«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Comemoração de todos os Fiéis Defuntos - HOMILIA

Evangelho: João 6,37-40

37 Disse Jesus: “Todo aquele que o Pai me dá virá a mim, e o que vem a mim não o lançarei fora. 
38 Pois desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. 
39 Ora, esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não deixe perecer nenhum daqueles que me deu, mas que os ressuscite no último dia. 
40 Esta é a vontade de meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia”. 

JOSÉ ANTONIO PAGOLA
NAS MÃOS DE DEUS

Os homens de hoje não sabem o que fazer com a morte. Às vezes, a única coisa que ocorre é ignorá-la e não falar dela. Esquecer, o quanto antes, esse triste acontecimento, cumprir os trâmites religiosos ou civis necessários e voltar, novamente, à vida cotidiana.

Porém, cedo ou tarde, a morte vai visitando nossos lares arrancando-nos nossos entes mais queridos. Como reagir, então, perante dessa morte que nos arrebata para sempre a nossa mãe? Que atitude adotar diante do esposo querido que nos diz seu último adeus? Que fazer defronte o vazio que vão deixando em nossa vida tantos amigos e amigas?

A morte é uma porta que cada pessoa atravessa sozinha. Uma vez fechada a porta, o morto permanece-nos oculto para sempre. Não sabemos o que houve com ele. Esse ser tão querido e próximo perde-se, agora, no mistério insondável de Deus. Como nos relacionarmos com essa realidade?

Os seguidores de Jesus não se limitam a assistir, passivamente, o fato da morte. Confiando em Cristo ressuscitado, acompanhamos a pessoa falecida com amor e com a nossa oração nesse misterioso encontro com Deus. Na liturgia cristã pelos defuntos não há desolação, rebelião ou desesperança. Em seu centro, somente uma oração de confiança: “Em tuas mãos, Pai de bondade, confiamos a vida de nosso ente querido”.

Qual sentido podem ter hoje, entre nós, esses funerais nos quais se reúnem pessoas de diferentes sensibilidades diante do mistério da morte? O que podemos fazer juntos: crentes, menos crentes, pouco crentes e também incrédulos?

Ao longo destes anos, mudamos muito por dentro. Tornamo-nos mais críticos, porém também mais frágeis e vulneráveis; somos mais incrédulos, porém mais inseguros. Não nos é fácil crer, porém é difícil não crer. Vivemos cheios de dúvidas e incertezas, porém não sabemos encontrar uma esperança.

Às vezes, somente convidar aqueles que assistem a um funeral a fazer algo que todos podem fazer, cada um a partir de sua pequena fé. Dizer-lhe, do íntimo, a nosso ente querido umas palavras que expressem nosso amor a ele e nossa invocação humilde a Deus: “Continuamos a te querer, porém não mais sabemos como encontrar-nos contigo nem o que fazer por ti. Nossa fé é débil e não sabemos rezar bem. Porém, te confiamos ao amor de Deus, te deixamos em suas mãos. Esse amor de Deus é hoje para ti um lugar mais seguro que tudo aquilo que podemos te oferecer. Desfrute da vida plena. Deus te quer como nós não soubemos te querer. Um dia, voltaremos a nos ver”.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: MUSICALITURGICA.COM – Homilías de José A. Pagola – Segunda-feira, 27 de outubro de 2014 – 11h59 – Internet: clique aqui.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Papa Francisco frente à injustiça, exclusão e pobreza

Luis Badilla
Il Sismógrafo
29-10-2014


São muitas as passagens chave do discurso que o Papa Francisco, na Sala Velha do Sínodo, abordou aos participantes do encontro
“Movimentos populares. Terra, casa e trabalho, direitos para todos”.
Papa Francisco entre alguns participantes do Encontro Mundial dos Movimentos Populares,
promovido pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz, em colaboração com a Pontifícia Academia das Ciências Sociais.
Vaticano, 27 e 29 de outubro.
 
Um primeiro pensamento que parece ser fundamental é este: “Este nosso encontro não faz referência a uma ideologia. Vocês não trabalham com ideias. Trabalham com realidade, como aquelas que eu tenho mencionado e muitas outras que me contaram. Vocês têm os pés no lodo e as mãos na carne. Cheiram a comunidade, a pessoas, a luta! Queremos que a voz de vocês seja ouvida, a qual geralmente não o é. Talvez porque incomoda, talvez porque o vosso grito cria repulsa, talvez porque existe o medo da mudança que vocês exigem, mas sem a presença de vocês, sem realmente andar pelas periferias, as boas propostas e os projetos que seguidamente ouvimos nas conferências internacionais acabam no reino das ideias. É um projeto meu.”

Após, o Papa deixa claro o seu pensamento com uma segunda reflexão: “Não se compreende que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho.Terra, casa e trabalho, aquilo pelo que vocês lutam, são direitos sagrados. Exigir isso não é nada estranho, é a doutrina social da Igreja”.

O Santo Padre adiciona uma terceira consideração: “Alguns de vocês disseram: este sistema não se sustenta mais. Devemos mudá-lo, devemos recolocar a dignidade humana no centro e sobre este pilar construir as estruturas sociais alternativas que precisamos. Deve ser feito com coragem, mas também com inteligência. Com tenacidade, mas sem fanatismo. Com paixão, mas sem violência. E todos juntos devemos enfrentar os conflitos sem ficar aprisionados, procurando sempre resolver as tensões para que se alcance um nível superior de unidade, de paz e de justiça. Nós cristãos temos alguma coisa boa, uma linha de ação, um projeto, pode-se dizer, revolucionário. Aconselho que vocês leiam as bem- aventuranças que estão no capítulo 5 de São Mateus e 6 de São Lucas (Mateus, 5,3 e Lucas, 6,20), e de ler também a passagem de Mateus 25”.

Finalmente o Papa assinala como quarta reflexão central: “A perspectiva de um mundo de paz e de justiça duradouras nos pede para superar o assistencialismo paternalista, exige, de nós que cremos, novas formas de participação que incluem os movimentos populares e deem ânimo às estruturas de governo locais, nacionais e internacionais, com uma torrente de energia moral que nasce do envolvimento dos excluídos na construção do destino comum. E isso com desejo construtivo, sem ressentimentos, com amor.”

Leia a íntegra desse pronunciamento de Papa Francisco,
clicando aqui.

Traduzido por Ivan Pedro Lazzarotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 30 de outubro de 2014 – Internet: clique aqui.

O QUE O SÍNODO NOS ENSINOU

José María Castillo
Teología sin Censura
26-10-2014
Papa Francisco dialoga com um participante do Sínodo dos Bispos (5-19/Outubro/2014)
 
1. O papado é necessário na Igreja

Agora vemos, de forma mais clara do que nunca, que a Igreja necessita de uma autoridade suprema, que esteja acima de grupos, tendências, divisões e enfrentamentos. Se não existisse o papado, seria possível (inclusive provável) que na Igreja, depois do ocorrido, tivesse acontecido um cisma.

Sabe-se que cinco cardeais foram pedir a Bento XVI que apoiasse os defensores de uma Igreja conservadora e tradicional, com uma teologia e uma moral igualmente integrista. Porém, o ex-papa Ratzinger respondeu aos cinco cardeais que na Igreja não existe mais do que um papa, que é Francisco. E mais, imediatamente informou Francisco a respeito do que estava acontecendo. O papado salvou a unidade da Igreja. Se apenas um arcebispo, Lefebvre, pôde criar um cisma, não poderiam cinco cardeais ser a origem de uma fratura maior?

2. Francisco está mudando o papado

Está transformando-o mais do que muitos imaginam. E com o papado está transformando também a Igreja. O sagrado e o ritual perdem força. E cresce em importância o humano, a proximidade com as pessoas, a simplicidade, a normalidade da vida.

Nasce, assim, um estilo novo de exercer a autoridade na Igreja. Nela, perde importância a religião e ganha presença o Evangelho. Além disso, estamos vendo que este homem é mais forte e tem mais personalidade do que muitos diziam. Uma personalidade original, que não o levou a subir, mas, sim, a baixar. Não para nos distanciar dos últimos, mas, sim, para nos aproximar deles. O novo caminho da Igreja está traçado.

3. O conservadorismo da Cúria perde força

Neste Sínodo não ocorreu o que aconteceu no Concílio Vaticano II. Naquele momento, os curiais integristas também eram minoria. Porém, uma minoria mais forte e determinante do que essa que participou no Sínodo. De fato, a minoria curial, no Concílio, soube levar as coisas para seu terreno. E foi determinante nas questões determinantes para o futuro imediato. Por isso, o capítulo 3º da Constituição sobre a Igreja foi redigido de forma que o papado e a cúria tivessem, inclusive, mais poder após o Concílio do que antes do Concílio.

Por outro lado, os escândalos em assuntos de dinheiro e em abusos de menores afundaram a credibilidade do sistema curial de governo na Igreja.

4. Já não são intocáveis determinados problemas morais como eram

Apela-se, agora, com a mesma segurança, de antes do Sínodo, à chamada “Lei Natural”? A homossexualidade continua sendo um tabu? Alguém se atreve a dizer que a Igreja nunca poderá permitir que os sacerdotes se casem? É tão impensável, como antes, a possibilidade de que as mulheres cheguem a receber o sacramento da Ordem? Não é verdade que a família, hoje, possua problemas muito mais graves e urgentes do que aqueles que são concebidos nos confessionários e nas sacristias?

Se nesse momento fazemos estas perguntas - e outras parecidas -, isto vem nos dizer que na Igreja, sem que tenhamos percebido, o Sínodo nos mudou (algo, pelo menos, ou talvez muito) em temas muito mais sérios do que imaginamos.

5. A forma de exercer o poder está se deslocando

O integrismo conservador perde força porque se empenha em continuar exercendo o poder de uma forma que cada dia possui menos poder. Cada dia conta com menos força o poder que proíbe, impõe, ameaça e pune. O “poder repressivo” é cada dia menos poder. Ao passo que o “poder sedutor” não enfrenta o sujeito, oferece-lhe facilidades, é amável e responde ao que as pessoas necessitam.

É verdade que este poder, quando “se universaliza”, como ocorre com a informática e sua incessante oferta universal de satisfação imediata, então se torna um poder que submete os sujeitos de maneira que cada sujeito submetido não é nem sequer consciente de sua submissão. Porém, quando o “poder sedutor” não “se universaliza”, mas, sim, “humaniza-se”, então o que faz é responder aos anseios mais profundos das pessoas. E é justamente isto que o mundo está percebendo no papa Francisco. O que as multidões da Galileia percebiam em Jesus de Nazaré, quando Jesus andava pelo mundo.

Traduzido do espanhol pelo Cepat.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 30 de outubro de 2014 – Internet: clique aqui. Para acessar o artigo no original espanhol, clique aqui.

A HORA DA VERDADE CHEGOU: ARROCHO À VISTA!!!

Ajuste fiscal de 2015 será “violentíssimo”

Claudia Safatle
Valor Econômico
30-10-2014
Presidente Dilma Rousseff
 
A presidente Dilma Rousseff está ciente de que terá que fazer, para 2015, um ajuste fiscal "violentíssimo", informou uma fonte qualificada do governo. Embora ainda não se saiba o tamanho, terá que ser algo de maior impacto do que foi o contingenciamento de R$ 50 bilhões feito em 2011, no primeiro ano do primeiro mandato.

Dilma sabe que a situação da economia, agora, é muito mais difícil e delicada do que quando assumiu, em janeiro de 2011, e que além da estagnação econômica e de uma inflação resistente enfrentará, também, uma oposição mais forte e legitimada pelas urnas no Congresso Nacional. Ao mesmo tempo, estarão em curso os desdobramentos da Operação Lava-Jato.

Crise econômica, alianças políticas esgarçadas, oposição forte e possíveis cenas de prisões de envolvidos na corrupção da Petrobras serão as marcas do início do segundo mandato da presidente Dilma, no cenário traçado por importantes assessores do Palácio do Planalto.

Para enfrentar tantas adversidades, ela já escalou alguns nomes que considera mais experientes e de "casco mais duro" para atravessar momentos difíceis. São eles o ministro Aloizio Mercadante, da Casa Civil, Miguel Rossetto, Jaques Wagner e Cid Gomes. Os três últimos ainda sem cargos definidos. Cid Gomes deixa o governo do Ceará e gostaria de ir para um posto em algum organismo internacional em Washington, mas a presidente prefere tê-lo mais perto.

O segundo mandato de Dilma já está em curso. Ela poderá empossar o novo ministro da Fazenda antes mesmo dos demais ministros, para que ele possa começar a trabalhar na política fiscal e, também, compor equipe e trocar o comando dos bancos públicos. Pelos critérios da presidente, de conhecimento e confiança, o nome mais adequado para a sucessão de Guido Mantega seria o do economista Nelson Barbosa.

É muito provável que o presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendini, seja substituído por Paulo Caffarelli, atual secretário-executivo do Ministério da Fazenda.

No campo da política fiscal, haverá muito o que fazer antes do fim do ano. Primeiro, como a meta de superávit primário de 1,9% não será cumprida nem mesmo com todos os descontos possíveis, o governo terá que enviar ao Congresso proposta de mudança da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) com uma nova meta. A expectativa é que o ano se encerre com déficit primário das contas públicas consolidadas, o primeiro desde 1997.

Terá, também, que alterar a LDO de 2015, que prevê superávit primário no intervalo de 2% a 2,5% do PIB, já que essa é uma meta inviável para ser obtida principalmente em um ano de baixa previsão de crescimento.

Diante da aparente disposição de fazer um ajuste fiscal "violentíssimo", como expressou uma alta fonte oficial, Dilma espera contar com a participação do ex-presidente Lula para acalmar as lideranças dos sindicatos e dos movimentos sociais.

A tesoura que vai cortar os gastos não poupará ninguém e os movimentos sociais, que recebem recursos do Tesouro Nacional, também vão pagar a conta do ajuste fiscal que está sendo prometido.

Durante a campanha eleitoral, Dilma não mencionou uma vez sequer que faria um ajuste fiscal para o próximo ano. Quando o candidato da oposição, Aécio Neves, declarou que não fugiria de medidas impopulares, se elas fossem necessárias, o PT disse que ele estava cometendo "sincericídio". O fato, porém, é que admitindo ou não em meio às eleições, o corte de gastos era previsível e inevitável e os juros já estavam com viés de alta.

Pelo menos duas medidas bastante impopulares começam a ser tomadas: o contingenciamento do gasto e a surpreendente elevação dos juros, ontem, pelo Comitê de Política Monetária. A Selic passou de 11% para 11,25% ao ano.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 30 de outubro de 2014 – Internet: clique aqui.

REFORMA POLÍTICA EM DEBATE - OPINIÕES...

“Não existe canetada que acabe com o tal é dando que se recebe”

Entrevista com Cesar Zucco*


Pesquisador da Fundação Getúlio Vargas afirma que reforma política deve ser feita a partir de ajustes e de mudanças pontuais
Cesar Zucco Júnior - cientista político
 
Propor uma reforma grande e complexa é a melhor maneira de não fazer reforma alguma. Com essa convicção, o cientista político Cesar Zucco, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), sugere que a reforma política ocorra a partir de mudanças e ajustes pontuais. Entre suas propostas, estão:
  • restringir o financiamento de campanha por empresas e
  • impedir os partidos de somarem seus tempos de TV quando coligados,
  • além da proibição de coligações proporcionais.
O pesquisador afirma que não há sistema eleitoral que, em todos os quesitos, seja superior ao brasileiro. E adverte: “Não existe mágica” que resolva todos os problemas. “Numa grande reforma estaríamos trocando os nossos problemas por problemas novos”, diz.

A corrupção no financiamento das campanhas foi um dos temas desta disputa presidencial. O financiamento seria o início da reforma política no Brasil?

Cesar Zucco: O financiamento de campanha é um problema em praticamente todo o mundo. As regras variam desde proibir completamente doações privadas, passando por permitir apenas doações de pessoas físicas, ou apenas pequenas doações. Não obstante essa variação, há casos de corrupção envolvendo financiamento de campanha em quase todos os países. Acho que reforma política deve incluir (o tema) direta e indiretamente, mas não podemos nos iludir achando que vamos adotar alguma regra que vai acabar com todos os problemas.

Mesmo as doações legais não são uma forma de comprar os políticos?

CZ: Em tese, doações podem ter um objetivo de expressão ou um objetivo instrumental. No primeiro caso, alguém doa para um candidato seguindo lógica parecida com a que leva alguém a doar dinheiro para alguma instituição ou causa na qual acredita. No segundo, o objetivo é obter alguma vantagem ou evitar algum prejuízo. Agora, é surpreendentemente difícil conectar doações à obtenção direta de vantagens específicas.

O financiamento público não poderia gerar mais corrupção e desvios?

CZ: O financiamento público no Brasil já existe, tanto na forma do Fundo Partidário quanto na da propaganda gratuita. O que você menciona é o financiamento exclusivamente público, que tem pouco apoio popular no mundo porque é visto como forma de transferir recursos para políticos. Não traz garantia do fim da corrupção.

Há alternativa ao sistema proporcional de lista aberta?

CZ: O ponto é que não há um sistema para o qual pudéssemos mudar que fosse superior em todos os quesitos ao nosso. O meu argumento é que numa grande reforma estaríamos trocando os nossos problemas por problemas novos. Tendo a defender ajustes e reformas pontuais.

O governo deveria colocar a reforma política como prioridade?

CZ: A melhor maneira de não fazer reforma alguma é propor uma (grande) reforma. Mas o fato é que não existe uma canetada que vá acabar com o tal “é dando que se recebe”. Não existe mágica. Mudanças pequenas e o fortalecimento dos poderes de fiscalização podem nos colocar numa trajetória de melhora de longo prazo.
 
* Cesar Zucco Jr. é Ph.D. em Ciência Política pela Universidade da Califórnia (EUA) e mestre em Ciência Política pelo IUPERJ. É professor da Fundação Getúlio Vargas desde julho de 2013. Foi pesquisador visitante em Princeton e Yale (EUA) e professo visitante em Princeton.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Quarta-feira, 29 de outubro de 2014 – Pg. A10 – Internet: clique aqui.

Assembleia Constituinte é inconstitucional

Lênio Streck
Professor e Advogado
Lênio Streck - advogado e professor
 
Saídos os resultados das eleições, li, preocupado, artigo do jornalista Cláudio Brito (jornal Zero Hora de ontem), defendendo a convocação de uma Assembleia Constituinte “pra valer”. Um novo texto, inteiro, diz ele. Há quem defenda uma Assembleia exclusiva para a reforma política. Outros, uma “inteira”. Pena. Quem defende Constituinte exclusiva quer um grau zero. Tarso Genro já defendeu isso em junho de 2013. Zera tudo, acabam-se direitos e começa tudo de novo. Essa Constituinte, por certo, seria supostamente isenta em face da própria política e do político. Como se uma Constituinte exclusiva não estivesse sujeita às mesmas condições, pressões e interesses.

Ora, não existe algo tal como uma situação ideal de deliberação. O que parece que os defensores da tese de uma Assembleia Constituinte exclusiva e soberana não se dão conta é do risco do retrocesso. Tem gente que quer baixar o quórum para maioria absoluta e procedimento facilitado. Isso só aumenta o risco. A questão é: por que a Constituição deles (a nova) seria mais efetiva ou a democracia deles seria mais democrática?

Parece que os defensores da tese não compreenderam bem a História. É ingenuidade pensar que, hoje, uma Constituinte possa trazer mais avanços do que os que constam na atual Constituição. Qualquer um sabe que os atuais direitos, uma vez zerados (afinal, a Constituinte seria exclusiva e soberana), deles nada restaria. Direitos seriam dizimados. Ou a Constituinte seria composta apenas por “agentes do povo”? E por virtuosos? Os empresários não se elegeriam... Os meios de comunicação não atuariam? É paradoxal que quem queira fazer uma nova Constituição não acredite no direito atual, mas acredita no direito do futuro... Suprema ironia. Ou seja, direito, sim; desde que seja um outro, feito a partir do grau zero.

Seríamos a única democracia do mundo que se autodissolveria. As lutas pela democracia de pouco vale(ra)m até hoje. É isso que se depreende da intenção dos que defendem uma Constituinte exclusiva. Antes (hoje), o caos. Depois, o paraíso.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 28 de outubro de 2014 – Internet: clique aqui.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

MAIS UMA VERGONHA PARA O BRASIL!!!

O não estado de direito

ELOÍSA MACHADO DE ALMEIDA
Coordenadora do “Supremo em pauta”
Henrique Pizzolato - ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, condenado no julgamento
do "mensalão" é libertado na Itália (28/10/2014)
 
A situação das prisões brasileiras e as persistentes violações a direitos humanos foram os principais argumentos usados pela corte italiana para negar a extradição de Henrique Pizzolato, que deveria cumprir pena no Brasil depois de sua condenação na ação do mensalão.

A regra que orienta os tratados de extradição é justamente esta: se não houver garantias de respeito aos direitos humanos no cumprimento da pena, pode-se negar a extradição de um condenado. O próprio Supremo Tribunal Federal já aplicou essa regra, por exemplo, em pedidos de extradição solicitados pela China, por considerar não haver ali garantias do devido processo legal.

Tampouco é o caso de se duvidar da deplorável situação das prisões: superlotação, degolas, tortura e facções criminosas estão presentes na maior parte das instituições de privação de liberdade do Brasil.

Nessa perspectiva, não se trata de uma decisão improvável. Mas os seus impactos são extraordinários. Se Pizzolato não pode ser obrigado a cumprir pena em situação desumana, por que os outros mais de 560 mil presos em unidades brasileiras o são?

A decisão da Justiça italiana, ao conjugar seriamente a gramática dos direitos humanos, abre um poderoso precedente contra o Brasil e impõe o debate sobre as responsabilidades do Judiciário em um cenário onde autoridades e tribunais convivem tranquilamente com centenas de milhares de pessoas encarceradas em condições absolutamente desumanas.

Se por um lado a Ação Penal 470 mostrou a capacidade de aplicação da lei àqueles pouco acostumados aos tribunais, por outro mostra o não estado de direito que impera em nosso sistema prisional, à revelia dos nossos tribunais. Conseguimos julgar, mas não sabemos punir humanamente.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Supremo em Pauta (Estadão e Faculdade de Direito da FGV- SP) – Quarta-feira, 29 de outubro de 2014 – Pg. A4 – Internet: clique aqui.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

SETE MITOS DAS ELEIÇÕES 2014

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO, DANIEL BRAMATTI, DANIEL TRIELLI, DIEGO RABATONE, LUCAS DE ABREU MAIA E RODRIGO BURGARELLI


Mais perenes do que qualquer partido ou movimento político, algumas ideias sobre o que move os eleitores se repetem a cada eleição. No entanto, dados e detalhamentos das votações desafiam esse senso comum. O Estadão Dados analisou 7 erros mais repetidos

Mito 1
Foi o Nordeste que elegeu Dilma
Petista não teve menos de 40% dos votos em nenhuma das 5 regiões do Brasil

É claro que o desempenho de Dilma Rousseff (PT) no Nordeste foi crucial para sua vitória: a petista teve 20 milhões de votos no 2.º turno, equivalente a 72% do total de votos válidos na região. Mas a presidente reeleita obteve um apoio razoável em todas as cinco regiões. O menor porcentual de votos válidos foi no Sul: o apoio de 41% dos eleitores que escolheram um candidato.

A impressão de que o Nordeste sozinho é o grande responsável pela reeleição de Dilma é fortalecida quando se vê o mapa eleitoral dos Estados pintados com a cor de quem teve o maior porcentual de votos ali. Nesse mapa, metade do Brasil aparece pintado de azul, como se esse território tivesse ido em direção totalmente oposta à outra metade, vermelha.

O deputado estadual eleito Coronel Telhada (PSDB-SP) chegou a defender a independência do Sul e do Sudeste por causa disso. Mas, na verdade, dos dez Estados em que Dilma obteve menor votação, apenas três estão nessas regiões: Santa Catarina, São Paulo e Paraná. Todos os outros estão no Norte ou no Centro-Oeste. Visualmente, é possível ver como o apoio a Dilma se espalha pelo Brasil pelo gráfico de relevo abaixo – nenhuma das duas maiores “montanhas” que representam o número absoluto de votos está no Nordeste.

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Mito 2
Palanque estadual influencia eleitores
Resultados e pesquisas mostram desconexão entre opção para governador e presidente

Pesquisas e resultados eleitorais voltaram a demonstrar que a maioria dos eleitores não faz conexão entre o voto para presidente e o para governador. Apesar da prática tradicional dos presidenciáveis de buscar “palanques fortes” nos Estados – alianças com candidatos a governador –, não há evidências de que isso renda votos.

Apoiado por praticamente toda a cúpula do PMDB fluminense, Aécio Neves (PSDB) buscou popularizar no Rio a chamada “chapa Aezão”, na esperança de que os eleitores de Luiz Fernando Pezão (PMDB) votassem também nele. Os mapas de votação de ambos, porém, mostram que não houve sintonia eleitoral [veja abaixo].

Pesquisa Ibope divulgada pouco antes do 2.º turno mostrou que, dos eleitores de Pezão, seis em cada dez pretendiam votar em Dilma Rousseff. Marcelo Crivella, adversário do peemedebista, fez campanha explícita para Dilma – mas isso não impediu que cerca de 40% de seus eleitores manifestassem intenção de votar em Aécio.

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Mito 3
Pesquisas erram resultado da urna
Ibope e Datafolha acertam votação do 2º turno dentro da margem de erro; números exatos importam menos para institutos

Embora alguns insistam que as pesquisas de intenção de voto consistentemente erram o resultado das urnas, não é o que mostram os dados – tanto os das eleições de domingo quanto os históricos. A vitória de Dilma Rousseff (PT) na disputa pela Presidência foi prevista pelo Ibope, que lhe atribuía 53% da preferência do eleitorado. Dilma recebeu 52% dos votos válidos, portanto dentro da margem de erro da pesquisa, de dois pontos porcentuais.

O Datafolha também atribuía favoritismo à petista, embora Dilma estivesse no limite do empate técnico com Aécio Neves (PSDB). Ambos os institutos descreveram, por meio dos números, a campanha do 2.º turno: Aécio começa à frente, carregado pelo embalo do 1.º turno, em que teve votação superior ao esperado. Dilma se recupera na última semana, com uma insuficiente reação de Aécio na véspera do pleito.

Para os institutos de pesquisa, os números exatos importam menos que o movimento descrito pelas curvas de intenção de voto de cada candidato. Sem elas, é impossível analisar qualquer campanha.

Desde 2002, a diferença média da sondagem de véspera do dia da eleição de Ibope e Datafolha para o resultado do 2.º turno é de um ponto porcentual – portanto, dentro da margem de erro. Assim, os institutos acertaram os resultados das eleições em todos os anos, mesmo em 2014, na disputa mais acirrada da história.

 
Mito 4
Votos nulos são sinal de protesto
Queda nas taxas entre 1º e 2º turnos indica alta incidência de erros no manejo da urna eletrônica

Após os protestos que tomaram as ruas das principais cidades do País em junho de 2013, analistas e cientistas políticos previram aumento significativo de votos nulos na eleição deste ano. Isso não ocorreu: foram 4,4% de nulos em 2010 e 4,6% em 2014 – a comparação leva em conta o 2.º turno de cada disputa presidencial.

É claro que muitos indivíduos podem anular o voto como forma de protesto. Mas as estatísticas indicam que parcela significativa dos nulos se deve a erros no momento do voto. Uma evidência disso é a diminuição dos votos anulados entre o 1.º e o 2.º turno das eleições – entre uma e outra etapa, o número de cargos em disputa cai de cinco para apenas um ou dois, o que reduz a complexidade do manejo da urna eletrônica.

Outro indício é o fato de que a taxa de nulos para deputado estadual – o primeiro cargo na ordem de votação – é sempre mais baixa, já que são contadas como voto na legenda as tentativas equivocadas de digitar os números de presidenciáveis.

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Mito 5
Família Campos transfere votos
Pernambuco vota em Dilma, mesmo após apoio do grupo do ex-governador a Aécio

O tucano Aécio Neves lançou sua campanha no 2.º turno em Pernambuco, onde recebeu o apoio da viúva e dos filhos de Eduardo Campos, candidato a presidente pelo PSB até agosto, quando morreu em um acidente aéreo. Os líderes do PSDB esperavam que a família Campos e a máquina local do PSB proporcionassem uma vitória para o tucano em um Estado nordestino, assim como havia ocorrido com Marina Silva, primeira colocada no 1.º turno.

A estratégia não deu resultados. Aécio teve entre os pernambucanos 29,8% dos votos válidos, resultado próximo da média que obteve em todo o Nordeste: 28,3%. O tucano ganhou em apenas uma cidade pernambucana: a pequena Taquaritinga do Norte, onde obteve 7.340 votos, 432 a mais do que a petista Dilma Rousseff. Na capital, Recife, onde Marina havia obtido 63% dos votos no 1.º turno, Dilma venceu na 2.ª rodada da disputa por 60% a 40%.

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Mito 6
Minas Gerais elege presidente
Só uma vitória improvavelmente distante no seu Estado natal levaria Aécio ao Planalto

Mesmo se ganhasse seu Estado natal, Aécio Neves (PSDB) ainda teria dificuldade em se eleger. Dilma Rousseff (PT) teve 52,4% no Estado e o adversário, 47,6%. Se o tucano tivesse invertido esse resultado e ganhado os 550.601 votos que a rival ganhou a mais em Minas, ainda faltariam 2,3 milhões de eleitores no resto do Brasil. Na votação total de Aécio, Minas representa 11%, menos que a soma de Santa Catarina e Bahia.

Só uma vitória distante em Minas, de 63% a 37%, daria a Aécio os votos necessários para ganhar de Dilma. Com esse resultado – quase igual ao do Estado de São Paulo (64% a 36%) –, ele chegaria a 52.771.137 de votos em todo o Brasil, um a mais que Dilma. Mas uma vantagem tucana como essa não acontece em eleições presidenciais em Minas desde que Fernando Henrique Cardoso ganhou em 1994, no 1.º turno. Naquele ano, derrotou Lula no Estado por 65% a 22%. Nem em sua segunda vitória de 1.º turno, em 1998, Fernando Henrique repetiu o resultado: o placar foi 56% a 28%.

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Mito 7
Abstenção é alta e demonstra apatia
Não comparecimento às urnas é um fato muito mais ligado a falhas de cadastro da Justiça do que a desilusão eleitoral

Ao fim de todas as eleições, analistas correm para declarar que cerca de um quinto da população decidiu não votar. O número se baseia na abstenção divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ou seja, os votantes que não foram às seções eleitorais. Historicamente, a abstenção gira em torno de 20% e o número não varia muito de eleição para eleição.

Essa análise é falha porque atribui às abstenções um peso político maior que o que de fato têm. Isso porque o suposto não comparecimento às urnas tem mais a ver com uma falha no cadastro eleitoral do TSE que com a falta de engajamento político.

Conforme revela o gráfico abaixo, a abstenção foi menor em 2014 nos municípios que passaram recentemente pelo recadastramento biométrico — em que os eleitores registram na Justiça Eleitoral suas impressões digitais. O recadastramento remove da lista do TSE eleitores que já morreram, e que, naturalmente, não podem aparecer para votar.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Especial/Eleições 2014 – Terça-feira, 28 de outubro de 2014 – Pgs. H6 e H7 – Internet: clique aqui.

"Democracia precisa de classe média forte"

Entrevista com Thomas Piketty

Christian Pricelius
Deutsche Welle

As controversas teses em "O capital no século 21", do economista francês, provocaram críticas, mas também elogios entusiásticos

Thomas Piketty - economista francês
"Os ricos ficarão sempre cada vez mais rapidamente mais ricos, pois dispõem de um estoque de rendimentos de capital que traz significativamente mais rendimentos do que o trabalho."
"Para a maioria da população, em contrapartida, os rendimentos dos salários não são mais suficientes para que criem reservas."

Com tais teses, o francês Thomas Piketty vem gerando furor internacional. Ele é professor de economia da Paris School of Economics e da École des Hautes Études en Science Sociales (EHESS), e vive na capital francesa, com a esposa e três filhas. Tendo lecionado no Massachusetts Institute of Technology (MIT), entre outros, há 20 anos ele se ocupa dos temas renda, capital e justiça social.

Seu best-seller Le capital au 21e siècle (O capital no século 21), publicado em 2013, está sendo lançado este mês na Alemanha [e em 1º de novembro no Brasil].

DW: Seu livro é um sucesso de público. Quantas cópias foram vendidas, até agora?

Thomas Piketty: Em inglês e francês, juntos, 800 mil. Em inglês, foram 600 mil.

DW: O senhor acredita que vai conseguir influenciar algo com seu livro?

TP: Minha intenção era convencer o leitor de que os temas renda e prosperidade são importantes demais para serem simplesmente relegados aos estatísticos e economistas. Meu objetivo foi fornecer fundamentos históricos aos leitores, para que possam fazer seus próprios julgamentos. Porém se trata de ciências sociais, no sentido mais amplo, que não são uma ciência exata. Por isso, também não espero que todos os leitores concordem comigo.

DW: Como o sistema econômico deve ser melhorado, para que os assalariados voltem a ter maiores rendimentos com seu trabalho?

TP: Há diferentes soluções. A longo prazo, investindo na educação. Universidades são um instrumento muito poderoso para reduzir a desigualdade. Um dos principais problemas da Europa é que investimos mais dinheiro na redução das nossas dívidas públicas do que na formação universitária. Isso não é bom presságio para o futuro. Deveríamos investir mais nas universidades.

DW: Que outras soluções existem, para que o valor do trabalho cresça?

TP: A tributação progressiva dos altos salários e rendimentos de capital também é importante. Precisamos, portanto, de um sistema tributário que tribute menos aqueles que só vivem de seus salários e entram na vida sem capital nem prosperidade.

DW: Com isso, chegamos à sua declaração central, de que hoje em dia muitos assalariados só conseguem sobreviver com os seus salários. Por que é assim?

TP: No início da geração dos baby boomers [os nascidos no pós-guerra, entre 1946 e 1968], também era possível reservar poupanças, a partir do salário. Pois, com as altas taxas de crescimento econômico, era possível partir do zero e depois, trabalhando, chegar a uma relativa prosperidade e acumular reservas.

No entanto, para as atuais gerações, se você quiser poupar numa cidade grande, então precisa ter um salário muito bom. No entanto, quando se tem uma taxa de crescimento de apenas 1,5%, isso significa que os rendimentos com capital ainda são de 4% a 5% – ou mais, nos investimentos de risco, cerca de 7%, no caso das ações. Com isso, as desigualdades iniciais são reforçadas.

DW: Com que consequências?

TP: Esse estado de coisas reduz a mobilidade social numa sociedade. E, no entanto, a chance de subir à classe rica é uma boa coisa para a eficiência da economia e para o empreendedorismo. A esse respeito, Warren Buffet disse certa vez: ninguém quer que, dos Jogos Olímpicos de 2030, só participem os filhos das equipes de 2000.

DW: O senhor colheu dados dos principais países industrializados e emergentes. São, em maioria, estatísticas de órgãos fiscais. Mas na Alemanha, a riqueza sequer é registrada nas estatísticas.

TP: Precisamos de mais transparência sobre rendimentos e riqueza. E o resultado de uma tributação progressiva do capital e rendas também seria podermos exigir informações confiáveis sobre os grupos de renda.

DW: O senhor defende que haja impostos internacionais. Mas como isso funcionaria? Afinal, os países da União Europeia competem entre si por investidores e capital, com os menores impostos possíveis.

TP: O senhor está certo com esta suposição. Se cada país mantiver seu próprio sistema fiscal, vai ser muito difícil. O resultado é que, já agora, as multinacionais pagam relativamente menos impostos do que empresas pequenas e médias. A Alemanha, França e Itália competem para atrair investidores. Isso permite que os grandes conglomerados joguem com os diferentes sistemas fiscais, conseguindo, no final, pagar impostos relativamente mais baixos. Isso não é ruim somente para o tratamento igualitário, mas também para o crescimento e a eficiência da economia.

DW: Então, o que sugere?

TP: A solução é muito simples: precisamos de uma política fiscal comunitária. Não é possível, com uma moeda única, como o euro, que mantenhamos simultaneamente 18 sistemas fiscais diferentes, que competem uns com os outros, com 18 diferentes dívidas públicas e 18 diferentes taxas de juros dos títulos estatais. Precisamos, portanto, uma união fiscal e política muito mais coesa na Europa, começando com um pequeno grupo de países e depois, com vários.

DW: De onde o senhor tira o otimismo de que isso venha a funcionar?

TP: Durante a coleta de informações sobre depósitos de capital dos bancos, conseguimos obter essas informações, mas isso leva tempo e exige uma disposição para se implementar sanções. Não podemos pedir educadamente que os paraísos fiscais deixem, finalmente, de ser paraísos fiscais. Na Europa, fomos extremamente ingênuos em nossa abordagem. A Suíça agora fornece automaticamente informações bancárias sobre seus clientes. E isso apenas porque os Estados Unidos impuseram sanções contra os bancos suíços.

DW: Quais são as consequências para a classe média do acúmulo de capital nas mãos dos mais ricos?

TP: Precisamos de uma classe média forte, para o crescimento e para o funcionamento da democracia. Europa ainda é estruturada de forma mais igualitária do que um século atrás, e mais igualitária ainda do que os Estados Unidos. Mas nos EUA, a concentração de renda e riqueza é tão forte que muitos acreditam que isso poderia comprometer a democracia. Grupos individuais poderiam dominar a política. Nos EUA, há dinheiro privado ilimitado na política. Esse é um problema real.

DW: Como o senhor avalia a situação econômica na Europa e nos EUA?

TP: Em Paris e na zona do euro, a economia está estagnada, as taxas de crescimento tendem a zero, assim como a inflação. O desemprego está aumentando. O que acho particularmente triste é que nossa dívida pública inicial não era mais dramática do que nos EUA, no Reino Unido ou no Japão. Mas aqui permitimos com que a grande crise da dívida desembocasse numa crise de confiança, esse é o nosso principal problema.

DW: Como esses problemas se manifestam para as pessoas na rua?

TP: Em alguns países europeus, um quarto da geração jovem está desempregado. E mesmo quando as pessoas têm uma renda, é extremamente difícil formar capital. O grande perigo na Europa é que cada vez mais gente tem a impressão de que a globalização não está funcionando para elas ou de que os ganhos dos donos do capital são desproporcionalmente grandes. Acho isso perigoso, pois favorece aos movimentos extremistas.

DW: Os adeptos de uma ordem econômica liberal dizem que no momento dinheiro suficiente está sendo impresso e distribuído de forma justa, e que os altos lucros do capital não são simplesmente tomados dos trabalhadores.

TP: Mas a questão é: será que é bom para a eficiência do sistema econômico os executivos ganharem 10 milhões de dólares? Eu estudei os dados cuidadosamente e não encontrei nenhuma prova de que isso faça sentido. Afinal de contas, são os custos com que o resto da economia arca, e que incidem sobre os salários baixos e médios.

Para uma visão mais ampla e profunda
das teorias de Thomas Piketty, leia esta entrevista,
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Para uma avaliação de sua teoria, veja esta análise,
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L I V R O

Título: O capital no século XXI
Autor: Thomas Piketty
Tradutora: Monica Baumgarten de Bolle
Publicação: prevista para 1º de novembro de 2014
Editora: Intrínseca
Páginas: 672
Preço de capa: R$ 59,90

Fonte: Carta Capital – Economia – 22/10/2014 – 05h37 – Internet: clique aqui.





Ganhos dos mais ricos ficaram intactos, diz estudo
 
 
Flavia Lima
Valor Econômico
27-10-2014
 
 
Alimentado por uma eleição extremamente polarizada, o discurso de que as classes mais abastadas foram deixadas de lado nos últimos anos talvez não seja acolhido pelos números.

Prof. Marcelo Medeiros - Unb/Ipea
Não há evidência que a renda dos ricos esteja caindo e sim que o grupo conseguiu manter-se resistente aos esforços de redução da desigualdade feitos nos últimos anos. Segundo o sociólogo e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo Medeiros, a redistribuição de renda, "ocorreu muito mais dos 5% mais ricos para baixo do que dos 5% mais ricos para cima da distribuição". Ou seja, é possível que não tenha sido afetado um grupo que, olhando mais de perto, está longe de ser efetivamente rico - pois ganha a partir de R$ 5.340 por mês -, mas detém nada menos do que a metade da renda do país.

"Não há evidência que a renda dos ricos esteja caindo e sim que está estável, assim como não há evidência que foram deixados de lado pelo governo. Há evidência contrária: que conseguiram se manter e não só pelos dados do Imposto de Renda. A Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios] também mostra isso", diz Medeiros.

Ao lado de Fábio de Castro, especialista em tributação, e Pedro de Souza - orientando, em Berkeley, de Emmanuel Saez, parceiro de Thomas Piketty nos estudos sobre desigualdade -, Medeiros tem sido bastante demandado desde o fim de setembro, quando veio a público um estudo no qual os autores apontam que o índice de Gini (indicador que mede o grau de concentração de renda) de indivíduos acima de 18 anos é 11% maior do que apontava a Pnad em 2012 e mantém-se estável desde 2006 - diferentemente do que a pesquisa apontava pelo menos até 2011.

O tema delicado e caro ao governo parece ter sido atingido pela alta temperatura eleitoral. Na última semana, o sociólogo divulgou ter pedido exoneração de um cargo de confiança que ocupava no Ipea em repúdio à decisão do órgão de suspender a divulgação de estudos até novembro, de modo a não interferir nas campanhas eleitorais.

O Ipea nega. O fato é que os autores chegaram aos números mais altos de desigualdade usando uma base de dados que, segundo Medeiros, retrata muito melhor o topo da renda no Brasil: a declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). A fatia dos 10% mais ricos da pesquisa domiciliar foi substituída pelos 10% mais ricos do IRPF - ambiente em que os incentivos para a declaração de toda a renda é maior devido, por exemplo, a mecanismos como a restituição do IR.

A conclusão é que quem dita o comportamento da desigualdade no Brasil são os mais ricos. Entre 2006 e 2012, nada menos do que 62% do crescimento da renda ficou com os 10% mais ricos da população. Medeiros, contudo, não acredita que a queda da desigualdade apontada pela Pnad seja mito ou arma de propaganda do governo e rechaça qualquer tentativa de desqualificar pesquisas domiciliares.

Para ele, a Pnad subestima a renda do topo porque "chegar bem em 1% da população é mais difícil", fora que algumas pessoas simplesmente se recusam a responder sobre renda. Segundo Medeiros, em razão da metodologia adotada, a sua própria pesquisa pode estar fazendo o mesmo com os muito ricos (grupo com renda a partir de R$ 74 mil por mês), o que indica que o quadro de desigualdade pode ser "um pouco pior".

Segundo ele, muito do que se sabe sobre desigualdade está correto. "O que a gente, talvez, tenha que reavaliar é o peso de cada uma das causas da desigualdade", diz, apontando ser esse o próximo passo do trio de pesquisadores. "E talvez acrescentar coisas a que não vínhamos prestando atenção", emenda, ressaltando que o "simplismo acaba sendo ruim para as políticas públicas".

Na avaliação de Medeiros, o país ainda é muito desigual, mas não exatamente pobre. "Depende do que se chama de muito pobre. Comparado a outros países do mundo, estamos muito melhor", diz ele. "As elites têm muita dificuldade de ver que o mundo não é um espelho delas. O mundo é pobre."

O pesquisador nega que o estudo sobre desigualdade com dados do Imposto de Renda tenha algo a ver com o trabalho conduzido pelo francês Piketty. "Já me perguntaram se estamos fazendo o trabalho do Piketty para o Brasil e a resposta é não. O trabalho dele é infinitamente mais sofisticado do que o nosso", afirma.

Questionado se as políticas atuais de transferência de renda vão na direção correta, ele se limita a dizer que "toda medida para combater a desigualdade é muito importante, porque não existe uma solução única". Em sua avaliação, o esforço de redução da desigualdade é muito mais ambicioso do que aparenta. Segundo ele, é possível diminuir brutalmente a pobreza com políticas de assistência, mas para abalar a desigualdade "é preciso mexer no sistema tributário, em interesses constituídos, além de políticas em investimento em educação, saúde etc", diz. "Não é um problema trivial".

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 28 de outubro de 2014 – Internet: clique aqui.