«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

SÍNODO: LEI APENAS OU MISERICÓRDIA

Entre matrimônio indissolúvel e misericórdia

ENZO BIANCHI*
La Stampa
12-10-2014


O Deus cristão tem um rosto em que a misericórdia é imanente à justiça:
é um Deus compassivo que, em Jesus, caminhou e caminha com quem está ferido, com quem está doente...
é um Deus que quer que todos se convertam e vivam.

Enzo Bianchi - monge e teólogo italiano
Logo depois da eleição do Papa Francisco, o cardeal Ravasi declarou: "Há um fôlego novo que esperávamos". Hoje, depois de 20 meses de pontificado, podemos dizer que se criou outro clima no tecido eclesial: um clima de liberdade de expressão em que, com parrésia [franqueza], cada católico, bispo ou simples leigo, pode deixar a sua própria consciência falar e dizer aquilo que pensa, sem ser logo silenciado, censurado ou até mesmo punido, como ocorria nas últimas décadas.

Isso não significa um clima idílico, porque conflitos até mesmo ásperos estão presentes no seio da Igreja – como, aliás, já é testemunhado nos escritos do Novo Testamento –, mas se estes são vividos sem excomunhões recíprocas, se cada um escuta as razões do outro sem fazer dele um inimigo, se todos cuidam para manter a comunhão, então os conflitos são fecundos e servem para aprofundar e, melhor, para dar razão das esperanças que habitam o coração dos cristãos.

Infelizmente, pode-se constatar que já há "inimigos do papa": pessoas que não se limitam a criticá-lo com respeito, como ocorria com Bento XVI e João Paulo II, mas que chegam até a desprezá-lo. Um bispo que declara aos seus padres que a exortação apostólica Evangelii gaudium [de Papa Francisco] "poderia ter sido escrita por um campesino" expressa um juízo de desprezo, mas, profeticamente, declara que essa carta é legível e compreensível até por um pobre e simples cristão da periferia do mundo. Assim, para além das intenções, essas palavras depreciativas constituem um elogio.

Alguns chegam até a deslegitimar a eleição de Bergoglio em um conclave que não teria ocorrido segundo as regras; outros argumentam que ainda há dois papas, ambos sucessores de Pedro, mas com tarefas diferentes... Conhecemos há muito tempo esses indivíduos como pessoas propensas a seguir as próprias hipóteses eclesiásticas em vez da objetividade da grande tradição católica, em que vale o primado do Evangelho.

Certamente, a composição desse Sínodo, o novo modo de proceder nos trabalhos, o convite do papa a falar claro, com coragem, até mesmo criticando o seu pensamento ou manifestando uma opinião diferente, o pedido de franqueza nas intervenções criaram uma atmosfera sinodal inédita em comparação com todos os sínodos anteriores.

O Papa Francisco quer que a cúpula seja vivida no espírito da colegialidade episcopal e da sinodalidade eclesial, e não seja uma simples celebração: e Francisco tem toda a solidez para dizer também que o Sínodo se realiza segundo a grande tradição cum Petro et sub Petro, ou seja, com o papa presente, e ao qual, como sucessor de Pedro, cabe pessoalmente o discernimento final.

Quanto ao tema do Sínodo, ele é incandescente, porque está em jogo não tanto uma disciplina diferente em relação ao matrimônio, à família e à sexualidade, mas o rosto do Deus invisível, um rosto que nós, cristãos, conhecemos apenas no rosto de Jesus Cristo, aquele que nos narrou, explicou, fez conhecer Deus.

Está em jogo o rosto do Deus misericordioso e compassivo, como está escrito no seu Nome santo dado a Moisés e como foi contado por Jesus, seu filho no mundo, que nunca castigou os pecadores, nem jamais os puniu, mas os perdoou todas as vezes que os encontrou, levando-os, assim, ao arrependimento e à conversão.

Não há dúvida de que, no cerne do confronto e do aprofundamento sinodais, estão as palavras de Jesus que não podem ser esquecidas nem muito menos adulteradas. Nos Evangelhos, de fato, diante do divórcio – permitido por Moisés, mas condenado, não nos esqueçamos, pelos profetas... –, Jesus não escolhe o caminho da casuística, mas remonta à intenção do Legislador e Criador, e nega qualquer possibilidade de ruptura do vínculo na história de amor entre um homem e uma mulher: "No princípio não foi assim... Os dois serão uma só carne... O que Deus uniu, o homem não separe!".

Linguagem clara, exigente, radical, porque, na relação entre homem e mulher, ligados na aliança da palavra dada, está significada a aliança fiel entre Deus e o seu povo: se uma fidelidade é desmentida, a outra também não é mais crível. Mensagem exigente e dura, que os presbíteros deveriam anunciar às suas comunidades pondo-se de joelhos: "É uma palavra do Senhor, não nossa, que pede essa fidelidade. Nós a repetimos a vocês porque é nosso dever fazê-lo, mas a anunciamos a vocês de joelhos, sem presunção nem arrogância, porque sabemos que viver o matrimônio fielmente e no amor renovado é difícil, cansativo, impossível sem a ajuda da graça de Deus...".

Mas se esse é o anúncio evangélico que não pode mudar, continua sendo verdade que, na história, e particularmente hoje, esse vínculo nas histórias de amor nem sempre é assumido na fé, na adesão à palavra de Cristo e, contudo, às vezes se deteriora, se corrompe e morre.

Sim, entre cônjuges é preciso estar juntos até que um torne o outro bom, mas, se isso não acontece mais, depois de repetidas tentativas, então a separação pode ser um mal menor. E é aqui que, às vezes, pode iniciar uma nova história de amor que pode se mostrar portadora de vida, vivida na lealdade e na fidelidade, na partilha da fé e no pertencimento vivo à comunidade cristã.

Para aqueles que vivem nessa condição, não é possível celebrar outras núpcias nem contradizer o sacramento do matrimônio já celebrado, mas, se fazem um caminho penitencial, se mostram, com o andar dos anos, solidez no novo vínculo, não se poderia ao menos admiti-los à Comunhão que lhes dá a possibilidade de um viático portador de graça no caminho rumo ao Reino?

Segundo a doutrina católica tradicional, a eucaristia é sacramento também para a remissão dos pecados. O cardeal Martini se perguntava: "A pergunta se os divorciados podem receber a comunhão deveria ser invertida: como a Igreja pode vir em seu auxílio com a força dos sacramentos?". A resposta a essas perguntas só pode vir do papa, depois de ter escutado a Igreja, através do Sínodo.

Reflita-se também sobre um dado: por que padres, monges, religiosos que emitem uma promessa pública a Deus no coração da Igreja, embora tendo abandonado a vocação recebida e contradito os votos pronunciados – votos que São Tomás de Aquino dizia que a Igreja nunca pode dissolver –, podem participar plenamente da vida também sacramental da Igreja, enquanto aqueles que se encontram em outras situações de infidelidade são dela excluídos?

Essa parece ser uma injustiça de uma disciplina feita por clérigos que vivem mais ou menos bem o seu celibato e não conhecem a fadiga e as dificuldades do matrimônio...

O que espera, então, do Sínodo um católico maduro na fé? Que se confesse, de novo e de novo, a indissolubilidade do matrimônio, mas que se faça isso manifestando a misericórdia de Deus, indo ao encontro daqueles que, nessa exigente aventura, incorreu em contradição à aliança e convidando-os a caminharem na plenitude da vida eclesial.

O Deus cristão tem um rosto em que a misericórdia é imanente à justiça: é um Deus compassivo que, em Jesus, caminhou e caminha com quem está ferido, com quem está doente... é um Deus que quer que todos se convertam e vivam.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto.

* Enzo Bianchi é prior e fundador da comunidade ecumênica de Bose (Itália), teólogo e biblista renomado.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 14 de outubro de 2014 – Internet: clique aqui.

Divisões sobre a questão do divórcio vão até o topo da hierarquia

JOHN L. ALLEN JR.
Crux
12-10-2014
Papa Francisco conversando com bispos durante sessão do Sínodo
Antes de iniciar o encontro de bispos, no Vaticano, para discutir a família, entre os dias 5 e 19 de outubro, a questão mais polêmica era se os católicos que se divorciam e se casam novamente fora da Igreja deveriam ser autorizados a receber a comunhão. Com a reunião atingindo a marca da metade no último domingo, é lógico perguntar-se por onde andam as coisas.

Infelizmente, a resposta é: nós realmente não sabemos.

Na verdade, o debate sobre divórcio e novo casamento não é o único aspecto apontado neste Sínodo dos Bispos sobre a família:
  • Os prelados africanos falaram sobre os desafios da poligamia e da bruxaria, enquanto
  • as vozes do Oriente Médio têm apontado para o impacto da guerra sobre a vida familiar.
  • Os ocidentais têm refletido sobre como superar um cinismo generalizado sobre não fazer compromisso de vida com nada.
Além disso, há algumas coisas que nós realmente sabemos sobre a questão da comunhão. Uma delas é que não há nenhuma pressão para mudar o ensinamento da Igreja de que o casamento é para a vida toda. Como o arcebispo Diarmuid Martin, de Dublin, Irlanda, colocou no sábado: "Ninguém está falando sobre o divórcio católico".

Diarmuid Martin - Arcebispo de Dublin (Irlanda)
Outra coisa é que há um consenso crescente em torno da ideia de que as anulações precisam se tornar mais rápidas e mais simples. A anulação é uma declaração de que a união nunca foi realmente um casamento, mesmo que esta envolvesse uma cerimônia na Igreja, isso porque não conseguiu cumprir algum dos testes de validade, como a real intenção de fazer um compromisso para toda a vida. Quando uma pessoa tem uma anulação, essa pessoa está livre para casar de novo na Igreja.

No entanto, no cerne da questão - se os católicos que se divorciam e se casam novamente fora da Igreja sem uma anulação devem ou não ser capazes de voltar à comunhão e aos outros sacramentos da Igreja - não há nenhuma maneira, no momento, de dizer onde o Sínodo está posicionado.

Tem havido forte debate, ocasionalmente com uma irritabilidade pessoal bastante desagradável. Um pouco da irritação tem sido direcionada ao cardeal alemão aposentado Walter Kasper, que lançou a ideia, em fevereiro, de permitir que os divorciados novamente casados pudessem voltar à comunhão após um período de penitência.

(Kasper foi convidado pelo Papa Francisco a dar essa palestra, por isso, em certa medida, os ataques contra ele podem ser um indicador de como as pessoas se sentem sobre o papa.)

Cardeal Walter Kasper
Por outro lado, o arcebispo Paul-André Durocher, de Quebec, destacou durante uma coletiva de imprensa, no Vaticano, na semana passada, que apenas os bispos que estão mais empolgados de um lado ou de outro falaram até agora, o que significa que a maioria ainda tem que falar o que pensa.

Na sexta-feira, outro cardeal alemão, Reinhard Marx, de Munique, tentou articular um consenso com a frase: "Nem para ninguém, e não para todos". Seu ponto era que nem todos os divorciados novamente casados ​​são iguais - há uma diferença, por exemplo, entre alguém que largou seu cônjuge em seu primeiro casamento e alguém que foi abandonado.

Marx estava sugerindo uma abordagem caso a caso, que resultaria em alguns, mas não todos, divorciados e recasados ​​católicos poderem ser recebidos de volta à comunhão.

O cardeal italiano Francesco Coccopalmerio, um alto advogado da Igreja, ofereceu o exemplo de uma mulher que se casou com um homem cuja primeira esposa o abandonou, deixando-o sozinho para cuidar de três filhos.

"Ela não pode abandonar a união ou as crianças", disse Coccopalmerio. "Nesses casos, temos que fazer alguma coisa".

No entanto, para cada Marx ou Coccopalmerio, há um cardeal George Pell, da Austrália, agora o czar das finanças do papa, que alertou, na semana passada, para as "acrobacias doutrinárias", durante um fórum público patrocinado pelo Crux, e que falou ao Sínodo na sexta-feira, dizendo que "as práticas pastorais e os códigos morais separados das doutrinas católicas não são misericordiosos, mas enganosos e, por vezes, prejudiciais a longo prazo".

Tanto Marx quanto Pell, por sinal, são membros do "G8", conselho de cardeais assessores do papa, o que sugere que as divisões vão até o topo.

Joseph Kurtz - arcebispo de Louisville
Embora a maioria dos argumentos até agora tem sido familiar, os americanos podem se consolar que um dos poucos pontos que se assemelham a uma visão original veio do presidente da Conferência dos Bispos dos EUA, o arcebispo Joseph Kurtz de Louisville, em entrevista à Crux.

Kurtz disse que ele não está muito certo de que possam ocorrer mudanças sobre o divórcio e o novo casamento, em parte por causa do perigo de uma profecia autorrealizável. Se a Igreja quer apoiar os casais, disse ele, ela não pode enviar uma mensagem não tão sutil que ela realmente não esperava que eles pudessem permanecer juntos por toda a vida.

Embora o confronto tenha sido cativante, o debate não será resolvido até a próxima semana. O papel desse encontro é estabelecer as bases para um outro Sínodo dos Bispos, ainda maior, no próximo ano.

Em qualquer caso, sob a lei da Igreja, sínodos não podem votar nada que entra e nada que sai. Tudo o que eles podem fazer é dar recomendações para o papa, então a única coisa que realmente importa é o que Francisco vai fazer.

De certa maneira, Francisco já virou uma página, na qual ele reabilitou e encorajou a posição da reforma. Os bispos que apoiam a mudança têm dito coisas em voz alta que não há muito tempo teriam hesitado até mesmo em sussurrar entre os amigos, com medo de desaprovação.

Em outras palavras, Francisco já mudou o clima. Agora temos que ver se ele também irá alterar o código, o corpo oficial das leis da Igreja Católica. A única coisa segura que pode ser dita nesta fase é: "Fique atento".

As portas fechadas do Sínodo

Ao ler a análise anterior, você pode pensar que eu passei a última semana em Roma cobrindo o Sínodo dos Bispos. Na verdade, embora eu esteja, de fato, em Roma, eu realmente não estou cobrindo o sínodo e ninguém está fazendo isso.

Isso porque um sínodo dos bispos é basicamente feito a portas fechadas, já que nenhuma das sessões são abertas ao público. Um pequeno grupo de jornalistas pode assistir à oração diária, pela manhã, mas somos enxotados antes de qualquer debate mais profundo começar.

O Vaticano oferece coletivas de imprensa diariamente, que são informativas, mas isso não é a mesma coisa que assistir o intercâmbio de palavras nós mesmos. Muitos participantes do Sínodo também se colocam à disposição da imprensa, o que muitas vezes levanta o véu sobre o que está acontecendo lá dentro, mas, mais uma vez, é uma forma de segunda mão de coleta de informações.

Apesar da considerável retórica sobre uma abertura histórica no sentido da transparência e da divulgação de informações com o Papa Francisco, a realidade é que este Sínodo é, na verdade, mais selado do que qualquer outro da memória recente.

No passado, o Vaticano iria liberar resumos diários dos discursos feitos pelos bispos, identificando os palestrantes pelo nome. Desta vez, os porta-vozes do Vaticano estão entregando apenas súmulas genéricas das discussão do dia, sem especificar quem disse o quê. Isso torna difícil para julgar a seriedade e para fazer qualquer comentário, uma vez que há claramente uma diferença se o orador é o bispo de uma diocese menor ou o cardeal de um poderoso escritório romano.

As apresentações têm levantado dúvidas se o fluxo de informações está sendo deliberadamente higienizado, com alguns pontos tendo mais relevância e outros minimizados. Em um ambiente em que a informação é escassa, há também um eco midiático desproporcionado das poucas conversas que são públicas.

Cardeal Gerhard Mueller
A ideia de manter o Sínodo fechado é proteger a liberdade de sua discussão, mas é justo perguntar se muita dessa confidencialidade é verdadeiramente necessária. O cardeal alemão Gerhard Müller, obviamente, não pensa assim; ele disse na semana passada que os textos das palestras dos bispos deveriam se tornar públicos, porque "todos os cristãos têm o direito de ser informado sobre as intervenções de seus bispos".

(A propósito, "intervenção" é a maneira de dizer "discurso" no Vaticano.)

Na realidade, essas coisas sempre vazam mais cedo ou mais tarde. A única verdadeira questão é se as informações vão surgir de forma ordenada de forma a refletir o fluxo real de trabalho do Sínodo, ou ao acaso, de uma maneira que corre o risco de criar uma visão distorcida e fragmentada do que está acontecendo.

A tentativa aparentemente amadora de manter as coisas em segredo é especialmente irônica, dado que o Sínodo é uma história positiva para o Vaticano.

Ela mostra os altos funcionários da Igreja ouvindo leigos, incluindo 12 casais de todo o mundo; ela mostra os líderes da Igreja expressando honestamente suas diferenças e lutando com as questões difíceis, e mostra o papa ouvindo pacientemente e misturando-se livremente entre os participantes, mais um capítulo em seu compromisso de colaboração.

Um colega meu uma vez observou que, embora o Vaticano seja ruim em tratar com uma má notícia, ele é realmente terrível com uma boa notícia. Em alguns aspectos, o Sínodo dos Bispos de 2014 é um exemplo clássico.

Um bispo dispara de volta

Uma das principais notas deste Sínodo foi a pressão por uma linguagem mais positiva em apresentar a doutrina da Igreja sobre o sexo, em se afastar de termos como "viver em pecado" e "mentalidade contraceptiva" e encontrar uma maneira mais compassiva de colocar esse ensino em prática.

Um casal australiano, por exemplo, contou aos bispos uma história sobre alguns amigos que são fiéis católicos, mas que tinham acolhido o parceiro de seu filho gay no natal, porque, como eles dizem, "Ele é o nosso filho".

Dizer que a ênfase sobre a misericórdia em relação ao julgamento não está funcionando para gerar comentários positivos universalmente seria um eufemismo.

Dom Rogelo Livieres Plano - ex-bispo de Ciudad del Este (Paraguai)
O bispo Rogelio Livieres Plano, anteriormente da diocese de Ciudad del Este, no Paraguai, escreveu o seguinte em seu blog pessoal: "Dentro da Igreja, e, recentemente, a partir de alguns de seus mais altos círculos, sopram novos ventos que não são do Espírito Santo".

Livieres, que pertence à organização católica Opus Dei, se tornou, recentemente, uma causa célebre quando Francisco o demitiu, alegando conflitos com outros bispos e vários supostos casos de má gestão. Tendo perdido o seu emprego, claramente, o bispo não se sente inclinado a deixar qualquer coisa sem ser revelada.

"A situação é muito grave e eu não sou o primeiro a perceber que, infelizmente, estamos enfrentando o perigo de um grande cisma", ele escreveu na quinta-feira.

Livieres acusou Kasper e a revista jesuíta Civilita Cattolica, que publicou uma famosa entrevista com Francisco no início de seu pontificado, de serem "as hélices ativas que levam essa confusão na Igreja de Bergoglio".

A sede do Opus Dei em Roma ficou alarmada o suficiente que emitiu um comunicado no sábado: "Este escritório esclarece que as palavras muito lamentáveis ​​do bispo Rogelio Livieres sobre o Sínodo sobre a Família, conforme publicado em seu blog, representam única e exclusivamente a sua própria opinião".

Com certeza, tudo isso pode considerado apenas como o azedume típico de alguém que foi demitido. Por outro lado, provavelmente seria um erro pensar que Livieres é o único homem que sente isso.

Três notas laterais

Em meio à narrativa mais ampla do Sínodo dos Bispos, momentos e insights menores podem acabar se perdendo. Três dessas notas laterais de sábado são dignas de registro.

1. Em primeiro lugar, o Vaticano realizou uma conferência de imprensa sobre a missa de ação de graças que o Papa Francisco celebraria no domingo pela recente canonização de dois santos canadenses, François de Laval e Marie de L'Incarnation, que nasceu como Marie Guyart.

Dennis Drainville (bispo anglicano de Quebec)
e Cynthia Ann Patterson (sua esposa)
Um elemento fascinante da conferência de imprensa foi o fato dela ter sido liderada pelo cardeal Gérald Lacroix, de Quebec, assim como pelo bispo anglicano, também de Quebec, Dennis Drainville, que estava acompanhado por sua esposa, Cynthia Ann Patterson.

Posso estar errado, mas eu não me lembro de nenhuma ocasião anterior, em que um bispo trouxesse sua esposa para uma conferência de imprensa do Vaticano.

Patterson, de certa forma, roubou o show, explicando por que ela considerava Marie de L'Incarnation como um modelo para as mulheres que trabalham fora.

"Ela era uma mãe solteira que trabalhava fora", disse ela. "Ela ficou viúva muito jovem e teve um menino. Ela teve que trabalhar para sustentar a família, e suas cartas são ricas com o contexto social das mulheres da época, bem como com a sua espiritualidade".

"Ela estava fazendo aquele malabarismo que nós mulheres fazemos", disse Patterson, que acrescentou que Marie também fundou os primeiros sistemas de ensino para mulheres jovens na América do Norte.

2. Em segundo lugar, é importante notar que o Sínodo está, atualmente, em fase de discussões nos chamados circuli minores, ou seja, nos pequenos grupos organizados por idioma. Cada grupo elege o seu próprio presidente, uma posição conhecida como "moderador", e algumas sobrancelhas se levantaram no sábado, quando um dos grupos de língua inglesa escolheu o cardeal norte-americano Raymond Burke para esse papel.

Cardeal Raymond Burke
Burke é bem conhecido como tradicionalista e como um ferrenho guardião das doutrinas. Antes de interpretar a sua eleição como um voto desses falantes de língua inglesa contra a linha Kasper, no entanto, é importante perceber que pode haver uma outra consideração envolvida.

Em dezembro passado, Burke foi removido pelo Papa Francisco da congregação da mais alta importância para os bispos, responsável por recomendar novos bispos para o papa. Rumores abundam agora que ele também deverá ser removido de sua posição atual como chefe do Supremo Tribunal do Vaticano, e ser atribuído a ele um papel em grande parte cerimonial em Roma, sem nenhuma influência real.

Nesse contexto, é possível que a eleição foi em grande parte um voto de simpatia, alimentada pelo desejo de dar a Burke um último momento ao sol. Essa hipótese é reforçada pelo fato de que vários dos falantes de inglês no grupo tem a reputação de ser doutrinariamente moderados.

Dito isso, todos os olhos estarão sobre o grupo de Burke, que é chamado de "Anglicus A", para ver o que vai sair dele.

3. Em terceiro lugar, a coletiva de imprensa de sábado sobre o Sínodo contou com o arcebispo Diarmuid Martin, de Dublin, na Irlanda, cuja experiência desses encontros remonta para o ano de 1980, quando ele serviu como oficial no primeiro Sínodo dos Bispos sobre a família.

Martin destacou um ponto interessante, o de que tanto o Papa João Paulo II quanto o Papa Francisco decidiram dedicar seus primeiros sínodos à família, argumentando que ambos foram bispos diocesanos pouco antes de se tornarem papa e, assim, sabiam da importância da vida familiar nas bases.

Martin é visto como um líder reformista com relação aos escândalos de abuso sexual clerical que abalaram a Igreja em muitas partes do mundo. Perguntei-lhe se esse assunto surgiu no Sínodo, uma vez que tem sido uma fonte de sofrimento para muitas famílias católicas.

"Alguns bispos mencionaram de passagem, como isso tornou as coisas mais difíceis para a Igreja na tarefa de evangelização sobre o matrimônio e a família", disse ele.

"Obviamente, em alguns países, os escândalos tiveram um impacto sobre a eficácia do catecismo da Igreja sobre o matrimônio e a família", disse Martin.

Em termos de uma observação geral sobre como a Igreja lida com situações familiares complexas, Martin observou que a Igreja Católica é boa com a lei, mas "nós não somos muito bons com as exceções".

Ele observou que há falcões e pombas na Igreja", mas a maioria das pessoas vive suas vidas nas áreas cinzentas do meio. Temos que exercer a nossa responsabilidade pastoral nas áreas cinzentas".

Finalmente, uma nota de rodapé engraçada: o protocolo do Vaticano exige que as perguntas sejam feitas em italiano, então eu comecei perguntando a Dom Martin, em italiano, se podíamos falar em inglês. Ele riu com a ideia de dois falantes de inglês perguntando um ao outro se não havia problema de falar a sua própria língua materna, e contou uma história sobre quando ele foi para os Estados Unidos pela primeira vez e foi convidado para assistir a um programa na TV dedicado à Irlanda.

"Eu percebi que cada vez que aparecia um irlandês falando, eles colocavam as legendas", disse ele.

Traduzido do inglês por Claudia Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 14 de outubro de 2014 – Internet: clique aqui. Para acessar o original inglês, clique aqui.

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