O que restou da Lava Jato
Desertificação da política é o legado da Lava Jato
Wilson Tosta
Jornal «O Estado de S. Paulo»
Entrevista
com Luiz Werneck Vianna
Cientista Político, pesquisador, professor da PUC-Rio e escritor
Para
cientista político, operação “morre” pelos próprios erros, como ações “messiânicas”
e querer “salvar o País”
LUIZ WERNECK VIANNA |
Que balanço faz desse processo, com a decisão
de Fachin?
Luiz Werneck Vianna: Demorou muito. Não é a primeira vez que a Justiça tarda e falha. Mas o fato é que a decisão é inatacável do ponto de vista jurídico. A Lava Jato não podia assimilar todos os casos de corrupção que estavam ocorrendo no País. Desde o começo, foi um erro monumental, em que juízes e procuradores jovens, eu diria provincianos, assumiram o papel de salvadores do País. Andaram estudando a operação que transcorreu na Itália (Mãos Limpas) e aplicaram aqui. Fizeram uma leitura descontextualizada da situação italiana. E mobilizaram a mídia como peça de sustentação. Acho que foi um erro.
Mas tudo que o STF está revendo foi aprovado
pelo próprio STF. Por que a mudança agora?
Vianna: Não creio que tenha sido uma manobra conspiratória. A
Lava Jato… ela durou demais. Nasceu de uma concepção abstrusa, em que um
pequeno núcleo de procuradores e juízes assumiu um papel messiânico, de
salvação da política. Querer fazer política pelo Judiciário é um caminho
ruim. E foi o que a “República de Curitiba” tentou. Pelo processo formal, os
processos não deveriam ser vinculados a Curitiba, mas à Justiça Federal.
Houve um erro humano.
Desqualificou-se
a política, os partidos, e ficamos em um deserto.
O legado da “República da
Lava Jato” é a desertificação da política. Equipe de Procuradores Federais da Lava Jato - Curitiba (PR)
Qual foi o ponto de virada, no qual se notou
que a Lava Jato estava indo além do que poderia?
Vianna: Foi um processo. Começa com a revisão da política da chamada condução coercitiva. Havia as prisões demoradas, a que eram submetidos os indiciados nas ações, ações cercadas de espetaculosidade. A mídia participou disso, de uma forma inteiramente franca e aberta. Não existiria “República de Curitiba” sem a mídia.
Essas prisões prolongadas muitas vezes foram
confirmadas pelo Supremo…
Vianna: Mas de outras vezes, não. A sociedade também não estava atenta ao que se passava, na medida em que a luta contra a corrupção encontrou guarida na alma popular. Encontrou legitimidade nos anseios escondidos, ocultos, da sociedade.
Os integrantes da Lava Jato atendiam a uma
demanda social?
Vianna: É, eles foram levados à desgraça pelo sucesso. Foi um grande sucesso, não é? Chegou-se até a especular uma candidatura de Moro a presidente da República.
Isso está afastado?
Vianna: Está. Moro sai desse processo inteiramente
desqualificado como juiz. Ele foi parcial. Ex-juiz Sergio Moro
Que saldo fica?
Vianna: O saldo primeiro, para mim, é o de que não se deve combinar ação política com ação judiciária. São duas dimensões: a política é uma coisa, a Justiça é outra. Houve essa combinação esdrúxula, e deu no que deu.
Mas isso, de certa forma, continua, não?
Porque agora, com a decisão de Fachin, a Justiça também interveio na
política...
Vianna: Ah, continua. Isso agora faz parte do nosso DNA. A política se judicializou no Brasil. Por falta de política, falta de partido. Não se veem medidas judiciais interferindo na questão sanitária brasileira? Na compra de vacina? No lockdown? Isso foi trazido para a política pelos erros da própria política. E agora dificilmente sai.
Quais são as consequências do retorno de Lula
à política?
Vianna: O fato é que, para escapar da polarização extremada, Bolsonaro e Lula, seria preciso que as forças do centro tivessem outra capacidade de interferir nos acontecimentos. Mas o centro está fraco também!
Existe centro na política, com chances de
sucesso eleitoral?
Vianna: Não sei se o centro vai se reconstituir. Ele pode se
reconstituir para ter um papel marginal. Penso que, se o PT tiver maior
lucidez, não vai ser o protagonista da sucessão. Seria, nessa minha
projeção utópica, o construtor de uma frente de centro-esquerda. Ele
participaria, evidentemente, ativamente. Agora, sem o papel principal. É
possível? Ele não tem história disso. Sempre procurou ser o protagonista. E
ficou claro, no discurso de Lula, que isso vai persistir. LULA faz pronunciamento após decisão do ministro Edson Fachin (STF)
Voltando à Lava Jato: a postura messiânica do
Ministério Público e da Justiça acabou?
Vianna: A Lava Jato está acabada. Morreu de morte morrida.
Não foi de morte matada?
Vianna: Não.
Não foi o STF que matou?
Vianna: Pode ter sido um golpe de misericórdia, mas estava morta. Passou da conta. Foi um projeto messiânico de salvação do Brasil pela reparação da criminalidade, pela punição, pela extirpação do crime. Isso é uma proposta fora de sentido. Os males do Brasil não são esses. Tem corrupção, sempre teve. É necessário que se combata a corrupção de outra forma, não de uma forma que comprometa todo o tecido político, como se fez. Queriam salvar o País por mecanismos judiciários, pelo Código Penal. Não é por aí.
Em 2022, um candidato com a bandeira do
combate à corrupção seria então enfraquecido?
Vianna: Olha, a bandeira da luta contra a corrupção não fará parte da próxima sucessão eleitoral de forma protagônica. Vai ser um tema adjetivo, lateral.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Domingo, 14 de março de 2021 – Pág. A7 – Internet: clique aqui (acesso em: 16/03/2021).
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