«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Papo-cabeça com Dom Víctor Fernández

 “A fé está polarizada, como toda a sociedade”

 Javier Martínez Brocal

Publicada por ABC e reproduzida por Il Sismografo: 06-07-2023 

Entrevista com: Víctor Manuel Fernández

Arcebispo e teólogo argentino 

Dom Víctor Manuel Fernández

Entrevista com o novo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé

O ideólogo do Papa, atacado “tanto pela esquerda como pela direita”, declara-se um firme antiabortista. O argentino Víctor Manuel Fernández é para Bergoglio o que Ratzinger é para Wojtyla, o ideólogo do pontificado, autor de seus textos mais delicados. Curiosamente, o Papa Francisco acaba de inscrevê-lo e colocá-lo à frente do complexo Dicastério para a Doutrina da Fé – anteriormente conhecido como Inquisição – e que Joseph Ratzinger presidiu por 23 anos. 

É uma decisão estratégica nesta fase complexa do pontificado. Tem 60 anos, foi reitor da Universidade Católica Argentina e é arcebispo de La Plata, a segunda diocese mais importante de seu país. Considerado de sensibilidade liberal, sua nomeação desencadeou uma onda de críticas em setores conservadores. Ele aceita esta entrevista, uma das primeiras que concede, sem impor condições. Ele fala sobre Bento XVI, sua nova missão e as críticas. É surpreendente que ele responda sem virar palavras, sem medo de entrar em polêmicas, sem medir suas palavras. Como o Papa Francisco. 

Eis a entrevista. 

Alguns críticos vasculharam seus livros, mas não encontraram nenhuma heresia. No entanto, eles insinuam o “perigo” de você mudar a doutrina. Qual é o seu projeto?

Dom Víctor: É importante esclarecer que a doutrina cristã não muda, porque é da plenitude de Deus que tudo brota, e isso não pode ser melhor. Mas somos muito limitados e estamos infinitamente longe de entender tudo. Assim, a Igreja está crescendo, amadurecendo na compreensão desse ensinamento e, consequentemente, expressando-o de novas maneiras. São Tomás disse que a vontade de Deus “se torna mais confusa quanto mais desce aos indivíduos”. Nos indivíduos, onde a vida das pessoas está em jogo, é difícil rebaixar (impor) doutrinas como escombros. Essa minha convicção provavelmente dará outra cor ao dicastério, mas é inevitável se você perceber que sou o primeiro latino-americano nessa posição

O Papa acompanhou sua nomeação com uma carta na qual pede que se afaste dos “métodos imorais de outros tempos”. A que se refere, além da tortura dos investigados e da queima de pessoas vivas nas praças?

Dom Víctor: A carta do Papa é um tesouro [para ler esta carta, clique aqui]. Muitos me disseram que é um ponto de virada, inclusive amigos judeus e evangélicos. O efeito que produziu é impressionante, mais do que uma carta para mim, é uma luz para a Igreja. No entanto, neste ponto que você me pergunta, não há grandes novidades. Lembremos que São João Paulo II pediu desculpas pelos excessos da Inquisição, mesmo sabendo que outros tribunais da sociedade e outras denominações cristãs haviam sido muito mais cruéis. O que acontece é que o Francisco tem a magia de dizer as coisas de tal forma que estremecem como se fossem novas. Mas não o menciona como historiador, diz-nos para advertir que não continuam a existir formas “análogas” de impor a verdade no mundo de hoje. Hoje o dicastério não tortura nem mata, mas ao invés de estimular o pensamento, o diálogo, buscar sínteses e pontos de contato, pode frustrar uma pessoa, pode desrespeitá-la, pode maltratá-la. É um alerta que ele faz para mim. 

Um dos vários livros publicados pelo futuro responsável pelo Dicastério da Doutrina da Fé - Tradução livre do título: "A Igreja do Papa Francisco: os desafios desde a Evangelii Gaudium", ainda sem edição no Brasil

Mas se agora o prefeito não condena nem corrige, o que você vai fazer em Roma? Como serão tratados agora os possíveis “erros doutrinários” que no passado foram enfrentados com processos?

Dom Víctor: Você poderia dizer que eu deveria tentar não perseguir ou condenar. Na verdade, meu antecessor, o cardeal Ladaria, não o fez. Mas posso ligar para conversar, chamar atenção, pedir esclarecimentos, seguir um processo de aprofundamento de algo que não está claro. Embora o Papa em sua carta tenha me deixado bem claro que essa não é apenas minha tarefa. Ele me disse que o departamento existe para “aumentar a inteligência” da fé, para “crescer na interpretação da palavra e no entendimento da verdade”, e me esclareceu um segredo: que...

... a melhor forma de levar o cuidado da doutrina é crescer em seu entendimento ao invés de aplicar mecanismos de controle.

Tudo isso vai exigir pensar na forma de fazer acontecer, definir os canais adequados, mas vou ter que discutir isso com o departamento. 

O que acontecerá com os casos de abuso?

Dom Víctor: Na carta do Papa, e também em várias conversas privadas que tivemos, avisei que ele deixa claro que não sou canonista nem especialista nesses assuntos, e que se me dedicar a esses assuntos nunca poderei cumprir com o que ele está me pedindo. É por isso que concordamos que confio no trabalho da Seção Disciplinar, que tem profissionais muito bons, que estão fazendo bem, e que os deixo trabalhar de forma independente, à semelhança do que acontece com a Comissão de Proteção de Menores, que está a cargo do cardeal O'Malley e onde o prefeito tem pouca intervenção. 

O Papa pede um maior esforço para que os problemas que enfrentas respondam às questões colocadas pelo mundo de hoje. Na sua opinião, que perguntas a sociedade está fazendo à Igreja?

Dom Víctor: São incontáveis, e exigem um bom diálogo com todas as ciências. Mas tenho dois pontos a favor: um é que fui reitor de uma universidade, onde pude exercer esse diálogo e aprendi economia, pedagogia, biologia, etc. A outra é que fui membro do Conselho para a Cultura do Vaticano, onde temas como inteligência artificial, robótica e muitos outros que nos desafiam cada vez mais foram discutidos em altíssimo nível, guiados pelo cardeal Ravasi. Mas eu, como latino-americano, não posso deixar de incluir as questões sociais que mais afetam a vida dos excluídos da sociedade. 

PAPA FRANCISCO com DOM VÍCTOR MANUEL FERNÁNDEZ

O Papa quis que seu longo período como pároco aparecesse em seu currículo.

Dom Víctor: Fiquei extremamente feliz que Francisco mencionou esse detalhe, que não é menor. À primeira vista parece que é algo irrelevante no currículo de um prefeito de Doutrina da Fé, mas não é. A minha teologia mudou, aprofundou-se e enriqueceu-se notavelmente graças ao tempo que passei naquela paróquia periférica

“Por que você se tornou padre?”

Dom Víctor: Olha, quando eu era adolescente eu queria ser poeta e fazer o bem como professor rural, num lugar onde ninguém quer ir, estar com os esquecidos do mundo. Mas descobri que no sacerdócio você pode integrar as duas coisas. Leia os poemas eucarísticos de Ernestina de Champourcin ou José María Pemán e diga-me se isso não é uma poesia muito elevada.

Vá ver como o padre de um bairro pobre entende o seu povo e verá que ele é, à sua maneira, aquele professor rural que eu sonhei ser. 

O que mais o atrai na proposta cristã?

Dom Víctor: Que tem no amor o seu centro vivo: o amor infinito de Deus e o amor fraterno, que é a única coisa que nos torna verdadeiramente santos. 

Qual é o conselho daqueles que você recebeu nestes dias para sua nova etapa, o que mais o ajudou?

Dom Víctor: Se você for ao meu Facebook e ler as mensagens que as pessoas me escrevem, verá que a grande maioria me pede para nunca deixar de ser eu mesmo, para não perder o bem que conheceram em mim. Erga a cabeça diante de tudo que os outros falam e seja fiel ao que Deus me deu.  

“Tucho” Fernández assumirá sua nova função em setembro, embora na semana passada, antes de sua nomeação ser anunciada, ele esteve no Vaticano e teve vários encontros com o Papa e em vários departamentos. 

Você falou com seus predecessores?

Dom Víctor: Sentei-me há alguns dias para conversar com o cardeal Ladaria, em Roma, que me pôs a par de vários detalhes do dicastério. Mais tarde, pedirei também ao cardeal Müller para conversar. 

O que você mais aprecia em seu predecessor Joseph Ratzinger?

Dom Víctor: Sua fina bondade e a beleza de sua exposição teológica. Francisco tem outras capacidades expositivas que também valorizamos. O gênio do Espírito Santo está nos dando ambos. 

A maior parte das críticas à sua nomeação vem de setores conservadores. Você se considera conservador ou liberal?

Dom Víctor: Olha, eu não sou nem uma coisa nem outra, embora também não queira ser um “centro-extremista”. Por exemplo, sou firmemente contra o aborto, fui capa (primeira página) dos jornais “Clarín” e “La Nación” por censurar o presidente da Argentina por apoiar a lei de interrupção da gravidez, e acredito que ninguém na América Latina escreveu mais artigos do que eu sobre isso. Mas, por outro lado, cresci com um forte sentido social, gosto de aprofundar a Doutrina Social da Igreja e, ao mesmo tempo, aceito o paternal convite do Papa a estar muito atento ao condicionamento das pessoas, para não fazer as pessoas sofrerem com nossas provações lapidares. Uma mistura dos dois. 

Uma das principais e mais reconhecidas obras de Dom Víctor Manuel Fernández. Tradução livre do título: "A graça e a vida inteira: dimensões da amizade com Deus", ainda não publicado no Brasil ou em língua portuguesa

Como você chamaria essa mistura?

Dom Víctor: Eu, sem vaidade, chamo de “coerência evangélica”, porque é amor ao ser humano, é defender a vida em todas as circunstâncias, tanto a do nascituro como a daquele que cresce na miséria e no abandono de sociedade. E ao mesmo tempo é a ternura de um irmão entender que no drama concreto de um ser humano às vezes todos os esquemas se quebram. Mas provavelmente por esse motivo sou atacado tanto pela direita quanto pela esquerda. 

Você acha que na Igreja há muitos que caem na tentação de polarizar a fé, ideologizá-la e transformá-la em luta partidária?

Dom Víctor: É uma tentação crescente. Na realidade, é captar ingenuamente a polarização que reina na sociedade. Cristo nos disse que devemos estar no mundo – em profundidade – mas sem ser do mundo, isto é, sem cair na fragilidade, no fanatismo e na violência do mundo. Temos que “ser” mais e mostrar algo diferente, mas nos contagiamos e perdemos o frescor do Evangelho, não mostramos algo verdadeiramente superior. A fé é polarizada assim como a sociedade. 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 7 de julho de 2023 – Internet: clique aqui – Acesso em: 07/07/2023.

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