REFORMA POLÍTICA, O DEBATE INADIÁVEL

MURILLO DE ARAGÃO*


Murillo de Aragão - cientista político
Em tempos de eleição devemos fazer uma reflexão aprofundada sobre a democracia e a política. É importante, no entanto, não cair no discurso fácil de que, dado o gigantismo de nosso processo eleitoral, somos uma democracia madura. Temos um processo eleitoral relevante e exemplar em muitos sentidos, mas o processo político que precede as eleições é doentio, viciado e carente de aperfeiçoamentos.

O Brasil de hoje, mesmo com os avanços institucionais obtidos desde a redemocratização, em 1985, ainda vive sua infância democrática. E para que soluções não democráticas não prevaleçam cuidados são essenciais. É certo afirmar que democracia e desenvolvimento econômico e social andam juntos, pois países com índice de desenvolvimento humano avançado quase sempre são democracias consolidadas. Este é o ideal que o Brasil deve perseguir: ser uma democracia socialmente justa e desenvolvida.

Entretanto, nossos vícios e desvios estão ameaçando nosso caminho na busca por uma democracia madura. Retrocessos, infelizmente, integram o processo histórico e não é diferente no Brasil. Além do risco de retrocessos, temos ainda aspectos que não evoluíram ou evoluem lentamente. O autoritarismo faz parte de nosso dia a dia, por exemplo: na humilhação que cidadãos sofrem na mão de servidores e funcionários públicos arrogantes, na qualidade precária de muitos serviços públicos e no desproporcional poder do Estado perante a sociedade.

Não falo dos poderes que o Estado deve ter, mas da opacidade e da desconexão com que o Estado brasileiro funciona. Aponto ainda a intervenção brutal do Estado na economia:
  • direcionando recursos para setores premiados;
  • a carga tributária abusiva, se comparada à contrapartida dada ao contribuinte; e
  • o uso político e corporativo de empresas estatais na destruição de valor, como a ocorrida na Petrobrás.
Existem ainda três outras graves expressões de autoritarismo disfarçado: o corporativismo, não a velha ideologia, mas a reles atuação destinada a salvaguardar benefícios em detrimento do bem comum; o clientelismo que engraxa as relações políticas; e a corrupção.

[1] O corporativismo é tão vil e destruidor quanto os demais vícios, pois sonega ao bem comum os recursos desviados para castas privilegiadas.

[2] O clientelismo é igualmente trágico para a sociedade na medida em que onera o custo dos bens e dos serviços públicos.

[3] A corrupção contamina as relações entre a sociedade e governo: dando vantagens indevidas na obtenção de negócios, alimenta esquemas escusos de financiamento de políticos e partidos, sendo praticada tanto como forma de alcançar benefícios quanto como solução ante o arbítrio e a ineficiência.

Porém temos muitos outros problemas em nossas instituições e seria cansativo listá-los. A prova de que o sistema não anda nada bem é a sucessão de escândalos políticos:
  • Os famigerados "mensalões" foram praticados por quase todos os partidos, entre os principais.
  • Quase 2 mil candidatos nestas eleições foram impugnados por causa da Lei da Ficha Limpa.
  • Alguns partidos são meras agremiações de competição eleitoral,
  • outros são valhacoutos [esconderijos] de interesses muitas vezes escusos e inconfessáveis ou feudos de "empresários" políticos.
As coligações partidárias mascaram os partidos e os nanicos transformam-se em vendedores de vagas e de tempo de televisão na propaganda eleitoral. Celebridades e abonados têm seu caminho pavimentado para o Congresso em detrimento do político comum, em extinção. A Câmara de 2015 iniciará seus trabalhos com nada mais, nada menos que 28 partidos. O que não é nada bom para o sistema político.

A política no Brasil deveria ser sempre uma atividade nobre e generosa, destinada ao progresso econômico e, sobretudo, ao desenvolvimento humano. Quando a política funciona bem, promove muitos avanços. Os avanços nos direitos humanos e trabalhistas, por exemplo, foram decorrentes de boas políticas.

A má política gera atrasos e injustiças, num círculo vicioso. A degradação da política gera mais degradação. E o inacreditável é que a resposta de nossas instituições é lenta, muito lenta. Tivemos avanços, como a implementação da urna eletrônica, a imposição judicial da fidelidade partidária e a instituição da Lei da Ficha Limpa. Mas estamos muito aquém do que necessitamos.

Nestas eleições, apesar das declarações em favor da reforma política, não percebi o ardor necessário dos candidatos para avançar em favor de uma reforma ampla e profunda. Falta-nos, nesta quadra de nossa História, um movimento como aquele em favor da anistia ampla e irrestrita do final dos anos 1970. E, sobretudo, falta sentido cívico a nossos líderes políticos para assumirem a necessidade de reformar o que não está funcionando bem.

Uma oportunidade está aparecendo no horizonte: em 2015 muitos políticos e parlamentares deverão responder a processos no STF por causa das delações ligadas ao escândalo na Petrobrás. São gravíssimas as acusações envolvendo corrupção e uso político da empresa. O episódio poderá ter poder devastador nas lideranças políticas, que serão obrigadas a se defender na mais alta Corte de acusações que devem vir solidamente fundamentadas por estarem inseridas numa das mais cuidadosas investigações de nossa Justiça. Se necessitamos de crises para avançar, a crise de 2015 já está anunciada.

Não devemos esperar piorar para fazer o que é certo. O caminho é a criação de um pacto em favor de uma reforma política que tenha a participação dos três Poderes e da sociedade civil. Os temas que devem ser debatidos são de conhecimento:
  • financiamento de campanha,
  • teto de despesas de campanhas,
  • fidelidade partidária,
  • cláusula de barreira,
  • fim das coligações para eleições proporcionais,
  • fiscalização pela sociedade civil do fundo partidário,
  • limite à reeleição de presidentes de agremiações e ao nepotismo em partidos, entre outros.
Sobram temas e urge a necessidade. Falta interesse e falta coragem.

* Murillo de Aragão é advogado, mestre em Ciência Política, doutor em Sociologia pela UNB [Universidade Federal de Brasília] e autor do livro “Reforma Política - O Debate Inadiável”.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Terça-feira, 21 de outubro de 2014 – Pg. A2 – Internet: clique aqui.

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