«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 30 de outubro de 2021

31º Domingo do Tempo Comum – Ano B – HOMILIA

 Evangelho: Marcos 12,28b-34 

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos. Naquele tempo: 28b Um mestre da Lei, aproximou-se de Jesus e perguntou: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» 29 Jesus respondeu: «O primeiro é este: Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. 30 Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força! 31 O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo! Não existe outro mandamento maior do que estes». 32 O mestre da Lei disse a Jesus: «Muito bem, Mestre! Na verdade, é como disseste: Ele é o único Deus e não existe outro além dele. 33 Amá-lo de todo o coração, de toda a mente, e com toda a força, e amar o próximo como a si mesmo é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios». 34 Jesus viu que ele tinha respondido com inteligência, e disse: «Tu não estás longe do Reino de Deus». E ninguém mais tinha coragem de fazer perguntas a Jesus.

Palavra da Salvação. 

Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

Amar é mais importante que tudo!

No Templo de Jerusalém, Jesus acusou a casta sacerdotal governante de ter transformado o Templo em um covil de ladrões [Mc 11,15-19]. Não só isso, mas ele acusou os líderes de serem assassinos que irão matá-lo por causa de seus interesses [Mc 12,1-12]. Claro que eles querem matar Jesus, mas não podem porque têm medo da multidão e, por isso, há toda uma série de ataques contra Jesus para tentar difamá-lo, ataques dos quais Jesus sai cada vez mais forte. Portanto, após o ataque dos fariseus e dos saduceus, é agora a vez do escriba, lemos isso em Marcos, capítulo 12, do versículo 28 ao 34. 

Marcos 12,28b: «Um mestre da Lei, aproximou-se de Jesus e perguntou: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?”»

O «então», advérbio que se encontra no início do versículo 28, está ligado a esses ataques a Jesus. Os escribas são os teólogos oficiais da época que já decidiram que Jesus deve ser eliminado. O evangelista disse que estavam procurando uma maneira de fazê-lo morrer. Para se ter uma ideia, já no segundo capítulo do Evangelho de Marcos [2,6-7], eles acusaram Jesus de ser um blasfemador e, portanto, ele tinha que morrer. A pergunta que o escriba põe a Jesus não é para aprender, ele já sabe a resposta, mas quer verificar qual é a posição de Jesus, porque Jesus tem uma atitude bastante distanciada em relação aos mandamentos. Qual é o primeiro de todos os mandamentos?

O primeiro de todos os mandamentos é o mandamento que Deus também guarda e qual é o mandamento que Deus guarda?

O repouso do sábado. Portanto, a observância do descanso no sábado equivale à observância de toda a lei. A transgressão do sábado equivale à transgressão de toda a lei e, por isso, é punida com a morte. E Jesus não guardou o sábado, ele cometeu várias transgressões neste dia. Por essa razão, a questão não visava aprender, mas controlar, acusar. 

Marcos 12,29-30: «Jesus respondeu: “O primeiro é este: Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força!»

A resposta de Jesus é surpreendente porque o escriba perguntou-lhe qual é o primeiro, o mais importante de todos os mandamentos. Bem, Jesus não menciona nenhum mandamento. Jesus se refere ao credo de Israel, Shemá Israel, «Escuta Israel», a oração que os judeus tinham que recitar duas vezes ao dia, de manhã e à noite, que se encontra no livro de Deuteronômio no capítulo sexto, do versículo 4 ao 5, mas não cita o Decálogo. Jesus acrescenta o possessivo ao texto hebraico: teu Deus, teu coração, tua alma, teu entendimento, tua força. Isso serve para mostrar a imediação, a força desse comando. A expressão «com toda a sua alma», é a vida, a psique em grego. 

Marcos 12,31: «... O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo! Não existe outro mandamento maior do que estes”.»

Mas para ser autêntico o amor a Deus deve ser traduzido em amor ao próximo e, então, Jesus acrescenta a esta oração um preceito retirado do livro de Levítico, no capítulo 19, versículo 18. Portanto, existe um amor absoluto a Deus e um amor relativo ao próximo. Este é o ensinamento para a comunidade judaica, mas não para a comunidade de Jesus. Na comunidade de Jesus um único mandamento será deixado onde o amor a Deus não é necessário porque o Deus de Jesus não absorve os homens, mas comunica suas energias e Jesus dirá: «Deixo-vos um novo mandamento, que vos ameis uns aos outros», encontramos isso no Evangelho de João, no capítulo 13, versículo 34. E Jesus, depois de ter expressado isso, confirma ao escriba que não há mandamento mais importante do que este. 

Marcos 12,32-33: «O mestre da Lei disse a Jesus: “Muito bem, Mestre! Na verdade, é como disseste: Ele é o único Deus e não existe outro além dele. Amá-lo de todo o coração, de toda a mente, e com toda a força, e amar o próximo como a si mesmo é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios”.»

Finalmente, o escriba se volta para Jesus chamando-o de «mestre», seu ensinamento é reconhecido. Em sua resposta, o escriba omite a vida [alma]. No entanto, o escriba finalmente entende algo novo: o amor a Deus e ao próximo «vale mais do que todos os holocaustos e sacrifícios». O profeta Oséias já havia dito isso, era o Senhor quem falava: «Pois é amor que eu desejo e não sacrifício ritual, conhecimento de Deus mais que holocaustos» [Os 6,6], é isso que o Senhor quer e que Jesus voltou a propor, não um sacrifício a Deus, mas um amor pelos outros. Isso é mais importante do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios. 

Marcos 12,34a: «Jesus viu que ele tinha respondido com inteligência, e disse: “Tu não estás longe do Reino de Deus”.»

Jesus diz ao escriba que ele não está longe do Reino de Deus, porém ele não está perto. Por quê? Porque para entrar no Reino de Deus a conversão é necessária e a conversão baseia-se nas três atitudes que Jesus exige:

a) em vez de acumular para si, partilhar generosamente com os outros;

b) em vez de se elevar acima dos outros, rebaixar-se com os menores; e

c) em vez de mandar, servir, mas tudo isso é difícil para um escriba. 

Marcos 12,34b: «E ninguém mais tinha coragem de fazer perguntas a Jesus.»

O evangelista conclui que ninguém tinha coragem de questioná-lo mais, mas não há reação do escriba, ele não aceita o convite para fazer parte do Reino de Deus. A sua questão era uma questão teórica, uma opinião escolástica, teológica, permanece na sua tradição e não aceita o convite de Jesus. Até porque, para entrar no Reino teria de se rebaixar e pôr-se a servir, e isto, ao ilustre teólogo, a um teólogo oficial que ocupava uma posição importante na sociedade era quase impossível. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

Como é difícil passarmos da “teoria” à “prática”!

Esse pensamento me vem em mente, ao ler e refletir sobre a passagem do Evangelho deste domingo. Há pessoas, dentro e fora da Igreja, que sabem muito bem o que diz a Bíblia, o que dizem os Padres da Igreja (os teólogos dos primórdios do cristianismo), o que diz a doutrina cristã, o que dizem os documentos do Magistério eclesial, o que diz o Catecismo da Igreja Católica. Porém, não conseguem viver, de verdade, aquilo que sabem! 

O mais famoso educador brasileiro, e um dos maiores pedagogos que o mundo recente já teve, Paulo Freire (1921-1997), tem uma frase lapidar sobre essa questão:

«A teoria sem a prática vira “verbalismo”, assim como a prática sem teoria vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se a PRÁXIS, a ação criadora e modificadora da realidade.»

É por isso que as ações, meramente exteriores e rituais, tais como os sacrifícios e holocaustos realizados no Templo de Jerusalém, não agradam a Deus nem muda a vida de ninguém! Bem como, as práticas de devoção exteriores e tradicionais, por si só, não salvam e não indicam que seus praticantes sejam seguidores verdadeiros do Mestre, de Jesus Cristo. 

Jesus deixa claro que o fundamental em nossa vida é a vivência do AMOR! Como destaca, corretamente, frei Maggi em seu comentário acima, para Jesus nem há necessidade de se mencionar o mandamento do amor a Deus, pois é o amor ao próximo que determina quem somos e o que fazemos neste mundo! É impossível amar a Deus sem amar ao próximo, como nos adverte a Primeira Carta de João (4,20):

«Se alguém disser: “Amo a Deus”, mas odeia o seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê.»

Aliás, a verdadeira religião, a autêntica fé em Deus é aquela que se traduz em prática, em amor, em cuidado e atenção aos necessitados, em ajuda mútua sem esperar e solicitar NADA em troca. Apenas, pela alegria de aliviar a dor e aumentar a felicidade das pessoas! É isso que nos HUMANIZA, é isso que nos faz ser CRISTÃOS, CRENTES EM DEUS! Ouçamos a confirmação disso, lendo a Carta de Tiago (1,27):

«Religião pura e sem mancha diante de Deus e Pai é esta: assistir órfãos e viúvas em suas dificuldades e guardar-se da contaminação do mundo.»

Concluo citando um feliz e acertado pensamento do teólogo espanhol José María Castillo: “esta força do amor é o que mais nos une aos outros e ao Ser Transcendente, ao sentido último da vida”.


 Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Entramos contigo, Senhor Jesus, na terra prometida onde tu mesmo te fazes o nosso “leite” fazendo-nos saborear, aos poucos, o alimento da tua Palavra. Tu, Jesus, és o “mel” que adoça o amargo de estarmos longe de ti. Ensina-nos a amar o Pai com todo o coração e com toda a mente e com toda a força e amar o próximo como a nós mesmos. É a estrada principal dos teus mandamentos, Jesus, nela corremos com a certeza de que, se acolhermos a tua Palavra, “tu e o Pai virão até nós”. Então, não temeremos mais os dias de desventura nem os nossos inimigos; porque tu, Senhor, és nosso apoio, tu nos concedes grandes vitórias e és fiel para sempre. Amém.» 

(Fonte: Carlos Mesters. 31ª domenica del tempo ordinario. In: Anthony Cilia, O.Carm. [Org.] Lectio Divina sui vangeli festivi per l’anno litúrgico B. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 600.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – XXXI Domenica Tempo Ordinario – 04 novembre 2018 – Internet: clique aqui (acesso em: 27/10/2021).

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Fanatismo religioso faz mal

 O pastor que não ressuscitou e a fé idiotizada numa ópera neopentecostal bufa

 Ricardo Nêggo Tom

Cantor e compositor brasileiro

Pastor Huber Carlos Rodrigues, que disse que ressuscitaria após três dias de sua morte, junto à sua esposa, a qual alega que seu marido não ressuscitou porque "Deus tem seus motivos"!
 

O caso de um pastor da cidade de Goiatuba evidencia o quão dificultoso é dialogar, política e racionalmente, com os neopentecostais evangélicos

Há um debate em torno de uma suposta arrogância por parte da esquerda, por ela não dialogar com os evangélicos brasileiros e ainda considerá-los “ignorantes”. Obviamente, provocar essa reflexão é tão válido quanto tentar entender a fé idiotizada de boa parte do rebanho de ovelhas neopentecostais, que se submetem à vara santa e ao cabresto ungido de pastores que, quando não são reconhecidamente charlatães e exímios picaretas, são lunáticos, esquizofrênicos e viajantes na maionese ungida. 

O caso de um pastor da cidade de Goiatuba, município de Goiás, que morreu, mas havia pedido ainda em vida que não fosse enterrado, pois ressuscitaria no terceiro dia após a sua morte, como Deus lhe havia prometido, evidencia o quão dificultoso é dialogar, política e racionalmente, com os neopentecostais evangélicos. Mais absurda do que a profecia do líder religioso, foi a presença de dezenas de fiéis em seu velório tentando impedir o sepultamento e pedindo para que o caixão fosse aberto, na fé de que a tal “promessa de Deus” se cumprisse. Às vezes, penso que estamos vivendo um apocalipse a conta gotas, retratado através de uma ópera neopentecostal bufa. 

Foi esse tipo de cristão neopentecostal que acreditou na possibilidade de ressurreição do pastor, que votou em Bolsonaro dizendo que ele era um novo messias. Um homem enviado por Deus para defender a família tradicional brasileira, acabar com a corrupção e resgatar os valores morais da sociedade. O puro suco da ignorância religiosa e da fé idiotizada sob as pregações de falsos profetas, aproveitadores da inocência e da estupidez humana.

Rumo a um abismo profético e existencial, esses fiéis seguem dando glórias aos lobos vorazes que vestidos em pele de cordeiro os convencem de que eles estão a caminho do céu.

Se os roteiristas da facada em Bolsonaro tivessem tido mais um pouquinho de criatividade, teriam planejado a sua ressurreição três dias após o suposto atentado, após uma “oração de poder” feita por algum dos líderes neopentecostais que o bajulam. O problema seria definir quem seria o “ungido” responsável por ressuscitar o mito. Malafaia? Edir Macedo? Marco Feliciano? R.R. Soares? Qualquer um dos escolhidos representaria fielmente a manifestação da vigarice e da picaretagem que permeia e pontua a “unção” e a ação desses seres nefastos e oportunistas que...

Muitos pastores e líderes de igrejas neopentecostais "venderam a alma ao demônio" a fim de terem privilégios, verbas públicas e concessões de rádio e TV

... oferecem aos mais incautos um deus dinheirista, violento, desonesto, preconceituoso e fanfarrão.

A lavagem cerebral e a alienação promovida por tais líderes, são responsáveis por tornar milagre, aquilo que é apenas tosco e trash (= lixo). Se Deus castigasse mesmo as pessoas que brincam com o seu nome, não haveria mais neopentecostais evangélicos na face da terra. Mas há quem jure que ele se ira mesmo é com esquetes de grupos de humor e com enredos de escolas de samba. Ele teria mandado até a Covid 19 para punir a humanidade, depois de ter sido exposto no desfile da Mangueira em 2019. Apoiar a um genocida, miliciano, corrupto e coautor de mais de 600 mil mortes no país, tudo bem. É a sua vontade. 

É triste constatar que o medievalismo da religiosidade cristã foi reinventado e Deus foi novamente sequestrado por um grupo de fundamentalistas sem fundamento e sem racionalidade.

Me desculpem a sinceridade, mas se a esquerda quiser mesmo dialogar com essas pessoas falando uma linguagem que elas entendam, terá que prometer a indicação de Jesus Cristo para uma vaga no STF no próximo governo Lula e instituir o Antigo Testamento como a nova constituição da república. E se Jesus Cristo não corresponder às expectativas, “a gente tira” e pede intervenção alienígena e a volta da ditadura dos dinossauros. 

Que Deus ressuscite o cérebro dessa gente. 

Fonte: Brasil 247 – Colunista – Terça-feira, 26 de junho de 2021 – 17h40m (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui (Acesso em: 29/10/2021).

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

A Igreja em tempo de sinodalidade

 O Sínodo “vai exigir que a gente repense as estruturas da Igreja”

 Luis Miguel Modino 

Entrevista com Agenor Brighenti

Doutor em Ciências Teológicas e Religiosas na Universidade Católica de Lovaina (Bélgica), especializado em Pastoral Social e Planejamento Pastoral pelo Instituto Teológico-Pastoral do Celam (Medellín, Colômbia) e licenciado em Filosofia pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Tubarão, SC). 

As consequências desse Sínodo vão depender muito do processo de escuta. Na medida em que escuta o clamor, as demandas, os desafios, a Igreja também se converte à realidade

 

Você acaba de ser nomeado membro da Comissão teológica do Sínodo sobre a Sinodalidade. O que representa essa nomeação em seu trabalho como teólogo?

Agenor Brighenti: É um serviço que a gente acolhe com muita alegria, apesar do grande desafio e das dificuldades que se vá encontrar, mas é um momento único na Igreja. A gente nunca tinha pensado que a sinodalidade pudesse ser uma realidade estrutural, porque vai ter um momento nas igrejas locais. A partir dali vai ter um momento continental, nos cinco continentes, para desembocar numa assembleia geral.

Nós podemos dizer que vai ser uma experiência única para a Igreja como um todo, porque nós teremos o Sínodo dos Bispos naquela perspectiva da Constituição Episcopalis Communio, que quer fazer da assembleia do Sínodo uma assembleia do Povo de Deus, onde a Igreja se configura como uma Igreja de igrejas, uma comunhão de igrejas locais. A sinodalidade, ela é expressiva realmente quando ela é expressão da voz do Povo de Deus através das Igrejas locais. É um fato inusitado de Francisco que a gente acolhe com muita alegria e que a gente vai tentar colaborar na medida do possível. 

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Revendo o papel dos bispos na Igreja 

Fala sobre sinodalidade como uma dimensão estrutural da Igreja, que na verdade não é algo novo e sim uma proposta que surgiu do Concílio Vaticano II. Por que aconteceram tantas dificuldades para, só depois de quase 60 anos, se assumir essa dimensão estruturante que o Concílio marcava como um elemento fundamental?

Agenor Brighenti: Nós estamos num processo de recepção do Concílio Vaticano II, que é um processo de renovação da Igreja em grandes proporções, e um dos aspectos em que se teve grande dificuldade de avançar foi justamente no exercício da sinodalidade. Como fazer que o “sensus fidei” pudesse ser expressão da Igreja como um todo, desde as igrejas locais, as instâncias intermediárias, como são as conferências episcopais nacionais e continentais, e sobretudo a questão da Cúria Romana.

O Papa Francisco, ele está dando passos muito decisivos e consequentes na implementação dessa sinodalidade, que teologicamente já está na reflexão do Vaticano II, mas que do ponto de vista da sua operacionalidade, se caminhou muito pouco. O grande desafio era situar a episcopalidade ou a colegialidade episcopal no seio da sinodalidade eclesial.

Sempre foi algo difícil na Igreja isso, situar o BISPO como membro do Povo de Deus, não como condutor do Povo de Deus, não como mestre do Povo de Deus, não como alguém que comanda o Povo de Deus, mas como MEMBRO do Povo de Deus.

A Conferência de Aparecida, e isso é muito interessante nesse sentido, situa os bispos como membros do Povo de Deus, e Francisco tem insistido que os bispos não podem ser uma espécie de elite na Igreja, eles precisam ser inseridos dentro do Povo de Deus. Mesmo quando há um organismo como uma conferência episcopal ou como um sínodo, que é de bispos, ele não pode ser expressão simplesmente de um setor da Igreja. Se há uma reunião de um segmento da Igreja, ele deve ser porta voz de todo esse sentir comum do Povo de Deus.

Nesse sentido, na atualidade, a renovação do Vaticano II dá um passo substancial, como vai ser também a reforma da Cúria, como vai se pensar, certamente, o estatuto das conferências episcopais nacionais, para que sejam expressão de uma assembleia eclesial e não simplesmente de bispos. Como se vai repensar também certamente o papel do bispo nas dioceses, por que...

... canonicamente os bispos, dentro da Igreja local, eles são muito pouco sinodais do ponto de vista do Direito Canônico, tanto que conselhos e assembleias são facultativos.

Certamente, com esse sínodo vai se sentir necessidade de fazer com que esses organismos de comunhão, que hoje na Igreja existem mais ou menos funcionando, mas que eles precisam ser não facultativos, mas obrigatórios. Como a Igreja vai ser Povo de Deus, sinodal, o Povo de Deus vai exercer o “sensus fidei” se não há organismos estáveis que assegurem essa participação efetiva de todos no discernimento e na tomada de decisões daquilo que é relativo à vida pastoral. 

Mesmo aos trancos e barrancos, a gente pode dizer que a América Latina tem sido o continente onde tem se realizado maiores esforços nessa tentativa de viver a sinodalidade. O que pode aportar a Igreja da América Latina e do Caribe ao próximo Sínodo sobre a Sinodalidade?

Agenor Brighenti: A Igreja na América Latina, ela tem sido muito pioneira em muitos aspectos da recepção do Vaticano II, tanto que se diz que aqui houve uma recepção criativa do Concílio. Não no sentido de simplesmente repetir ou implementar a letra de um texto, mas aqui se fez uma recepção dentro do nosso contexto latino-americano. Por exemplo, categorias como nova evangelização, conversão pastoral, e essa renovação com relação a organismos eclesiais mais de comunhão e participação e mais sinodais, tem sido também a Igreja da América Latina uma pioneira.

Medellín, enquanto conferência continental, já tinha havido em 1955 em Rio de Janeiro, são conferências pioneiras. Que um continente receba um concílio de maneira tão consequente, incisiva, como foi a partir de Medellín e depois Puebla. Também foi inspirador para a Igreja como um todo o Sínodo da Amazônia, porque o Sínodo da Amazônia é o primeiro sínodo que foi feito sobre a inspiração da Constituição Episcopalis Communio.

Nesse sentido, a assembleia sinodal do Sínodo da Amazônia foi muito mais do que uma conferência simplesmente de bispos, sobretudo, o processo de escuta, que foi muito inovador enquanto ao envolvimento de todas as Igrejas locais de toda a região amazônica. Essa escuta desembocou na aula sinodal, não simplesmente através dos bispos, mas também de outros atores como os indígenas, as mulheres, leigos também. Depois, a consequência do Sínodo da Amazônia, que pediu um organismo episcopal representativo para a região e a partir da ideia de um organismo episcopal, veio, até por sugestão do Papa Francisco, um organismo eclesial e não só episcopal.

A partir da experiência do Sínodo da Amazônia é que nós temos também um passo muito mais consequente no Sínodo dos Bispos, tanto relativo:

* ao processo de escuta, agora envolvendo todas as Igrejas locais do mundo inteiro, como também, depois,

* na assembleia geral, que vai passar pelos continentes.

Aí está a reafirmação da importância do Celam [Conselho Episcopal Latino-Americano] na Igreja universal, dos nossos 5 documentos, que tem sido uma reflexão importante para outras Igrejas.

Também Aparecida, a gente sabe do peso que tem Aparecida, tanto que a nova Assembleia Eclesial no continente, o Papa pediu que não se redija um outro documento, mas que se retome Aparecida, porque realmente é um documento, como está expresso na Evangelii Gaudium, que é capaz de continuar iluminando a Igreja no continente por muito tempo ainda. Como tem sido iluminador para outros continentes através da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, que bebe muito de Aparecida.

Este sínodo, conta com este novo perfil. Nosso Papa, que é latino-americano, também se deixou inspirar e auxiliar por essa experiência de Igreja presente na América Latina, de modo especial, agora, a Igreja presente na Amazônia. 

Para baixar, gratuitamente, este documento fundamental do pontificado de Papa Francisco, basta clicar aqui

Retomando a visão de Igreja – eclesiologia – do Concílio Vaticano II 

A Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe retoma as ideias de Aparecida e a metodologia do Sínodo para a Amazônia, sobretudo no processo de escuta. Poderíamos dizer que essa Assembleia Eclesial está sendo uma ponte, um banco de prova para o próximo Sínodo sobre a Sinodalidade?

Agenor Brighenti: Sem dúvida essa experiência da Assembleia Eclesial, como ela vem antes do Sínodo sobre a Sinodalidade, certamente vai ser um bom aprendizado. Nessa Assembleia latino-americana e caribenha existem duas novidades:

1ª) uma primeira novidade é o próprio perfil da Assembleia, que não é episcopal, mas eclesial. Também, já estamos no processo de escuta e se está envolvendo todas as Igrejas locais. Nesse sentido, vai muito em sintonia.

2ª) A retomada de Aparecida, e nada mais é do que o resgate da renovação do Concílio Vaticano II, que durante as últimas décadas nós havíamos ficado num marca passo, quando não no retrocesso. Retomar Aparecida é retomar a renovação do Vaticano II, e nada mais é objeto do próximo Sínodo dos Bispos.

A reflexão sobre a sinodalidade nada mais é do que retomar, com força e consequência, a eclesiologia do Concílio Vaticano II de uma Igreja Povo de Deus e da necessidade do exercício do sensus fidelium na Igreja.

Da mesma forma que o Sínodo da Amazônia, ele foi precursor e inspirou e ajudou a Assembleia Eclesial Latino-americana, que já estamos no processo de escuta, ela vai ser um aprendizado e vai ser muito inspiradora também para se aprimorar o processo do Sínodo que se vai viver a partir de outubro deste ano, em que se dará o processo de escuta nas igrejas locais, as dioceses. 

A sinodalidade pode ser vista como o caminho contrário ao clericalismo. Existe realmente aceitação na hierarquia, no episcopado, no clero, desse caminho da sinodalidade ou, ainda, na prática, na base, há dificuldades diante dessa proposta do Papa Francisco?

Agenor Brighenti: Aparecida denuncia que faltou coragem, faltou audácia, na Igreja da América Latina, para levar adiante a renovação do Vaticano II e das conferências anteriores. Diz Aparecida que a expressão dessa falta de audácia, de coragem e de docilidade ao Espírito é:

* a volta de eclesiologias pré-conciliares,

* a volta de espiritualidades pré-conciliares, e o documento original de Aparecida também nomeava

* a volta do clericalismo como retrocesso em relação à renovação do Vaticano II.

Quando se retoma o Vaticano II, a questão da sinodalidade, sem dúvida, está no centro, aí está aquilo que o Papa Francisco chama um câncer na Igreja, que é o clericalismo. É dos clérigos, evidentemente, mas também de uma elite de leigos clericalizados, que imitam, evidentemente, o exemplo que eles têm. Nós poderíamos dizer que, do ponto de vista eclesiológico, aquilo que é um passo importante do Vaticano II, que é essa superação desse binômio clero-leigos, substituído por um outro binômio que é comunidade-ministérios, a Igreja toda ela ministerial e sinodal.

Do ponto de vista teológico, o passo que nós havíamos dado e as experiências que havíamos feito, poderíamos dizer que nessas décadas de involução eclesial, perdemos muito terreno e hoje volta o clericalismo com força, voltam as eclesiologias pré-conciliares com força. É preciso ainda, infelizmente, trabalhar essa conversão que Aparecida fala no nível da consciência eclesial, que é retomar a eclesiologia do Vaticano II.

Aí é um campo a percorrer, que não é tão fácil, mas o mais difícil ainda é colocar em prática essa eclesiologia, através da implementação de um modelo de Igreja que seja expressão da corresponsabilidade de todos os batizados. Seja expressão também da igualdade e dignidade de todos os ministérios, como diz a Lumen Gentium.

A dificuldade é colocar em prática essa Igreja, toda ela comunidade, em que todos sejam sujeitos.

E isso se faz através dos organismos de comunhão e participação, como são as assembleias, os conselhos e as equipes de coordenação.

Poderíamos dizer que está aí um desafio grande, no campo inclusive da consciência e da mentalidade, e um desafio ainda maior quando nós vamos para a operacionalização dessa eclesiologia que retrocedemos. Aí nós precisamos resgatar o que havíamos ganho, mas avançar inclusive ao patamar em que nós estávamos quando começamos esse processo de retrocesso em relação à renovação do Vaticano II. 

PAPA FRANCISCO

O que marca o pontificado de Papa Francisco 

Na última Assembleia do CELAM, na análise da conjuntura eclesial, Austen Ivereigh, um dos biógrafos do Papa Francisco, definia o atual pontífice como o Papa que passará na história como o Papa da Sinodalidade. Poderíamos dizer que este Sínodo é o ápice do pontificado do Papa Francisco?

Agenor Brighenti: O Papa Francisco, ele tem diversas frentes de reforma, de renovação. A questão da sinodalidade, sem dúvida que é uma questão importante. Desde a primeira hora, ele tomou a questão da reforma da Cúria, tornando-a mais sinodal, como uma tarefa deste pontificado, que vai bastante avançada, e este ano, quem sabe, até se tenha uma luz no fundo do túnel.

Mas eu diria também que o Papa Francisco é o Papa que vai ajudar a entender a missão da Igreja não naquela perspectiva da cristandade, que é uma missão que consiste em sair para fora para trazer pessoas para dentro da Igreja Católica, mas uma missão que é uma Igreja em saída, no sentido de uma Igreja que vai, como sacramento do Reino, tornar presente o Reino de Deus no mundo. Ele tem dito em Evangelii Gaudium, número 176, que

... EVANGELIZAR é tornar presente o Reino de Deus no mundo, essa é a missão da Igreja.

Portanto, um segundo campo importante desse pontificado é marcar a missionariedade da Igreja, uma missão centrífuga, para fora. Uma Igreja que rompa e supere uma postura autorreferencial, típica de uma mentalidade de cristandade. Esse é um passo também gigantesco. E nesse particular, Francisco pede muito da Igreja na América Latina. Aí está Aparecida, em cuja conferência ele esteve presente também, que tematiza isso com muita propriedade.

Juntamente com a Igreja em saída, um outro aspecto importante do pontificado de Francisco, é levar a Igreja para as periferias e para as fronteiras, que é outro tema importante. Porque nas periferias estão os excluídos, e nesse campo da exclusão, o pontificado de Francisco resgata com toda força e consequência, um modelo de Igreja de João XXIII, uma Igreja pobre e para os pobres, que seja uma Igreja de todos, e de modo particular a opção pelos pobres na América Latina.

Neste pontificado, a questão dos pobres, juntamente com a sinodalidade e a missão são uma marca central, importante, e que vai muito ao encontro com a caminhada da Igreja na América Latina. E junto ao tema das periferias está também aí o tema das fronteiras. A fronteira é o espaço de encontro com os diferentes e com as diferenças.

E esse pontificado tem dito desde a primeira hora, que a gente precisa sair para as periferias, sair para as fronteiras, mas sem a tentação, diz o Papa Francisco, de domesticar as fronteiras.

Não é ir para as periferias, ir para as fronteiras e trazer essas diferenças para dentro da Igreja e domesticá-las, e fazê-las, no fundo, parecidas conosco.

Aí está algo muito desafiante desse pontificado, que é a relação com os diferentes, mas abrindo-se a acolher as diferenças, e deixar-se enriquecer pelas diferenças, e que as diferenças não são uma ameaça, mas que as diferenças são instâncias de novas possibilidades, que nós podemos enriquecer, nós podemos lá no fundo também ampliar o serviço de diálogo e de presença da própria Igreja. A fronteira é esse mundo pluralista, diversificado que está aí, no seio do qual a Igreja precisa viver. Pelo menos essas bandeiras são muito fortes no pontificado de Francisco, juntamente com a sinodalidade. 

As consequências que o Sínodo poderá trazer 

Quais as perspectivas que abre este Sínodo, não somente para a Igreja universal, mas também para a Igreja em nível diocesano e em nível comunitário?

Agenor Brighenti: As consequências vão depender muito do processo de escuta, porque, na medida que se escuta o clamor, as demandas, os desafios, a Igreja também se converte à realidade, abre-se a possibilidade de uma conversão aos ideais do Evangelho. Mas, sem dúvida, esse processo, se ele é bem feito em nível das Igrejas locais, ele vai, depois, provocar processos, vai provocar necessidade de sermos mais consequentes com ele.

Nesse particular vai exigir que a gente repense as estruturas da Igreja, não só, como se está fazendo, agora, em nível de Cúria Romana, mas vai ter que:

a) repensar as estruturas desde as comunidades eclesiais mais de base,

b) repensar a estrutura da paróquia,

c) da diocese,

d) de uma conferência episcopal nacional ou continental, no sentido de que sejam estruturas flexíveis de comunhão e participação, que possibilite a efetiva presença da Igreja, como um todo, nos processos de discernimento e também de tomada de decisão.

E para que isso aconteça, certamente vai haver a necessidade de repensar muitos dos estatutos das instituições que a Igreja tem na atualidade. E haverá, certamente, a necessidade de reforma, inclusive, de alguns cânones do próprio Direito Canônico, para acolher essa sinodalidade em sua experiência concreta, também do ponto de vista jurídico. Porque o Direito precisa segurar os passos que se vão dar, e que já se estão dando, eles realmente sejam assegurados e que não haja possiblidade, segundo a mudança das pessoas, que se volte a estágios anteriores.

Se esse Sínodo for bem vivenciado nas Igrejas locais, continental e na Igreja toda, certamente haverá consequências em todos os níveis, positivas, no sentido de uma Igreja muito mais comunhão e participação, que aliás é um binômio que o Papa propõe. Comunhão, participação, sinodalidade são categorias de nossa Igreja da América Latina, que no fundo é o Vaticano II, Igreja comunhão. E como é que vai haver comunhão, não pode ser algo simplesmente espiritual ou algo simplesmente afetivo.

Tem que haver também participação efetiva para que haja comunhão verdadeira.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 23 de junho de 2021 – Internet: clique aqui (Acesso em: 28/10/2021).

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Não tem desculpa para isso!

 Pastores e padres indesculpáveis

 Zé Barbosa Junior

Teólogo, escritor, pastor da Comunidade Batista do Caminho, em Campina Grande (PB) 

ZÉ BARBOSA JUNIOR

Padres, pastores, médiuns e outras lideranças que insistem no bolsonarismo são, inequivocadamente, representantes do que há de pior em suas religiões. Quem dera fossem cegos guiando cegos, mas não são!

Não há mais como “passar pano”. Na verdade, nunca houve, mas alguns ainda tentavam aliviar a barra de líderes religiosos que apoiam Bolsonaro, muitas vezes alegando um certo desconhecimento ou até mesmo o famigerado (e, para mim, uma superarticulação da direita) “antipetismo”. 

Mas o tempo passou e ficou evidente o que sempre foi: um projeto de poder e de imposição do pensar religioso desses falsos líderes sobre o povo brasileiro. Uma hegemonia conquistada na marra, de cima para baixo, daí cair como uma luva o slogan “Deus acima de todos”. Nunca foi pelo povo, sempre foi pelo poder. Pastores e padres que apoiam Bolsonaro são, portanto, indesculpáveis. O caminho do perdão, caso haja arrependimento, há de passar pela confissão pública. Caso contrário, esqueça! 

Impossível conciliar o Evangelho do Cristo com a barbárie do falso messias Jair.

Os absurdos, a violência, a mentira descabida e celebrada, a cultura do ódio e a total insensibilidade diante de tantas mortes e de um país à beira da miséria não deixam nem um pequeno vislumbre de “luz no fim do túnel” ou até mesmo de uma centelha de humanidade onde esses líderes possam se agarrar.

O projeto do atual presidente é perverso, sórdido, ganancioso, violento e essencialmente mau. Não há para onde fugir.

Padres, pastores, médiuns e outras lideranças que insistem no bolsonarismo são, inequivocadamente, representantes do que há de pior em suas religiões. Quem dera fossem cegos guiando cegos, mas não são. São homens e mulheres perversos e pervertidos, que enxergam muito bem a situação e tomaram posição diante disso. Cegos ainda são alguns de seus seguidores. Mas não nos enganemos, muitos desses seguidores são tão levianos quanto seus líderes, daí a identificação total, o aparelhamento pleno, a vil comunhão. 

JAIR BOLSONARO e SILAS MALAFAIA - presidente da República e pastor juntos! Eles se merecem, sem dúvida alguma!

Já não creio mais no arrependimento da maioria deles. São seres pérfidos que têm como obsessão na vida o poder, o status, e a conta repleta de dólares nos únicos paraísos que lhes interessam: os fiscais.

São covardes que fazem do discurso religioso (que deveria sempre primar pela autonomia e liberdade do ser) para enriquecerem, construir impérios e celebrarem a si mesmos.

O deus deles, numa linguagem bíblica, é o próprio ventre:

 «O fim deles é a perdição, o deus deles é o ventre, a glória deles está no que é vergonhoso. Só pensam nas coisas terrenas!» (Fl 3,19)

Mas eles também sabem, ainda que a contragosto, que seus dias não serão eternos. Sabem que sua maldade em algum momento será exposta e a retribuição virá. Ninguém passará incólume. Seus nomes ocuparão as páginas mais infelizes de nossa memória.

Serão lembrados como falsos profetas, vendilhões da fé, lobos devoradores, espíritos inferiores.

Estarão para sempre no esgoto da história! Amém! 

Fonte: Revista FÓRUM – Opinião – Segunda-feira, 25 de outubro de 2021 – 22h17min – Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui (Acesso em: 27/10/2021).

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

O que explica o sucesso de “Round 6”?

 Fascínio de crianças, crítica ao capitalismo e cinema coreano

 Camila Tuchlinski e Daniel Fernandes

Jornalistas 

Uma das gincanas mortais da série "ROUND 6" é a brincadeira infantil "batatinha 1, 2, 3". Foto: Netflix

Usando brincadeiras infantis para perpetrar assassinatos em massa, seriado, visto por 111 milhões de pessoas na Netflix, preocupa pais e professores; faixa etária é 16 anos

A pergunta que muitos pais têm escutado de seus filhos pequenos, ultimamente, é uma variação entre ‘Posso assistir?’ e ‘Todo mundo já viu, só eu não. Por que?’ As perguntas não são novas. São feitas desde sempre por crianças que não entendem a restrição - ou a entendem e querem algo assim mesmo. O que há de novo é o que esses meninos e meninas querem assistir: a série sul-coreana Round 6. Entender os motivos de tanto sucesso - a produção já teve 111 milhões de acessos na Netflix em todo mundo e seu valor estimado é de R$ 5 bilhões - vai além de compreender o desejo das crianças, mas começa precisamente por elas e suas escolas. 

A classificação etária da série é 16 anos e o conteúdo chama atenção pela extrema violência. Brincadeiras marcantes da infância de muita gente, como ‘batatinha 1, 2, 3’, ‘cabo de guerra’ e ‘bola de gude’, são usadas para perpetrar assassinatos em massa, por exemplo. Os participantes são submetidos a provas de sobrevivência na série.

A estética de cores vibrantes nos cenários de Round 6 e o ar inicialmente inofensivo das gincanas são uma combinação que mexe com a memória afetiva infantil de muitos adultos, mas desperta a curiosidade dos pequeninos.

“A sonoridade das brincadeiras, o aspecto lúdico, as imagens infantis, tudo isso tem um apelo grande com o público infantil. E, sendo brincadeiras menos frequentes entre as gerações atuais, desperta a curiosidade de como funcionam, atraindo ainda mais a atenção das crianças. Assuntos como ‘bolinhas de gude’ voltaram a ser tema entre as crianças com quem convivo”, afirma a psicóloga infantil Tauane Gehm, doutora em Psicologia. 

Diante de cada vez mais sucesso - e acessos -, as escolas se movimentaram. No Rio de Janeiro, a Escola Aladdin emitiu nota comunicando aos pais sobre a 'obsessão' dos jovens pela série e advertindo que alguns estavam fazendo brincadeiras com alusão ao assassinato de personagens. Em São Paulo, o tradicional colégio Dante Alighieri também se posicionou. “Quando esse assunto começa a vir para cá, a gente precisa repactuar o olhar que família e escola têm juntas. Na época da Baleia Azul, a gente também fez um alerta”, pontuou a diretora geral educacional do Dante, Valdenice Cerqueira, em entrevista ao Estadão. A relação com a Baleia Azul não aparece por acaso. O fenômeno também era um jogo aparentemente inocente, que também envolvia uma série de tarefas que seus participantes precisavam cumprir… e que poderia levar à morte real ou virtual. 

Em Minas Gerais, na cidade de Poços de Caldas, a professora de Artes Andréa Dalva Ribeiro Campos, que trabalha no Colégio Municipal Dr José Vargas de Souza, percebeu o alvoroço dos alunos em relação à Round 6 e viu uma oportunidade de abordar o assunto em sala de aula. “Eles falavam da série como se fosse legal e natural as pessoas se matarem por causa do dinheiro. A sensação que eu tive é que eles acharam bacana a crueldade colocada nos episódios. Fiquei muito mais espantada depois que eu mesma vi, senti a necessidade de falar com eles o lado negativo, e da importância de se assistir a programas com a classificação indicativa para a idade”, avalia a professora. Andréa particularmente gostou da série.

Achei uma crítica interessante ao capitalismo, mas para crianças de 11 anos é totalmente inviável devido ao grau de crueldade, não só física, mas psicológica também”, ressaltou.

Série sul-coreana "ROUND 6" é um dos maiores sucessos da Netflix dos útlimos tempos. Foto: Netflix
Crítica ao capitalismo 

O fenômeno Round 6 - para além do fascínio das crianças - deriva do que muitos consideram uma crítica ao capitalismo. E apesar das críticas serem à Coréia, essas desigualdades são mais ou menos parecidas ao redor do mundo atualmente. E elas foram aumentadas por conta da pandemia. No Brasil, por exemplo, o Índice de Gini, usado para medir a desigualdade de renda, estava em 0,642 no primeiro trimestre de 2020. No fim do ano, estava em 0,669 e no trimestre inicial de 2021 atingiu 0,674 (é o ponto mais alto da série). Lembrando que o índice oscila entre 0 e 1. “A tendência crescente de priorizar os benefícios sobre o bem-estar do indivíduo” é “um fenômeno que vemos nas sociedades capitalistas de todo mundo”, disse à AFP Sharon Yoon, professor de Estudos Coreanos na Universidade Notre-Dame. 

“Eu quis escrever uma estória que fosse uma alegoria ou fábula sobre a sociedade capitalista moderna, algo que retratasse uma competição extrema, como a extrema competitividade da vida”, disse o diretor da série, Hwang Dong-hyuk, à revista americana Variety.

O mesmo cuidado que teve Luciana Aparecida de Moraes Cunha Correa para a filha de apenas 11 anos que, claro, está louca para ver a série. Ao receber a negativa, claro que a menina retrucou: “Ah, mãe, minhas amigas assistiram. Na minha sala, só eu que ainda não vi”. Manuela explica o que a faz querer ver Round 6: "Eu fiquei interessada porque estava todo mundo falando nisso, estava no 'top 1' das séries mais vistas no Brasil. E também porque vi diversos memes no Instagram da 'batatinha frita 1, 2, 3', daí fiquei curiosa". 

O cinema sul-coreano 

O sucesso de Round 6 é o mais recente capítulo da escalada do audio visual sul-coreano mundo. Se a série da Netflix é o seu capítulo mais popular, o mais importante foi Parasita, que venceu nada menos que o Oscar de melhor filme, diretor, filme estrangeiro, roteiro original, direção de arte e montagem. Todos no ano passado. Aqui, o principal ponto de intersecção entre as duas produções: a desigualdade social. Se os jogos mortais de Round 6 são vividos por desempregados em busca de um prêmio milionário, em Parasita uma família mostra as amplas desigualdades da sociedade sul-coreana. “Todos esses prêmios contemplam uma obra que, desde a vitória com a Palma de Ouro em Cannes, no ano passado, tem sido tema de admiração e polêmica. Realizado com precisão absoluta – a ponto de a Academia ter ignorado o portentoso plano-sequência, mesmo que não seja um só, de 1917 –, o filme também segue uma tendência expressa no brasileiro Bacurau, no francês Les Misérables e no norte-americano Coringa – a revolta dos excluídos face às desigualdades do mundo”, escreveu, no Estadão, o crítico de cinema Luiz Carlos Merten. 

Com tanta polêmica envolvida, Round 6 já é o maior lançamento de série original da Netflix. Até meados de outubro, foram 111 milhões de acessos em todo o mundo, segundo a plataforma. O valor é estimado em US$ 900 milhões, o equivalente a quase R$ 5 bilhões, na cotação atual, de acordo com a Bloomberg News, que cita números de um documento interno da companhia. 

Os lucros do mundo real são incongruentes com as misérias vividas pelos personagens da série, que passam por provas de sobrevivência em busca de dinheiro para pagar suas dívidas. São 456 pessoas desempregadas, em desespero financeiro, para ganhar um prêmio de US$ 38 milhões. 

Será que a polêmica voltará para uma segunda temporada?

TAUANE GEHM
 

Consequências psicológicas para crianças e adolescente 

A reportagem do Estadão conversou com a doutora em Psicologia Tauane Gehm, especialista em Psicologia do Desenvolvimento, para entender o impacto dos conteúdos violentos na vida emocional das crianças.

1 - Qual o impacto psicológico para as crianças que assistem a filmes e séries com conteúdos violentos?

Tauane Gehm: Uma das reações mais frequentes que vemos a curto prazo é um aumento da ansiedade, que pode se manifestar por meio de pesadelos, flashbacks, medos variados sobretudo relacionados ao conteúdo da violência. Por exemplo, ao ver uma cena de morte por assalto, algumas crianças podem ficar com medo de sair na rua ou de que seus pais saiam na rua e sofram um assalto. A longo prazo, uma das coisas que mais preocupam é a banalização da violência. Quando exposta continuamente a cenas de violência, a criança pode passar por um processo de dessensibilização e, em algumas situações, inclusive pode começar a considerá-la algo normal da vida.

Embora façamos muitos estudos sobre como, em média, as crianças reagem a determinadas coisas, é preciso lembrar que cada criança é uma e, na prática, as reações a conteúdos de violência também serão singulares. Isso pode ser um alívio se pensarmos “com meu filho, então, será diferente”. Por outro lado, tendo em vista justamente essa singularidade, não temos como ter controle sobre quais são as relações que a criança vai estabelecer a partir daquele conteúdo. 

2 - Qual orientação poderíamos dar aos pais e professores? Se uma criança fala que quer assistir a essa série, como argumentar para além do “porque não pode”?

Tauane Gehm: Muitas vezes, ficamos presos apenas ao conteúdo do pedido da criança – por exemplo, “está todo mundo assistindo, por que só eu que não posso?”. Ou seja, respondemos diretamente à pergunta, justificando, por exemplo, com argumentos racionais como o fato de ter conteúdos impróprios para a idade dela, ou dizendo coisas como “você não é todo mundo”. Porém, com frequência, esse tipo de justificativa ‘entra por um ouvido’ da criança ‘e sai pelo outro’.

Uma alternativa que frequentemente funciona mais é atentarmos para quais questões estão por trás de “está todo mundo assistindo, só eu não posso”. Como será que essa criança está se sentindo com todos falando da série, menos ela? Será que ela está se sentindo excluída por isso? Será que ela se sente suficientemente querida pelos pares a ponto de não precisar assistir ao que todo mundo está assistindo? O que será que os amigos falam sobre crianças que não viram a série? Será que essa criança está conseguindo se inserir nos momentos em que os colegas estão brincando com coisas como imitar os personagens do Round 6? Estar atento a questões como essas e abrir o diálogo a respeito dá aos pais e professores uma excelente oportunidade de, não só entender pelo que a criança está passando e empatizar com seus sentimentos, como também de trabalhar com ela repertórios para lidar com essas situações. Tais repertórios geralmente são importantes para a vida, sobretudo quando envolvem o desenvolvimento de habilidades sociais, transcendendo a questão mais simples de ver a série ou não.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Cultura – Sábado, 23 de outubro de 2021 – Págs. A40-A41 – Internet: clique aqui (Acesso em: 25/10/2021).