O QUE AS ELEIÇÕES NOS DEIXARAM?
“Congresso
eleito é o mais conservador desde 1964”
Nivaldo Souza
e Bernardo Caram
Nas contas de diretor
do Diap, novos eleitos incluem mais religiosos,
mais empresários e
bancada sindical menor
Antônio Augusto Queiroz - Diretor do Diap |
Apesar das manifestações de junho de 2013 — carregadas com o
simbolismo de um movimento popular por renovação política e avanço nos direitos
sociais —, o resultado das urnas revelou uma guinada em outra direção.
Parlamentares conservadores se consolidaram como maioria na eleição da Câmara,
de acordo com levantamento do Diap,
o Departamento Intersindical de
Assessoria Parlamentar.
O aumento de militares, religiosos, ruralistas e outros
segmentos mais identificados com o conservadorismo refletem, segundo o diretor
do Diap, Antônio Augusto Queiroz, esse novo status.
— “O novo Congresso é, seguramente, o mais conservador do
período pós-1964. As pessoas não sabem o que fazem as instituições e se você
não tem esse domínio, é trágico.”
Ele acredita que a tensão criada pelo debate de pautas como
a legalização do casamento gay e a descriminalização do aborto deve se acirrar
no Congresso, agora com menos influência de mediadores tradicionais, que não conseguiram
se reeleger.
— “No caso da Câmara,
muitos dos parlamentares que cuidavam da articulação [para evitar tensões] não estarão na próxima legislatura.
Algo como 40% da 'elite' do Congresso não estará na próxima legislatura, seja
porque não conseguiu se reeleger ou disputou outros cargos. Houve uma guinada muito grande na direção
do conservadorismo.”
O levantamento do Diap mostra que o número de deputados
ligados a causas sociais caiu, drasticamente, embora os números totais ainda
estejam sendo calculados.
A proporção da frente sindical também foi reduzida quase à
metade: de 83 para 46 parlamentares. Junto
com a redução desses grupos, o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo
e a descriminalização das drogas — temas que permearam os debates no primeiro
turno da disputa presidencial — têm
poucas chances de serem abordados pelo Congresso eleito, que tomará posse em
fevereiro de 2015.
— “Posso afirmar com segurança que houve retrocesso em
relação a essas pautas. Se no atual Congresso houve dificuldade para que elas
prosperassem, no próximo isso será muito mais ampliado. Houve uma redução de
quem defendia essa pauta no Parlamento e praticamente dobrou [o número de] quem
é contra.”
Parte consistente do conservadorismo, segundo Queiroz, virá
da bancada evangélica. Ele estima
que o número de religiosos desta
corrente deve crescer em relação aos 70 deputados eleitos em 2010.
— “A bancada evangélica
vai ficar um pouquinho maior, mas com uma diferença: nomes de maior peso
dentro das igrejas para melhor coordenar e articular os interesses desse
segmento junto ao Congresso Nacional.”
Entre essas lideranças, o Diap já identificou 40 bispos e pastores.
Militares
O Diap também estima um aumento consistente de policiais e militares eleitos. Queiroz prevê que o aumento de parlamentares com este perfil deve chegar a 30%. "Esse grupo, necessariamente, vai fazer parte da 'bancada da bala', porque defende a defesa individual", diz, referindo-se ao lobby da indústria armamentista.
A ampliação desse grupo é uma onda que veio na contramão das manifestações populares de 2013.
"Isso é produto da alienação. Quem foi para rua, em
grande medida, foi pedindo mudanças. Mas sem ter uma liderança capaz direcionar
e coordenar [o movimento]. Era 'contra tudo o que está aí'", observa.
Queiroz considera que, caso o candidato do PSDB, Aécio
Neves, seja eleito, temas como a redução da maioridade penal, considerada uma
proposta conservadora, podem avançar facilmente no Congresso.
— “O PSDB perdeu
em quantidade (reduziu de 12 para dez o número de senadores), mas é uma bancada que se renova do ponto de
vista qualitativo. Só que com viés
conservador.”
Sindicalistas
O levantamento do Diap mostra que o número de deputados
ligados a movimentos sociais deve cair drasticamente. Os números totais ainda
estão sendo calculados.
— “A bancada vinculada aos movimentos sociais deve cair pela
metade, diz.”
A proporção da Frente
Sindical também foi reduzida quase à metade: de 83 para 46 parlamentares.
Parte desse resultado se deve ao alto custo das campanhas nos Estados. Ele calcula em R$ 3 milhões o valor médio
gasto por cada deputado para se eleger no País. Já os senadores gastaram bem mais que isso – na média, R$ 5 milhões cada.
Na contramão desse tendência, os empresários passaram de 220
para 280 parlamentares na legislatura que assume mandato em fevereiro de 2015,
de acordo com o levantamento.
— “A quantidade que sobrevive de renda nos negócios aumentou
nessa eleição. Embora a maioria se apresente com curso superior, como médico e
advogado, na verdade eles não sobrevivem dessas atividades, mas do seu negócio,
que lhes dá suporte indispensável”, diz Antônio Augusto Queiroz.
RESUMINDO
– NOVO PERFIL DO CONGRESSO NACIONAL
Renovação
46%
é o índice de renovação da Câmara dos Deputados do total de 513 parlamentares
Evangélicos
20
são pastores e bispos de igrejas evangélicas
Empresários
O número de
empresários passou de 220 para, pelo menos, 280 deputados, aumento de 27%
Sindicalistas
Sindicalistas,
que obtiveram auge de participação na era Lula, foram reduzidos em 44%. Foi de
83 para 46 deputados federais
Ruralistas
Eles
saltaram de 130 para, ao menos, 160 deputados federais, crescimento de 23%
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Especial/Eleições 2014 – Terça-feira, 7 de outubro de 2014 – Pg.
H10 – Edição impressa.
Votos brancos
e nulos sobem em SP e no Rio
Daniel
Bramatti
Primeira eleição
pós-protestos registra alta de votos inválidos concentrada em dois Estados que
mais tiveram manifestações de rua
Na primeira eleição após a onda de protestos de junho de
2013, a taxa de votos nulos e brancos
para presidente aumentou um ponto porcentual no País, de 8,6% para 9,7%. Em
São Paulo e no Rio de Janeiro, principais palcos das manifestações, o avanço da
taxa foi maior: 3,4% e 3,2%, respectivamente.
Não houve aumento generalizado nos votos não válidos, que
costumam ser chamados de "votos de protesto", mas também podem
resultar de erros no manejo da urna eletrônica.
A última pesquisa Ibope antes da boca de urna do 1.º turno,
realizada na véspera da eleição, indicava que havia 7% de eleitores dispostos a
votar branco ou nulo. De 2010 para 2014,
a taxa de votos nulos para presidente variou
de 5,5% para 5,8%, praticamente retornando aos níveis de 2006. A de brancos foi de 3,1% para 3,8%.
A taxa resultante da soma de brancos e nulos ainda é
inferior à registrada em 2002, quando foi realizada a primeira eleição
totalmente informatizada no Brasil: 10,4%.
Em termos absolutos, chega
a 1,5 milhão o número adicional de brasileiros que invalidaram o voto nessa
eleição. Parece um volume significativo, mas o contingente é menor que o
dos eleitores de Luciana Genro, candidata presidencial do PSOL.
São Paulo teve
aumento significativo de votos brancos e nulos para governador: 7 pontos
porcentuais. Mas avanços semelhantes foram registrados em Estados como
Sergipe (6 pontos), Pará (5,7) e Alagoas (5,6).
Em Rondônia, houve queda de 12,4 pontos porcentuais, mas em
razão de uma decisão judicial. Houve aumento atípico dos votos nulos em 2010
porque Expedito Junior (PSDB) teve a candidatura barrada pela Justiça
Eleitoral. Os votos nele foram anulados.
Não é possível fazer comparações para o cargo de senador,
pois na eleição de 2010 havia duas vagas em disputa, e na atual, apenas uma. Na eleição para deputado federal, os votos
não válidos tiveram aumento de 2,6 pontos. Para estadual, não houve
variação.
Abstenção
A taxa de abstenção
em todo o País passou de 18,1% para 19,3%. O índice aumenta a cada ano,
porque muitos inscritos como eleitores morrem ou deixam de comparecer às urnas
ao completar 70 anos. No Amapá, onde houve recadastramento no ano passado, com
expurgo dos falecidos, a abstenção foi de apenas 10,4%, a menor do País.
O ministro Henrique Neves, do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), disse que o aumento não causa preocupação. "São diversos fatores que geram abstenção: pessoas que mudaram de
domicílio, outras que trabalham no dia da eleição", afirmou.
Colaborou
nesta matéria Beatriz Bulla.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Especial/Eleições 2014 – Terça-feira, 7 de outubro de 2014 – Pg. H8 – Edição impressa.
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