22º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Homilia
Evangelho: Mateus 16,21-27
Frei
Alberto Maggi
Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas)
Quem é que faz a minha cabeça?
O Evangelho de hoje é a sequência exata daquele que nos foi oferecido no domingo anterior, no qual Pedro havia dado uma resposta formalmente correta a Jesus, quando este perguntou aos seus discípulos quem ele era. Hoje entenderemos, melhor, porque a resposta de Pedro foi, apenas, aparentemente correta, mas não correspondia aos seus anseios mais íntimos.
Mateus
16,21: «Jesus
começou a mostrar a seus discípulos que devia ir a Jerusalém e sofrer muito da
parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei, e que devia ser
morto e ressuscitar no terceiro dia.»
Sim, Pedro reconheceu Jesus como o Filho do Deus vivo — aquele que comunica a vida —, também como o Cristo e Jesus proíbe os seus discípulos de anunciar esta mensagem, a de “o Cristo”. Por quê? Esse “o Cristo” professado por Pedro correspondia ao messias da tradição, aquele que supostamente conquistaria o poder. Então na passagem de hoje — capítulo 16 de Mateus, versículos 21 a 27 — o evangelista escreve que “Jesus começou a mostrar a seus discípulos que devia ir a Jerusalém”. Isso já se sabia, mas ele tinha que ir à cidade santa e conquistar o poder. Em vez disso, eis a surpresa: “e sofrer muito”, isso também estava previsto porque teria que lutar, mas sofrer pelas mãos de quem? Precisamente pelos mais altos representantes da instituição religiosa, todo o Sinédrio. De fato, diz Jesus, “dos anciãos” — os senadores — “dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei” e até “ser morto”. E depois, acrescenta Jesus, “ressuscitar no terceiro dia”.
Mateus
16,22: «Então
Pedro tomou Jesus à parte e começou a repreendê-lo, dizendo: “Deus não permita
tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!”»
E aqui está o incidente: Pedro, que havia sido proclamado pedra sobre a qual edificar a comunidade sobre a rocha que é Jesus, num piscar de olhos de pedra dada para a construção transforma-se em pedra de escândalo, ou seja, tropeço. Com efeito, escreve o evangelista: “Pedro tomou Jesus à parte” – isto é, agarrou Jesus – “e começou a repreendê-lo”. Para a ação de Pedro, o evangelista usa o verbo que é usado para exorcismos, para possessos, pois para Pedro Jesus está dizendo algo contrário a Deus. E, ainda por cima, Pedro usa uma fórmula de execração, isto é, uma fórmula com a qual se exprime uma condenação severa, horror, repugnância pelo que Jesus disse; literalmente é: “Deus te livre” e foi usado para aqueles que abandonaram o Senhor. Complementa dizendo: “Que isso nunca te aconteça!”
Mateus 16,23: «Jesus, porém, voltou-se para Pedro, e disse: “Vai para longe,
satanás! Tu és para mim uma pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de
Deus, mas sim as coisas dos homens!”»
Então Jesus
vira-se para Pedro, e o evangelista faz uso da mesma recusa que fez no episódio
das tentações para Satanás: “Vai embora, Satanás” (Mt 4,10). Mas com
Pedro, Jesus não se limita a censurá-lo com estas terríveis palavras “vai
embora, Satanás”, mas convida-o “Vai, vai embora”, mas “para trás
de mim”, ou seja, renova o convite que tinha feito no capítulo 4 ao
versículo 19: “Venha após mim, seja meu discípulo”. Então Jesus não
o rejeita, a Satanás ele rejeitou, mas a este discípulo ele lhe oferece,
ainda, uma chance: “Vá embora, volte a ficar atrás de mim” e o chama
de “Satanás”, inimigo, rival de Deus.
Jesus acrescenta: “Tu és para mim uma pedra de tropeço”, eis que o termo grego “escândalo” indica uma pedra no campo que está meio imersa, não pode ser vista e faz tropeçar e por isso é a pedra do escândalo. Assim, aquele que era pedra de construção torna-se pedra de tropeço “porque não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens”, ou seja, através das categorias do sucesso.
Mateus
16,24: «Então
Jesus disse aos discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome
a sua cruz e me siga.»
Jesus,
vendo que Pedro nada mais é do que o porta-voz do pensamento dos outros, agora
se dirige a todos os seus discípulos e renova a condição que já colocou para
segui-lo: “Se alguém quer me seguir (vir após mim)” — Jesus disse a
Pedro: “Vai para trás de mim”, então agora ele deixa claro o que significa
ir atrás dele — “renuncie a si mesmo”. Renunciar a si mesmo
não significa renunciar à própria vida, às próprias aspirações, mas sim a
estes ideais de sucesso, de glória, de ambição “e tome a cruz”.
Aqui, Jesus não está falando do suplício final da morte na cruz. Ele se refere
ao momento preciso em que o acusado foi condenado a este suplício e tinha de
carregar o eixo horizontal da cruz sobre os ombros. Em seguida, o condenado era
levado ao local do martírio, do assassinato. Esse era o momento mais terrível
porque toda a multidão se sentia no direito de insultar, de ofender, de
espancar o condenado à crucifixão. Portanto, Jesus convida Pedro e os
discípulos que alimentam ideias de ambição, de sucesso, que pensam em ir a
Jerusalém para partilhar a glória do rei, a aceitarem ser rejeitados pela
sociedade, como o condenado que carrega a haste horizontal da cruz sobre os
ombros, a serem iguais a ele, estarem dispostos ao desprezo!
“E me siga”, completa Jesus. Portanto, a condição que Jesus coloca para segui-lo é a de — poderíamos traduzir em termos modernos e mais compreensíveis — perder a reputação, aceitar não ser considerado porque só assim se é totalmente livre e Jesus precisa de pessoas totalmente livres.
Mateus
16,25-27: «Pois,
quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa
de mim, vai encontrá-la. De fato, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas
perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida? Porque o Filho
do Homem virá na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a
cada um de acordo com a sua conduta”.»
Ao concluir, Jesus segue dizendo: “quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la”. O ser humano é valorizado pela vida que praticou, não pelas ideias religiosas que professou, e quem faz o dom da própria existência é quem a realiza plenamente.
* Traduzido e editado do italiano por Pe.
Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
«Mudar
de opinião e seguir quem te corrige é também o comportamento do homem livre.»
(Marco Aurélio: 121 a 181 — imperador romano e
filósofo)
São Paulo tem uma frase que me parece muito apropriada para o contexto do Evangelho deste domingo: “Portanto, quem julga estar de pé, tome cuidado para não cair” (1Cor 10,12). Esse é o caso de Pedro e dos demais discípulos que acompanhavam a Jesus em seu itinerário missionário, mas não o seguiam, de verdade! Seguir Jesus é:
* aprender com ele e
dele,
* ter coragem de ser
desprezado pela sociedade,
* ter a humildade de
ser tratado como ninguém pelo mundo,
* admitir erros e
repreensões para crescer e modificar-se!
Pedro, pensando em estar de pé, estar por cima com a resposta teoricamente correta que dera a Jesus: “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo” (Mt 16,16), diante da dura e crua realidade do messianismo de Jesus: “sofrer muito... e ser morto” (Mt 16,21), revela o que tem por dentro: pensamentos e desejos puramente sobre “as coisas dos homens”. De Jesus e do Reino por ele anunciado havia bem pouco ou quase nada no íntimo desse discípulo que deveria ser o líder dos seguidores de Cristo!
Eu teria a ousadia —
ou, quem sabe, o realismo e a sinceridade — de dizer que a reação de Jesus a
Pedro seria a mesma diante de nós e de nossa Igreja nos tempos atuais! Sim,
pois somos uma Igreja reduzida, muitas vezes, à insignificância, por mais que
isso seja dolorido admitir! Constatamos:
a) muitas comunidades voltadas,
somente, às ações internas, uma Igreja de sacristia!
b) Uma Igreja acanhada,
tímida, emparedada diante de uma sociedade muito polarizada, seja politicamente,
ideologicamente e economicamente falando, e dominada por diversos ídolos
modernos.
c) Uma Igreja incapaz,
até mesmo, de evangelizar e congregar crianças, jovens, profissionais liberais,
gente do mundo intelectual e artístico.
d) Enfim, uma Igreja
pouco proativa diante deste mundo tão caótico e sem sentido em que vivemos,
onde uma pessoa em cada três, acima dos 50 anos, tem sinais de depressão!
Estamos, por exemplo,
debatendo, refletindo, nos organizando a fim de termos
propostas, — como Igreja, como discípulos e discípulas de Cristo, — a este
mundo onde se vive desafios imensos? Tais como estes:
* emergência
climática, colocando em risco a vida sobre o planeta Terra!
* O incremento da fome
em quase todo o planeta, jogando milhões de vidas humanas no desespero e na miséria
absoluta.
* O maior fluxo
migratório da história humana, ou seja, jamais houve tanta gente fora de seu
país, fora de seu lar, distante de sua identidade!
* Os avanços perigosos
e arriscados da tecnologia, especialmente, da inteligência artificial, que um
dia poderá manipular e controlar totalmente a sociedade humana.
* O avanço incrível da
desigualdade econômica e social entre as pessoas, entre os países e as regiões
de nosso globo terrestre. Jamais, na história humana, houve tantos pobres
diante de pouquíssimos ricos!
* O aparecimento e disseminação de doenças sempre mais contagiosas, perigosas, capazes de dizimar milhões de pessoas, como foi o caso da COVID-19.
Mais do que nunca, é
preciso que a Igreja realize a sua importantíssima missão: anunciar e ser
sinal do Reino de Deus, tal como pregado e vivenciado pelo nosso único e
grande Mestre: Jesus de Nazaré. Ele nos ensinou, claramente, que há duas
maneiras, apenas, de orientar a nossa vida, as quais são bem diferentes:
* a primeira
maneira consiste em apegar-se à vida, vivendo exclusivamente para uma única
finalidade: fazer de mim mesmo (meu próprio “eu”) o objetivo supremo da
existência. Essa pessoa viverá buscando sempre a própria ganância e vantagem.
* A segunda maneira
consiste em saber perder vivendo como Jesus, ou seja, “abertos ao objetivo
último do projeto humanizador do Pai: saber renunciar à própria segurança ou
ganância, buscando não apenas o próprio bem, mas também o dos demais” (J. A.
Pagola).
O primeiro modo de viver conduzirá o ser humano e a humanidade à perdição, à destruição, como os fatos atuais têm demonstrado em abundância! O segundo modo, que é aquele generoso de viver conduz o ser humano à sua salvação! A escolha é de todos, mas o dever de anunciar é nosso, da Igreja!
«Ó Deus, teus caminhos não são os nossos
e teus pensamentos não são nossos pensamentos. No teu plano de salvação também
há lugar para a cruz. O teu Filho Jesus não recuou diante dela, mas «submeteu-se
à cruz, desprezando a desonra» (Hb 12,2). A hostilidade dos seus adversários
não conseguiu desviá-lo da sua firme decisão de fazer a tua vontade e proclamar
o teu Reino, custe o que custar. Fortalece-nos, ó Pai, com o dom do teu
Espírito. Ele nos permita seguir Jesus com determinação e fidelidade. Faça de
nós seus imitadores, fazendo de ti e do teu Reino o foco de nossas vidas.
Dá-nos a força para suportar as adversidades e as dificuldades, para que a
verdadeira vida possa florescer gradualmente em nós e em todos. Pedimos isso
através de Cristo nosso Senhor. Amém.»
(Fonte: VELLA, Alexander, O.Carm., 22ª Domenica
del Tempo Ordinario: orazione finale. In: CILIA, Anthony,
O.Carm. [a cura di]. Lectio divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico
A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 510.)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – 22ª Domenica del Tempo Ordinario – Anno A – 30 agosto 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 23/08/2023).
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