«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 30 de março de 2021

Origem do coronavírus

 Relatório da Organização Mundial da Saúde conclui que pandemia de covid-19 teve origem animal

 The New York Times 

Documento apresenta primeiras respostas de especialistas internacionais e chineses que foram até Wuhan investigar a origem da pandemia

WUHAN - cidade chinesa aonde se descobriu o novo coronavírus: Sars-Cov-2

A missão conjunta da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da China sobre as origens da covid-19 crê que o novo coronavírus muito provavelmente foi transmitido de morcegos para os humanos por meio de um outro animal. O relatório dá as primeiras respostas sobre o início da crise sanitária, tópico que continua a gerar tensão entre Pequim e o Ocidente. 

Com base nas conclusões de uma equipe de investigação da OMS que passou 27 dias em Wuhan, cidade no centro da China onde surgiram os primeiros casos de covid-19, o relatório só será divulgado na terça-feira, mas jornalistas da Associated Press e do New York Times tiveram acesso antecipadamente. A análise mais completa até o momento sobre a origem da pandemia, tópico essencial para evitar crises sanitárias futuras, não traz grandes surpresas e recomenda estudos mais aprofundados sobre várias, porém pouco prováveis, teorias. 

A única exceção é a hipótese de que o patógeno teria escapado do Instituto de Virologia de Wuhan — suposição promovida sem qualquer embasamento pelo ex-presidente americano Donald Trump. De acordo com a missão de especialistas é “extremamente improvável” que isso tenha acontecido. Incidentes deste tipo, ressalta o documento, são raros e sequer há registros de patógenos próximos ao coronavírus em laboratórios da cidade antes de dezembro de 2019. 

Todas as hipóteses estão sobre a mesa e merecem estudos mais aprofundados e abrangentes”, disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor da OMS, em uma coletiva em Genebra nesta segunda. Ele reconheceu que recebeu o relatório, mas se recusou a comentá-lo mais a fundo. 

As descobertas vêm à tona quase 14 meses após a notificação dos primeiros casos de covid-19 em Wuhan, na província central de Hubei. Desde então, a pandemia já infectou mais de 126 milhões de pessoas e matou 2,7 milhões. Apesar das vacinas desenvolvidas em tempo recorde, variantes mais contagiosas se alastram pelo planeta e levam diversas regiões a implementarem quarentenas. 

Composta por 17 especialistas internacionais e 17 especialistas chineses...

... a missão investigadora crê ser “entre provável e muito provável” que o vírus tenha pulado de um morcego para um animal intermediário e, então, para os humanos.

Vírus similares, afirmaram, foram encontrados em pangolins. 

PANGOLIN - poderia ter sido um dos vetores do novo coronavírus para o ser humano

Os especialistas recomendam ainda estudos adicionais sobre animais domesticáveis que possam ser suscetíveis ao Sars-CoV-2, o causador da covid-19, como gatos e visons. Segundo o relatório, também não está claro se o mercado central de Huanan foi o marco zero do vírus, ou apenas o lugar onde começou a circular em maior escala. O local, onde os primeiros pacientes frequentavam ou trabalhavam, vendia carnes exóticas e animais vivos. 

Além disso, o documento lista uma possível, mas “improvável”, cadeia de transmissão entre animais e humanos por meio de carnes congeladas. Isso havia sido descartado pela OMS, porém há vozes influentes na China que defendem que o vírus chegou a Wuhan por meio de embalagens contaminadas. A inclusão da hipótese aumentou ainda mais o ceticismo ao redor do relatório, já alvo de críticas antes mesmo dos especialistas desembarcarem em Wuhan. 

Funcionários do governo americano, cuja gestão atual e prévia travam disputas em várias frentes com Pequim, acusam a China de omitir informações sobre a pandemia, apontando para informações inicialmente escondidas pelas autoridades locais de Hubei. Washington afirma que os chineses tentam reescrever a história da pandemia, baseando-se no controle da pandemia em seu território — algo usado pelas autoridades para reforçar sua competência diante do caos global. 

Distribuição de casos da Covid-19 em 28 de fevereiro de 2020

Disputas políticas

Seguindo a onda dos americanos, outros governos ocidentais também acusam a OMS de ser demasiadamente mansa diante da China. O governo de Trump chegou a dar entrada no processo para sair do órgão sanitário argumentando que a agência era demasiadamente pró-Pequim, algo revertido pelo presidente Joe Biden já no dia da sua posse. A demanda por uma investigação independente sobre origem do vírus, por si só, foi fortemente impulsionada pelos americanos. 

Críticos também apontam para a falta de transparência e acusam Pequim de manipular o relatório, não divulgado dados brutos e sinalizando que vários dos cientistas chineses responsáveis pela coleta dos dados posteriormente analisados pela missão da OMS têm filiação com o governo. A divulgação do documento supostamente atrasou devido a negociações com o governo chinês que, por meses, pôs obstáculos para que a missão internacional chegasse à Wuhan. 

Em uma entrevista recente à CNN, o secretário de Estado de Biden, Antony Blinken, disse ter “preocupações reais com a metodologia e o processo aplicados no relatório da OMS”, incluindo o fato de que Pequim aparentemente ajudou a escrevê-lo. O governo chinês, que nega todas as acusações de negligência e omissão, respondeu na segunda: 

Os Estados Unidos estão falando sobre o relatório. Ao fazer isso, será que não são os americanos que estão tentando pressionar os integrantes do grupo de especialistas da OMS?”, indagou Zhao Lijian, porta-voz da Chancelaria. 

A missão da OMS nunca teve por finalidade identificar exatamente a origem do vírus, já que isso costuma levar anos. Até hoje, por exemplo, não se pode afirmar com acurácia qual espécie de morcego é responsável pelo ebola, algo estudado há 40 anos. Sabe-se, contudo, que os morcegos carregam coronavírus e, até hoje, o patógeno mais próximo do Sars-CoV-2 de que se tem conhecimento foi encontrado em morcegos. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional / Especial Coronavírus – Terça-feira, 30 de março de 2021 – Publicado às 08h30 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui (acesso em: 30/03/2021).

Sem querer, Bolsonaro ajudou!

 Os militares, agora, têm um pretexto para sair do labirinto do governo Bolsonaro

 Igor Gielow 

Presidente errou ao achar que ganharia apoio, de resto garantido na Justiça sob a bancada da bala

Jair Bolsonaro despede-se do general Eduardo Villas Bôas do comando do Exército, em janeiro de 2019. O general Villas Bôas foi o cérebro da volta ao poder dos militares, aproveitando-se da popularidade de Bolsonaro, a quem ele pensava controlar

A aguda crise causada por Jair Bolsonaro nas Forças Armadas poderá dar aos militares da ativa algo com que vinham sonhando há algum tempo: uma saída para o labirinto político nos quais se enfiaram desde que a corporação aderiu ao capitão reformado em 2018. 

O processo de aproximação foi melhor desenhado pelo homem que comandou a principal Força, o Exército, naquele período: Eduardo Villas Bôas. 

A volta dos militares ao poder e o fiasco 

No seu polêmico livro-depoimento, lançado em fevereiro,

... o general descreveu como a mistura de antipetismo e antipolítica dos fardados encontrou par ideal na figura ascendente de alguém oriundo do meio militar.

Havia também a ilusão, e isso Villas Bôas não conta, de que a instalação das várias alas militares dentro do Executivo garantiria duas coisas:

a) controle sobre o insubordinado capitão e

b) um resgate administrativo, por assim dizer, da imagem do Exército passadas mais de três décadas do fim da ditadura. 

Foram apostas erradas. Bolsonaro se mostrou impossível de gerir, apesar de sempre correr aos fardados por apoio — até que redescobriu as delícias do centrão, no ápice da crise de 2020. 

Do ponto de vista de gestão, Eduardo Pazuello e suas três estrelas de general da ativa no Ministério da Saúde falam por si, assim como os quase 315 mil mortos pela pandemia da Covid-19. 

GENERAL EDUARDO PAZUELLO: um fiasco completo à frente do Ministério da Saúde

Assim, por mais que já em novembro de 2018 o próprio Villas Bôas buscasse dizer “urbi et orbi” que Bolsonaro não era a volta dos militares ao poder, a procissão de cerca de 6.000 fardados no governo, em alguns momentos 10 deles ministros, provava o contrário amparada em ganhos de carreira inéditos. 

O sucessor do comandante, Edson Leal Pujol encarnou a tentativa do serviço ativo de se afastar dos generais e almirantes de terno — há também um tenente-coronel da Aeronáutica, o astronauta do Ministério da Ciência e Tecnologia, mas ele não representa a Força, de resto a mais arredia à política. 

Da cotovelada na mão do chefe no Comando Militar Sul até a palestra na qual ele defendeu que militar algum participasse da política, ele colecionou discordâncias com Bolsonaro, quase sempre girando em torno da Covid-19. 

Mas não só:

... a ativa não engole a política armamentista do presidente, que retirou poder do Exército sobre o manejo de armas e munições.

Vê isso com o mesmo olhar de desconfiança de quem viu a bancada da bala assumir o Ministério da Justiça. 

Ao fim, quem equilibrava os pratos era o ministro Fernando Azevedo (Defesa). Mas, como afirmou um amigo dele, há limite para tudo. A pressão contínua por gestos políticos em favor da agenda bolsonarista, em especial contra medidas de contenção da circulação do Sars-CoV-2, cansou. 

General da reserva Fernando Azevedo e Silva - ex-Ministro da Defesa

Os militares não avalizam um golpe militar 

Houve várias gotas d'água no processo de desgaste. A nota precisa de Azevedo acerca de ter mantido a institucionalidade das Forças sob sua guarda dá a chave para o que vem a seguir. 

As reações das cúpulas militares foram unânimes: contra a Constituição nada faremos.

Não é nada mais do que a lógica, mas mostra o tamanho do esgarçamento promovido por Bolsonaro. 

Os novos comandantes serão nomes de consenso, e resta saber se Walter Braga Netto, na cadeira de Azevedo, faria algo diferente do que seu antecessor fez na prática. No mundo político, espera-se que não. 

Para a ativa, se a acomodação for encontrada, sobrou o presente de Bolsonaro na crise. O comandante-em-chefe achou que iria angariar mais apoio pessoal entre os militares com a pressão, mas na verdade abriu a porta para o desembarque deles de quaisquer intenções golpistas. 

O tom duro de Braga Netto com os comandantes de saída, contrariando regras de antiguidade tão ao gosto da classe, foi visto como um sinal de que Bolsonaro deve insistir na sua tática. 

Há bolsonarismo nas Forças, é evidente, assim como grassa a ojeriza ao PT. Ainda mais nas corporações policiais que ora tomam a Justiça e a Segurança Pública. 

Aliás, apesar de toda a fumaça e fogo da troca na Defesa, parece haver mais perigos embutidos na discreta mudança naquele ministério. 

Ao estamento militar, a soberba do presidente acabou dando uma opção, e a sinalização até aqui é que o caminho é o do quartel. 

Fonte: Folha de S. Paulo – Poder – Terça-feira, 30 de março de 2021 – 14h22 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui (acesso em: 30/03/2021).

A criatura quer controlar o Criador!

 Comandantes das Forças Armadas pedem demissão em protesto contra Bolsonaro

Igor Gielow, Vinicius Sassine, Gustavo Uribe e Daniel Carvalho 

Inédita, crise militar é a maior desde 1977, mas fardados trabalham para baixar a temperatura, afinal apoiaram o homem...

Da esquerda para a direita, Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica), Ilques Barbosa (Marinha), Bolsonaro, Fernando Azevedo e Edson Leal Pujol (Exército), todos pediram demissão. Foto: Sergio Lima - 22.nov.2018/AFP

Pela primeira vez na história, os três comandantes das Forças Armadas pediram renúncia conjunta por discordar do presidente da República. 

Todos reafirmaram que os militares não participarão de nenhuma aventura golpista, mas buscam uma saída de acomodação para a crise, a maior na área desde a demissão do então ministro do Exército, Sylvio Frota, em 1977 pelo presidente Ernesto Geisel. 

Na manhã desta terça, Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) colocaram seus cargos à disposição do general da reserva Walter Braga Netto, novo ministro da Defesa. 

Braga Netto tentou dissuadi-los de seguir o seu antecessor, o também general da reserva Fernando Azevedo, demitido por Jair Bolsonaro na segunda-feira (29 de março), que também estava na reunião. 

Houve momentos de tensão na reunião, segundo relatos.

Com efeito, na nota emitida pelo Ministério da Defesa, é dito que os comandantes serão substituídos — e não que haviam pedido para sair.

É uma forma de Bolsonaro asseverar autoridade em um momento conturbado, evocando princípio de hierarquia. Ao mesmo tempo, evitar amplificar a crise. 

Na reunião, segundo relatos feitos à Folha, o comandante da Marinha teve um momento de exaltação com o novo ministro da Defesa, Braga Netto. Insatisfeito com a demissão de Azevedo, o almirante apontou que a mudança pode gerar apreensão no país e que afeta a imagem das Forças Armadas. 

Em entrevista à CNN Brasil, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, negou o episódio de tensão na reunião e negou qualquer mudança na atuação das Forças Armadas. 

O ministro Braga Netto disse que nada muda nas Forças, muito pelo contrário, as Forças Armadas têm um papel, dentro da Constituição, de hierarquia, de disciplina, de manter a paz”, afirmou Faria. 

Segundo ele, Braga Netto, que deve tomar posse como ministro da Defesa na terça-feira (6 de abril), é “mais moderno”, mais novo. Faria disse ainda que o colega de governo deve escolher para os comandos nomes mais antigos de sua turma (1978) ou das turmas seguintes. 

O recado é bem claro: não existe nenhuma mudança de postura em relação a este tratamento com as Forças Armadas, até porque o presidente já é capitão, o vice-presidente é general, tem vários militares em posições importantes do governo. Então, não existe nenhuma animosidade, muito pelo contrário”, afirmou. 

General da reserva Braga Netto, novo Ministro da Defesa de Bolsonaro

A tendência, hoje, é a de que seja indicado o atual secretário-geral do Ministério da Defesa, almirante Garnier Santos, para o comando da Marinha, e o comandante militar do Nordeste, general Marco Freire Gomes, para o comando do Exército. Para a Aeronáutica, ainda não há um nome definido. 

O fato de Freire Gomes não estar entre os três mais antigos generais de quatro estrelas causou ruídos no Exército, levados a Bolsonaro pela ala militar do Planalto, mas o tema não é visto como incontornável. 

Há reverberações. Generais do Alto-Comando do Exército afirmaram que a pressão pela saída de Pujol vai alienar ainda mais Bolsonaro da Força, o contrário do movimento proposto. 

O mal-estar pelo anúncio inesperado da saída de Azevedo, que funcionava como pivô entre as alas militares no governo, o serviço ativo e o Judiciário, foi grande demais. 

O motivo da demissão sumária do ministro foi o que aliados dele chamaram de ultrapassagem da linha vermelha:

Bolsonaro vinha cobrando manifestações políticas favoráveis a interesses do governo e apoio à ideia de decretar ESTADO DE DEFESA para impedir lockdowns pelo país.

O presidente falou publicamente que “meu Exército” não permitiria tais ações. Enquanto isso, foi derrotado no Supremo Tribunal Federal em sua intenção de derrubar restrições em três unidades da Federação, numa ação que não foi coassinada pelo advogado-geral da União, José Levi — ajudando a levar à sua queda, também na segunda. 

Enfrentar medidas de governadores para tentar restringir a circulação do novo coronavírus, que já matou 310 mil pessoas, é a obsessão do presidente desde que ele capitulou ante o governador João Doria (PSDB-SP) e abraçou a causa da vacinação. 

As restrições têm menos apoio popular do que a imunização, e o presidente acredita que lockdowns e afins dificultarão ainda mais seus planos de reeleição pelo natural efeito negativo na economia. Sua popularidade vem em queda. 

Ele chegou a comparar as medidas a um estado de sítio, uma impropriedade, mas só a referência a um instrumento de exceção levou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, a questionar suas intenções. 

Em reuniões na segunda, segundo interlocutores, os três comandantes concordaram que seria importante fazer uma transição pacífica e controlada, com consenso sobre os nomes dos substitutos. 

Há o temor de agitação nos quartéis, até porque nesta quarta (31 de março) serão completados 57 anos do golpe que deixou os militares mais de duas décadas no poder, até 1985. A palavra de ordem é acalmar os ânimos. 

A lembrança do episódio de Frota em 1977 é viva na cabeça dos oficiais-generais, todos formados em turmas em anos próximos. 

Mas há diferenças: vivia-se uma ditadura em abertura por Geisel, e Frota se opunha a isso. Além do mais, ele era ministro — a pasta da Defesa só viria a ser criada em 1999, e ficou com civis à sua frente até 2018. O ministério, aliás, se acostumou com crises: 5 de seus 12 titulares até aqui saíram de forma conturbada. 

Os comandantes se encontraram com Azevedo nesta manhã, na Defesa. Braga Netto conversou com eles na sequência. 

Todos eles são mais antigos do que o ministro, jargão militar para dizer que se formaram em turmas anteriores à dele. Isso tem um peso grande no esquema hierárquico das Forças. 

General Edson Leal Pujol (ex-Comandante do Exército) e general da reserva Fernando Azevedo e Silva (ex-Ministro da Defesa)

O mais agastado era Pujol, desafeto de Bolsonaro desde o ano passado, por divergências na condução do combate à pandemia: enquanto o presidente adotava uma agenda negacionista, o general lhe ofereceu o cotovelo em vez de um aperto de mão. 

O presidente tentou removê-lo do comando, sem sucesso por falta de apoio de Azevedo. Recentemente, cobrou uma posição crítica ao Supremo Tribunal Federal devido à restauração dos direitos políticos de Luiz Inácio Lula da Silva. 

Azevedo e Pujol não repetiram o ex-comandante Eduardo Villas Bôas, que gerou celeuma ao pressionar a corte em 2018 a não conceder um habeas corpus ao ex-presidente, o que abriu caminho para seus 580 dias de prisão. 

Pujol também foi duro ao dizer claramente que os militares tinham de ficar fora da política, no fim de 2020. A insatisfação do serviço ativo com a gestão do general Eduardo Pazuello, que não foi à reserva, à frente da Saúde foi outra fonte de estresse. 

O trabalho de Braga Netto agora será acertar uma acomodação de nomes. Para Marinha e Aeronáutica, Forças de menor peso relativo, a sucessão deverá ser menos nevrálgica do que no Exército. 

Ambas as Forças estão reunidas nesta tarde de terça para discutir os nomes a serem indicados para Braga Netto. 

Em reunião na noite de segunda, o Alto-Comando da Força elencou os nomes à mesa, todos os mais longevos com quatro estrelas sobre os ombros. 

A partir desta quarta (31 de março), o mais longevo será José Luiz Freitas (Operações Terrestres), que irá à reserva em agosto. O mais antigo, Decio Schons (Departamento de Ciência e Tecnologia), deixa a ativa neste dia. 

O segundo mais antigo é o chefe do Estado-Maior, o número 2 da hierarquia, Marco Antônio Amaro dos Santos. Ele trabalhou com Dilma Rousseff (PT), o que dificulta suas chances. 

Mais obstáculos se colocam para o terceiro, Paulo Sérgio (Diretoria de Pessoal, que cuida da saúde dos fardados). Ele concedeu uma entrevista elencando as medidas restritivas que fizeram o Exército ter um índice de contaminação muito menor do que o da população, irritando o presidente. 

Laerte Souza Santos (Comando Logístico) é o próximo da lista, mas era chefe do general Eugênio Pacelli, que perdeu o cargo após ter portarias de controle de armas derrubadas por ordem de Bolsonaro. 

O próximo na fila é o comandante do Nordeste, Marco Antônio Freire Gomes. 

Todos são próximos de Pujol, mas Freire Gomes tem simpatia no Palácio do Planalto por ter seguido uma carreira muito próxima à de Luiz Eduardo Ramos (Brigada Paraquedista, Forças Especiais), o general que agora foi para a Casa Civil e é um dos mais antigos amigos de Bolsonaro. 

Ele sai como favorito para o lugar de Pujol, portanto. O fato de não ser o mais antigo não é impeditivo: já houve outros comandantes que foram escolhidos na mesma condição. 

Fonte: Folha de S. Paulo – Poder – Terça-feira, 30 de março de 2021 – 12h33 – Atualizado às 17h26 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui (acesso em: 30/03/2021). 

Que a política permaneça ao largo dos quartéis, diz general Rêgo Barros

 Leandro Colon 

General deixou o Planalto no ano passado após desgaste com o presidente da República

Gen. Otávio do Rêgo Barros

O general Otávio do Rêgo Barros, da reserva do Exército, afirmou nesta terça-feira (30 de março) à Folha que a política deve permanecer distante dos quartéis. 

Reforço a importância da independência das FA (Forças Armadas), como instituição de Estado, para a promoção da paz social, bem como para a superação dos desafios de toda ordem aos quais a sociedade é submetida. Que a política permaneça ao largo dos quartéis”, afirmou. 

O general, porém, evitou tecer mais comentários sobre a crise instalada no Ministério da Defesa, com as demissões do general Fernando Azevedo e Silva do cargo de ministro e dos três comandantes das Forças Armadas. “Estive afastado de todo esse processo e seria leviano de minha parte aportar opinião”, disse o general. 

Pela primeira vez na história, os três comandantes das Forças Armadas pediram renúncia conjunta por discordar do presidente da República. 

O tom da declaração de Rêgo Barros vai na linha do teor da carta divulgada por Azevedo após ser demitido por Bolsonaro no começo da tarde de segunda-feira (29 de março). O general agradeceu o presidente e disse que, “nesse período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado” [= ou seja, não como uma instituição a serviço de uma pessoa: o presidente Bolsonaro]. 

Nos bastidores, a avaliação é de que Azevedo deixou o primeiro escalão da Esplanada porque se recusou a politizar as Forças Armadas.

Como mostrou a Folha, Bolsonaro decidiu demitir o ministro da Defesa porque está insatisfeito com o afastamento crescente do serviço ativo das Forças Armadas do governo. No seu lugar, foi nomeado o general Braga Netto, então ministro da Casa Civil. 

O general Rêgo Barros deixou o Planalto desgastado com Bolsonaro. O seu cargo de porta-voz foi extinto em outubro pela Presidência da República. 

O general da reserva já não fazia pronunciamentos oficiais desde março, após, segundo assessores presidenciais, incômodo de Bolsonaro com o protagonismo que o militar ganhou à frente do posto. 

Pouco depois, em artigo publicado no jornal Correio Braziliense, ele fez críticas indiretas ao presidente e à gestão. Rêgo Barros se somou a outros militares que se tornaram vozes críticas a Bolsonaro depois de passarem por cargos civis. 

Fonte: Folha de S. Paulo – Poder – Terça-feira, 30 de março de 2021 – 15h18 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui (acesso em: 30/03/2021).

Começando a Semana Santa

 Se este é um homem

 Enzo Bianchi

Teólogo, biblista e fundador da Comunidade de Bose (Itália) 

Sim, Jesus foi condenado pelo poder religioso sobretudo porque libertava o homem das imagens perversas de Deus e foi morto pelo poder imperial totalitário porque era “perigoso”

Cena em que Pilatos apresenta Jesus, após ser torturado, dizendo: "Eis o homem!" (evangelho segundo João 19,5)

Entramos na semana que os cristãos chamam de “santa” porque é a semana que expressa a fé dos seguidores de Jesus, esse galileu que com palavras e vida quis nos falar sobre Deus e nos entregou uma mensagem muito humana. De várias maneiras (ritos, orações...) os cristãos lembram especialmente os últimos dias de Jesus, sua paixão e morte, e afirmam que o amor vivido por esse homem venceu a morte. Gostaria, se for capaz, de tentar expressar que significado pode ter para todos, mesmo para os não cristãos, a memória de eventos ocorridos há cerca de dois mil anos. 

Segundo o quarto Evangelho, Pilatos, o procurador romano, durante o processo apresenta Jesus torturado à multidão que quer sua morte com as palavras: “Eis o homem!”, um homem fraco e maltratado com violência pelos soldados, um homem escarnecido, desprezado e desfigurado, aquele homem que está sempre presente na história e que devemos ver no pobre, no oprimido, na vítima do poder, naquele que nada conta neste mundo.

Aquele espetáculo da véspera da Páscoa no pretório é o espetáculo de que ainda somos espectadores na nossa atualidade.

Não se trata de alimentar visões de dor, mas simplesmente de ter consciência de que aquela paixão, aquela história de injustiça e violência mortal continua ainda hoje, e que cada um de nós deve dizer: “Eis o homem!”. Eis a humanidade! E também pensar: “Se este é um homem ...”, naquela condição desumana que gostaríamos de não ver ou ver com resignação. Essa é também a epifania do que significa estar na desumanidade, estar nas profundezas da alienação, ser um descartado nessa corrida que o mundo leva sem se questionar sobre a violência, o abuso, a guerra e a injustiça de que é capaz. Nos séculos passados, a cristandade, precisamente para não se responsabilizar pela violência que perpetrou sobre os homens, inventou o deicídio atribuindo-o aos judeus, impedindo assim de ver naquela de Jesus nada além da paixão de um inocente perseguido. 

A releitura, a meditação sobre a paixão de Jesus não nos leva a concluir que estamos a salvo do sofrimento, mas nos revela que pode haver uma confiança que não deixa na mão mesmo quem sofre, que pode haver uma forma de viver o amor que é dado e que se recebe mesmo quando somos atingidos pelo poder do ódio, que podemos nos nutrir de esperança mesmo no aparente fracasso. E devemos reconhecer que outros humanos, homens e mulheres como Jesus, souberam viver assim sua “paixão”. 

Sim, Jesus foi condenado pelo poder religioso sobretudo porque libertava o homem das imagens perversas de Deus e foi morto pelo poder imperial totalitário porque era “perigoso” e, devemos admitir, como tantos outros ainda hoje!

Mas para todas essas vítimas da história é nosso dever lembrar que a capacidade da humanidade de amar, de esperar, de perdoar pode brilhar nos caminhos do sofrimento para romper o círculo infernal do ódio e da violência.

O relato da Paixão de Jesus termina com as palavras “começaram a brilhar as luzes do sábado” (Lc 23,54), um novo dia na história da humanidade. 

Traduzido do italiano por Luisa Rabolini. O artigo original foi publicado pelo jornal italiano “La Repubblica” (Roma), em 29 de março de 2021. 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 30 de março de 2021 – Internet: clique aqui (acesso em: 30/03/2021).

segunda-feira, 29 de março de 2021

A tragédia brasileira

 Bolsonarismo é a mais perversa máquina de destruição de nossa história republicana

 João Cezar de Castro Rocha

Ensaísta e professor de literatura comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É autor de “Guerra Cultural e Retórica do ódio (Crônicas de um Brasil Pós-político)” 

Professor comenta os elementos que compõem a visão de mundo bélica, expressa numa retórica de ódio, do presidente

JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA

[resumo] Apoio ao presidente em camadas expressivas da população, a despeito da atuação irresponsável ou mesmo criminosa de seu governo na pandemia, simboliza a vitória do bolsonarismo na guerra cultural, travada em redes sociais e canais alternativos de comunicação que propagam torrentes de notícias falsas, escreve professor. Esse êxito, contudo, acarreta o colapso da gestão pública e leva o Brasil a viver a maior tragédia de sua história. 

Você não sabe o que é caminhar com a cabeça na mira de um HK

Jocenir e Mano brown 

O paradoxo bolsonarista 

O fenômeno bolsonarista é condicionado por um paradoxo que tanto assegurou seu êxito eleitoral em 2018 quanto anuncia agora o colapso da gestão pública; ruína tornada tragédia na gestão negacionista da crise sanitária. 

Eis o paradoxo: o êxito, incontestável, do bolsonarismo implica o fracasso, incontornável, do governo Bolsonaro. Quanto mais impactante for o triunfo da guerra cultural, tanto mais desastrosa será a administração da coisa pública.

O acerto da hipótese infelizmente se confirma na imagem de um Brasil exausto por tantas vidas perdidas, vidas que poderiam ter sido salvas se a vacinação em massa não tivesse sido sabotada pelo governo federal, que só voltou atrás em um cenário propriamente apocalíptico. No dia 23 de março, ultrapassamos a infame marca de mais de 3.000 mortes de brasileiros em apenas um dia. 

(Cada crime uma sentença?) 

Um livro que vale a pena ler!

O paradoxo e sua potência 

No momento em que se publicar este texto, teremos superado o trágico número de 300 mil mortes provocadas pela peste da Covid-19. Ao mesmo tempo, surgem novas cepas do vírus, ao que tudo indica de contágio mais célere e de letalidade mais grave. De igual modo, o sistema hospitalar, público e privado, entra em colapso em todo o país. 

(O ser humano é descartável no Brasil?) 

No entanto, como se a situação estivesse sob controle, o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciado no dia 15 de março, somente foi empossado no dia 23, em uma cerimônia discreta que não constava da agenda oficial, como se o ato em si mesmo tivesse algo de vergonhoso. 

Ou seja, por uma longuíssima semana, durante o período mais dramático da crise, o ministro demissionário, o general Eduardo Pazuello, converteu-se em uma incômoda sombra assustada, ao passo que o novo titular da pasta buscava desvencilhar-se de empenhos comerciais. 

(Ninguém trabalha no Gabinete de Segurança Institucional? Não se investigou esse “pequeno” contratempo no Gabinete da Surpresa Infinita?) 

Ainda assim: apesar dos tropeços não somente irresponsáveis como também criminosos no enfrentamento da pandemia, há uma faixa da população que insiste em apoiar cegamente o governo.

E a turma é eclética: senhores encanecidos fantasiados de soldadinhos de chumbo, senhoras decididas envelopadas em surradas bandeiras, guerrilheiros destemidos do éter, valentões tímidos das redes sociais e, não se esqueça, exóticos empresários tagarelas e elegantes banqueiros muito apaziguados pelo tanto que sempre lucram em qualquer circunstância. Vale dizer, enquanto as UTIs do Copa Star, do Einstein e do Sírio-Libanês estiverem devidamente reservadas. 

Como entender esse apoio, que implica a incomum capacidade de deixar de ver a pilha de corpos que se avoluma dia a dia? 

A resposta obriga a um reconhecimento inquietante: na guerra cultural da pandemia, se a expressão for aceitável, Bolsonaro está vencendo. Triunfo, bem entendido, fabricado no circuito comunicativo paralelo do bolsonarismo. 

Máquina incansável de fatos alternativos, moto-contínuo de notícias falsas, usina permanente de vídeos de impacto: parafernália disseminada em correntes multitudinárias de WhatsApp, em canais de YouTube e por meio de aplicativos como, por exemplo, Mano, que reúne uma constelação de estações de TV e de rádio, todas gratuitas. 

Ao escolher qualquer programa, o usuário é literalmente assediado por caixas de diálogo, cujo conteúdo é invariavelmente favorável aos delírios bolsonaristas. 

No dia 10 de março, assisti à TV Clima de Ribeirão Preto e fui recebido com uma mensagem ameaçadora: “Para mim é: Jesus no céu e Bolsonaro na Terra. Tamu junto”. No dia 22 de março, me arrisquei na Rede Tiradentes de Manaus. Um usuário, depois de enviar incontáveis mensagens, disse a que veio: “Os governos estaduais, municipais e muitos empresários ligados a eles têm muito a explicar à Justiça, à população e, principalmente, a Deus”. 

Em grupos de WhatsApp, um vídeo-tsunami mostra um homem de bem celebrando sua “ressurreição” graças à milagrosa nebulização feita com um comprimido diluído de hidroxicloroquina. Em vista disso, precisamos de hipóteses novas para dar conta da complexidade da midiosfera bolsonarista. 

Vamos lá: diante da evidência do fracasso do governo, a guerra cultural radicalizou seus processos. Não mais se trata de esposar teorias conspiratórias ou de papaguear narrativas polarizadoras em busca do novo inimigo de plantão. Não é mais suficiente limitar a pulsão bélica a períodos eleitorais.

Pelo contrário, a guerra cultural se converte em um princípio existencial.

Não basta o blablablá do STF-impediu-o-presidente-de-agir, do tratamento-precoce, da cloroquina-sim-vacina-não, do Bolsonaro-pai-da-vacina. 

Agora, o caos cognitivo deve ser traduzido em uma forma de vida:

1) ostentar a cloroquina como se fosse uma hóstia profana;

2) não usar máscaras, de preferência em manifestações a favor da intervenção militar, com Bolsonaro no poder, por óbvio;

3) tomar overdoses de ivermectina como se não houvesse amanhã, tampouco sistema hepático;

4) apressar os passos em um arremedo cômico de marcha militar;

5) deixar de ler a “extrema imprensa” e somente se informar com a “mídia independente”;

6) nunca assistir à “Globolixo” em detrimento dos canais confiáveis da rede de youtubers bolsonaristas;

7) confirmar os delírios conspiratórios no eco que encontram em “jornalistas” e “subcelebridades” em programas da mídia tradicional. 

(Ratatatá, caviar e champanhe) 

A guerra cultural passa a ser a própria realidade para os seus militantes. A palavra torna-se a coisa: o desastre se avizinha.

O bolsonarismo e sua tragédia 

Corolário da hipótese: o governo Bolsonaro pretende desidratar o financiamento do Censo do IBGE em uma proporção selvagem, sem paralelo em qualquer sistema político contemporâneo: nada menos que 90% dos recursos destinados à coleta sistemática de referências sobre o país poderão ser cortados.

Metáfora acabada da guerra cultural bolsonarista, que, em sua monomania narrativa, dispensa dados objetivos — afinal, sempre há um inimigo à espreita, não é mesmo? Contudo, como desenvolver um planejamento mínimo da gestão pública sem dispor de informação confiável? 

Qual o resultado palpável dessa desconsideração do mais elementar princípio de realidade que guiou todos os pronunciamentos irresponsáveis e negacionistas do presidente? 

A ironia bate à porta: recordemos alguns poucos fatos para demonstrar, sem perder tempo com disputa de narrativas, que o bolsonarismo é incompatível com governança — e nem sequer penso no luxo de uma “boa governança”, dada a onipresença paranoica da guerra cultural. 

No dia 18 de janeiro, o general Pazuello e sua equipe de especialistas conseguiram a proeza de falhar na entrega de vacinas para 19 estados — muitos governadores e autoridades esperaram por horas em aeroportos porque o Ministério da Saúde não foi capaz de organizar uma planilha de horários de voos! O mestre da logística confundiu-se no preenchimento de um singelo documento em Excel? 

Em fevereiro, depois do inaceitável colapso do sistema hospitalar em Manaus, o Ministério da Saúde superou seu generoso histórico de equívocos tontos: 76 mil doses da vacina AstraZeneca/Oxford destinadas ao Amazonas foram enviadas para o Amapá, que deveria ter recebido apenas 2.000 doses. Uma operação de emergência foi necessária para desfazer a troca. 

O ex-ministro general apresentou com voz firme e olhar perdido nada menos que quatro planos nacionais de vacinação, com datas propriamente heraclitianas e números infelizmente fictícios. Preciso acrescentar que plano algum foi implementado? 

Passemos do levemente pitoresco ao erro mais obviamente criminoso? Nos dias 14 e 15 de janeiro, um cenário de terror se abateu sobre Manaus: o oxigênio acabou nos hospitais da cidade, levando muitas pessoas à morte por asfixia. Cenas chocantes e comoventes de familiares passando dias inteiros para levar para casa balões de oxigênio no esforço de salvar seus parentes dominaram os noticiários. 

(Mário de Andrade: Esse homem é brasileiro que nem eu...) 

E tudo sempre pode ficar pior no Brasil bolsonarista: 61 bebês prematuros estavam no meio desse caos. O Ministério da Saúde sabia da iminência da falta de oxigênio desde o dia 8 de janeiro. No dia 14, em Manaus, no momento mesmo do desespero, o general Pazuello lançou o aplicativo-guerra-cultural TrateCOV, programado para receitar o kit-guerra-cultural tratamento precoce. 

Pasmem!!! Publicação do próprio Ministério da Saúde de Pazuello

Há mais: em agosto de 2020, o governo cancelou a compra de parte do chamado kit intubação, incluindo sedativos e relaxantes musculares, sem os quais a intubação exige que o paciente seja amarrado à cama, a fim de suportar a dor intensa provocada pelo procedimento particularmente invasivo. A simples ideia produz horror: nessas condições, intubar alguém é uma autêntica sessão de tortura... 

A ação do presidente é inqualificável:

1) sabotou a Coronavac e, sem a vacina do Instituto Butantan, quase não teríamos pessoas imunizadas no país;

2) em agosto de 2020, recusou a oferta de 70 milhões de doses da vacina Pfizer;

3) provocou metodicamente aglomerações todo o tempo;

4) recusou-se a usar máscara;

5) mentiu sobre a determinação do STF acerca da competência de seu governo no combate à pandemia;

6) antagonizou prefeitos e governadores no afã de inventar inimigos em série. 

Bolsonaro pode imaginar que, na guerra cultural, esteja triunfando. Por isso mesmo, o Brasil vive a pior tragédia de sua história. O bolsonarismo, vale repisar, é incompatível com qualquer princípio básico de governança. 

O cão de três cabeças, guardião do Hades (inferno), denominado Cérbero - Mitologia Grega

Coda 

Numa mímica demoníaca, em sua live em 18 de março, Bolsonaro reproduz o desespero dos que sentem o oxigênio faltar e, emitindo um som gutural, arfa três vezes. Três vezes arfa e na última parece que ladra. Autorretrato involuntário, coincidem o guardador e a coisa guardada. No mesmo CPF, dupla identidade: Cérbero e o Hades. 

(Sorri no inferno) 

Fonte: Folha de S. Paulo – Ilustríssima – Domingo, 28 de março de 2021 – Págs. C6-C7 – Internet: clique aqui  (acesso em: 29/03/2021).

domingo, 28 de março de 2021

Falta coragem à elite brasileira

 Elite não faz oposição, de verdade, a Bolsonaro

 Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação do jornal Folha de S. Paulo. É mestre em Administração Pública pela Universidade Harvard (Estados Unidos) 

Sem líderes, confrontos, articulações sociais e ideias não se cria alternativa de poder

É bem isso (uma "banana") que o Brasil e os brasileiros estão recebendo desse (des)governo!

A ideia de que seria preciso tutelar Jair Bolsonaro se disseminou entre os donos do poder e do dinheiro pelo menos desde março de 2019. Desde então, a elite inventa geringonças político-jurídicas a fim de coabitar com esse presidente que ajudou a eleger, com mais ou menos gosto, mas de modo decidido. 

Ainda há coabitação, muita vez colaboracionismo. Mas os adeptos da tutela mudaram de tom e modos.

Sobreveio o medo da morte. Talvez até os ricos sufoquem sem UTI. Espalhou-se a ansiedade do colapso sanitário e socioeconômico.

Aconteceu a ressuscitação político-jurídica de Lula da Silva. O centrão viu que seu arranjo de poder com Bolsonaro poderia ir à breca mesmo antes de começar. Etc. 

Foram tentativas de tutela o parlamentarismo branco de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara ou as reações e inquéritos do Supremo, para ficar em exemplos óbvios e maiores. Ontem ou hoje, essas tentativas de tutela serviram para evitar qualquer esforço de oposição (afora na esquerda parlamentar, praticamente irrelevante). 

Agora é a vez de o centrão tentar tutelar Bolsonaro, um plano que vinha sendo articulado desde o início de março. Era preciso evitar que o presidente destruísse também o arranjo que deu ao centrão o comando do Congresso e ofertas de capitanias no governo. O “comitê nacional” de combate à Covid-19 é parte dessa estratégia de tutela cúmplice. 

De modo improvisado ou acidental, o movimento da “carta” de economistas, financistas e empresários e a manobra do centrão confluíram. Por afinidades eletivas, como diria um velho sociólogo, criou-se uma reação maior a Bolsonaro. Em português menos castiço, o barata avoa da crise de morte pela qual passa o país criou a oportunidade de articulações entre a política partidária e a elite “cartista”. 

O risco de botarem de novo o retrato do velho, Lula, no mesmo lugar, contribui para o atropelo com que agora nomes respeitáveis da elite econômica procuram uma “alternativa de centro”.

Mais importante, permanece a ilusão (ou cinismo) de que é possível guardar o pudim e comê-lo, contemporizar com Bolsonaro e se livrar dele.

Uma candidatura qualquer, no centro oco da direita ou no vazio de projeto da esquerda, precisa apresentar uma alternativa ao país (isso, ao povo) ou encampar um movimento social de mudança (ora inexistente). Em outras palavras, precisa fazer oposição, negar “isso que está aê”. 

Os adeptos dos planos semifracassados de tutela de Bolsonaro jamais fizeram oposição. “Tutela” tinha e tem sentidos variados, a depender do interesse do freguês. Para alguns, Bolsonaro era um preço que valeria pagar (pelas “reformas”, por exemplo). Para outros, confrontá-lo de modo decisivo (CPIs, obstrução, processos) ou decapitá-lo implicaria um custo muito alto em termos de incerteza, do desconhecido que sucede o tumulto político (sempre daninho para os negócios, de resto). Além do mais, seria um projeto de risco, pois o presidente jamais deixou de ter 30% de apoio, no Datafolha (embora quase sempre sua rejeição tenha sido maior do que esses 30%). 

Quem pariu e embalou Messias que o aguente. A tutela pouco limita seu poder de destruição e seu projeto de tirania; sem oposição não se cria alternativa de poder.

É incerto se mais duzentos mil mortos e outro semestre de crise econômica feia, pelo menos, causem revolta a ponto de poupar o trabalho de fazer oposição organizada. Oposição quer dizer: líderes, confrontos, articulações sociais, ideias. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Mercado / Colunas e Blogs – Domingo, 28 de março de 2021 – Pág. A17 – Internet: clique aqui (acesso em: 28/03/2021).