SÍNODO SOBRE A FAMÍLIA - DEBATES
Em encontro,
bispos discutem acolhida a divorciados e gays
JOSÉ MARIA
MAYRINK
Dificuldades reais das
famílias foi o tema desta terça na assembleia do Sínodo no Vaticano; Igreja
Católica propõe simplificação dos processos de declaração de nulidade do
casamento
Basílica de São Pedro - Missa de Abertura do Sínodo |
O testemunho de Romano
e Mavis Mirola, diretores do Conselho Católico Australiano Família e
Matrimônio, levantou nesta terça-feira, 7, na assembleia do Sínodo Sobre a
Família, no Vaticano, exemplos de dificuldades reais que a Igreja deve
enfrentar, como:
- o drama das mães solteiras,
- a acolhida de um filho gay e
- a educação de crianças portadoras de deficiências.
Os padres, observou o casal, têm grande papel a cumprir na
assistência que devem dar aos leigos na pastoral familiar, mas têm de receber
formação mais adequada, a começar por uma mudança de mentalidade, como ensinou
Bento XVI. Para o papa emérito, lembraram os australianos, os leigos são não
apenas colaboradores do clero, mas corresponsáveis na evangelização. A formação
do clero foi objeto de outras intervenções da sessão do Sínodo, que começou com
breve introdução de um dos três presidentes-delegados, o arcebispo de Paris,
cardeal André Vingt-Trois.
André Vingt-Trois - Cardeal-Arcebispo de Paris |
A questão dos católicos divorciados e recasados ocupou boa parte das discussões,
conforme relato do Serviço de Informação do Vaticano. Vários participantes
externaram preocupação com a necessidade de se dar melhor acolhimento a esses
casais e com a aspiração deles de terem acesso ao sacramento da Eucaristia,
"que não é sacramento dos perfeitos, mas daqueles que caminham", ou
seja, de todos os fiéis que vivem o dia a dia da comunidade cristã.
Argumentando que a Igreja deve transmitir a verdade e não
fazer um julgamento dos recasados, os participantes do Sínodo disseram que
"o remédio da misericórdia traz acolhida, assistência e apoio",
sobretudo porque as famílias que sofrem (discriminação na comunidade) não
buscam soluções pastorais rápidas, nem querem ser mera cifra estatística, mas
sentem a necessidade de se serem ouvidas e amadas. "Deve ser dado mais
espaço para a lógica sacramental do que para a lógica jurídica",
insistiram os bispos.
O Vaticano propõe, como se voltou a insistir no plenário do
Sínodo, a simplificação dos processos de declaração de nulidade do casamento
como solução para a situação dos recasados. A declaração de nulidade significa
que o matrimônio não existiu, e não a anulação de um matrimônio válido.
Dando-se mais agilidade aos tribunais eclesiásticos, diminuiria o número de
casais em situação considerada irregular.
Paralelamente à questão jurídica, discutem-se problemas
práticos, como o acesso dos recasados aos sacramentos. É provável que seja
aceita a proposta do cardeal alemão Walter Kasper, que sugere a admissão dos
casais em segunda união à Eucaristia, sob certas condições. A Conferência
Episcopal da Alemanha apoiou Kasper, conforme anunciou seu presidente, cardeal
Reinhard Marx.
Fonte: ESTADÃO.COM.BR
– Brasil – 07/10/2014 – 18h36 – Internet: clique aqui.
Entrevista
com Adolfo Nicolás
Ontem, o Sínodo ouviu o casal Ron e Mavis Pirola de Sydney, Austrália, casados há 55 anos e que têm quatro filhos. Eles forneceram uma dose de vida real, contando aos bispos sobre os amigos cujo filho gay disse que queria levar o seu parceiro para casa no natal.
“Pode haver
mais amor cristão em uma união irregular do que em um casal casado pela Igreja”
Giacomo
Galeazzi
Vatican Insider
07-10-2014
Pe. Adolfo Nicolás abraçando Papa Francisco |
“Pode haver mais amor cristão em uma união irregular do que
em um casal casado pela Igreja”. O padre
Adolfo Nicolás, superior geral dos
jesuítas, atravessa a pé a entrada vaticana do “Petriano” com uma pasta
preta na mão. Pode-se ler o lema dos jesuítas escrito em árabe: “Para a maior
glória de Deus”. O chamado “papa negro”, que dirige 18 mil religiosos de 112
países, acredita que “o Sínodo está
completando o Concílio”.
Eis a entrevista.
A moral familiar será atualizada?
Pe. Adolfo Nicolás:
A discussão, livre e franca, está se dirigindo para uma mudança, para a
adequação pastoral à realidade dos tempos de hoje. É um sinal histórico, porque
nestes anos houve forças que trataram de fazer retroceder a Igreja em relação à
grande estação conciliar.
E quanto à comunhão aos divorciados
recasados?
Pe. Adolfo Nicolás:
Não se pode impedir que o Sínodo discuta a este respeito, como queriam alguns.
Os bispos não foram convocados para insistir em ideias abstratas a golpes de
doutrina, mas para buscar soluções para questões concretas. É muito
significativo que o Papa e muitos padres sinodais fizeram referência, em suas
intervenções, aos textos do Concílio. Também o cardeal Martini, até o final de
seus dias, esperava que a Igreja que se manifestasse fosse essa Igreja que
escuta.
Os “conservadores” dizem que a
doutrina está em perigo...
Pe. Adolfo Nicolás:
Não é correto absolutizar. Por exemplo, o caso das uniões de fato. Não quer
dizer que se existe um defeito, tudo esteja mal. Mais, há algo bom onde não se
prejudica o próximo. Francisco insistiu sobre isso: “Todos somos pecadores”. É
preciso alimentar a vida em todos os âmbitos. A nossa tarefa é aproximar as
pessoas da graça, e não afastá-las com preceitos. Para nós, jesuítas, é uma
prática cotidiana. A Inquisição sabe muito bem disso.
Como?
Pe. Adolfo Nicolás:
Nosso fundador, Santo Inácio de Loyola,
foi submetido oito vezes ao exame da
Inquisição depois de ter falado em escutar o Espírito. Naquela época, assim
como agora, para nós conta mais o Espírito, porque vem de Deus, do que as
regras e as normas, que, ao contrário, vêm dos homens. A moral familiar e
sexual necessitam de doçura e fraternidade. Não se trata de dividir, mas de
harmonizar. Não se pode evangelizar as pessoas a golpe de Evangelho. Só a
decisão de se concentrar em Cristo nos salva de disputas estéreis, das
controvérsias ideológicas abstratas. As lacunas e imperfeições não invalidam a
integridade da evolução da família na sociedade das últimas décadas. Se há algo
negativo, não significa necessariamente que tudo seja negativo.
Traduzido do espanhol
por André Langer.
Fonte: Instituto
Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 8 de outubro de 2014 –
Internet: clique aqui.
Os casais
estão roubando a cena no Sínodo
John L. Allen
Jr.
Crux
07-10-2014
Embora o Sínodo dos
bispos sobre a família, que está sendo realizado de 5 a 19 de outubro, seja,
primeiramente, uma reunião de prelados, durante os dois primeiros dias do
encontro foram os leigos, em grande parte, aqueles que roubaram a cena.
Cynthia e George Campos - casal das Filipinas - cumprimenta Papa Francisco |
Uma vez que esse é um encontro sobre questões familiares, o Sínodo convidou 12 casais de todo o mundo
para estar entre um grupo conhecido como "auditores", ou seja,
pessoas que tomam parte nas discussões, mas não tem direito de voto.
Até agora, porém, a falta de direitos de voto não tem
impedido esses casais de causar uma boa impressão.
Para ser justo, parte da razão que os comentários avultam é
porque o Vaticano não forneceu muita informação em termos daquilo que os bispos
estão dizendo, apenas uma lista de quem está falando todos os dias, por isso há
uma tendência natural para enaltecer tudo o que está disponível.
Mesmo assim, os casais têm virado algumas cabeças.
Ontem, o Sínodo ouviu o casal Ron e Mavis Pirola de Sydney, Austrália, casados há 55 anos e que têm quatro filhos. Eles forneceram uma dose de vida real, contando aos bispos sobre os amigos cujo filho gay disse que queria levar o seu parceiro para casa no natal.
Os Pirola explicaram que seus amigos além de fiéis
católicos, são também pais amorosos que queriam que seus netos os vissem
acolher o parceiro de seu filho na família. Sua resposta, disseram os Pirola,
poderia ser expressa em quatro simples palavras: "Ele é nosso filho".
O casal Pirola
usou o episódio para ilustrar como os
clérigos podem aprender algo com as famílias sobre como obter um equilíbrio
entre a defesa da doutrina da Igreja, mas também mostrar "misericórdia e
compaixão".
Ontem, foi a vez de um casal
das Filipinas (foto), casados há 27 anos e que também tem quatro filhos.
Ambos estão envolvidos com o movimento "Casais
para Cristo", uma associação de leigos reconhecida pelo Vaticano.
Cynthia e George
Campos disseram aos bispos que, em determinado momento, eles tentaram
lançar um programa de extensão para casais em "situação irregular",
como as pessoas que não estão casadas na
Igreja, que vivem juntas sem casamento, ou cujos casamentos fracassaram e elas
se casaram novamente sem a anulação.
A organização não saiu do chão, disse o casal Campos, em
parte porque eles foram informados por representantes da Igreja que seu grupo é
destinado somente para casais casados na
Igreja.
Essa experiência, segundo eles, levou-os a esperar por mais "caridade
pastoral" na Igreja, que possa promover "formas inovadoras de
acompanhamento" e uma "participação inclusiva na vida da Igreja".
Em outras palavras, esse casal filipino aproveitou a sua
participação no Sínodo para defender uma maior política "de portas abertas"
no catolicismo, que tente reunir as pessoas que entraram em conflito com as
regras, em vez de mandá-las embora.
É certo, porém, que o poder real em termos de como lidar com
essas questões ao longo do Sínodo pertence aos bispos, e, ao final, fica a
critério inteiramente do Papa Francisco decidir o que fazer com os seus
conselhos.
Após o segundo dia, no entanto, ninguém pode confundir esses
casais leigos com uma mera vitrine no Sínodo. Aconteça o que acontecer, eles estão dando a esse grupo de prelados
algo para pensar.
Traduzido por
Claudia Sbardelotto.
Fonte: Instituto
Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 8 de outubro de 2014 –
Internet: clique aqui.
Sínodo: quando
uma família fala
Santa Sé
07-10-2014
O primeiro dos casais
que participam do Sínodo, os australianos Ron e Mavis Pirola, tomou a palavra
nessa segunda-feira perante os bispos.
Ron e Mavis Pirola - casal da Austrália - no Sínodo dos Bispos |
Eis o texto.
Há 57 anos, eu olhei do outro lado de uma sala e vi uma
jovem muito bonita. Passamos a nos conhecer ao longo do tempo e, no fim, demos
o enorme passo de nos comprometer mutuamente em matrimônio. Logo descobrimos
que viver a nossa nova vida juntos era extraordinariamente complexo. Como em
todos os matrimônios, tivemos momentos maravilhosos juntos e também momentos de
raiva, de frustração e de lágrimas, e o medo persistente de um matrimônio
fracassado. Mesmo asim, aqui estamos, casados há 57 anos e ainda apaixonados.
Certamente, é um mistério.
Aquela atração que
sentimos pela primeira vez e a força que continuou nos mantendo unidos era
basicamente sexual. As pequenas coisas que fizemos um pelo outro, os
telefonemas e os bilhetes românticos, o modo como planejamos os nossos dias ao
redor do outro e as coisas que compartilhamos eram expressões exteriores do nosso desejo de sermos íntimos um com o outro.
Quando cada um dos nossos quatro filhos chegou, foi uma
grande alegria pela qual ainda damos graças ao Senhor diariamente. Certamente,
as complexidades da paternidade e da maternidade tinham grandes recompensas e
desafios. Houve noites em que ficamos acordados perguntando onde havíamos
errado.
A nossa fé em Jesus foi importante para nós. Íamos à missa
juntos e olhávamos para a Igreja em busca de orientação. De vez em quando, olhávamos os documentos da Igreja, mas eles pareciam
vir de outro planeta, com uma linguagem difícil e não muito relevante para a
nossa própria experiência.
Na nossa jornada diária juntos, fomos principalmente
influenciados pelo envolvimento com outros casais e alguns padres,
principalmente nos movimentos leigos de espiritualidade, particularmente as Équipes de Notre Dame e o Worldwide Marriage Encounter. O processo
era de escuta orante às histórias de cada um e de ser aceito e de se afirmar no
contexto do ensino da Igreja. Não havia muita discussão sobre a lei natural,
mas, para nós, eles eram exemplos daquilo que o Papa João Paulo II mais tarde
se referiria como um dos maiores recursos da Igreja para a evangelização.
Aos poucos, percebemos que a única característica que
distingue a nossa relação sacramental de qualquer outra boa relação centrada em
Cristo é a intimidade sexual e que o matrimônio é um sacramento sexual com a
sua expressão mais plena na relação sexual. Acreditamos que, enquanto os casais não reverenciarem a união sexual
como uma parte essencial da sua espiritualidade, será extremamente difícil
apreciar a beleza dos ensinamentos da Humanae
vitae. Precisamos de novos caminhos e de linguagens credíveis para
tocar os corações das pessoas.
Como sugere o Instrumentum
laboris [documento preparatório ao Sínodo], a Igreja doméstica [a família] tem
muito a oferecer à Igreja em geral no seu papel evangelizador. Por exemplo,
a Igreja enfrenta continuamente a tensão entre a afirmação da verdade e a
expressão da compaixão e da misericórdia. As famílias enfrentam essa tensão a
todo o momento.
Tomemos a homossexualidade
como um exemplo. Alguns dos nossos amigos estavam planejando o seu encontro de
Natal em família quando o seu filho gay disse que queria trazer também o seu
parceiro. Eles acreditavam plenamente na doutrina da Igreja e sabiam que os
seus netos os veriam acolher o seu filho e o seu parceiro à família. A sua
resposta poderia ser resumida em poucas palavras: "Ele é nosso filho".
Que modelo de evangelização para as paróquias que estão enfrentando
situações semelhantes no seu próprio bairro! É um exemplo prático daquilo que o
Instrumentum laboris diz a respeito
do papel do ensino da Igreja e da sua missão principal para que o mundo conheça
o amor de Deus.
Na nossa experiência, as famílias, Igrejas domésticas, são
muitas vezes modelos naturais das portas abertas para as Igrejas de que fala a Evangelii gaudium [exortação apostólica
do Papa Francisco].
Uma nossa amiga
divorciada diz que às vezes não se sente totalmente aceita na sua paróquia.
No entanto, ela vai à missa regularmente e sem reclamar, junto com seus filhos.
Para o resto da sua paróquia, ela deveria ser um modelo de coragem e de
compromisso diante das adversidades. Com
pessoas como ela, aprendemos a reconhecer que todos nós carregamos um elemento
de fragilidade em nossas vidas. Apreciar as nossas próprias fragilidades
nos ajuda a reduzir enormemente a nossa tendência
de julgarmos os outros, o que é um obstáculo para a evangelização.
Nós conhecemos uma viúva idosa que vive com seu único filho.
Ele está agora na casa dos 40 anos e tem síndrome de Down e esquizofrenia. Ela
cuida dele de uma forma inspiradora, e o seu único medo é quem vai cuidar dele
quando ela já não for capaz.
As nossas vidas são tocadas por muitas dessas famílias.
Essas famílias têm uma compreensão básica daquilo que a Igreja ensina. Elas
certamente se beneficiariam de um melhor ensino ou de melhores programas
[pastorais]. No entanto, mais do que qualquer outra coisa, elas precisam ser acompanhadas na sua jornada, acolhidas, ouvidas nas
suas histórias e, acima de tudo, afirmadas.
O Instrumentum laboris
observa que a beleza do amor humano reflete o amor divino, como lembrado na
tradição bíblica nos profetas. Mas as suas vidas familiares eram caóticas e
cheias de dramas complicados. Sim, a
vida familiar é "complicada". Mas assim também é a paróquia, a
"família de famílias".
O Instrumentum laboris
questiona como "os sacerdotes (podem ser) mais preparados (…) ao
apresentar os documentos da Igreja relativos ao matrimônio e à família"
(n. 12). Mais uma vez, uma forma pode ser aprendendo com a Igreja doméstica.
Como disse o Papa Bento XVI: "Isso demanda uma mudança de mentalidade, particularmente em relação aos leigos. Eles não
deve mais ser vistos como 'colaboradores' do clero, mas verdadeiramente
reconhecidos como 'corresponsáveis' pelo ser e ação da Igreja". Isso
também requer uma grande mudança de atitude dos leigos.
Temos oito netos maravilhosos e únicos. Rezamos por eles
nominalmente todos os dias, porque diariamente eles são expostos às mensagens
distorcidas da sociedade moderna; até mesmo quando caminham pela rua indo para
a escola, tais mensagens estão em outdoors ou aparecem nos seus smartphones.
Um elevado respeito
pela autoridade parental, religiosa ou secular já não existe mais há tempos.
Então, os seus pais aprendem a entrar nas vidas dos seus filhos, a compartilhar
os seus valores e esperanças por eles e também a aprender com eles, por sua
vez. Esse processo de entrar nas vidas
das outras pessoas e de aprender com elas, assim como compartilhar com elas, é
o coração da evangelização. Como o Papa Paulo VI escreveu na [Exortação
apostólica] Evangelii nuntiandi, "os pais não somente comunicam aos
filhos o Evangelho, mas podem receber deles o mesmo Evangelho profundamente
vivido". Certamente, essa tem sido a nossa experiência.
De fato, nós repercutimos a sugestão de uma das nossas
filhas sobre o desenvolvimento daquilo que ela chama de paradigma nupcial para
a espiritualidade cristã, um paradigma que se aplica a todas as pessoas, sejam
solteiras, celibatárias ou casadas, mas que faria do matrimônio o ponto de
partida para compreender a missão. Ele teria um fundamento bíblico e uma base
antropológica sólidos e enfatizaria o instinto vocacional à generatividade e à
intimidade experimentados por cada pessoa. Ele nos lembraria que, cada um de
nós, é criado para a relação, e que o batismo em Cristo significa pertencer ao
Seu Corpo, levando-nos a uma eternidade com Deus, que é comunhão trinitária de
amor.
Traduzido por
Moisés Sbardelotto.
Fonte: Instituto
Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 8 de outubro de 2014 –
Internet: clique aqui.
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