Não há como fugir, é hora de rever tudo
Washington
Novaes
Seja qual for o resultado das eleições presidenciais e
estaduais, vamos ter de mergulhar em
profunda discussão sobre os rumos que o País terá de tomar. Perdidos em
debates sobre generalidades, desperdiçamos um tempo e uma oportunidade
valiosos, enquanto a economia nacional recuava e se aproximava do patamar zero
de crescimento, o mercado acionário manifestava seus temores com cotações mais
baixas, a inflação se mantinha em patamares inaceitáveis, as instituições
financeiras (O Estado de S. Paulo,
26/8) previam PIB próximo de zero este ano e abaixo de 2% no ano que vem.
Embora fugindo do culto de tanta gente aos chamados índices do PIB - como se
fosse um referencial único a ser observado -, é preciso ver que nosso produto bruto, segundo o Fundo
Monetário Internacional, se colocava em 119.º lugar no mundo (revista Congresso em Foco), com R$ 4,8 trilhões.
Segundo o Pnud [Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento] (julho 2014), o Brasil situava-se no 79.º lugar em índice de desenvolvimento, entre 187
países.
Marcus Eduardo Oliveira - economista |
Mais contundente ainda, nossa economia parece, sob certos aspectos, haver recuado ao Brasil colônia, vendendo quantidades maiores de minérios, soja e outras commodities a preços declinantes (O Estado de S. Paulo, 14/9) aos países mais ricos - com isso proporcionando a eles o que lhes falta em solo fértil, biodiversidade, água, sol. Sem prestar atenção sequer a profundas transformações já em curso no panorama mundial, como adverte a conceituada revista New Scientist no artigo The end of the nation, em que chama a atenção para mudanças em curso, movimentos em ascensão, transformações como na Ucrânia, na Escócia, na Catalunha, em Hong Kong e outros lugares - sem falar na rápida evolução das compras de territórios em países (como faz a China) em outros continentes (como a África).
São muitos os estudiosos a chamar a atenção para a insustentabilidade de modelos dominantes no mundo, em que:
- pouco mais de 250 pessoas, cada uma delas com ativos superiores a US$ 1 bilhão, juntas detêm mais que o produto interno bruto conjunto dos 40 países mais pobres, onde vivem 600 milhões de pessoas – como lembra o professor de Economia na USP Marcus E. Oliveira (Eco-21, abril de 2014).
- Pouco mais de 90 mil pessoas detêm mais de US$ 20 trilhões (algumas vezes o PIB brasileiro) em paraísos fiscais.
- E apenas 500 mil pessoas mais ricas respondem pelas emissões de 50% do dióxido de carbono no mundo.
Sérgio Besserman Vianna - economista PUC-Rio |
Esse quadro insustentável leva estudiosos como Sérgio Besserman Vianna (ex-presidente do IBGE, diretor do BNDES, professor da PUC-Rio) a dizer que nos próximos 20 anos “a humanidade terá de fazer escolhas inéditas” em valores que regerão a vida das próximas gerações. Uma delas será inserir os custos do aquecimento global em todos os produtos, todos os serviços – atribuindo assim os custos a quem os gera. Mas precisamos saber como enfrentar “a atual escassez de lideranças, seja nos níveis local, regional ou global”.
A dramaticidade das questões já levou o secretário-geral das Nações Unidas a propor, em Nairóbi, em junho, “uma nova fase no desenvolvimento humano”, para a qual, diz ele, “estamos prontos”. O Programa das Nações unidas para o Desenvolvimento Humano iniciou uma consulta “sobre a elaboração de um novo sistema financeiro sustentável” – proposta que deverá vir à luz no primeiro trimestre do ano que vem. E o Pnuma [Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente] acentua a insustentabilidade das atuais regras para um sistema global que movimenta US$ 225 trilhões por ano.
Em certos momentos tem-se a impressão, no Brasil, de que vivemos à margem dessas grandes questões que hoje assustam o mundo, da insustentabilidade do que estamos vivendo. Ainda há pouco tempo, uma comissão da Universidade de Oxford, “diante da nossa incapacidade de enfrentar as grandes questões da política, de nossa tendência a fórmulas de curto prazo diante dos grandes desafios do futuro”, acentuou “as encruzilhadas vitais que nos esperam” e farão dos próximos cem anos “o melhor século de todos os tempos – ou o pior”. Arrolou, por isso, grandes desafios que nos aguardam. Entre eles:
“1) Como poderão o crescimento e o desenvolvimento tornar-se mais sustentáveis e inclusivos?
2) Como poderão os setores de alimentos, energia, água e biodiversidade tornar-se mais seguros?
3) Como poderão as infraestruturas de saúde e seus processos atender às necessidades de todos?”.
Washington Novaes - jornalista (autor deste artigo) |
São muitas as sugestões para caminhar, como a aliança entre países ou cidades para enfrentar questões centrais como as do clima, estabelecer instituições mais criativas, eliminar impostos abusivos – entre várias outras. E a ênfase na necessidade de abolir “subsídios perversos em combustíveis e na agricultura”.
São essas as questões que temos pela frente – e com urgência. Não há como fugir.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Sexta-feira, 3 de outubro de 2014 – Pg. A2 – Edição impressa.
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