REFORMA POLÍTICA EM DEBATE - OPINIÕES...
“Não existe
canetada que acabe com o tal é dando que se recebe”
Entrevista
com Cesar Zucco*
Pesquisador da
Fundação Getúlio Vargas afirma que reforma política deve ser feita a partir de
ajustes e de mudanças pontuais
Cesar Zucco Júnior - cientista político |
Propor uma reforma grande e complexa é a melhor maneira de
não fazer reforma alguma. Com essa convicção, o cientista político Cesar Zucco,
da Fundação Getúlio Vargas (FGV), sugere que a reforma política ocorra a partir de mudanças e ajustes pontuais.
Entre suas propostas, estão:
-
restringir o financiamento de campanha por empresas e
- impedir os partidos de somarem seus tempos de TV quando coligados,
- além da proibição de coligações proporcionais.
A corrupção no financiamento das campanhas
foi um dos temas desta disputa presidencial. O financiamento seria o início da
reforma política no Brasil?
Cesar Zucco: O
financiamento de campanha é um problema em praticamente todo o mundo. As regras
variam desde proibir completamente doações privadas, passando por permitir
apenas doações de pessoas físicas, ou apenas pequenas doações. Não obstante
essa variação, há casos de corrupção envolvendo financiamento de campanha em
quase todos os países. Acho que reforma política deve incluir (o tema) direta e
indiretamente, mas não podemos nos iludir achando que vamos adotar alguma regra
que vai acabar com todos os problemas.
Mesmo as doações legais não são uma
forma de comprar os políticos?
CZ: Em tese,
doações podem ter um objetivo de expressão ou um objetivo instrumental. No
primeiro caso, alguém doa para um candidato seguindo lógica parecida com a que
leva alguém a doar dinheiro para alguma instituição ou causa na qual acredita.
No segundo, o objetivo é obter alguma vantagem ou evitar algum prejuízo. Agora,
é surpreendentemente difícil conectar doações à obtenção direta de vantagens
específicas.
O financiamento público não poderia
gerar mais corrupção e desvios?
CZ: O
financiamento público no Brasil já existe, tanto na forma do Fundo Partidário
quanto na da propaganda gratuita. O que você menciona é o financiamento
exclusivamente público, que tem pouco apoio popular no mundo porque é visto
como forma de transferir recursos para políticos. Não traz garantia do fim da
corrupção.
Há alternativa ao sistema
proporcional de lista aberta?
CZ: O ponto é que
não há um sistema para o qual pudéssemos mudar que fosse superior em todos os
quesitos ao nosso. O meu argumento é que numa grande reforma estaríamos
trocando os nossos problemas por problemas novos. Tendo a defender ajustes e
reformas pontuais.
O governo deveria colocar a reforma
política como prioridade?
CZ: A melhor
maneira de não fazer reforma alguma é propor uma (grande) reforma. Mas o fato é
que não existe uma canetada que vá acabar com o tal “é dando que se recebe”.
Não existe mágica. Mudanças pequenas e o fortalecimento dos poderes de
fiscalização podem nos colocar numa trajetória de melhora de longo prazo.
* Cesar Zucco Jr. é Ph.D. em Ciência Política pela Universidade da Califórnia (EUA) e mestre em Ciência Política pelo IUPERJ. É professor da Fundação Getúlio Vargas desde julho de 2013. Foi pesquisador visitante em Princeton e Yale (EUA) e professo visitante em Princeton.
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Política – Quarta-feira, 29 de outubro de 2014 – Pg. A10 –
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Assembleia
Constituinte é inconstitucional
Lênio Streck
Professor e Advogado
Lênio Streck - advogado e professor |
Saídos os resultados das eleições, li, preocupado, artigo do
jornalista Cláudio Brito (jornal Zero
Hora de ontem), defendendo a convocação de uma Assembleia Constituinte “pra
valer”. Um novo texto, inteiro, diz ele. Há quem defenda uma Assembleia
exclusiva para a reforma política. Outros, uma “inteira”. Pena. Quem defende
Constituinte exclusiva quer um grau zero. Tarso Genro já defendeu isso em junho
de 2013. Zera tudo, acabam-se direitos e começa tudo de novo. Essa Constituinte, por certo, seria
supostamente isenta em face da própria política e do político. Como se uma Constituinte exclusiva não
estivesse sujeita às mesmas condições, pressões e interesses.
Ora, não existe algo
tal como uma situação ideal de deliberação. O que parece que os defensores
da tese de uma Assembleia Constituinte exclusiva e soberana não se dão conta é
do risco do retrocesso. Tem gente
que quer baixar o quórum para maioria absoluta e procedimento facilitado. Isso
só aumenta o risco. A questão é: por que
a Constituição deles (a nova) seria mais efetiva ou a democracia deles seria
mais democrática?
Parece que os defensores da tese não compreenderam bem a
História. É ingenuidade pensar que,
hoje, uma Constituinte possa trazer mais avanços do que os que constam na atual
Constituição. Qualquer um sabe que os atuais direitos, uma vez zerados (afinal,
a Constituinte seria exclusiva e soberana), deles nada restaria. Direitos
seriam dizimados. Ou a Constituinte seria composta apenas por “agentes do
povo”? E por virtuosos? Os empresários não se elegeriam... Os meios de
comunicação não atuariam? É paradoxal
que quem queira fazer uma nova Constituição não acredite no direito atual, mas
acredita no direito do futuro... Suprema ironia. Ou seja, direito, sim;
desde que seja um outro, feito a partir do grau zero.
Seríamos a única
democracia do mundo que se autodissolveria. As lutas pela democracia de
pouco vale(ra)m até hoje. É isso que se depreende da intenção dos que defendem
uma Constituinte exclusiva. Antes
(hoje), o caos. Depois, o paraíso.
Fonte: Instituto
Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 28 de outubro de 2014 –
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