SÍNODO DOS BISPOS - O QUE SE CONCLUIU?
Texto expõe divisão
sobre gays e divórcio
José Maria Mayrink
Em
mensagem divulgada antes,
Igreja
havia se calado sobre acolhida aos homossexuais
Papa Francisco, de costas, diante da Plenária do Sínodo dos Bispos Vaticano, 5 a 19 de outubro de 2014 |
O relatório
final da 3ª Assembleia-Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, que
discutiu nas últimas duas semanas os desafios pastorais para a família, mantém
o princípio da Igreja Católica de que o casamento é indissolúvel e significa
união entre homem e mulher, mas abre espaço para o acolhimento dos católicos
que vivem à margem da doutrina. O texto expôs a divisão da Igreja em relação
aos divorciados e homossexuais.
Trecho divulgado na semana passada, em versão
preliminar, que dizia que “as pessoas homossexuais têm dons e qualidades que
podem oferecer à comunidade cristã” acabou suprimido após a votação dos
cardeais e bispos. Houve 118 votos a favor e 62 contrários à declaração.
No relatório final, a recomendação da Igreja é que
“homens e mulheres com tendências
homossexuais devem ser acolhidos com respeito e delicadeza”. O texto também
adverte que se deve evitar qualquer termo de injusta discriminação. O documento
ainda poderá ser modificado, pois passará por nova rodada de discussões em
2015.
Uma mensagem do Sínodo [ver abaixo], aprovada
ontem pela manhã, havia sido mais sucinta e até omissa ao referir-se às
questões mais polêmicas: fez uma curta alusão aos divorciados e calou-se sobre
a acolhida aos homossexuais.
Casais separados ou que moram juntos numa
convivência informal, sem contrato civil ou celebração religiosa do matrimônio,
mereceram atenção especial no documento.
A questão
mais polêmica no Sínodo, conforme informação do relatório, que divulgou o
número de votos alcançados em cada um dos 62 parágrafos votados, foi a possibilidade de acesso dos
divorciados recasados aos sacramentos da Penitência (confissão) e Eucaristia (comunhão), matéria do parágrafo 52. De um total de 178 votantes, 104 foram a
favor e 74, contra.
O
parágrafo admite que, em situações particulares e condições bem precisas,
levando-se em conta a irreversibilidade da ligação dos casais e suas obrigações
morais em relação aos filhos, se permita o acesso aos sacramentos, sob a
responsabilidade do bispo. “Alguns padres (padres
sinodais ou participantes) sustentaram que as pessoas divorciadas e
recasadas ou que vivem juntas possam recorrer com proveito à comunhão
espiritual. Outros padres se perguntaram por que então não podem ter acesso à (comunhão) sacramental”, diz o parágrafo
53, que também dividiu os votos, com 112 a favor e 64 contra.
Contexto da família
Dividido
em três partes, além da Introdução e da Conclusão, o relatório dedica 28
parágrafos à análise do contexto da família no mundo de hoje e ao evangelho da
família sob o olhar de Cristo. Os outros 34 parágrafos tratam das perspectivas pastorais
para enfrentar os desafios.
Questões
polêmicas à parte, as discussões das duas últimas semanas abrangeram um vasto
leque de situações da família que desafiam a evangelização cristã. Há contextos
culturais e religiosos, adverte o texto, que representam desafios particulares.
“Em
algumas sociedades vigora ainda a prática da poligamia e, em alguns contextos tradicionais, o costume dos casamentos por etapas. Em outros
contextos, permanece a prática de matrimônios
combinados”, diz o documento.
O
relatório chama a atenção para a situação
das crianças que nascem fora do matrimônio e para aquelas que crescem com só um dos pais ou num contexto familiar
ampliado ou reconstituído (por novas uniões dos casais). Adverte ainda para a
violência sofrida pelos filhos com a dissolução da família, muitas vezes por
dificuldades econômicas. Os bispos afirmam no texto que deve ser valorizada a dignidade da mulher que assume o encargo da
família, quando abandonada pelo marido.
Pornografia
O
Sínodo denuncia a difusão da pornografia e da comercialização do corpo, “favorecida
pelo uso distorcido da internet, assim como a situação das pessoas que são
obrigadas a praticar a prostituição”.
“A
Igreja desempenha um papel precioso de apoio às famílias, com base na iniciação
cristã, por meio de comunidades acolhedoras”, afirma o relatório final,
ressaltando que, mais do que no passado, se deve ajudar os pais na educação,
acompanhando meninos, rapazes e jovens “em seu crescimento por caminhos
personalizados capazes de lhes dar o sentido pleno da vida e de suscitar
escolhas e responsabilidades, à luz do Evangelho”.
O
texto final da 3ª Assembleia-Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos que se
encerra hoje [domingo, 19 de outubro], com uma missa solene no Vaticano, será
enviado às igrejas locais ou dioceses do mundo inteiro para rediscussão. A
conclusão sairá em outubro do próximo ano, quando os bispos se reunirão numa
segunda etapa – a Assembleia Ordinária –, mais uma vez sob a presidência do
papa.
Para ler o Relatório Final (em latim: Relatio Synodi) da 3ª
Assembleia-Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, clique aqui (somente em língua italiana)
Fonte: O Estado de S. Paulo – Metrópole
– Domingo, 19 de outubro de 2014 – Pg. A28 – Edição impressa.
Foi
divulgada hoje, 18 de outubro, mensagem
da 3ª Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, que se realiza no
Vaticano, de 5 a 19 de outubro, com o tema "Os
desafios pastorais da família no contexto da evangelização".
No
texto, os padres sinodais recordam os desafios enfrentados pela família na
atualidade, como a fidelidade no amor conjugal, o enfraquecimento da fé e dos
valores, o individualismo, o empobrecimento das relações, o stress, as
dificuldades econômicas. Lembram, também, das famílias pobres e refugiadas
"atingidas pela brutalidade das guerras e da opressão". Ao mesmo
tempo, recordam que "o amor do homem e da mulher" ensina "que
cada um dos dois tem necessidade do outro para ser si mesmo, mesmo permanecendo
diferente ao outro na sua identidade, que se abre e se revela no dom mútuo".
E que, neste caminho, "que às vezes é um percurso instável, com cansaços e
caídas, se tem sempre a presença e o acompanhamento de Deus".
Plenário do Sínodo dos Bispos sobre a Família |
Leia,
abaixo, a íntegra da mensagem:
Mensagem da 3ª Assembleia
Extraordinária do Sínodo dos Bispos
Nós,
Padres Sinodais reunidos em Roma junto ao Santo Padre na Assembleia Geral
Extraordinária do Sínodo dos Bispos, nos dirigimos a todas as famílias dos
diversos continentes e, em particular, àquelas que seguem Cristo Caminho,
Verdade e Vida. Manifestamos a nossa admiração e gratidão pelo testemunho
cotidiano que vocês oferecem a nós e ao mundo com a sua fidelidade, fé,
esperança e amor.
Também
nós, pastores da Igreja, nascemos e crescemos em uma família com as mais
diversas histórias e acontecimentos. Como sacerdotes e bispos, encontramos e
vivemos ao lado de famílias que nos narraram em palavras e nos mostraram em
atos uma longa série de esplendores mas também de cansaços.
A
própria preparação desta assembleia sinodal, a partir das respostas ao questionário
enviado às Igrejas do mundo inteiro, nos permitiu escutar a voz de tantas
experiências familiares. O nosso diálogo nos dias do Sínodo nos enriqueceu
reciprocamente, ajudando-nos a olhar toda a realidade viva e complexa em que as
famílias vivem. A vocês, apresentamos as palavras de Cristo: "Eis que
estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em
sua casa e cearei com ele e ele comigo” (Ap 3,20). Como costumava fazer durante
os seus percursos ao longo das estradas da Terra Santa, entrando nas casas dos
povoados, Jesus continua a passar também hoje pelos caminhos das nossas
cidades. Nas vossas casas se experimentam luzes e sombras, desafios exaltantes
mas, às vezes, também provações dramáticas. A escuridão se faz ainda mais densa
até se tornar trevas, quando se insinuam no coração da família o mal e o
pecado.
Existe,
antes de tudo, os grandes desafios da fidelidade no amor conjugal, do
enfraquecimento da fé e dos valores, do individualismo, do empobrecimento das
relações, do stress, de um alvoroço que ignora a reflexão, que também marcam a
vida familiar. Se assiste, assim, a não poucas crises matrimoniais enfrentadas,
frequentemente, em modo apressado e sem a coragem da paciência, da verificação,
do perdão recíproco, da reconciliação e também do sacrifício. Os fracassos dão,
assim, origem a novas relações, novos casais, novas uniões e novos matrimônios,
criando situações familiares complexas e problemáticas para a escolha cristã.
Entre
estes desafios queremos evocar também o cansaço da própria existência. Pensemos
ao sofrimento que pode aparecer em um filho portador de deficiência, em uma
doença grave, na degeneração neurológica da velhice, na morte de uma pessoa
querida. É admirável a fidelidade generosa de muitas famílias que vivem estas
provações com coragem, fé e amor, considerando-as não como alguma coisa que é
arrancada ou infligida, mas como alguma coisa que é doada a eles e que eles
doam, vendo Cristo sofredor naquelas carnes doentes.
Pensemos
às dificuldades econômicas causadas por sistemas perversos, pelo “fetichismo do
dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo
verdadeiramente humano” (Evangelii
Gaudium 55), que humilha a dignidade das pessoas. Pensemos no pai ou na mãe
desempregados, impotentes diante das necessidades também primárias de suas
famílias, e aos jovens que se encontram diante de dias vazios e sem
expectativas, e que podem tornar-se presa dos desvios na droga e na
criminalidade.
Pensemos
também na multidão das famílias pobres, àquelas que se agarram em um barco para
atingir uma meta de sobrevivência, às famílias refugiadas que sem esperança
migram nos desertos, àquelas perseguidas simplesmente pela sua fé e pelos seus
valores espirituais e humanos, àquelas atingidas pela brutalidade das guerras e
das opressões. Pensemos também nas mulheres que sofrem violência e são
submetidas à exploração, ao tráfico de pessoas, às crianças e jovens vítimas de
abusos até mesmo por parte daqueles que deveriam protegê-las e fazê-las crescer
na confiança e nos membros de tantas famílias humilhadas e em dificuldade. “A
cultura do bem-estar anestesia-nos e (...) todas estas vidas ceifadas por falta
de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de forma
alguma” (Evangelii Gaudium, 54).
Fazemos apelo aos governos e às organizações internacionais para promoverem os
direitos da família para o bem comum.
Cristo
quis que a sua Igreja fosse uma casa com a porta sempre aberta na acolhida, sem
excluir ninguém. Somos, por isso, agradecidos aos pastores, fiéis e comunidades
prontos a acompanhar e a assumir as dilacerações interiores e sociais dos
casais e das famílias.
Existe,
contudo, também a luz que de noite resplandece atrás das janelas nas casas das
cidades, nas modestas residências de periferia ou nos povoados e até mesmos nas
cabanas: ela brilha e aquece os corpos e almas. Esta luz, na vida nupcial dos
cônjuges, se acende com o encontro: é um dom, uma graça que se expressa – como
diz o Livro do Gênesis (2,18) – quando os dois vultos estão um diante o outro,
em uma “ajuda correspondente”, isto é, igual e recíproca. O amor do homem e da
mulher nos ensina que cada um dos dois tem necessidade do outro para ser si
mesmo, mesmo permanecendo diferente ao outro na sua identidade, que se abre e
se revela no dom mútuo. É isto que manifesta em modo sugestivo a mulher do
Cântico dos Cânticos: “O meu amado é para mim e eu sou sua...eu sou do meu
amado e meu amado é meu”, (Ct 2,16; 6,3).
Para
que este encontro seja autêntico, o itinerário inicia com o noivado, tempo de
espera e de preparação. Realiza-se em plenitude no Sacramento onde Deus coloca
o seu selo, a sua presença e a sua graça. Este caminho conhece também a
sexualidade, a ternura, e a beleza, que perduram também além do vigor e do
frescor juvenil. O amor tende pela sua natureza ser para sempre, até dar a vida
pela pessoa que se ama (cf. João 15,13). Nesta luz, o amor conjugal único e
indissolúvel persiste, apesar das tantas dificuldades do limite humano; é um
dos milagres mais belos, embora seja também o mais comum.
Este
amor se difunde por meio da fecundidade e do ‘gerativismo’, que não é somente
procriação, mas também dom da vida divina no Batismo, educação e catequese dos
filhos. É também capacidade de oferecer vida, afeto, valores, uma experiência
possível também a quem não pode gerar. As famílias que vivem esta aventura
luminosa tornam-se um testemunho para todos, em particular para os jovens.
Durante
este caminho, que às vezes é um percurso instável, com cansaços e caídas, se
tem sempre a presença e o acompanhamento de Deus. A família de Deus experimenta
isto no afeto e no diálogo entre marido e mulher, entre pais e filhos, entre
irmãos e irmãs. Depois vive isto ao escutar juntos a Palavra de Deus e na
oração comum, um pequeno oásis do espírito a ser criado em qualquer momento a
cada dia. Existem, portanto, o empenho cotidiano na educação à fé e à vida boa e
bonita do Evangelho, à santidade. Esta tarefa é, frequentemente, partilhada e
exercida com grande afeto e dedicação também pelos avôs e avós. Assim, a
família se apresenta como autêntica Igreja doméstica, que se alarga à família
das famílias que é a comunidade eclesial. Os cônjuges cristãos são, após,
chamados a tornarem-se mestres na fé e no amor também para os jovens casais.
O
vértice que reúne e sintetiza todos os elos da comunhão com Deus e com o
próximo é a Eucaristia dominical quando, com toda a Igreja, a família se senta
à mesa com o Senhor. Ele se doa a todos nós, peregrinos na história em direção
à meta do encontro último quando “Cristo será tudo em todos” (Cl 3,11). Por
isto, na primeira etapa do nosso caminho sinodal, refletimos sobre o acompanhamento
pastoral e sobre o acesso aos sacramentos pelos divorciados recasados.
Nós,
Padres Sinodais, vos pedimos para caminhar conosco em direção ao próximo
Sínodo. Em vocês se confirma a presença da família de Jesus, Maria e José na
sua modesta casa. Também nós, unindo-nos à Família de Nazaré, elevamos ao Pai
de todos a nossa invocação pelas famílias da terra:
Senhor, doa a todas as famílias a presença
de esposos fortes e sábios, que sejam vertente de uma família livre e
unida.
Senhor, doa aos pais a possibilidade de ter
uma casa onde viver em paz com a família.
Senhor, doa aos filhos a possibilidade de
serem signo de confiança e aos jovens a coragem do compromisso estável e fiel.
Senhor, doa a todos a possibilidade de
ganhar o pão com as suas próprias mãos, de provar a serenidade do espírito e de
manter viva a chama da fé mesmo na escuridão.
Senhor, doa a todos a possibilidade de ver
florescer uma Igreja sempre mais fiel e credível, uma cidade justa e humana, um
mundo que ame a verdade, a justiça e a misericórdia.
Fonte: CNBB – Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil – Imprensa – Internacional – Sínodo dos Bispos sobre a Família
– Sábado, 18 de outubro de 2014 – Internet: clique aqui.
Fé na tolerância
The New York Times
Papa Francisco saúda um mãe com seu filho |
Numa
mudança de tom que provavelmente será debatida nas paróquias de todo o mundo,
uma assembleia de bispos convocada pelo papa Francisco no Vaticano divulgou um
documento preliminar na segunda- feira pedindo à Igreja que receba e aceite
homossexuais, pessoas unidas fora do casamento e casais que se divorciaram, e
também filhos dessas famílias menos tradicionais. O relatório dos bispos não
altera a doutrina nem os ensinamentos da Igreja, e foi alvo de acalorado debate
e revisão.
Mas é
o primeiro sinal de que a igreja institucional pode seguir a direção
estabelecida por Francisco nos primeiros 18 meses do seu papado, afastando-se
da condenação das situações familiares não convencionais e tratando-as com mais
compreensão, abertura e misericórdia. Os sínodos anteriores produziram pouco,
mas alguns dos participantes deste o compararam ao histórico Concílio Vaticano
II convocado há pouco mais de 50 anos, que produziu mudanças monumentais na
liturgia da igreja, sua relação com outras fés e a concepção do papel dos
padres e dos leigos.
O
relatório de 12 páginas, redigido por uma comissão selecionada por Francisco,
diz que, sem abandonar os ensinamentos da igreja a respeito do sacramento do
casamento, os pastores devem reconhecer que há “aspectos positivos nas uniões
civis e nas uniões fora do casamento”. Trata-se de uma ruptura com a pregação
católica tradicional segundo a qual esses casais estariam “vivendo em pecado”.
O relatório diz também que os gays têm “dons e qualidades a oferecer à
comunidade cristã”, e alguns casais gays proporcionam um ao outro “auxílio
mútuo ao ponto do sacrifício” e “precioso apoio na vida do parceiro”.
O
documento foi lido em voz alta para os quase 200 bispos, padres e leigos
reunidos. A leitura foi seguida por respostas e objeções de 41 bispos,
prenunciando as disputas futuras. O sínodo colocou os bispos que concordam com
Francisco contra aqueles que insistem que a Igreja corre o risco de trair suas
doutrinas definitivas a respeito do casamento e da homossexualidade.
Bruno Forte - arcebispo de Chieti-Vasto e teólogo italiano |
O
arcebispo Bruno Forte, secretário especial do sínodo, disse em seguida em
entrevista coletiva que, embora a Igreja não aprove as uniões entre gays nem o
casamento entre homossexuais, é preciso “respeitar a dignidade de todos” e que
“a ideia fundamental é a centralidade da pessoa independentemente de sua
orientação sexual”.
O
relatório será debatido e modificado na semana seguinte por grupos de trabalho
de bispos que vão submeter cada sessão a escrutínio, e então um relatório final
será divulgado para ser debatido em todo o mundo no decorrer dos próximos 12
meses. Haverá um segundo sínodo em Roma em outubro de 2015, mas, ao final de
todas as consultas e debates, é o papa Francisco quem vai definir o rumo a ser
seguido.
Luis Antonio G. Tagle - Cardeal-Arcebispo de Manila (Filipinas) |
O
cardeal Luis Antonio G. Tagle, de Manila, disse que alguns bispos sentiam o
“espírito” do Concílio Vaticano II neste sínodo. Para ele, o relatório seria um
parâmetro para que eles pudessem “ver o que precisa ser aprofundado,
esclarecido, e quais outros temas devem ser abordados, se ainda não foram.
Assim sendo, o drama vai continuar.”
Um
dos temas mais polêmicos do sínodo diz respeito a conceder o sacramento da
comunhão aos católicos que tenham se divorciado e casado novamente sem que o
primeiro casamento tenha sido anulado pela Igreja, um processo que costuma ser
demorado e caro. A Igreja ensina que o casamento é indissolúvel. O documento
reconhecia que os bispos estavam divididos quanto à questão da comunhão, que
permanece aberta para debate. Mas o texto pede que a igreja trate com respeito
os católicos divorciados e aqueles que se casaram novamente, “evitando termos e
comportamentos que possam fazer com que se sintam alvo de discriminação”.
Alguns
bispos conservadores que se opõem a qualquer tipo de mudança manifestaram suas
opiniões. O cardeal americano Raymond Leo Burke disse que “tendências
preocupantes” estavam emergindo do sínodo porque estão “dando margem à
possibilidade de adoção de práticas que desviam da verdade da fé”. Já os
“progressistas” no sínodo, que desejam mudanças na Igreja, “ocupam posições
fortalecidas, nas quais foram instalados pelo papa Francisco”, disse Sandro
Magister, especialista em Vaticano que escreve para a revista italiana
L’Espresso, “O papa não é imparcial.”
Francis
DeBernardo, diretor executivo do New Ways Ministry, grupo que defende os
católicos gays, afirmou: “Esse reconhecimento é uma reversão total de
afirmações anteriores da Igreja, segundo as quais essa orientação era vista
como ‘distúrbio objetivo’, enxergando gays e lésbicas nas comunidades católicas
como problemas, pessoas suspeitas”. Nos Estados Unidos, muitas paróquias
recebem silenciosamente os casais gays, numa abordagem ao estilo “não pergunte,
não conte”. Mas houve relatos de casais gays que não puderam participar da
comunhão; paroquianos gays que foram expulsos de coros e conselhos paroquiais;
professores gays afastados de escolas; e crianças gays proibidas de participar
das escolas paroquiais.
Alguns
analistas disseram que o documento do sínodo, ainda um texto preliminar aberto
a futuras modificações, influenciará os pastores enquanto for debatido nos
próximos meses. Segundo o reverendo James Martin, repórter especial da revista
jesuíta America, “embora se trate de um documento interino, o texto representa
uma revolução na maneira da Igreja se referir aos nossos irmãos e irmãs
homossexuais”.
Entretanto,
o documento inicial do sínodo reflete aquilo que parece ser um consenso
definitivo entre a maioria dos bispos contra o casamento de pessoas do mesmo
sexo. O documento também critica a pressão exercida pelas Nações Unidas e por
alguns países ocidentais para convencer países africanos e de outros
continentes a rescindir leis que restringem os direitos dos gays em troca de
auxílio financeiro. O texto diz que é inaceitável “que entidades internacionais
condicionem a oferta de auxílio à introdução de regras inspiradas pela
ideologia de gêneros”.
Mas
esse foi um raro arroubo político. No geral, o documento preliminar estabelece
um tom pastoral que ecoa as palavras do Papa Francisco. De acordo com o texto,
a Igreja deve abordar “problemas do mundo real”, cuidar das “famílias feridas”
e compreender que situações irregulares como o divórcio são com frequência
impostas, e não fruto de escolhas.
TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS
– Domingo, 19 de outubro de 2014 – Pg. E9 – Internet: clique aqui.
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