«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

26º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Homilia

 Evangelho: Mateus 21,28-32 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

Para Jesus, o que se fala não conta; o que importa é o que se faz

Para o evangelista Mateus, os líderes religiosos do povo são doentes terminais! Sim, doentes terminais de poder, para quem não há esperança. A ação de Deus, o poder de Deus torna-se impotente contra eles. Como é que isso? Deus pode tudo com o pecado e com os pecadores, seu amor consegue desmoronar o pecado, mas nada pode fazer contra aqueles que agem por conveniência e é isso que fazem os sumos sacerdotes, os líderes do povo. Houve um precedente, eles estão furiosos com Jesus, porque Jesus, depois do episódio no templo, declarou que o templo é um covil de ladrões e então esses sumos sacerdotes, os anciãos, perguntam a Jesus com que autoridade ele pode fazer isso. E Jesus não responde, mas pergunta-lhes com que autoridade veio João Batista e eles não respondem, por quê? Eles raciocinam entre si, dizendo: se falarmos do céu, ele nos dirá: por que vocês não acreditaram nele; se falarmos dos homens, temos medo das pessoas que acreditam que ele seja um profeta, por isso não respondem. Tudo o que as autoridades religiosas fazem, decidem e agem é para sua conveniência; no momento é conveniente que não respondam. Mas Jesus não desiste e os exorta com esta parábola, que é dirigida aos líderes do povo, aos sumos sacerdotes e aos anciãos. 

Mateus 21,28-30: «Naquele tempo, Jesus disse aos sacerdotes e anciãos do povo: “Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao primeiro, ele disse: ‘Filho, vai trabalhar hoje na vinha!’ O filho respondeu: ‘Não quero’. Mas depois mudou de opinião e foi. O pai dirigiu-se ao outro filho e disse a mesma coisa. Este respondeu: ‘Sim, senhor, eu vou’. Mas não foi.»

Jesus lhes pergunta: “O que vocês acham?”, portanto, os obriga a responder porque ficaram em silêncio: “Um homem tinha dois filhos. Voltou-se para o primeiro e disse: Meu filho”, o termo é cheio de carinho, poderíamos traduzi-lo como “meu filhinho”, porque é a imagem daquele que acaba de sair do ventre materno, “hoje vai trabalhar na vinha”, a vinha que conhecemos é imagem do povo de Israel, portanto o pai pede ao filho que colabore em sua ação, o que o Senhor pede é que colaboremos em sua ação criadora. “E ele respondeu: não estou com vontade”, portanto, respondeu sem pensar, respondeu mal, “mas depois se arrependeu”, ou seja, sentiu remorso “e foi”. “Virou-se para o segundo e disse o mesmo”, ou seja, fez o mesmo convite para trabalhar na vinha. “E ele respondeu: Sim, senhor”, literalmente “eu senhor”, deve-se ter sempre cuidado com aquelas pessoas que dizem “sim, senhor”!Mas ele não foi lá”. Aqui, na denúncia de Jesus, há o apelo de Deus no livro do profeta Isaías, onde o Senhor diz: “este povo me honra com os lábios sim Senhor, mas com o coração”, ou seja, com a mente “está longe de mim” (Is 29,13); ou a censura que Jesus proferiu: “Nem todo o que me diz: ‘Senhor! Senhor!’, entrará no Reino dos Céus, mas só aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus” (Mt 7,21). 

Mateus 21,31: «Qual dos dois fez a vontade do pai?” Os sumos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: “O primeiro”. Então Jesus lhes disse: “Em verdade vos digo, que os cobradores de impostos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus.»

Jesus complementa com incrível rapidez e veemência, dirigindo-se aos sumos sacerdotes e aos anciãos, aos líderes religiosos do povo: “Qual dos dois fez a vontade do pai?”, o evangelista ilustra mais uma vez qual é a vontade do Pai. Qual é a vontade de Deus? Que colaboremos em sua própria ação criadora. E como se colabora na ação criadora de Deus? Comunicando vida às pessoas. “Qual dos dois cumpriu a vontade do pai? Eles responderam o primeiro”, eles são forçados a admitir. “E Jesus lhes disse: ‘Verdadeiramente’”, então a declaração de Jesus é solene e deve ser levada a sério: “Eu digo a vocês, cobradores de impostos e prostitutas”. O evangelista apresentou os primeiros da sociedade, as pessoas consideradas mais próximas de Deus, isto é, os sumos sacerdotes e os anciãos, e, agora, os contrasta com os últimos da sociedade, ou seja, os cobradores de impostos e as prostitutas, justamente aquelas duas categorias para as quais o Reino de Deus atrasava por vir, assim diziam os sacerdotes e os fariseus. Portanto, é por culpa dessas categorias que o Reino de Deus não vem. Pois bem, Jesus diz “os publicanos e as prostitutas passam à frente de vocês”, aqui, o verbo usado pelo evangelista, “preceder”, não é apenas uma precedência, é tomar o lugar, portanto eles ocupam o seu lugar, eles tomam o lugar dos líderes religiosos no Reino de Deus! Então Jesus contrastou nesta passagem os grandes, os considerados mais próximos a Deus com os últimos, por que isso? Porque como dissemos no início, Deus nada pode fazer com aqueles que agem por comodidade, egoísmo, ganância e interesse. Aliás, é o interesse o verdadeiro Deus desta casta sacerdotal no poder, tudo o que ela faz, o faz por interesse! Mas Deus pode com os pecadores, aqueles que vivem em pecado. Sua onda de amor pode convertê-los verdadeiramente, por isso ele tem sucesso com publicanos e prostitutas, mas não com líderes religiosos. 

Mateus 21,32a: «Porque João veio até vós, num caminho de justiça, e vós não acreditastes nele.»

Caminho de justiça”, isto é, de fidelidade a Deus, “e vocês não acreditaram nele”, eis a resposta que eles não puderam dar à pergunta proposta por Jesus: a autoridade de João veio do céu ou não? Agora, Jesus lhes dá a resposta: “Vocês não acreditaram nele”. Os líderes religiosos são sempre refratários à ação de Deus, em vão Deus lhes envia mensageiros, envia-lhes profetas, são sempre fechados, não acreditam. É a tragédia: aqueles que teriam de ensinar ao povo a vontade de Deus, eles são os primeiros a não conhecê-la e a não crer nela! 

Mateus 21,32b: «Ao contrário, os cobradores de impostos e as prostitutas creram nele. Vós, porém, mesmo vendo isso, não vos arrependestes para crer nele”.»

Vocês, pelo contrário, viram essas coisas”, então não há desculpa, “mas vocês nem se arrependeram de modo a acreditar nele”. Jesus está dizendo-lhes: aqueles que vocês consideram excluídos foram atingidos pela mensagem de João Batista. Pela terceira vez aparece o termo arrependimento, arrepender-se, que apareceu nesta parábola, e depois aparecerá para Judas. O evangelista é muito severo:

... o filho da parábola se arrepende, até Judas, o traidor, depois se arrependeu, as autoridades não, são completamente refratárias à ação do Senhor.

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«As únicas pessoas que se enfurecem ao ouvir a verdade, são aquelas que vivem a mentira.»

(Autoria desconhecida)

Importa circunscrever, bem, o contexto no qual se encontra a parábola que Jesus nos propôs neste domingo. Ele entrou em Jerusalém, na última semana de sua vida terrena, e realizou uma ação radical e escandalosa no local do Templo: a violenta expulsão dos comerciantes que exploravam os fiéis naquele lugar que deveria ser de oração e encontro com Deus (cf. Mt 21,1-27). Quando interrogado, pelos líderes religiosos da época — os anciãos e sumos sacerdotes —, com qual autoridade fazia aquelas coisas, Jesus reage com outra questão: “De onde provinha o batismo de João, do céu ou dos homens?” (Mt 21,25). Como esses líderes religiosos não lhe responderam por receio do povo, Jesus os provoca, endereçando-lhes três fortes parábolas: parábola dos dois filhos (Mt 21,28-32), a dos vinhateiros homicidas (Mt 21,33-46) e a do banquete do Reino (Mt 22,1-14). 

Com essas parábolas, Jesus deixa claro três coisas:

1ª) as lideranças religiosas não realizam a vontade de Deus;

2ª) eles se apossaram do poder e matam aqueles que lhes atrapalham;

3ª) por isso, eles não entrarão no banquete do Reino de Deus.

O maior desserviço que as pessoas religiosas e os líderes religiosos podem prestar a Deus é serem gente que fala uma coisa e pratica outra! Jesus se orienta, como nos recorda José María Castillo, teólogo espanhol, pela “ética dos fatos”, não pela ética dos propósitos e palavras. Não por acaso, há um dito muito popular entre nós: “De boas intenções o inferno está cheio!” O que está corretíssimo! 

Nos tempos atuais, assistimos ao triste espetáculo de observarmos cristãos e, principalmente, lideranças cristãs que:

* pregam o desapego ao dinheiro, aos bens materiais, a necessidade de uma vida austera e simples, enquanto se parecem com tudo, menos pessoas humildes e pobres!

* Falam de comunhão, diálogo, participação, porém são pessoas extremamente apegadas ao poder, desejosas que suas decisões, ideias e posicionamentos prevaleçam sempre!

* Criticam violentamente o sexo e as relações libertinas, enquanto ocultam, disfarçam e não assumem a sua própria sexualidade e, até mesmo, protegem delinquentes sexuais! 

Pessoas, assim, são abominadas por Jesus, seja em seu tempo, como nos dias de hoje! Há uma frase dele que exprime bem o estrago que gente desse tipo provoca na comunidade e na sociedade: “Fechais aos outros o Reino dos Céus, mas vós mesmos não entrais, nem deixais entrar aqueles que o desejam” (Mt 23,13).

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Sou, também eu, Jesus, como os dois filhos da parábola. Às vezes prometo seguir-te, mas a língua é mais rápida que os fatos, ou a vontade é mais fraca que as situações. Às vezes desisto imediatamente, confesso a ti meu fracasso e meus medos, e então penso nisso, trilhando lentamente o caminho que tu traçaste para mim. Por que somos tão fracos e pouco lineares, tão complexos e confusos por pressões internas e externas? Talvez sejamos os únicos que te desagradamos, iludidos pelo nosso perfeccionismo e gosto pela eficiência. Tu nos entendes muito além da nossa autocompreensão, ignoras os momentos de cansaço, não és tão duro a ponto de querer que sejamos inflexíveis. É por isso que tu elogias a mudança de mentalidade se ela leva ao bem, e alerta sobre a incoerência se leva ao mal. Por isso tu concluis nos escandalizando, citando cobradores de impostos e prostitutas arrependidos, que nos precederão em teu Reino. Se vencermos a tentação do julgamento, nós também teremos algo a agradecer pela tua misericórdia, já que somos tão bons em perceber o cisco e ignoramos lindamente a trave em nossos olhos. Mas, acima de tudo, na tua escola continuaremos crianças, aprendendo a perdoar-nos e a aproveitar o nosso tempo, e a tornar as nossas vidas mais leves e vivíveis. Amém.»

(Fonte: RAIMONDO, Pierfortunato. 26ª Domenica del Tempo Ordinario: orazione finale. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 549.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – 26ª Domenica del Tempo Ordinario – Anno A – 27 settembre 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 26/09/2023).

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Somos uma comunhão

 NOVO OLHAR SOBRE O UNIVERSO 

Frei Betto

Frade dominicano mineiro, filósofo, teólogo, escritor de dezenas de livros e assessor de movimentos populares no Brasil e exterior 

Nem tudo é Deus, mas Deus se revela em tudo

        Carlos Mesters, o mais popular biblista do Brasil, sublinha que há no Antigo Testamento dois decálogos, o da Aliança e o da Criação. O da Aliança surgiu primeiro, embora o outro já existisse. Ocorre que o povo hebreu, por não levar a sério o Decálogo da Aliança, não tinha olhos para perceber o Decálogo da Criação.

       Ao longo dos 400 anos de monarquia em Israel (de 1000 a 600 a.C.), Javé, o Deus libertador do Êxodo, foi reduzido a um ídolo manipulado pelos poderes civil e religioso para legitimar a corrupção e a ganância dos reis. E ninguém dava ouvidos às denúncias dos profetas. Até que Nabucodonosor, rei da Babilônia, invadiu a Palestina em 587 a.C. e destruiu Jerusalém.

       O choque da dominação e do exílio abriu os olhos do povo hebreu para o Decálogo da Criação:O ritmo da natureza, do sol, da lua, das estações, das chuvas, das estrelas, das plantas, revela o poder criador de Deus” – afirma Mesters. “É a expressão do bem-querer do Deus Criador, da pura gratuidade! É uma certeza que não falha. É a prova de que Deus não rejeitou seu povo. Nossa fraqueza pode levar-nos a romper com Deus (como de fato aconteceu), mas Deus não rompe conosco, pois cada manhã, através da sequência dos dias e das noites, ele nos fala ao coração”.

PTOLOMEU e sua teoria da Terra no centro do Universo - o geocentrismo

       A visão que temos do mundo interfere em nossa visão de Deus, assim como o modo de concebermos Deus influi em nossa visão da vida e do mundo. Ao longo de um milênio predominou no Ocidente a cosmovisão de Ptolomeu, que considerava a Terra centro do Universo. Isso favoreceu a hegemonia espiritual, cultural e econômica da Igreja, encarada pela fé como imagem da Jerusalém celeste.

       Com o advento da Idade Moderna, graças à nova cosmovisão de Copérnico, logo completada por Galileu e Newton, constatou-se que a Terra é apenas um pequeno planeta que, qual mulata de escola de samba, dança em torno da própria cintura (24 horas, dia e noite) e do mestre-sala, o sol (365 dias, um ano). O paradigma da fé deu lugar à razão, a religião à ciência, Deus ao ser humano. Passou-se da visão geocêntrica à heliocêntrica, da teocêntrica à antropocêntrica.

COPÉRNICO pai da teoria do sol como centro, o heliocentrismo

       Agora, a modernidade cede lugar à pós-modernidade. Mais uma vez, a nossa visão do Universo sofre radicais mudanças. Newton cede lugar a Einstein, e o advento da astrofísica e da física quântica nos obriga a encarar o Universo de modo diferente e, portanto, também a ideia de Deus.

       Se na Idade Média Deus habitava “lá em cima” e, na Idade Moderna, “aqui embaixo”, dentro do coração humano, agora conhecemos melhor o que o apóstolo Paulo quis dizer ao afirmar:

«Ele não está longe de cada um de nós, pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como alguns dentre os poetas de vocês disseram: “Somos da raça do próprio Deus”» (Atos dos Apóstolos 17, 27-28).

       A física quântica, que penetra a intimidade do átomo e descreve a dança das partículas subatômicas, nos ensina que toda matéria, em todo o Universo, não passa de energia condensada. No interior do átomo, a nossa lógica cartesiana não funciona, pois ali predomina o princípio da indeterminação, ou seja, não se pode prever com exatidão o movimento das partículas subatômicas. Essa imprevisibilidade só predomina em duas instâncias do Universo:

* no interior do átomo e

* na liberdade humana.

Com a FÍSICA QUÂNTICA advém o indeterminismo, a imprevisibilidade da matéria!

       Em que a física quântica modifica nossa visão do Universo? Ela nos livra dos conceitos de Newton, de que o Universo é um grande relógio montado pelo divino Relojoeiro e cujo funcionamento pode ser bem conhecido ao estudar cada uma de suas peças. A física quântica ensina que não há o sujeito observador (o ser humano) frente ao objeto observado (o Universo). Tudo está intimamente interligado. O bater de asas de uma borboleta no Japão desencadeia uma tempestade na América do Sul... Nosso modo de examinar as partículas que se movem no interior do átomo interfere no percurso delas...

Tudo que existe coexiste, subsiste e preexiste.

       Há uma inseparável interação entre o ser humano e a natureza. O que fazemos à Terra provoca uma reação da parte dela. Não estamos acima dela, somos parte e resultado dela; ela é Pacha Mama ou, como diziam os antigos gregos, Gaia, um ser vivo. Deveríamos manter com ela uma relação inteligente de sustentabilidade.

       Esse novo paradigma científico nos permite contemplar o Universo com novos olhos. Nem tudo é Deus, mas Deus se revela em tudo. Nossa visão religiosa é agora pananteísta. Não confundir com panteísta. O panteísmo diz que todas as coisas são Deus. O pananteísmo, que Deus está em todas as coisas. “Nele vivemos, nos movemos e existimos”, como disse Paulo. E Jesus nos ensina que Deus é amor, essa energia que atrai todas as coisas, desde as moléculas que estruturam uma pedra às pessoas que comungam um projeto de vida.

       Como dizia Teilhard de Chardin, no amor tudo converge, de átomos, moléculas e células que formam os tecidos e órgãos do nosso corpo às galáxias que se aglomeram múltiplas nesta nossa Casa Comum que chamamos, não de Pluriverso, mas de Universo

Fonte: freibetto.org – Postado em 12 de setembro de 2023 – Internet: clique aqui.

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

25º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Homilia

 Evangelho: Mateus 20,1-16a 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

A justiça de Deus não é como a dos homens

Sabemos que o evangelho significa “boa nova/boa notícia”, mas qual é essa boa nova? Que o Pai de Jesus não é o Deus das religiões; o Deus das religiões é aquele que recompensa a todos segundo os seus méritos, recompensa os bons e pune os maus. Jesus apresenta um Deus completamente diferente: fala de um Pai bom que faz nascer o seu sol sobre os maus e os bons, não depende de merecerem ou não, mas porque têm necessidade; e até faz chover sobre justos e injustos (cf. Mt 5,45). 

Mateus 20,1-2: «Naquele tempo, Jesus contou esta parábola a seus discípulos: “O Reino dos Céus é como a história do patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha. Combinou com os trabalhadores uma moeda de prata por dia, e os mandou para a vinha.»

Esta mensagem, esta novidade não é bem aceita pelos discípulos e é a eles que Jesus dirige esta importante parábola dos vinicultores. Vamos ler. “O reino dos céus” – isto é, esta sociedade alternativa proposta por Jesus – “é como a história do patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores”. Normalmente esse papel era desempenhado pelo administrador, por que é que o proprietário o faz? Para indicar urgência. “Trabalhadores para a sua vinha e ele combinou com eles por um denário por dia.” Aqui está, o dinheiro, era uma moeda de prata de 4 gramas e era o salário habitual dos trabalhadores. 

Mateus 20,3-5a: «Às nove horas da manhã, o patrão saiu de novo, viu outros que estavam na praça, desocupados, e lhes disse: ‘Ide também vós para a minha vinha! E eu vos pagarei o que for justo’. E eles foram.»

Depois, o evangelista escreve que “saiu por volta das nove da manhã”, por quê? A essa altura os que ele contratou eram suficientes para o trabalho, mas o patrão não olha para as suas próprias necessidades, mas sim para as necessidades dos trabalhadores. “Viu outros que estavam desempregados na praça”, desempregados não porque não querem trabalhar, mas porque não conseguiam encontrar trabalho, e “disse-lhes: vão também vocês para a vinha”. Repito, ele não faz isso por necessidade própria, mas pelas necessidades deles. E com estes ele não combina o pagamento, mas diz: “eu vos pagarei o que for justo”. 

Mateus 20,5b-7: «O patrão saiu de novo ao meio-dia e às três horas da tarde, e fez a mesma coisa. Saindo outra vez pelas cinco horas da tarde, encontrou outros que estavam na praça, e lhes disse: ‘Por que estais aí o dia inteiro desocupados?’ Eles responderam: ‘Porque ninguém nos contratou’. O patrão lhes disse: ‘Ide vós também para a minha vinha’.»

E aí ele sai de novo por volta do meio-dia, por volta das três, o que é surpreendente é que ele sai por volta das cinco da tarde! No Oriente, o pôr do sol ocorre por volta desse horário, às quatro e meia, cinco horas, então o trabalho cessa nesse momento; por que o dono da vinha vai à procura de trabalhadores quando a obra já está terminada? E ele também os chama para trabalhar e eles dizem “ninguém nos contratou”, ele diz: “Ide vós também para a minha vinha”. 

Mateus 20,8-9: «Quando chegou a tarde, o patrão disse ao administrador: ‘Chama os trabalhadores e paga-lhes uma diária a todos, começando pelos últimos até os primeiros!’ Vieram os que tinham sido contratados às cinco da tarde e cada um recebeu uma moeda de prata.»

E aqui está a reviravolta: “Ao anoitecer o Senhor” – e, portanto, o evangelista faz-nos compreender que é Deus – “disse ao administrador: chama os trabalhadores e dá-lhes o salário começando pelos últimos até aos primeiros”. Os últimos, vimos, praticamente só marcaram presença porque chegaram no momento do término da obra e, com grande surpresa, eles recebem um denário, o pagamento por um dia de trabalho. O evangelista escreve “os que tinham sido contratados às cinco da tarde e cada um recebeu uma moeda de prata”. 

Mateus 20,10-14: «Em seguida vieram os que foram contratados primeiro, e pensavam que iam receber mais. Porém, cada um deles também recebeu uma moeda de prata. Ao receberem o pagamento, começaram a resmungar contra o patrão: ‘Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor o dia inteiro’. Então o patrão disse a um deles: ‘Amigo, eu não fui injusto contigo. Não combinamos uma moeda de prata? Toma o que é teu e volta para casa! Eu quero dar a este que foi contratado por último o mesmo que dei a ti.»

É lógico que aqueles que trabalharam desde a primeira hora, desde a madrugada, esperavam receber mais, visto que os últimos, que praticamente nada fizeram, receberam um denário. E, de fato, quando chegaram os primeiros pensaram que iriam receber mais, mas também receberam, cada um, um denário. E então começam a murmurar contra o patrão: “Esses últimos só trabalharam uma hora e você os tratou como nós que carregamos o fardo do dia e do calor”. Mas o senhor responde a um deles, dizendo: “Amigo”, três vezes no Evangelho de Mateus Jesus se dirige a uma pessoa como “amigo” e nunca é um bom momento! Ele fala, dirige-se a Judas e a outras duas pessoas que sempre são culpadas de alguma coisa, chamando-os de “amigo” (cf. Mt 22,12; 26,50). Ele diz: “Eu não fiz nada de errado com você, não combinamos um denário pelo dia de trabalho? Aqui está o seu, por que você está reclamando?”. 

Mateus 20,15-16a: «Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou estás com inveja, porque estou sendo bom?’ Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos”.»

E aqui está a generosidade do patrão: “Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou...” — diz Jesus na parábola — “estás com inveja” - o termo invejoso significa ter o “olhar mau/mau-olhado”, isto é, mesquinho, avarento – “porque estou sendo bom?Eis a novidade que Jesus apresenta: o Pai não dá segundo os méritos das pessoas, mas segundo as suas necessidades. Esta é a novidade da boa notícia de Jesus. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«No que se refere à retribuição, todos seremos iguais: os últimos como os primeiros, e os primeiros como os últimos, pois aquele denário é a vida eterna, e na vida eterna todos serão iguais.»

(Santo Agostinho: 354 a 430 — filósofo, teólogo e Doutor da Igreja)

O Evangelho e a Primeira Leitura bíblica deste domingo sepultam definitivamente a imagem mesquinha e irreal que nós, seres humanos, costumamos fazer de Deus! Isso mesmo! Infelizmente, a grande maioria dos que se consideram cristãos, ou seja, seguidores de Jesus Cristo, não comungam com Jesus na imagem que ele tentou, com gestos e palavras, nos transmitir de Deus. Como Frei Maggi deixou-nos bem claro, o Deus de Jesus não é o mesmo pregado e ensinado pelas religiões! Ele não é um Deus que quer algo de nós, mas apenas nos quer! Ele nos deseja como seus filhos e filhas, pois o seu amor pela humanidade é infinito e incondicional. 

Os dois últimos versículos da Primeira Leitura deste domingo são iluminadores sobre isso que estamos falando:

«Meus pensamentos não são como os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são como os meus caminhos, diz o Senhor. Estão meus caminhos tão acima dos vossos caminhos e meus pensamentos acima dos vossos pensamentos, quanto está o céu acima da terra» (Isaías 55,8-9).

Por incrível que possa parecer, a maioria de nós gostaria que Deus tratasse os seres humanos segundo a lei da meritocracia, ou seja, cada um deveria ser tratado segundo os seus próprios esforços, segundo aquilo que consegue realizar nesta vida! Isso não funciona nem na economia, nem na sociedade! Pois, nem todos possuem as mesmas oportunidades, as mesmas chances, os mesmos privilégios! Enquanto nós, seres humanos, fazemos cálculos, contabilidade de tudo, Deus em sua misericórdia e amor, enxerga apenas a pessoa necessitada: “Por que estais aí o dia inteiro desocupados?” (Mt 20,6), pergunta ele aos desempregados, já sabendo a resposta: “Porque ninguém nos contratou” (Mt 20,7). Portanto, não era falta de vontade de trabalhar, mas impossibilidade de trabalhar devido à escassez de oferta de trabalho! 

Mais do que medir os nossos méritos, Deus observa a nossa necessidade de salvação! O que Jesus quer nos conscientizar é que seu Pai não é um Deus que se põe a anotar, minunciosamente, os pecados, erros, defeitos das pessoas ou, de outro lado, os méritos, as boas ações e virtudes dos demais! Esse Deus seria desumano e cruel! Como afirma com propriedade o biblista espanhol José Antonio Pagola:

«Crer em um Deus Amigo incondicional pode ser a experiência mais libertadora que se possa imaginar, a força mais vigorosa para viver e para morrer. Por outro lado, viver diante de um Deus justiceiro e ameaçador pode converter-se na neurose mais perigosa e destruidora da pessoa».

Para Deus, o que importa não é a nossa produtividade — «Naquele dia, muitos me dirão: “Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome? Não expulsamos demônios em teu nome? E não fizemos muitos milagres em teu nome?” Então, eu lhes declararei: “Jamais vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade”» (Mt 7,22-23) —, mas um «um coração contrito e humilhado» (Sl 51,19), ao qual ele não resiste! 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Obrigado, ó Pai, por me revelar o teu Filho e me deixar entrar na sua herança, na sua vinha. Fizeste-me um ramo, fizeste-me uma uva: agora só me resta ficar, ficar nele, em ti, e deixar-me levar, como fruto bom e maduro, para ser colocado no lagar. Sim, Senhor, eu sei: este é o caminho. Não tenho medo, porque tu estás comigo. Eu sei que o único caminho para a felicidade é doar-me a ti, doar-me aos irmãos. Que eu seja um galho, que eu seja uma uva boa, para ser prensada, como quiseres. Amém.»

(Fonte: CUCCA, M. A., O.Carm., 25ª Domenica del Tempo Ordinario: orazione finale. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 539.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – 25ª Domenica del Tempo Ordinario – Anno A – 20 settembre 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 19/09/2023).

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

24º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Homilia

 Evangelho: Mateus 18,21-35 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas)


“Perdoar é dar chance à vida”

Mateus é o evangelista que mais aborda o tema do perdão do que os demais, principalmente neste capítulo 18. Jesus exortou os discípulos e afirmou que, se o irmão não quiser se reconciliar, deve ser tratado como cobrador de impostos (publicano) ou como um pecador. O que não significava excluí-lo do amor, mas que este não era mais um amor mútuo, mas um amor unilateral. Pois bem, nos versículos que comentamos neste domingo, capítulo 18 de Mateus, versículos 21 a 35, Pedro parece ter entendido. No entanto, ele acha que esse amor deve ser limitado e por isso tenta colocar uma contenção! 

Mateus 18,21-22: «Naquele tempo, Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” Jesus respondeu: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete.»

E então Pedro – chamado pelo apelido negativo que indica a sua teimosia – aproxima-se de Jesus e diz-lhe: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim?”. E a legislação rabínica estabeleceu um limite, um máximo de três vezes o perdão. Bom, Pedro tenta abundar, exagerar, dobrar, ele diz: “Até sete vezes?” A resposta de Jesus é: “Não te digo até sete vezes, mas”, e aqui Jesus se refere ao livro de Gênesis (4,24), ao canto do vingativo Lamec que dizia “Se Caim foi vingado sete vezes, Lamec será vingado setenta e sete vezes”, ou seja, vingança infinita.

Jesus pega esse cântico, mas muda seu significado e diz: “..., mas até setenta vezes sete”. Este número não indica a quantidade, ou seja, ilimitado, mas sim a qualidade deste perdão, isto é, incondicional. E para fazê-lo compreender, Jesus recorre a uma parábola: com os tons típicos da fantasia do Oriente Médio, fala de um rei que quer acertar contas com os seus funcionários. 

Mateus 18,23-26: «Porque o Reino dos Céus é como um rei que resolveu acertar as contas com seus empregados. Quando começou o acerto, levaram-lhe um que lhe devia uma enorme fortuna. Como o empregado não tivesse com que pagar, o patrão mandou que fosse vendido como escravo, junto com a mulher e os filhos e tudo o que possuía, para que pagasse a dívida. O empregado, porém, caiu aos pés do patrão e, prostrado, suplicava: ‘Dá-me um prazo! e eu te pagarei tudo!’»

Naquela época todos os dependentes de um rei eram chamados de “servos”, mas aqui vemos que ele é um oficial. Pois bem, ele lhe deve uma soma enorme e desproporcional:10.000 talentos, cerca de 300.000 quilos de ouro, algo impossível. Então Jesus fala justamente desta quantia desproporcional e o servo pede-lhe que tenha paciência para sanar esta dívida. Mas que paciência, uma vida inteira não seria suficiente para isso! Estima-se que seriam necessários aproximadamente 164.384 anos para reembolsar tal quantia! 

Mateus 18,27: «Diante disso, o patrão teve compaixão, soltou o empregado e perdoou-lhe a dívida.»

Pois bem, o evangelista escreve que: “O patrão teve compaixão do servo”. A compaixão é o sentimento de Deus, é o sentimento de Jesus com o qual a vida é devolvida a quem não a tem. Este funcionário, este servo já não tinha vida, o rei tinha ordenado que ele, a sua mulher e os seus filhos fossem vendidos conforme a legislação em vigor; ora, este funcionário, este servo tem um perdão absurdo e ilimitado

Mateus 18,28-30: «Ao sair dali, aquele empregado encontrou um dos seus companheiros que lhe devia apenas cem moedas. Ele o agarrou e começou a sufocá-lo, dizendo: ‘Paga o que me deves’. O companheiro, caindo aos seus pés, suplicava: ‘Dá-me um prazo, e eu te pagarei!’ Mas o empregado não quis saber disso. Saiu e mandou jogá-lo na prisão, até que pagasse o que devia.»

Quando ele parte, o fato desse funcionário ter sido objeto desse perdão, dessa misericórdia não provocou nele uma mudança. Ele encontra um de seus companheiros, que lhe deve uma quantia irrisória, 100 denários. Um denário era o salário diário, portanto é uma dívida que compreende pouco mais de três meses de trabalho, o que já é possível de se pagar!Ele o agarrou e começou a sufocá-lo”, estava a ponto de tirar a vida desse companheiro, tal era a sua ganância! E ele, aquele que devia, diz, como o funcionário disse ao rei: “Dá-me um prazo, e eu te pagarei!” E, neste caso, isso é possível, pois são três meses de trabalho. Mas ele não quis, foi implacável e mandou colocá-lo na prisão até pagar a dívida. 

Mateus 18,31-34: «Vendo o que havia acontecido, os outros empregados ficaram muito tristes, procuraram o patrão e lhe contaram tudo. Então o patrão mandou chamá-lo e lhe disse: ‘Empregado perverso, eu te perdoei toda a tua dívida, porque tu me suplicaste. Não devias tu também ter compaixão do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?’ O patrão indignou-se e mandou entregar aquele empregado aos torturadores, até que pagasse toda a sua dívida.»

Tendo visto o que estava acontecendo, os companheiros se dirigem ao rei e lhe referem tudo o que se sucedeu. O rei, então, tem palavras muito duras ao seu funcionário, ele diz: “empregado perverso” — literalmente “mal/maligno”, como o diabo — “eu te perdoei toda a tua dívida, porque tu me suplicaste. Não devias tu também ter compaixão do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?”.

Portanto, ter sido objeto de misericórdia não trouxe misericórdia para esta pessoa.

E o rei o entrega aos carcereiros “até que pagasse toda a sua dívida”, ou seja, elimina-o para sempre! É claro que é um modo fantasioso, do Oriente Médio, de expressar rejeição. 

Mateus 18,35: «É assim que o meu Pai que está nos céus fará convosco, se cada um não perdoar de coração ao seu irmão”.»

Mas esta conclusão de Jesus é importante! Jesus já havia dito anteriormente que o que está ligado na terra também será ligado no céu e o que está desligado será desligado; Deus já perdoa as pessoas, mas este perdão permanece vinculado/inoperante até que se transforme em perdão para com os outros. Então não é que Deus não queira perdoar, mas se uma pessoa, apesar de ter obtido o perdão de Deus, se recusa a perdoar aos outros, essa falta de perdão, esse perdão permanece vinculado, inoperante! Portanto, o convite à comunidade é para dissolver/liberar este perdão, para comunicar o perdão porque, repito, todos nós já somos perdoados por Deus, mas este perdão só se torna operacional e eficaz quando se transforma em perdão para os outros. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Ser cristão significa perdoar o indesculpável, porque Deus perdoou o indesculpável em você.»

(Clive Staples Lewis: 1898 a 1963 — escritor irlandês)

Não foi por acaso que o evangelista Mateus afirmou que a Lei e os Profetas, ou seja, o conjunto das Sagradas Escrituras judaicas (o Antigo Testamento, como chamamos), pode ser sintetizado na seguinte máxima: “Tudo, pois, quanto quereis que os outros vos façam, fazei-o, vós também, a eles” (Mt 7,12; cf. Lc 6,31). Para não restar alguma dúvida, na oração do Pai-nosso, há uma frase semelhante: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6,12). Portanto, Deus dispensará a nós, segundo Jesus, o mesmo tratamento que costumamos dispensar às pessoas com as quais convivemos! Deixando ainda mais claro: receberemos de Deus o mesmo respeito, tolerância, estima e capacidade de perdão que demonstrarmos em relação aos nossos irmãos e irmãs, neste mundo! 

No entanto, sabemos por experiência própria o quanto é difícil perdoar, tolerar e conviver com aqueles que nos fizeram mal, que nos prejudicaram muito ou pouco, que seja! Há uma diferença abismal entre Deus e os seres humanos, e as duas parábolas contadas por Jesus, no Evangelho deste domingo, deixa evidente isso: Deus é imensuravelmente misericordioso, por isso, o seu perdão não tem limites! Já, o ser humano é assustadoramente ruim e miserável, como o demonstra o funcionário que, tendo sido perdoado de uma dívida imensa, não consegue perdoar uma dívida pífia de seu companheiro! 

Tem razão Clives Staples Lewis, famoso escritor irlandês, autor das renomadas “As Crônicas de Nárnia”, quando afirma que: “Nenhum ser humano sabe o quanto é mau, até se esforçar para ser bom. Só conhecemos a força do vento quando caminhamos contra ele, e não quando nos deixamos levar”. É disso, mesmo, que se trata: caminharmos contra o “vento” de uma sociedade que nos faz crer que o fundamental na vida é ser: ganhador/vitorioso, bem-sucedido, notado/reparado, famoso, capaz de superar todos os obstáculos. Em um mundo, assim, não há espaço para um Deus-Amor, um Deus-Perdão, um Deus-Misericórdia! Basta observar que jamais se viu tanta mesquinhez e ruindade nas pessoas mais ricas deste planeta! Apenas a insensibilidade, o egoísmo e a ganância sem limites podem explicar o fato de existirem pessoas que, sozinhas, ganham mais que países inteiros! Pessoas que possuem mais do que conseguirão gastar os seus futuros descendentes! Pessoas que não se comovem nem se indignam com tanta fome, miséria, falta de assistência à saúde, de educação de qualidade e de moradia digna a tantos irmãos e irmãs, nesta terra! 

Porém, tais pessoas não são ricas, apenas possuem bens materiais! Somente Deus é rico o bastante para perdoar sempre a quem se arrepende! Nossa Igreja deve ser, mais do que nunca, sinal desse Deus-Perdão para uma sociedade que está se autodestruindo e se fragmentando, cada vez mais, por não saber distribuir, compartilhar, dividir e cooperar! Só a reconciliação e o perdão poderão salvar a humanidade de si mesma! 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Pai bom e misericordioso, louvado sejas pelo amor que nos revelaste em Cristo, teu Filho! Tu, misericordioso, chamas todos a se tornarem misericórdia. Ajuda-me a me reconhecer todos os dias necessitado do teu perdão, da tua compaixão, necessitado do amor e da compreensão dos meus irmãos. A tua Palavra mude o meu coração e torne-me capaz de seguir Jesus, de sair todos os dias com Ele para buscar os meus irmãos no amor. Amém.»

(Fonte: MESTERS, Carlos, O.Carm., 24ª Domenica del Tempo Ordinario: orazione finale. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 527.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – 24ª Domenica del Tempo Ordinario – Anno A – 13 settembre 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 11/09/2023).

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Ensino às avessas!

 O alvo da educação: rentabilidade e punição

 Carolina Catini

Professora associada da Faculdade de Educação da Unicamp e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas “Educação e Crítica Social” (Gepecs) 

Só no Brasil, mesmo: militares ocupados com a "educação" de nossos adolescentes e jovens!

O nosso ensino está pensando, de verdade, em nossa atual juventude? O que se pretende, de fato?

No mundo do avesso da educação nacional, corporações militares e empresariais são educadoras e formuladoras das políticas educacionais e de juventude, em nome da democracia e do combate às desigualdades sociais. Embora os ofícios que exerçam e a posição social que ocupem sejam a pura e simples negação de tais atributos, seu poder se amplia e se espraia por toda a gama de ação social que comandam, enquanto quem possui experiência e formação na educação tem o alcance de suas práticas reduzido a pequenos espaços, quando conseguem realizar uma experiência formativa que se contrapõe à lógica dominante, criando fissuras no aparente consenso hegemônico. 

Quando está tudo invertido, é preciso revirar tudo do avesso, fazendo falar os efeitos da prática educativa e da ideologia que a sustenta. Quem preside os processos educativos se coloca como garantidor do direito à educação, mas o faz convertendo-o em tecnologia de gestão da juventude, associando as bandeiras da educação integral e do acesso ao trabalho à rentabilidade e à punição. 

Educação pelo confinamento

Um dos pontos em que se cruzam as práticas militarizadas e a modernização empresarial da educação é o da criminalização da pobreza. A educação integral, outrora pauta de reivindicação da esquerda, tornou-se presa do empresariado e converteu-se em mais uma forma de dominação. A imagem de escolas periféricas sucateadas, gradeadas e com rondas da PM combina mais com presídio do que com ensino, ainda mais com a reforma do ensino médio e toda a privação de formação cultural e intelectual que ela impõe.

A educação integral é também confinamento da juventude pobre e periférica.

Além disso, numa terra em que, para sobreviver, é preciso trabalhar desde cedo, a educação integral tende a ampliar a evasão escolar. Para falar com base em “evidências”, segundo dados reunidos a mando das próprias corporações empresariais, as taxas de evasão do ensino médio bateram recorde em 2013, quando quase 7% dos estudantes de primeiro ano abandonaram a escola. Em 2020, com a adoção das aulas a distância, no contexto da pandemia de Covid-19, as taxas de evasão recuaram, mas voltaram a crescer de maneira alarmante em 2021 e em 2022, já nos marcos do Novo Ensino Médio e da ampliação da rede de ensino integral (Barros et al., 2023).

Essa tendência deveria assombrar os ideólogos do domínio empresarial da educação, que correlacionam inversamente escolaridade e criminalidade, e calculam ganhos e perdas monetárias com base no aumento ou na diminuição da escolarização.

Um desses recentes estudos concluiu que o aumento de 1% de jovens com escolaridade completa diminuiria em 0,6% a taxa de homicídios (Barros et al., 2021).

Que se privilegie relacionar a educação com a diminuição da criminalidade juvenil e nenhuma palavra seja dita sobre violência estatal e a letalidade policial nos territórios em que a juventude pobre, negra e em idade escolar habita apenas demonstra o lado em que estão os economistas da educação. Ao que tudo indica, para eles a educação se equilibra entre os negócios e os casos de polícia.

O tédio e a chatice dominam o cotidiano dos alunos, especialmente no Ensino Médio

Educação pela violência

As recentes chacinas nos estados de São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro, sob responsabilidades de gestões petistas ou bolsonaristas, se inscrevem numa cadeia de massacres perpetrados pelo Estado. Longe de se apresentarem como desvios da ação policial para o combate ao crime, são métodos sistemáticos de gestão da pobreza pela violência, que atingem comunidades de maneira fatídica e afetam a sociedade de modo geral. As chacinas também educam

Em 2022, só o estado da Bahia teve mais mortos por policiais do que os Estados Unidos (Carta Capital, 2023). Eram quase todos negros. Seria relevante estudar as relações desse dado com o fato de que o mesmo estado já havia militarizado escolas antes mesmo do Programa de Escola Cívicos-Militares de Bolsonaro (Pereira, 2020). Com base na formação de policiais, nessas escolas a lógica disciplinar é acompanhada de rituais de humilhação cotidiana, que se reverte em ódio e ausência de parâmetros para a violência. 

O problema, porém, não se limita às escolas cívicos-militares. Desde o início dos anos 1990, os programas educacionais desenvolvidos pela PM no interior das escolas, e executados por policiais fardados e armados, espalharam-se pelo país.

É o caso de questionar o que se espera ao delegar a uma das corporações militares mais genocidas do mundo a educação de crianças e jovens.


Educação pelo trabalho

Para conter o abandono escolar, o empresariado promete elevar a “audiência” das escolas, tornando-as mais atrativas, com exercícios práticos, articulados com a seleção para o trabalho em empresas ou programas de transferência de renda destinados a públicos-alvo da juventude. Não por acaso, a oferta de recursos para estudantes mais vulneráveis ocorre no contexto de grande controle empresarial da educação, inclusive transformando o empreendedorismo em matéria escolar, o que altera a relação educativa de maneira ampla e profunda. Fazer brigadeiro gourmet se tornou prática no Novo Ensino Médio, assim como fazer bolos, sabão, tijolos, artesanatos ou plantar hortaliças, porque tais atividades práticas transformam as escolas em lugares de trabalho. Em muitos casos se comercializa o que é produzido, e, mesmo quando se trata de simulação do trabalho, como no caso da criação de empresas fictícias nas escolas, a questão não é apenas educar para o trabalho. 

Educação pelo trabalho na educação estatal já era lema da Tecnologia Empresarial Odebrecht, escrita nos anos 1980, que depois se transformou em Tecnologia Socioeducativa. Estava em jogo aí a substituição do welfare[1] pelo workfare, que consiste em atrelar o acesso a serviços sociais com transferência de renda e contrapartidas à “ativação” para o trabalho, o que na educação se traduziu pelo “protagonismo juvenil”. Nos anos 2000, essa concepção ganhou corpo nas escolas de tempo integral de Pernambuco e do Ceará, sob a batuta do Instituto de Corresponsabilidade Empresarial (ICE), e nas práticas de educação não formal do Itaú Social, em periferias de grandes cidades. 

Hoje, um de seus principais difusores é o Itaú Educação e Trabalho, que fala em nome de uma “educação para a emancipação” e da “união entre educação e trabalho produtivo”. Entre inúmeras iniciativas, fomenta a articulação entre escola e empresa, como a oferta de vagas de “jovens aprendizes” no próprio banco Itaú, para estudantes que estão em escolas de tempo regular, ou programas que colocam estudantes de tempo integral para trabalhar em empresas durante o período letivo, com bolsa paga pelo estado, como é o caso do Primeira Chance, realizado na Paraíba. 

Por meio dessas medidas, as empresas vão transformando a escola de ensino médio em lugar de seleção. Assim, a juventude que não é atingida pela letalidade policial é acolhida pelos direitos antissociais empresariais, que lhe abrem a oportunidade de ser confinada, de trabalhar em troca da educação que recebe, ou, em alguns casos, concedem-lhe a dádiva de ser selecionada para ser explorada. 

O que as empresas estão buscando no mundo da educação? É muito interesse! Dá, até, para se desconfiar, não é mesmo?!

Educação como ativo financeiro

As vantagens empresariais em privatizar o direito à educação também se referem ao fim do monopólio da escola na oferta da educação. Neste ano de 2023, o IFood celebra os 14 mil diplomas de ensino médio dados a jovens e adultos entregadores. Um curso de curta duração preparatório para o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) realizado por empresas privadas substitui o ensino médio dos Programas de Educação de Jovens e Adultos estatais. Ofertado de modo gratuito e a distância pela plataforma de parceria entre a IFood Decola e a Edtech Descomplica, o Programa Meu Diploma do Ensino Médio não esconde a que veio: visa ofertar um objeto, e não um processo educativo.

Não é só o controle sobre a população trabalhadora e a apropriação de trabalho sub-remunerado, gratuito ou de recursos estatais que movem essas empresas. Como diz uma postagem do Senac (2023), “acolher jovens aprendizes vai muito além de um cumprimento da legislação, é questão de responsabilidade social das empresas se atentar ao S da sigla em inglês ESG (Environmental, Social and Governance)[2], sobre a qual tanto se fala hoje. Pois é pelo Social que se estabelecem ações de combate à pobreza”. A adoção desses parâmetros, que se difundiram nos mercados financeiros e nas corporações empresariais que estão colonizando a educação, revela que a financeirização não é mais somente o contexto econômico no qual se insere a educação, mas também passa a organizá-la. Com ou sem a mediação da escola, a prática permite que empresas cumpram regras do mercado financeiro e atraiam investimentos, garantindo “os objetivos de desenvolvimento sustentável”. Estes estão intimamente ligados à rentabilidade da empresa que cumpre seu “papel social”. 

Todas as iniciativas atuais dizem estar interessadas neste tripé: preservação do meio ambiente, preocupação social e governabilidade... Será???

Ideias educacionais fora do lugar

Quando a educação se fecha aos condicionantes de seu tempo, ela é presa da situação existente, não podendo projetar nada para fora das determinações sociais.

Se circunscreve o horizonte de vida ao trabalho, limitando as expectativas de existência pela interdição do acesso a referências da cultura e da história, ela amplia a reverência ao capital e afunda em suas contradições. Além de transformarem toda ação da juventude em trabalho, que é o que a empresa sabe gerenciar, essas grandes corporações educam jovens como se não passassem de um “capital humano”, ensinando desde cedo que é preciso angariar investimentos para seu empreendedorismo ou mesmo atuar como investidores, pela ênfase nos programas de educação financeira. 

Um bom exemplo é o estado do Paraná, que produziu material escolar para combater a mentalidade pobre, que “culpa os outros e o governo” por sua condição e “trabalha pelo dinheiro”, e fomentar a mentalidade rica, uma vez que quem pensa assim, mesmo sem ter recursos, “assume os próprios erros”, “fala de patrimônio e negócios” e “faz o dinheiro trabalhar” (APP Sindicato, 2023).

A formação pelo trabalho é conjugada com o individualismo, com o culto aos patrimônios e aos negócios e com o endeusamento do dinheiro.

Nesse contexto, não é possível se surpreender com o fato de estudantes do ensino médio paulista terem anunciado em suas aulas de projeto de vida o desejo de se tornarem agiotas. E isso antes mesmo da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo decretar a substituição da variedade de disciplinas eletivas do ensino médio pela disciplina de Educação Financeira, em agosto deste ano. Em condições de vida precárias, como as que dominam nas periferias de todo o país, as raízes violentas da ideologia do empreendedorismo e da concorrência desenfreada ficam expostas e são facilmente traduzidas numa guerra pela sobrevivência, em sentido literal. Aqui, o tiro do empresariado tem tudo para sair pela culatra… 

Notas:

[1] O Estado de bem-estar social (welfare), ou estado-providência, ou estado social, é um tipo de organização política, econômica e sociocultural que coloca o Estado como agente da promoção social e organizador da economia.

[2] Environmental, Social and Governance (ESG): Inicialmente é uma sigla, em inglês, que significa environmental, social and governance, e corresponde às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização. O termo foi cunhado em 2004 em uma publicação do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial, chamada Who Cares Wins [tradução livre: quem se importa vence]. Os critérios ESG estão totalmente relacionados aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pelo Pacto Global, iniciativa mundial que envolve a ONU e várias entidades internacionais. 

Referências bibliográficas:

APP SINDICATO. Críticas da APP viralizam e Seed retira material de apoio para aulas de Educação Financeira (clique aqui: https://appsindicato.org.br/criticas-da-app-viralizam-e-seed-retira-material-de-apoio-para-aulas-de-educacao-financeira/). Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná, 2023.

BARROS, R. P. et al. Consequências da violação do direito à educação. Rio de Janeiro: Autografia, 2021.

BARROS, R. P. et.al. Diagnóstico da evasão escolar Brasil (clique aqui: https://arquivos.insper.edu.br/2023/CEEI/publicacoes/Completo-Cursos-Bolsas-Caderno-Miolo-2023-07-10.pdf). Insper, jul. 2023.

CARTA CAPITAL. Polícia da Bahia matou 1.464 pessoas em operações em 2022 (clique aqui: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/policia-da-bahia-matou-1-464-pessoas-em-operacoes-em-2022/). Carta Capital, 14 ago. 2023.

PEREIRA, Roger. Fora do programa federal, estado governado pelo PT chega a 100 escolas militarizadas (clique aqui: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/bahia-governado-pelo-pt-100-escolas-militarizadas/). Gazeta do Povo, 8 jan. 2020.

SENAC. Aprendizagem profissional: um caminho para jovens trilharem carreiras sustentáveis (clique aqui: https://estudio.folha.uol.com.br/senac/2023/07/aprendizagem-profissional-um-caminho-para-jovens-trilharem-carreiras-sustentaveis.shtml). Estúdio Folha, 23 jul. 2023. 

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil – Setembro de 2023 – Ano 16 – Edição Nº 194 – Páginas 4 a 5 – Publicado em 1 de setembro de 2023 – Internet: clique aqui – Acesso em: 10/09/2023.