu tempo histórico”, analisa Chevitarese

Vice-diretor do Lay Centre, em Roma, e professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, também em Roma, o vaticanista Filipe Domingues comenta com a reportagem sobre o papel importante que Maria Madalena tinha nesse núcleo central do movimento de Jesus

“Havia mulheres que o seguiam e Madalena é uma delas. Informalmente ela é chamada de apóstola dos apóstolos e gosto de lembrar que o papa Francisco mudou a liturgia de Madalena para transformá-la uma solenidade tão importante quanto a dos outros apóstolos”, afirma ele. 

“Hoje, do ponto de vista litúrgico, ela tem o mesmo peso”, complementa. “Ela só não é chamada de forma ampla como apóstola porque não há um relato, uma evidência nos evangelhos, de ela ter sido enviada para anunciar como os outros. Mas podemos olhar como uma coisa de época, já que uma mulher não faria isso naquele tempo.” 

Domingues também frisa que Maria, mãe de Jesus, era outra seguidora próxima

O historiador Chevitarese avalia que a ideia do grupo seleto dos Doze pode ter sido “uma invenção de Lucas mesmo”. “Porque em Atos [o livro Atos dos Apóstolos, também escrito por Lucas, que narra os primeiros passos do movimento depois da morte de Jesus], ele vai criar, vai inventar a tradição apostólica”, contextualiza. 

“Isso é muito importante na cabeça de Lucas, pois para ele é como se Jesus tivesse passado seu ensino aos Doze, e os Doze saíram pelo mundo, cada um por um lugar, levando avante o ensino e o poder.” 

No próprio livro dos Atos dos Apóstolos, Barnabé também é chamado de apóstolo [At 14,14]. “São figuras desconhecidas para nós. Só temos esses registros deles”, comenta o historiador Moraes. 

“Isso tudo é tradição”, acrescenta Chevitarese. “Discurso de poder. Uma sutileza para estabelecer uma elite de um lado e o povão do outro, serve para romper a horizontalidade para impor uma verticalidade.” 

Para Moraes “a polêmica se torna bem interessante porque existem estudos que dizem que esse termo, apóstolo, nem existia nos dias de Jesus”. “Talvez fosse um termo incorporado já depois do evento Jesus, utilizado na estrutura hierárquica, carismática, na estrutura de governo da igreja primitiva”, explica ele. 

Pintura de James Tissot mostra os apóstolos - Domínio Público

CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO

“E de geração em geração esse ensino e esse poder seriam transmitidos aos bispos. De alguma forma, na construção do material neotestamentário [ou seja, na seleção dos textos que deveriam compor o ‘Novo Testamento’ da Bíblia, feita entre o fim do século 4º e a metade do século 5º] essa tradição de Jesus ter feito doze apóstolos vingou”, explica Chevitarese

Como contraponto, o historiador recorre às narrativas da vida de Jesus que não foram incluídas no cânone. O chamado “Evangelho Q”, provável fonte de Lucas e de Mateus na composição de suas narrativas, nunca mencionou a existência de um grupo de doze mais próximos a Jesus. O mesmo acontece com o “Evangelho de Tomé”

“E com exceção daquele trecho da carta aos Coríntios, Paulo também não fala nunca mais sobre o grupo dos Doze. Isso deixa muito tênue a sustentabilidade da existência de um grupo de doze”, pontua o historiador, enfatizando que todos esses textos são mais antigos do que o “Evangelho de Lucas”. 

De qualquer forma, prevalece a tradição. E dentro da lógica católica, conforme explica o vaticanista Domingues, a ideia é que todos os bispos contemporâneos são sucessores dos apóstolos

“A Igreja Católica não chama mais [seus sacerdotes] de apóstolos. Algumas igrejas evangélicas chamam seus líderes assim”, contextualiza Domingues

“Na igreja Católica e também na Anglicana, entre outras, os bispos são os sucessores dos apóstolos. É o que se chama de sucessão apostólica: dentro da tradição, todos os bispos têm de alguma forma origem nos apóstolos, já que eles foram ordenados por outros bispos, que foram ordenados por outros bispos e assim por diante, em uma longa linhagem que retrocede até os primeiros anos do cristianismo.” 

Fonte: Folha de S. Paulo – Sexta-feira, 21 de julho de 2023 – Internet: clique aqui – Acesso em: 24/07/2023.

Será Jesus Sacerdote?

 Jesus não foi sacerdote à maneira do Antigo Testamento

 Manoel José Godoy

Presbítero da Arquidiocese de Belo Horizonte (MG). Atualmente é professor de Teologia Pastoral e Supervisor de Estágio Pastoral na Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte. Professor no Centro Loyola de Belo Horizonte e no CEBITEPAL, órgão do CELAM-Bogotá, na Colômbia. Possui graduação em Teologia pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção (1983) e mestrado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (2005). 

Jesus Cristo foi leigo e identificado como profeta

Quando nossa irmã biblista, Téa Frigério, afirmou que Jesus não foi sacerdote, ela levou em conta toda a tradição de Israel que para ser sacerdote tinha que ser da Tribo de Levi, o que Jesus não foi. O povo de sua época não teve dúvidas, o confundiu com um dos profetas, mas nunca com os sacerdotes. 

E o sacerdócio da Carta aos Hebreus é um sacerdócio existencial, daqueles que não oferecem sacrifícios, mas entregam a própria vida. A esse sacerdócio todos os batizados são chamados, ou seja, a dar a vida pelos irmãos. O biblista e teólogo jesuíta francês, Albert Vanhoye, ex-reitor do Pontifício Instituto Bíblico e ex-secretário da Pontifícia Comissão Bíblica, criado cardeal pelo Papa Bento XVI, reconhecendo-o como um dos maiores teólogos da contemporaneidade, apresenta uma trilogia temática para a Carta aos Hebreus [infelizmente, nenhum destes títulos, abaixo, está disponível em nossa língua]:

* Sacerdotes antigos e novo sacerdote segundo o Novo Testamento [o autor havia colocado outro título que não há: Sacerdotes antigos e fé cristã];

* Jesus Cristo, um sacerdote diferente [o autor colocou um título que não se encontra: Jesus Cristo, o Novo Sacerdote];

* O Sacerdócio Comum dos Cristãos [o autor havia colocado um título que não se encontra Um Povo Sacerdotal], onde explicita a fundamentação do sacerdócio existencial de Cristo

A Constituição Dogmática do Concílio Vaticano II – Lumen Gentium –, reconhecendo essa teologia, fala com clareza do sacerdócio comum de todos os batizados. Somente nessa perspectiva se pode chamar Jesus de sacerdote. Assim, Jesus foi sempre um leigo que exerceu seu sacerdócio existencial

Nesta perspectiva é que o V Prefácio da Páscoa afirma que Jesus, “Cumprindo inteiramente vossa santa vontade, revelando-se, ao mesmo tempo, Sacerdote, altar e cordeiro”. 

Fora disso, chamar Jesus de sacerdote é fruto de uma pobre teologia, feita no estilo de supletivo, própria para formar bispos para a Igreja Universal do Reino de Deus. 

Cardeal Albert Vanhoye - jesuíta francês (2016-2021): um dos maiores especialistas em Carta aos Hebreus em todo o mundo. Foi professor e reitor do Pontifício Instituto Bíblico - Roma.

Reflexão 2 

Sobre o sacerdócio, o templo é o sacrifício na Carta aos Hebreus... em síntese: o autor convida os saudosistas e hesitantes a abandonar de vez o antigo culto, pois em Jesus se realizou a coincidência entre sacerdote, altar e vítima, ofereceu-se a si mesmo, seu próprio corpo. É outro sacerdócio, da vida doada. E está sempre no Santo dos Santos como mediador de muitos irmãos, não há mais repetição nem de sacrifício nem de entrada para mediação. E a carta termina dizendo: portanto saíamos para fora da cidade (portanto do templo, do velho sacerdócio) e vamos com ele onde sofreu humilhação [cf. Hb 13,12-13] Claro que ele não pertencia a famílias sacerdotais, foi chamado de sábio (mestre) e profeta, não sacerdote. O sacerdócio da Carta aos Hebreus é o da vida radicalmente doada, não tem nada a ver com rituais! 

Luiz Carlos Susin – Bacharelou-se em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Faculdade de Teologia (1979), licenciou-se em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijuí (atual Unijuí — 1971), Mestre e Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma (1979-1983). Atualmente é professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul como professor permanente e pesquisador do programa de pós-graduação em Teologia. 

Fonte: Enviado pelo próprio autor – Grupo de WhatsApp: Padres da Caminhada Oficial – Acesso em: 24/07/2023.

sexta-feira, 21 de julho de 2023

16º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Homilia

 Evangelho: Mateus 13,24-43 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas)

O Reino de Deus é fruto da humildade, da difusão ampla e do destemor diante da imensa missão

No Evangelho de Mateus não só se expõem as tentações que Jesus sofreu, mas também se expõem as possíveis tentações da comunidade dos crentes de todas as épocas. No capítulo 13, encontramos, entre outras, três parábolas com resposta a três possíveis tentações: são as parábolas do Reino. É Jesus quem fala aos seus discípulos, expõe estas parábolas do Reino dos Céus, lembro-me que esta expressão é típica de Mateus, mas indica o Reino de Deus, ou seja, a sociedade alternativa onde:

* em vez de acumular para si, partilha-se generosamente com os outros,

* onde em vez de dar ordens, se serve, e

* onde em vez de subir, se desce. Este é o Reino dos Céus. 

Mateus 13,24-30: «Naquele tempo: Jesus contou outra parábola à multidão: “O Reino dos Céus é como um homem que semeou boa semente no seu campo. Enquanto todos dormiam, veio seu inimigo, semeou joio no meio do trigo, e foi embora. Quando o trigo cresceu e as espigas começaram a se formar, apareceu também o joio. Os empregados foram procurar o dono e lhe disseram: ‘Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde veio então o joio?’ O dono respondeu: ‘Foi algum inimigo que fez isso’. Os empregados lhe perguntaram: ‘Queres que vamos arrancar o joio?’ O dono respondeu: ‘Não! pode acontecer que, arrancando o joio, arranqueis também o trigo. Deixai crescer um e outro até a colheita! E, no tempo da colheita, direi aos que cortam o trigo: arrancai primeiro o joio e amarrai-o em feixes para ser queimado! Recolhei, porém, o trigo no meu celeiro!’”»

A primeira tentação, a qual está sujeita a comunidade de todos os tempos, é a tentação de ser uma comunidade de eleitos, uma comunidade de pessoas superiores e que, portanto, procura eliminar os outros. Jesus responde a esta tentação com a parábola do joio e do trigo. Jesus diz que “enquanto todos dormiam, veio seu inimigo”, o inimigo do Senhor, “semeou joio”, o joio é uma semente tóxica, é um narcótico, “no meio do trigo”.

Mas mais prejudiciais do que a semente nociva do joio são os servos, os servos zelosos.

De fato, “Os empregados foram procurar o dono e lhe disseram: ‘Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde veio então o joio?’”, e propõem “Queres que vamos arrancar o joio?”. E na parábola, o dono do campo os impede, dizendo: “Não! pode acontecer que, arrancando o joio, arranqueis também o trigo”. A ação deles, de servos zelosos, é mais perigosa que o joio! Então Jesus se nega a constituir uma comunidade só de eleitos, esta é a tentação que muitas vezes sofrem os grupos de Igreja, em que cada um se sente como tendo a única resposta para o modo de vida proposto pela mensagem de Jesus! Por isso, desprezam ou condicionam a vida dos outros. Jesus não concorda com isso! Então diz não à tentação de ser uma comunidade de eleitos, de pessoas especiais. 

Mateus 13,31-32: «Jesus contou-lhes outra parábola: ‘O Reino dos Céus é como uma semente de mostarda que um homem pega e semeia no seu campo. Embora ela seja a menor de todas as sementes, quando cresce, fica maior do que as outras plantas. E torna-se uma árvore, de modo que os pássaros vêm e fazem ninhos em seus ramos”.»

A segunda tentação que a comunidade sofre, vemos ao longo de todo o Evangelho, é a da mania de grandeza! Jesus prossegue, dizendo: “O Reino dos Céus é como”. Para entender esta parábola, precisamos nos referir ao profeta Ezequiel. No profeta Ezequiel, imaginou-se o reino futuro, como um cedro (capítulo 17), o cedro, como sabemos, é chamado o rei das árvores, que está colocado em uma alta montanha. Então ele é algo de extraordinário, algo que atrai imediatamente a atenção, a admiração pelo seu esplendor. Jesus não diz nada disto:é como uma semente de mostarda que um homem pega e semeia no seu campo”, é estranho que Jesus fale de semear, porque a mostarda não se semeia! Jesus comenta: “ela seja a menor de todas as sementes”, a mostarda é uma erva daninha; suas sementes, que são microscópicas, muito pequenas, chegam a todos os lugares com o vento, por isso não é semeada, mas é temida pelos agricultores palestinos. Portanto, é pequena, mas chega a todos os lugares: esta é a mensagem de Jesus: “a menor de todas as sementes, quando cresce, fica maior do que as outras plantas”. E aqui está a surpresa de Jesus: “plantas do jardim”, o que Jesus quer dizer? Que o Reino dos Céus, ou seja, o Reino de Deus, mesmo em seu momento de máximo esplendor, não chamará a atenção; a mostarda é um arbusto que, em zonas propícias, como o lago da Galileia, atinge dois ou três metros, mas é uma planta comum que não chama a atenção. Pois bem, para Jesus, o Reino de Deus, no momento de seu desenvolvimento máximo, não chamará a atenção por sua grandeza, por sua maravilha, mas como uma erva daninha, chegará a todos os lugares

Mateus 13,33-43: «Jesus contou-lhes ainda uma outra parábola: “O Reino dos Céus é como o fermento que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha, até que tudo fique fermentado”. Tudo isso Jesus falava em parábolas às multidões. Nada lhes falava sem usar parábolas, para se cumprir o que foi dito pelo profeta: “Abrirei a boca para falar em parábolas; vou proclamar coisas escondidas desde a criação do mundo”. Então Jesus deixou as multidões e foi para casa. Seus discípulos aproximaram-se dele e disseram: “Explica-nos a parábola do joio!” Jesus respondeu: “Aquele que semeia a boa semente é o Filho do Homem. O campo é o mundo. A boa semente são os que pertencem ao Reino. O joio são os que pertencem ao Maligno. O inimigo que semeou o joio é o diabo. A colheita é o fim dos tempos. Os ceifeiros são os anjos. Como o joio é recolhido e queimado ao fogo, assim também acontecerá no fim dos tempos: o Filho do Homem enviará os seus anjos, e eles retirarão do seu Reino todos os que fazem outros pecar e os que praticam o mal; e depois os lançarão na fornalha de fogo. Aí haverá choro e ranger de dentes. Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai. Quem tem ouvidos, ouça”.»

A terceira e última tentação é a do desânimo. A comunidade cristã é pequena, há muito trabalho a fazer e corre-se o risco de desanimar. Então Jesus, para esta tentação, conta outra parábola: “O Reino dos Céus é como o fermento que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha”, três medidas de farinha são quarenta quilos, é um pouco demais para um domicílio. Por que essa referência a quarenta quilos? Porque no Antigo Testamento esta quantidade de medida aparece em relação aos episódios de Abraão e Sara, de Gideão e Ana, mãe do profeta Samuel, sempre por ocasião do cumprimento das promessas de Deus ao povo, mesmo em circunstâncias que pareciam impossíveis. Então ele diz: este fermento “mistura com três porções de farinha, até que tudo fique fermentado”.

A comunidade cristã não deve se assustar com a enormidade da obra, mas deve se misturar com a realidade existente para, depois, transformá-la!

E Jesus garante isso.

Bem, das três parábolas, a única que os discípulos pedem peremptoriamente, até mesmo imperativamente, para explicar, é aquela do joio e do trigo, não que os discípulos não a tenham entendido, talvez seja a única que entenderam, mas sobre a qual não estão de acordo. De fato, “Seus discípulos aproximaram-se dele e disseram: ‘Explica-nos’”, e o verbo está no imperativo, com autoridade, “a parábola do joio!”. Portanto, esta parábola em que Jesus nega a tentação de ser uma comunidade de eleitos, uma comunidade de superiores em relação aos outros, não é aceita pela comunidade dos discípulos. Pois bem, Jesus explica, neste restante da parábola, que são os indivíduos que se julgam, escolhendo o que desejam ser: ou ser trigo, pão que alimenta, bênção para os outros, ou ser joio, veneno tóxico que mata. Portanto, três tentações às quais as comunidades de todos os tempos podem estar sujeitas, mas com a certeza, com a garantia, de que a mensagem de Jesus se cumprirá apesar de tudo, apesar da escassez de termos. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo.»

(Mateus 6,33)

É impressionante a atualidade que tanto o Evangelho quanto a Primeira Leitura deste domingo possuem! Digo isso, pois retornou, de uns tempos para cá, a tendência de se edificar uma Igreja que seja gueto, ou seja, um tipo de seita somente reservada às pessoas puras, santas, distanciadas das tentações do mundo! Pois, o mundo, a sociedade são ambientes que não servem para um cristão! Os verdadeiros seguidores de Cristo, na mentalidade que está retornando, são aqueles que se separam do mundo, não se ocupam com as coisas deste mundo, o qual está repleto de pecado, erro, escuridão e degeneração moral! Assim sendo, quanto mais distantes deste mundo pecador, mais santos e semelhantes a Deus seremos! Afinal, a Igreja deve buscar, em primeiríssimo lugar, a salvação das almas! A salvação dos fiéis! E salvação é entendida, aqui, como sendo o distanciamento de tudo que diga respeito à dimensão terrena, à dimensão do aqui e agora, voltando-se para aquilo que é “espiritual”, “divino”! 

Ora, as leituras deste domingo vão em sentido, completamente, oposto à mentalidade que descrevi acima e que está na mente de tantos cristãos. Para começar, a grandeza de Deus não está em sua força que castiga, pune e, inclusive, pode eliminar os pecadores. Deus não segue a simplista divisão de pessoas que costumamos fazer, classificando-as em boas ou más! Ele demonstra paciência, justiça e misericórdia, especialmente quando deve analisar as pessoas, é o que nos traz a Primeira Leitura (Sb 12,13.16-19) de hoje. Pois todos necessitamos de misericórdia e perdão da parte de Deus! 

Agora, o Evangelho de hoje é uma dura reprimenda àqueles que acham que podem julgar as demais pessoas e classificá-las como “justos” e “injustos”, “bons” e “maus”. A ninguém foi dado o direito de definir o que é “bom” e o que é “mal” a não ser a Deus! Aliás, esta é a questão que se encontra na base da explicação que o Gênesis nos dá sobre a origem do pecado no mundo (cf. Gn 2,15-17 > Gn 3,1-5). Ninguém pode julgar, ninguém pode condenar ninguém, pois, somente Deus conhece o ser humano em profundidade! Ao querer extirpar o joio, o mal do mundo, na realidade, corremos o seríssimo risco de estragar, também, o trigo, isto é, aquilo que é bom, aquilo que é justo! 

As três parábolas narradas por Jesus, neste domingo, deixam evidente que ele não deseja, absolutamente:

a) uma Igreja triunfalista, cujo objetivo, é ter poder, ter influência, encher templos e impor seus princípios a toda a sociedade. É sobre esta tentação que nos fala a parábola do joio e do trigo.

b) Uma Igreja fanática, fundamentalista, com mania de grandeza, a qual não quer convencer ou converter, mas impor a sua doutrina, as suas normas morais e visão de mundo a todas as pessoas. Não confia no poder de disseminação do Evangelho, da Mensagem de Cristo, mas em seus próprios recursos e poder! É sobre isso que nos adverte a parábola do grão de mostarda, imagem de um Reino que não é vistoso, imponente, mas eficaz, penetrante no mundo!

c) Uma Igreja que não se mistura com o mundo que deve evangelizar, mas o rejeita e despreza! A terceira parábola, aquela do fermento colocado no meio da massa para fazê-la crescer vai no sentido contrário a essa mentalidade de uma Igreja apartada do mundo, uma Igreja que não se envolve com os dramas dos seres humanos, uma Igreja que não quer “sujar” as mãos, mas olhar para os céus, apenas! A massa não pode ser transformada, ou seja, crescer, a não ser que o fermento esteja unido, misturado a ela. O mesmo se dá com o Reino de Deus, ele não é deste mundo, como afirmou Jesus a Pilatos (cf. Jo 18,36), porém é para acontecer neste mundo. 

Concluo com uma advertência, sempre atual, do teólogo espanhol José María Castillo:

«Este mundo está repleto de fanáticos, que se julgam no direito e no dever de obrigar que os outros mudem, até pensarem e viverem como pensa e vive o fanático intolerante. As pessoas “muito religiosas” dão medo. E tornam a vida insuportável e a convivência amarga.»

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Tens compaixão de todos, porque tudo podes, fechas os olhos aos pecados dos homens, esperando o seu arrependimento. Na verdade, tu amas todas as coisas que existem e não sentes repulsa por nenhuma das coisas que criou; se tu odiasses algo, tu nem as formarias. Como uma coisa poderia existir se tu não a quisesses? O que não foi criado por ti poderia ser preservado? Tu és indulgente com todas as coisas, pois elas são tuas, Senhor, amante da vida. Pois teu espírito incorruptível está em todas as coisas. Por isso corriges, aos poucos, os que erram e os admoestas lembrando-lhes onde pecaram, para que, deixando de lado toda a malícia, creiam em ti, Senhor... Tu, sendo justo, tudo governas com justiça. Tu consideras incompatível com teu poder condenar aqueles que não merecem punição. Pois tua força é o princípio da justiça, e o fato de tu seres o senhor de tudo o torna indulgente com todos. Tu mostras força quando não se acredita na plenitude de teu poder e rejeita a insolência daqueles que a conhecem. Senhor da força, julgas mansamente e nos governas com muita indulgência, porque, quando queres, exerces o poder.»

(Fonte: Sabedoria 11,23—12,2.15-18.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni –16ª Domenica del Tempo Ordinario – Anno A – 19 luglio 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 18/07/2023).

Sínodo sobre Sinodalidade

 O que a lista dos membros do Sínodo nos diz sobre o estado atual da Igreja

 Massimo Faggioli

Historiador italiano, professor da Villanova University, nos Estados Unidos. O artigo foi publicado por «La Croix International»: 13-07-2023 

O Sínodo sobre a Sinodalidade é um momento-chave na tentativa do Papa Francisco de fazer a transição da Igreja Católica para um catolicismo mais global

A assembleia de 2023 do Sínodo dos Bispos, que ocorrerá de 4 a 29 de outubro em Roma, será a mais importante reunião da Igreja Católica desde o Concílio Vaticano II (1962-1965). Ela será precedida por um consistório no dia 30 de setembro, quando o Papa Francisco criará 21 novos cardeais. Ambos os eventos são indicativos de como são altos os riscos para a Igreja nos próximos meses. 

As assembleias sinodais anteriores também foram muito importantes, especialmente as reuniões iniciais durante o pontificado de Paulo VI, a assembleia de 1985 sob João Paulo II para marcar o 20º aniversário do Concílio e as assembleias convocadas por Francisco em 2014-2015 sobre a família e o matrimônio. 

Mas nenhuma dessas assembleias anteriores foi sobre o futuro do próprio Sínodo e nenhuma delas tinha entre suas prioridades “alargar o espaço” da Igreja, que era o título do documento para as reuniões sinodais continentais, que ajudaram a preparar a assembleia deste mês de outubro. 

A lista recentemente revelada das pessoas que foram escolhidas para participar da próxima assembleia oferece algumas pistas sobre como o Sínodo – que Francisco está continuamente reformando – encarna (ou não encarna) a Igreja Católica global hoje. 

Sônia Gomes de Oliveira (à direita), líder do Conselho Nacional do Laicato do Brasil; e Maria Cristina dos Anjos (à esquerda), assessora de migração da Cáritas Brasileira

Sínodo: 54 mulheres e 63 cardeais

Foi observado como o papa fez um trabalho impressionante ao tentar encontrar um equilíbrio ao nomear pessoalmente os membros para a assembleia, que compensarão os delegados que algumas conferências episcopais elegeram (vejam-se os casos semelhantes e opostos dos Estados Unidos e da Alemanha). 

As únicas pessoas que são realmente eleitas para a assembleia do Sínodo são os delegados das conferências episcopais e os superiores das congregações religiosas. Estes últimos são eleitos pelas duas uniões de superiores gerais (masculinos e femininos) com sede em Roma. 

Outros membros da assembleia sinodal (incluindo 54 mulheres que terão pleno direito a voto pela primeira vez na história) foram avaliados e aprovados pela Secretaria do Sínodo e pelo papa, que já deixaram claro que a sinodalidade é algo diferente (mas não necessariamente oposto) à democracia. Não basta ser católico “em boa posição” para ser nomeado membro. É preciso também ser “patrocinado”, ter grande estima e estar na lista de quem tem o poder de propor um nome àqueles que têm autoridade para nomear

Há características desta assembleia do Sínodo de 2023 que também são importantes a partir de um ponto de vista sistêmico. O Sínodo dos Bispos (ainda seu nome oficial) não faz parte da Cúria Romana. No entanto, os prefeitos dos principais dicastérios da Cúria são membros votantes ex officio das assembleias do Sínodo, e suas vozes serão ouvidas com particular atenção neste mês de outubro pelos demais membros. 

Mas haverá muito mais cardeais do que apenas aqueles que trabalham no Vaticano. Sessenta e três homens com barretes vermelhos serão membros da próxima assembleia. Cinquenta e cinco deles estavam na lista de participantes que a secretaria revelou no dia 7 de julho. Outros oito dessa lista estão entre os 21 novos cardeais que Francisco anunciou no dia 9 de julho (incluindo os três prefeitos recém-nomeados de dicastérios romanos: Robert Prevost, do Dicastério para os Bispos, Claudio Gugerotti, do Dicastério para as Igrejas Orientais, e Víctor Manuel Fernández, do Dicastério para a Doutrina da Fé). 

PAPA FRANCISCO e DOM VÍCTOR MANUEL FERNÁNDEZ, o novo Prefeito do importantíssimo Dicastério para a Doutrina da Fé

Pensamento teológico global

Francisco reuniu todo o Colégio dos Cardeais para discussões aprofundadas em um consistório extraordinário apenas duas vezes em dez anos (em fevereiro de 2014 e em agosto de 2022). E, assim, as duas assembleias do Sínodo sobre sinodalidade (2023 e 2024) serão raras ocasiões em que muitos dos cardeais eleitores no próximo conclave terão a oportunidade de conversar e trabalhar juntos por um período prolongado de tempo – cada uma das vezes durante um mês inteiro. 

Muitos papáveis – aqueles que são considerados os principais candidatos para suceder o papa de quase 87 anos de idade – estarão nessas assembleias do Sínodo. Mas haverá uma notável exceção – o cardeal Peter Erdö, arcebispo de Esztergom-Budapeste e primaz da Hungria. No entanto, ele desempenhou um papel importante como relator geral nas assembleias sobre o matrimônio e a família de 2014-2015. 

Prefeitos e cardeais da Cúria Romana à parte, o Sínodo sobre a Sinodalidade tem alguns representantes preeminentes que dominarão a composição da assembleia em termos numéricos. Obviamente, os bispos eleitos pelas conferências episcopais foram originalmente nomeados a seus cargos diocesanos por Francisco ou por um de seus antecessores. Os papas nem sempre nomeavam os bispos em todo o mundo. Esse é um lembrete de que o “novo” Sínodo que Francisco está tentando moldar é um experimento no desenvolvimento do “Sínodo dos Bispos” que Paulo VI criou em setembro de 1965 no início da quarta e última sessão do Vaticano II

Há também uma forte representatividade das ordens religiosas atuantes no mundo, especialmente em questões sociais, embora vastamente superadas em número pelos cardeais e bispos. A característica mais interessante é a significativa presença do pensamento teológico proveniente de outros lugares além da Europa ocidental. É mais proeminente do que no Concílio Vaticano II ou em qualquer uma das assembleias sinodais anteriores. Há uma robusta representatividade da África, da Ásia e, especialmente, da América Latina, que é o principal exemplo de sinodalidade, tanto em termos de prática eclesial quanto de reflexões teóricas. 

A decisão de dar a cada um dos continentes dez “testemunhas do processo sinodal” – todos membros votantes da assembleia – reflete a opção de Francisco em favor da diversidade e da inclusão. Mas isso também significa que a América Latina e a África (com o maior número de católicos) têm o mesmo número de testemunhas que o Oriente Médio e as Igrejas orientais. É muito interessante o fato de a Europa oriental estar intencionalmente representada de uma forma muito forte, se olharmos, por exemplo, para a escolha do papa das dez “testemunhas” da Europa. Isso é notável, dadas as grandes diferenças dentro da Europa que surgiram nas fases anteriores, sobre questões como a recepção do Vaticano II ou sobre como lidar com questões como a inclusão de pessoas LGBTQ. 

Quem está faltando?

Há algumas ausências notáveis ou, melhor, presenças que são marginais em relação ao papel que têm desempenhado na história da Igreja e nos debates intraeclesiais atuais. Por exemplo, há muito poucos párocos e diáconos permanentes, aqueles que estão na linha de frente da sinodalidade. Mas um problema é como escolher clérigos que representem seus coirmãos. 

Os movimentos eclesiais dirigidos por leigos e leigas também parecem estar ausentes, exceto por três movimentos associativos (principalmente leigos) – um é italiano (Azione Cattolica), outro é uma iniciativa espanhola (Frater España – Fraternidad Cristiana de Personas con Discapacidad), e o terceiro é o movimento internacional dos Focolares (também de origem italiana). 

Há também um representante de uma ONG italiana chamada Mediterranea Saving Humans, criada em 2018 para ajudar no resgate de migrantes no mar. Mas essa inclusão é diferente, porque, formalmente, não é um movimento ou organização católica

A pequena representatividade dos movimentos leigos e das novas comunidades eclesiais pode refletir a política do papa e do cardeal Kevin Farrell – prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida – de manter um olho atento sobre esses grupos

Movimentos católicos progressistas com uma pauta de mudança (por exemplo, a promoção da ordenação de mulheres) também não estão representados em um número significativo na assembleia de outubro. Eles terão que estar pelos corredores de Roma e abrir espaço no chamado “perissínodo”, que provavelmente consistirá em palestras de especialistas, coletivas de imprensa e eventos midiáticos não convencionais. Essa atividade às margens foi um aspecto muito importante no Vaticano II. 

Apresentação oficial do Instrumento de Trabalho, o texto básico, que será analisado e debatido pelos participantes do Sínodo, em outubro próximo. Esse documento conta com 60 páginas e deverá ser traduzido em várias línguas - dia 20 de junho de 2023

De acordo com os documentos preparatórios, a próxima assembleia sinodal também debaterá o diaconato para as mulheres, mas não está claro como a discussão se relacionará com as duas comissões de estudo que Francisco nomeou sobre o assunto. O Instrumentum laboris (documento de trabalho) para o próximo Sínodo, que foi publicado em 20 de junho, parecia ser mais um documento para uma Igreja de pessoas celibatárias. Não está claro como a voz das famílias será ouvida na próxima assembleia. No entanto, o mundo das comunidades monásticas e contemplativas parece estar ausente, pelo menos em termos de membros fisicamente presentes no Sínodo (embora tenham sido convidados a estar espiritualmente presentes por meio de suas orações). 

A ausência de teólogos acadêmicos

Algo que deveria aliviar a ansiedade das pessoas que veem o Sínodo como um cavalo de Troia destinado a provocar algum tipo de revolução liberal na Igreja é o fato de que representantes da teologia católica acadêmica dos Estados Unidos e da Alemanha estão quase totalmente ausentes. Comparativamente falando, teólogos do Reino Unido, Irlanda, Canadá e Austrália estão mais presentes. 

Isso diz algo sobre o que está acontecendo no catolicismo anglo-americano e sugere que as experiências vitais da sinodalidade concebida ante litteram em outros lugares (como o Concílio Plenário na Austrália) posicionaram bem essas Igrejas para o Sínodo em Roma. Isso confirma o distanciamento quase total entre o processo sinodal e a teologia ensinada e pesquisada nas mais importantes instituições católicas de Ensino Superior dos Estados Unidos, pelo menos por enquanto. 

As grandes faculdades teológicas do catolicismo alemão desempenharam um papel no processo sinodal, mas elas não têm ninguém entre os membros da assembleia do Sínodo de 2023. Essa é uma grande mudança em relação ao passado, inclusive em relação ao Vaticano II. Mas alguns dos teólogos mais proeminentes da sinodalidade estarão no encontro de outubro. Outros, que trabalharam sobre esse tema nos últimos 30 anos e tornaram possível o próprio fato de falarmos sobre isso hoje, não estarão. Mas o trabalho deles e delas esteve e estará muito presente – explícita e implicitamente – nos debates sinodais em Roma ao longo dos próximos dois anos e nas assembleias. 

A transição de um catolicismo europeu a um catolicismo verdadeiramente global

Um comentário recente, muito crítico sobre a lista de membros, lamentava que “ainda não está claro se o processo será necessariamente mais representativo do Povo de Deus, incluindo os acadêmicos católicos, os empregados diocesanos e os membros das equipes de paróquias progressistas atípicas”. O fato é que o Povo de Deus está por toda parte, e tornou-se impossível que qualquer reunião ou instituição seja “politicamente” representativa de um corpo grande e diverso. E, no mundo de hoje, dificilmente existe uma comunidade de pessoas tão grande e diversa quanto a Igreja Católica. 

A lista dos que participarão da assembleia do Sínodo de 2023 tem limites e inclui algumas escolhas estranhas, mas não constitui um roteiro pré-escrito a ser seguido. A característica mais importante é que, de um ponto de vista histórico, olhando para as presenças e para as ausências, o Sínodo sobre a Sinodalidade é um momento-chave na tentativa do Papa Francisco de fazer a transição da Igreja Católica para um catolicismo mais global

O Vaticano II ocorreu em grande parte graças a uma nouvelle théologie da Europa ocidental. Agora, a Igreja Católica sinodal está nas mãos de uma teologia católica global, cujos contornos estão ganhando forma e tentando encontrar uma voz unificadora. 

Traduzido do inglês por Moisés Sbardelotto. 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 14 de julho de 2023 – Internet: clique aqui – Acesso em: 20/07/2023.