«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 31 de agosto de 2021

Quem é, mesmo, o bandido?

 Por que Bolsonaro quer se reeleger?

 Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV 

Não, ele não está preocupado com você, comigo, com o povo faminto, desempregado, sem saúde e segurança, com a Amazônia, com o Brasil, afinal!

Fotomontagem: BOLSONARO atrás das grades

Para não ser preso. Ele sabe que já ultrapassou as quatro linhas da Constituição, apenas não tinha deixado claro que está ciente das possíveis consequências, ainda que as negue. Num encontro com líderes evangélicos, no último sábado (28 de agosto), disse o seguinte:

“Eu tenho três alternativas para meu futuro: estar preso, estar morto ou a vitória. Pode ter certeza que a primeira não existe”.

Na atual conjuntura, não existe mesmo. Blindado pelas leis, pelo cargo, pela Procuradoria-Geral da República e por Arthur Lira, só resta a ele continuar escondido atrás da faixa presidencial para diminuir as chances de responder por seus crimes e de não poder mais usar a máquina do governo para proteger seus filhos, que talvez já estivessem em cana. 

Jair Bolsonaro não governa desde que assumiu a Presidência. No começo por pura incompetência, mas há meses desistiu de fazer de conta que tem algum compromisso com o país. O mais incrível é o CENTRÃO financiar um governo vergonhoso e usar o país inteiro como fiança, enquanto a agenda de Jair se resume a passeios de moto, inaugurações e encontros com governistas.
Os focos são a campanha para 2022 e a construção de sua imagem do mito perseguido.
Ao falar sobre as alternativas, Bolsonaro apenas manipula o inconsciente da militância. A tecla da “vitória” é o mantra golpista usado para que sua reeleição seja o único resultado de uma “eleição limpa”. Sempre que apela para a morte, ele ressuscita o fantasma de Adélio e alimenta a figura de herói, já venerada na Bolsolândia. 

A novidade é falar sobre ser “preso” e se antecipar perante seus seguidores a possíveis desdobramentos dos inquéritos nos quais é investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Há uma lista de crimes pelos quais Bolsonaro já poderia ter sido removido do cargo, mas naturalizou-se a presença de um criminoso na Presidência.
E ele fará tudo para ser reeleito se não der um golpe antes. 

Fonte:
Folha de S. Paulo – Colunas e blogs
– Terça-feira, 31 de agosto de 2021 – 18h14min (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui (Acesso em: 31/08/2021).

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Insanidade pura... E tem gente que acredita!

 Fuzil ou feijão?

 Eliane Cantanhêde

Jornalista, comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal (Pernambuco) e do telejornal Globonews em Pauta 

O grito de Bolsonaro é para jogar o País numa guerra inútil e insana

Bolsonaro ontem, hoje e sempre igual ! ! !

O presidente Jair Bolsonaro quer botar o povo na rua no Sete de Setembro com a fake news de que é “impedido de governar” pelo Supremo e o Congresso, materializando seu sonho infantil e doentio de estar em guerra: “Tenho três alternativas: estar preso, ser morto ou a vitória”.

Ninguém ameaça matar Bolsonaro, ele é que tem obsessão em fuzis e sua tropa é que ataca os outros. Logo, o presidente precisa, urgentemente, de um médico.

Bem, é verdade que ele não governa, mas o STF, a Câmara e o Senado não têm nada a ver com isso. O problema é dele, que não tem talento, vontade, experiência e o mínimo de bagagem e equilíbrio para administrar o País. Só sabe fazer campanha e enganar os bobos. 

Bolsonaro está sendo impedido de fazer o quê? Se o Congresso atrapalhou algo, foi a sua sanha por mais fuzil e menos feijão e ele teve de trocar projetos de lei armamentistas por decretos, que têm mais autonomia em relação ao Legislativo. E, se o Supremo impediu algo, foi quando Bolsonaro quis transformar igrejas, academias e cabeleireiros em “serviços essenciais”, com objetivo claro de matar o isolamento social – o que pode matar pessoas. 

Deve-se ao STF, aliás, a exigência de um Plano Nacional de Imunização contra a covid, quando o governo guerreava contra Coronavac, Pfizer e o consórcio da OMS, apostando que a vacina seria a imunidade de rebanho (Bolsonaro acha até hoje). 

Incompetências financeiras do governo Bolsonaro 

Assim, o presidente empurra as culpas do governo para o STF. Exemplo: os R$ 16 bilhões que a União tem de pagar em 2022 aos Estados pelo Fundef (o fundo do ensino fundamental e do magistério). A AGU levou três vezes ao ministro Paulo Guedes a sugestão de um acordo com deságio de 40%, mas não vingou. Favoreceria a Bahia, governada pelo PT... Um encontro de contas, descontando das dívidas dos Estados com a União, ou um embargo de declaração, empurrando o desembolso para 2023, nem ocorreram ao governo. 

Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, ele é obrigado a monitorar todos os riscos fiscais, como é o caso, mas não o fez. Com o leite derramado, Guedes ligou para ministros do STF dizendo-se perplexo. Perguntei sobre isso ao ministro Gilmar Mendes e ele: “O ministro ficou surpreso? Pois a minha surpresa está na surpresa do ministro”.

"Posto Ipiranga" fracassado!!!

Essas coisas acontecem porque o governo é disfuncional e os órgãos de informação não informam, fazem intriga, como dizer ao presidente que o STF mandaria prender o filho 02, vereador Carlos Bolsonaro. Querosene na fogueira contra o ministro Alexandre de Moraes. Quem ganha o quê com isso?

Em vez de informar sobre crise hídrica e de energia, fome, famílias na rua, ameaças ao Supremo, perspectivas da economia e da pandemia...,

... os órgãos de inteligência estão no mundo da lua, depois de o presidente jogar no lixo, por exemplo, os estudos da Abin e do Exército defendendo isolamento social. Ficou claro que prefere curandeiros, palpiteiros e fofocas. 

A estratégia do governo Bolsonaro 

O governo não tem presidente, estratégia, coordenação e preocupação com o País.

O foco é a reeleição e bajular Bolsonaro. Se algo funciona, é o marketing e o gabinete paralelo para vender as versões que interessam a ele, o negacionismo e as fake news. Milhões caem feito patinhos e viram feras contra os críticos e a realidade. 

O pretexto para falar de fuzis, prisão e morte é a guerra ao comunismo. Que comunismo? É só a mistificação contra quem defende Amazônia, educação pública, nossa música, nosso cinema, nosso teatro, os povos originários, a boa diplomacia, a saúde e a vida. Como o País é livre, cada um escolhe seu rumo: a favor da vida, da ciência, dos direitos, dos valores e das riquezas nacionais ou contra as instituições, as eleições, a democracia e a Amazônia. A maioria defende feijão. A minoria histérica, fuzil. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política / Colunista – Domingo, 29 de agosto de 2021 – Pág. A6 – Internet: clique aqui (Acesso em: 30/08/2021).

Para bolsonaristas (e não bolsonaristas) lerem

 Um general de bom senso alerta!

 Carlos Alberto dos Santos Cruz

General da reserva e ex-Ministro da Secretaria de Governo 

Extremos não podem impor sua agenda, aventureiros não podem ser tolerados

General Carlos Alberto dos Santos Cruz

O presidente da República, senadores, deputados, prefeitos e vereadores são eleitos para assumirem suas responsabilidades e fazer o que é possível dentro da lei. O governo é eleito para governar e reforçar o regime democrático por meio do aperfeiçoamento das instituições, promover a paz social e o respeito pessoal, funcional e institucional.

Nenhuma autoridade pode ser agente de desmoralização e de enfraquecimento das estruturas existentes, promover fanfarronices, factoides, passeios com dinheiro público e alegar que não o deixam trabalhar.

O populismo, a demagogia e a agitação social não podem ser praticados por autoridades. 

A população, pelo voto, elege a pessoa e legitima a autoridade. Na democracia, o equilíbrio existe por uma dinâmica de forças entre os Poderes e outros núcleos de influência. As disputas e os conflitos são resolvidos dentro da legislação vigente. Também podem ser propostas modificações nas leis, dentro das normas e dos procedimentos que devem ser respeitados. Quando o equilíbrio é instável ou rompido, ele tem de ser restabelecido também de acordo com a lei

Todas as manifestações públicas dentro da lei são válidas e importantes. Elas fazem parte do ambiente democrático, da liberdade de expressão e do jogo de pressões.

O estímulo a soluções de força, fora da lei, com risco de violência, é criminoso e covarde. Aqueles que se perdem em suas ações têm de arcar com as consequências legais.

Normalmente os extremistas, os incitadores da violência, desaparecem e ficam impunes, pois são covardes na sua essência. As pessoas, na sua luta por aquilo em que acreditam, seja qual for a linha, não devem cair na armadilha dos covardes, dos irresponsáveis e dos inconsequentes. 

A convocação de manifestações não pode ser para transferir responsabilidades para a população, para outros Poderes, instituições, e para as Forças Armadas. Isso é falta de coragem funcional. A responsabilidade é intransferível

É difícil definir democracia. É mais fácil observar algumas de suas características, como o respeito, a liberdade, as eleições periódicas, a igualdade, a dignidade, etc. Uma das expressões mais famosas é a de que a democracia é o “governo do povo, pelo povo, para o povo”. Isso é fundamento conceitual. Na prática, a responsabilidade governamental é transformar essa abstração em realidade com ações dentro da lei, que foi feita pelo povo, por intermédio de seus representantes, ao longo do tempo. As leis sempre podem ser melhoradas, aperfeiçoadas e ajustadas aos tempos atuais, dentro da ordem legal. Fora disso é fuga da responsabilidade, demagogia, populismo, assembleísmo. 

Uma manifestação, mesmo que numerosa, com toda a sua validade, não representa a vontade de um povo inteiro.

O que representa a vontade de um povo, na democracia, é o VOTO, que pressupõe, de antemão, o respeito à decisão da maioria. 

É desrespeito às instituições militares inventar falsas justificativas e interpretações de conveniência para empurrar seguidores a pedirem intervenção de Forças Armadas (FAs), usar o prestígio e o poder militar como instrumento de intimidação e pressão política, para atingir objetivos de poder pessoal e de grupos.

As Forças Armadas não podem ser exploradas e desgastadas por interesse político. 

Para general Cruz, manifestações como esta, acima, desrespeitam as Forças Armadas! São delírios antidemocráticos, pois buscam burlar as leis e a Constituição do país!

Deturpar o artigo 142 da Constituição federal é artimanha e demagogia.

Não é verdade que as Forças Armadas sejam garantidoras da independência e da harmonia entre os Poderes. Não é isso o que diz a Carta Magna.

Não existe nenhuma pista no artigo 142 que ampare essa interpretação. Também não existe nenhuma legitimidade em considerar as Forças Armadas “poder moderador” por conta de qualquer narrativa de conveniência. As Forças Armadas existem para a defesa da Pátria, para a garantia dos Poderes constitucionais, da lei e da ordem. Não cabe no Brasil atual a ideia de interferência de Forças Armadas no funcionamento e exercício dos Poderes da República. 

Não estamos na guerra fria, no pós-2.ª Guerra Mundial. Estamos em 2021.

O Brasil não vive uma opção única entre a ameaça de caos e um “salvador da pátria”, uma disputa entre amigos e inimigos, direita x esquerda.

Isso é manipulação da opinião pública e a redução do nosso país à mediocridade da divisão social binária. Os problemas reais de nosso povo são:

* a corrupção persistente,

* a fome,

* o desemprego,

* a falta de saúde pública,

* de educação,

* de segurança pública,

* de aplicação da lei,

* a desigualdade social e

* os privilégios imorais. 

Extremos de qualquer matiz não podem impor suas agendas. Aventureiros não podem ser tolerados

A Constituição e a legislação têm todos os recursos para encaminhar soluções legais. A manutenção ininterrupta de campanha política, de conflito permanente, causa prejuízo à paz social e insegurança, com consequências negativas principalmente para as atividades econômicas e para a vida dos mais necessitados.

O governo precisa é transmitir equilíbrio, paz social, cumprir as leis, dar atenção aos principais problemas e exercitar a habilidade política nas disputas.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto / Opinião – Domingo, 29 de agosto de 2021 – Pág. A2 – Internet: clique aqui (Acesso em: 30/08/2021).

sábado, 28 de agosto de 2021

22º Domingo do Tempo Comum – Ano B – HOMILIA

 Evangelho: Marcos 7,1-8.14-15.21-23 

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos. Naquele tempo: 1 Os fariseus e alguns mestres da Lei vieram de Jerusalém e se reuniram em torno de Jesus. 2 Eles viam que alguns dos seus discípulos comiam o pão com as mãos impuras, isto é, sem as terem lavado. 3 Com efeito, os fariseus e todos os judeus só comem depois de lavar bem as mãos, seguindo a tradição recebida dos antigos. 4 Ao voltar da praça, eles não comem sem tomar banho. E seguem muitos outros costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar copos, jarras e vasilhas de cobre. 5 Os fariseus e os mestres da Lei perguntaram então a Jesus: «Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?» 6 Jesus respondeu: «Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. 7 De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos”. 8 Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens». 14 Em seguida, Jesus chamou a multidão para perto de si e disse: «Escutai todos e compreendei: 15 o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. 21 Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, 22 adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. 23 Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem».

Palavra da Salvação. 

Alberto Maggi*

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

A origem daquilo que impede a nossa comunhão com Deus 

Toda vez que Jesus comunica a vida, aparecem sempre os inimigos da vida que, no Evangelho, são as autoridades religiosas. É isso que o evangelista Marcos nos escreve no capítulo 7 de seu evangelho. Ele diz: «Os fariseus e alguns mestres da Lei vieram de Jerusalém e se reuniram em torno de Jesus»; para o verbo «reunir» o evangelista utilizou o verbo grego “synago”, do qual vem o termo «sinagoga», para deixar claro que o que se segue é o fruto do ensino feito na sinagoga. «Os fariseus» se reúnem em torno dele, o artigo definido parece indicar a todos, «fariseus» significa «separados». São leigos que observavam todos os 613 preceitos extrapolados da lei de Moisés e por isso se separaram do resto do povo, e alguns dos escribas, ou seja, os teólogos oficiais, vindos, nada menos, do que de Jerusalém, a importante cidade. 

E qual será a gravidade do fato? «Eles viam que alguns dos seus discípulos comiam o pão com as mãos impuras, isto é, sem as terem lavadoNão é uma questão higiênica, mas ritual, religiosa. Todo um tratado do Talmud prevê como lavar essas mãos, a quantidade de água, o método etc. A acusação que eles fazem contra Jesus é porque seus discípulos não se comportam de acordo com a tradição dos antigos. Para os judeus, Moisés no Sinai havia recebido a lei na forma escrita, os cinco primeiros livros da Bíblia, e, também, na forma oral, comentada, que mais tarde acabou no Talmud, ou seja, no ensino, esta é a tradição dos antigos [a Torá Escrita = Pentateuco; mais a Torá Oral = Talmud – uma ampla coletânea de comentários feitos pelos mestres judaicos, os rabinos]. 

«Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?» A resposta de Jesus inicialmente parece um elogio, Jesus responde: «Bem profetizou Isaías a vosso respeito»; depois vem a ducha fria: «Hipócritas». Naquela época, o termo «hipócrita» não tinha a conotação moral que mais tarde adquiriu, mas indicava o ator de teatro, a máscara do ator de teatro.

Por isso seria necessário traduzir «teatrais», «vocês são comediantes, toda a sua ficção de religião é só um teatro».

E a acusação, que é extraída do profeta Isaías, é que: «Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim». O coração na cultura judaica é a mente. 

«De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos.» Portanto, não vem de Deus: eles fizeram passar por autoridade divina o que é humano, e enquanto a acusação que fizeram é de não observarem a tradição dos antigos, para Jesus são apenas preceitos dos homens. E Jesus continua dizendo: «Vós abandonais o mandamento de Deus»; o mandamento de Deus é o do amor, a ele e ao próximo, prossegue afirmando: «... para seguir a tradição dos homens».

Eles pretendiam que as tradições humanas procedessem de Deus para terem poder, para dominar, para estabelecer sua religiosidade sobre os homens.

Em seguida, há uma passagem que, infelizmente, a versão litúrgica cortou, não se compreende o motivo. É a passagem da oferta a Deus que, naquele caso, os impedia ou não os permitia de ajudar seus familiares, ou seja, honravam a Deus desonrando os seres humanos e isso era intolerável para Jesus [Marcos 7,9-12]:

«E dizia-lhe: “Sabeis muito bem como invalidar o mandamento de Deus para firmar a vossa tradição. De fato, Moisés disse: ‘Honra teu pai e tua mãe’, e: ‘Quem amaldiçoa pai ou mãe deve morrer’. Segundo vós, porém, se alguém disser a seu pai ou sua mãe: ‘O sustento que eu poderia vos dar é corbã, isto é, é oferta’, não o deixais fazer nada para seu pai ou sua mãe.»

E Jesus acrescenta: «Assim anulais a palavra de Deus por causa de vossa tradição, que transmitistes» [Mc 7,13a]. O desejo de poder deles vem antes dos interesses de Deus e dos homens. Então, Jesus continua: «chamou a multidão para perto de si e disse»; seguem dois verbos imperativos: «Escutai todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior». O que Jesus diz é muito sério, por quê? Existe o livro de Levítico que tem um capítulo, o décimo primeiro capítulo, inteiramente dedicado àqueles alimentos, àqueles animais que não podem ser comidos porque são impuros e tornam o homem impuro. 

Jesus, portanto, está levantando a barra, da lei oral ele está passando para a lei escrita. Tanto que, aqui também, existe uma outra passagem que infelizmente a versão litúrgica omitiu inexplicavelmente, incompreensivelmente [cf. Mc 7,17-20]. Os discípulos interrogaram-no então sobre a parábola. Eles aceitaram o ensino para romper com a lei oral, mas aquela lei escrita é a palavra de Deus, aquela não se toca, por isso pensam que Jesus falou com uma parábola, mas Jesus não disse uma parábola. E aqui há o comentário que só o evangelista Marcos fez para a sentença de Jesus: «Assim, ele declarava puro todo alimento» [Mc 7,19b]. Se Jesus purifica todos os alimentos, significa que o que está escrito no livro do Levítico, pelo menos no capítulo 11, está errado, ou melhor, não reflete a vontade divina, e isso é muito grave porque quando se começa a distinguir, não se sabe mais aonde vai terminar. 

Seguindo, aqui, Jesus dá o ensinamento: o que torna o homem impuro ou não. Jesus havia dito: «Também vós não entendeis? Não compreendeis que nada que de fora entra em alguém o pode tornar impuro, pois não vai para o coração, mas para o ventre e daí para a fossa?» [Mc 7,18-19a]. O que torna o homem impuro não é uma comida, um alimento, mas o que sai do homem. E aqui Jesus lista doze atitudes, nenhuma das quais diz respeito ao culto, religião, doze atitudes que tornam o homem impuro, ou seja, impedem, dificultam a comunhão com Deus, e são elas: «prostituição, roubo, assassinato, adultério, ganância, perversidades, fraude, arrogância, inveja, calúnia, orgulho» e o último é «insensatez». A insensatez é acumular para si mesmo em vez de compartilhar com os outros. E, então, há a afirmação conclusiva de Jesus: «Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem». Portanto, para Jesus, a distinção entre puro e impuro não procede de Deus: a impureza surge de relacionamentos ruins com outros seres humanos. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

O Evangelho deste domingo expõe, de modo cristalino, qual é o maior risco, qual é o maior pecado, qual é a maior tentação que toda e qualquer RELIGIÃO enfrenta: deixar, permitir e, até mesmo, incentivar que os RITOS se tornam um fim em si mesmos! Concretamente, isso significa, no caso da Igreja Católica, deixar, permitir e/ou incentivar que: missas, celebrações penitenciais, adorações eucarísticas, rezas do Terço, novenas, procissões, romarias, observâncias quaresmais etc., se separem da CONDUTA que os observantes desses ritos possuem! 

O engano reside, observa bem José María Castillo, em antepor o que é RITUAL ao que é ÉTICO. A ética, a prática, o testemunho, a vivência são mais importantes que qualquer tipo de rito! Porém, quantos católicos passam anos observando, escrupulosamente, rituais, sacramentos e observâncias, porém, após tantos anos de fidelidade religiosa, o fiel segue tendo os mesmos defeitos e as mesmas misérias humanas que tinha há anos, talvez, há muitíssimos anos! Não se constata CONVERSÃO, não se observa a MUDANÇA DE VIDA, não se vê ALTERAÇÃO DE MENTALIDADE! 

Por isso, Jesus insiste no antídoto, na “vacina” contra esse tipo de tentação no interior da Igreja, no interior das religiões:

«O importante não são os “ritos”, mas os “símbolos”, que são a expressão de nossas experiências mais profundas e mais autênticas: um olhar, um beijo, um abraço, a expressividade de nosso rosto. Estes gestos simbólicos são os que dizem aquilo que somos de verdade.» (José María Castillo)

Resumindo, é aquilo que sai do “coração” humano que faz toda a diferença! Podendo tornar o ser humano: um santo, um testemunho vivo, um mártir, um profeta ou... Um hipócrita, um ator, um fingido, como denuncia Jesus no Evangelho deste domingo. 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Bate mais forte com a tua doce Palavra, Senhor Jesus, à porta do meu coração: desperta-o do sono da frieza e da indiferença. Há quanto tempo tu estás batendo, Senhor, há quanto tempo tu generosamente ofereceste, na Palavra, o teu mandamento a este coração sonolento! Bate ainda mais alto, para que finalmente meu coração se abra para ouvir tua Palavra. Dá-me o grande presente de que cada Palavra que vem a mim seja um verdadeiro encontro contigo. Bate com força no meu coração: vê como é pobre de amor por ti. Eu constantemente digo que quero amar-te e ouvir-te. Mas quão longe da verdade estão minhas palavras e quão fraca minha vontade de seguir teus ensinamentos! Jesus, não quero mais ser mentiroso. Bate com mais força, Senhor, e faz com que meu coração esteja sempre aberto à tua passagem. Amém.» 

(Fonte: Carlos Mesters. 22ª Domenica del Tempo Ordinario. In: Anthony Cilia, O.Carm. [Org.] Lectio Divina sui vangeli festivi per l’anno litúrgico B. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 506.)

Fonte: Commento al Vangelo di P. Alberto Maggi – XXII Domenica del Tempo Ordinario – 2 settembre 2018 – Internet: clique aqui (acesso em: 25/08/2021).

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Papa Francisco apoia a luta dos indígenas brasileiros

 Papa é a favor da proteção de suas terras e contra o Marco Temporal

 Gabriel López Santamaría

Religión Digital – 27-08-2021 

“Para nós, é um momento de luta, um momento de grande determinação, e de pedir o apoio do Papa Francisco... o Papa Francisco assegurou que estará nos dando todo o apoio, e será possível que mudemos esta visão capitalista da sociedade”, afirmou o cacique Dadá

PAPA FRANCISCO e o CACIQUE DADÁ BORARI

Na manhã de ontem, uma delegação do Movimento Laudato Si’, encabeçada por Lorna Gold e Tomás Insua, respectivamente, presidente e diretor-executivo do Movimento, se reuniu com o Papa Francisco. Os membros da delegação estavam acompanhados pelo padre Joshtrom Kureethadam, do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral. 

No encontro, de 75 minutos, também participaram lideranças indígenas, como o cacique Dadá Borari, da Amazônia, o prestigiado cientista ecologista, Greg Asner, que foi o primeiro a mapear o desmatamento ilegal da Amazônia brasileira, e outros líderes de distintas regiões. 

Depois da reunião de 75 minutos, Cacique Dadá compartilhou o que representa este momento para os povos indígenas de todo o Brasil:

“Para nós, é um momento de luta, um momento de grande determinação, e de pedir o apoio do Papa Francisco... o Papa Francisco assegurou que estará nos dando todo o apoio, e será possível que mudemos esta visão capitalista da sociedade que hoje quer criminalizar o movimento social. Assim, ele está disponível, pronto para ajudar a população indígena de todas as regiões, especialmente na Amazônia”.

O encontro com o Santo Padre, o primeiro desde a mudança de nome do Movimento no mês passado, teve como eixo principal o diálogo e colaboração entre a Igreja e outros setores da sociedade, particularmente aqueles das periferias, para responder com urgência à crise ecológica. Ele deu apoio à campanha “Planeta saudável, gente saudável” e outros projetos em colaboração com o Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, como a Plataforma de Ação Laudato Si’. 

A Dra. Lorna Gold, se mostrou emocionada pelo encontro no qual o Papa “pediu-nos que entremos em diálogo profundo com as periferias” e “nos fez compreender o que realmente significa ter passado de Movimento Católico Mundial pelo Clima para Movimento Laudato Si'”. A proximidade do Papa foi um gesto muito alentador para o movimento, para encarar esta próxima etapa do novo nome. 

Francisco mostrou-se, como é habitual, próximo e preocupado pela situação atual e com os cenários constatados nos últimos relatórios científicos, que alertam para o agravamento da situação global. 

A luta dos povos indígenas, presente no encontro 

Providencialmente o encontro ocorreu apenas 24 horas antes de milhares de indígenas marcharem pelas ruas de Brasília, reivindicando seus direitos sobre as terras ao Supremo Tribunal Federal – e contra a tese do Marco Temporal que teve seu julgamento adiado para a semana que vem. 

Para entender melhor o que é a tese do “Marco Temporal Indígena”, clique aqui

Depois do encontro, o cacique Dadá Borari, indicou que o Papa Francisco manifestou todo seu apoio na luta dos povos originários da Amazônia brasileira e se mostrou disponível para ajudar no que fosse necessário. 

Assista ao vídeo com o depoimento do Cacique Dadá, após encontrar-se com Papa Francisco, em audiência no Vaticano, clicando sobre a imagem abaixo: 

Traduzido do espanhol por Wagner Fernandes de Azevedo. 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 27 de agosto de 2021 – Internet: clique aqui (Acesso em: 27/08/2021).

É mais grave do que se pensa

 Na Amazônia já existem áreas que produzem mais carbono do que o absorvem

 Emílio Sant’Anna 

Entrevista com Luciana Gatti

Pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) 

“Na Amazônia, a realidade é pior do que disse o IPCC”, conta cientista do INPE responsável pelo estudo de nove anos sobre a Floresta Amazônica

LUCIANA GATTI

As últimas semanas trouxeram notícias nada animadoras sobre as mudanças climáticas. No início deste mês, o relatório do IPCC, o painel climático da Organização das Nações Unidas, apontou que o planeta ficará 1,5ºC mais quente até 2040 – uma década antes do previsto. Menos de um mês antes, um estudo publicado na revista Nature mostrou que algumas áreas da Floresta Amazônica já emitem mais dióxido de carbono do que absorvem. A pesquisa foi liderada por Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, e não foi parte das análises do relatório do IPCC por ter ficado pronta pouco tempo antes. 

Foram nove anos dedicados a esse estudo – com uma depressão, como consequência, para sua autora. “A Amazônia é como um ser gigantesco, de uma divindade enorme. Imaginava que aquela grandeza toda fosse capaz de achar uma saída para o dano que estamos fazendo nela. Quando eu vi que não, isso me baqueou”, diz Luciana nesta entrevista ao Estadão. 

Como você avalia os resultados do IPCC em relação a seu trabalho? Ele não fez parte do relatório?

Luciana Gatti: O início do trabalho está lá. É uma série de nove anos, e a primeira parte, 2010 e 2011, está lá. Naquele momento, não dava para concluir nada porque um ano foi completamente diferente do outro. Em 2010, foi um ano de El Niño, muito quente, muito seco, com muita queimada e a emissão de carbono foi enorme. A gente esperava, como todo mundo, que a Amazônia fosse um sumidouro de carbono. Naquela época, achamos que 2011 não foi porque estava se curando do 2010 dramático. Aí veio o resultado de 2012, 2013 também. E 2014, mais ainda. Em 2017, eu apresentei pela primeira vez esse trabalho. Na época, eu estava deprimida por ver que a Amazônia é realmente uma fonte de carbono e isso foi muito pesado para mim, passei um tempo deprimida. 

Deprimida clinicamente?

Luciana Gatti: Sim. Ver que a Amazônia está emitindo mais do que absorvendo é notícia terrível. Ela está em mudança e uma mudança séria. Isso foi em 2016

Como isso a surpreendeu?

Luciana Gatti: Em 2014, meu primeiro movimento foi questionar o nosso método. Comecei a pensar que havia algo errado. Investi anos em melhorar isso. Desenvolvi sete métodos diferentes. O que usamos, o sétimo, é super sofisticado, validado. Foram dois anos de trabalho até publicarmos esse método. É muita responsabilidade você dizer ao mundo que a Amazônia está emitindo mais carbono do que absorvendo. Eu não me sentiria confortável em dizer se não tivesse 100% de certeza

A que você atribui essa reação tão forte?

Luciana Gatti: Tenho uma relação muito forte com a natureza. A Amazônia é como um ser gigantesco, uma divindade enorme. Imaginava que aquela grandeza toda fosse capaz de achar uma saída para o dano que lhe estamos fazendo. Quando vi que não, isso me baqueou. Do ponto de vista científico, a Amazônia, hoje se acredita, está compensando uma quantidade muito grande do quanto a humanidade está emitindo de CO² na atmosfera. Então, não só não tê-la ajudando como vê-la contribuindo (para emitir mais CO²)... significa que a realidade é pior do que o que o IPCC disse. Cerca de 86% das emissões mundiais vêm da queima de combustível fóssil e 14% das mudanças do uso da terra e floresta. Se imagina que a Amazônia está contribuindo com 20% de toda a remoção que é feita na parte continental. Só que não...

Quando digo que a Amazônia está emitindo mais do que absorvendo, não falo só da floresta, mas de tudo o que está acontecendo lá.

Quem está emitindo são DESMATAMENTO e QUEIMADAS. As emissões dessas duas são três vezes maiores que a absorção que a floresta está fazendo.

A Amazônia ainda remove carbono da atmosfera, mas muito menos do que se acreditava. 

O que isso significa?

Luciana Gatti: A média, em nove anos, foi de 130 milhões de toneladas de carbono. Mas desmatamento e queimadas emitem cerca de três vezes esse valor, 410 toneladas. A Amazônia está jogando na atmosfera 290 milhões de toneladas de carbono por ano. Quando eu falo carbono é só carbono, não CO². No balanço (entre emissões e absorção de CO²), o total é de 1,06 bilhão de toneladas de dióxido de carbono lançados por ano. Das emissões (totais), 1,51 bilhão vem de queimadas. A floresta consegue remover 30% desse valor. Essa é a Amazônia total. A parte brasileira, sozinha, é bem pior. 

Estiagem e incêndios florestais associados ao El Niño de 2015-2016 causaram, até três anos após o evento climático, a perda de 3 bilhões de plantas e a emissão de 495 milhões de toneladas do gás de efeito estufa – quantidade superior à perdida anualmente com o desmatamento em toda a Amazônia brasileira. Foto: Erika Berenguer

Quais são as regiões mais afetadas por esse problema?

Luciana Gatti: Uma coisa que nos intrigava é: por que temos áreas com resultados tão diferentes? Nesses nove anos calculamos mês a mês e as correlações só eram fortes para emissões de queimadas. Queríamos entender por que certas regiões funcionavam de forma tão diferente das outras. Aí resolvemos estudar 40 anos de temperatura e precipitações por mês. E também estudei as áreas desmatadas. Aí consegui ver que na média anual as coisas não estão mudando tanto, mas quando você vê determinadas épocas do ano... o impacto é gigante

Pode dar exemplos?

Luciana Gatti: Descobri que as áreas mais desmatadas haviam sofrido maior mudança na precipitação e na temperatura, principalmente a estação seca (agosto, setembro e outubro). Aí você pega Santarém com 37% de desmatamento, até na média anual essa região perdeu 9% de chuva. Só que em agosto, setembro e outubro perdeu 34% de chuva. Um terço de chuva a menos ao longo de 40 anos. E aumentou 1,9ºC a temperatura. Isso é a região nordeste da Amazônia. Quando vai para a região sudeste da floresta, com 28% de desmatamento, perdeu 24% de chuva nesses meses de agosto, setembro e outubro. Só que o aumento de temperatura foi maior ainda: 2,5º C. E se olhar só agosto e setembro: 3,1º C de aumento em 40 anos.

Agora imagina uma árvore típica de uma floresta tropical úmida, uma árvore com abundância de água e temperaturas amenas. 

Que providência poderia ser tomada nessa situação?

Luciana Gatti: Se a gente conseguir proibir queimada e desmatamento no ano que vem, a Amazônia vai remover mais carbono do que emitir. Então, já vai conseguir se recuperar um pouco. Se ainda fizer projetos de reflorestamento ainda mais. Veja que esse processo está acontecendo na parte leste da Amazônia que tem área, em média, 30% desmatada. O que nosso estudo está mostrando? Que com 30% desmatado a Amazônia é mais fonte do que sumidouro

Fonte: O Estado de S. Paulo – Sustentabilidade – Domingo, 22 de agosto de 2021 – Pág. A18 – Internet: clique aqui (Acesso em: 27/08/2021).

Um país onde poucos ganham!

 A agenda em discussão hoje é do Brasil velho

 Adriana Fernandes

 Entrevista com Marcos Lisboa

Economista e presidente do Insper 

Para economista, há uma frustração com o País que pode favorecer um debate mais sério nas eleições de 2022

MARCOS LISBOA

O economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, não esconde a frustração com o momento atual da economia brasileira. Apesar da recuperação global mais rápida que a esperada após a pandemia da covid-19, a pauta do Congresso está carregada de medidas preocupantes que agravam os problemas estruturais da economia brasileira, ampliam as incertezas e trazem volatilidade ao mercado, diz.

Para ele, podemos até ter um momento melhor no curto prazo, um ano um pouco melhor, mas a perspectiva é de um País medíocre.

A agenda legislativa hoje é o Brasil velho. A promessa pode ser de uma agenda modernizadora, mas sempre carregada de jabutis e mais distorções na economia, que prejudicam o crescimento do País”, diz ele, depois de uma semana em que os indicadores tiveram piora significativa como resposta aos movimentos do governo e do Congresso que aumentaram as incertezas para 2022.

Eis a entrevista. 

O Brasil vive um momento de inflação e dólar altos e juros em processo de elevação. O que está acontecendo com a economia?

Marcos Lisboa: Tem duas coisas acontecendo. Por um lado, o impacto da pandemia foi muito menor nos principais países do que o esperado no começo. Foi impressionante, sobretudo, como o setor formal se ajustou ao trabalho remoto com rapidez, e a recuperação veio muito bem. Essa é uma boa notícia para o País e para as contas públicas. Além disso, resultou também nessa alta dos preços das commodities (produtos básicos, como minério de ferro, petróleo e alimentos), que é mais uma boa notícia para o Brasil. Tem uma segunda notícia que não é boa, que é a INFLAÇÃO. O Brasil tem um problema de inflação mais sério e isso ajudou as contas públicas. Não é uma maneira saudável, mas ajudou. O que está acontecendo é que, apesar disso, estamos com uma pauta carregada de medidas preocupantes a para frente e que repete os tradicionais problemas brasileiros de muito tempo, mas que estão se agravando. 

De que forma?

Marcos Lisboa: O Brasil tem o Estado capturado por grupos de interesse e o que preocupa é uma série de medidas que vão na direção de agravar essas distorções, podendo prejudicar, em particular, as contas públicas para os próximos anos. A incerteza sobre a trajetória fiscal para os anos à frente vira essa volatilidade dos preços. Essa é a primeira parte da história. A segunda é que, quando a gente vê a agenda legislativa em discussão hoje, é do Brasil velho. A promessa pode ser de uma agenda modernizadora, mas sempre carregada de jabutis e mais distorções na economia, que prejudicam o crescimento.

É um País que cresce pouco há 40 anos e, em vez de ter uma agenda para ajustar essas distorções, estamos tendo uma agenda que preocupa e vem agravando os problemas estruturais do País.

O que é mais preocupante entre essas medidas?

Marcos Lisboa: O problema é o conjunto da obra. Algumas propostas podem ser sedutoras pelo que prometem, mas os problemas estão nos detalhes, que é onde ocorre a captura do Estado por parte dos grupos de interesse. Vou dar um exemplo: a questão do Imposto de Renda. Uma série de grupos simplesmente fala “olha, eu não quero pagar imposto de renda como pagam os trabalhadores no Brasil”. Esse é o caso de muitos profissionais liberais com empresas no lucro presumido (um regime simplificado muito usado por médicos, advogados, economistas e contadores, por exemplo).

Têm renda de alguns milhões por ano e pagam uma alíquota de imposto muito menor do que quem tem carteira assinada.

O Congresso não está preocupado com a opinião da sociedade?

Marcos Lisboa: É o contrário. Acho que está bem preocupado com os grupos de interesse que se mobilizam. E muitos deputados repercutiram e apoiaram as demandas de profissionais liberais para preservar seus privilégios tributários no lucro presumido. Vale lembrar que muitos desses grupos estão no 0,1% mais rico do País, mas pagando bem menos IR que os demais. 

Além do Imposto de Renda, qual outro exemplo?

Marcos Lisboa: O caso da Eletrobras (estatal focada na geração e distribuição de energia). Capitalizar a empresa era uma boa iniciativa. Mas durante o processo de aprovação apareceram bilhões de reais de pedidos de favorecimento que foram atendidos. E um desenho em que o gás vai ter de viajar até o interior para depois viajar de novo para as regiões que mais consomem energia. Claro que quem faz gasoduto deve estar bem feliz. Mas isso também significa que nossa conta de energia vai ficar mais cara do que seria necessário

Essa espiral negativa que o mercado está vivendo nas últimas semanas tende a continuar?

Marcos Lisboa: Essa combinação de retrocessos institucionais e a ameaça de aprovação de medidas que fragilizam as contas públicas para os próximos anos têm colaborado para essa piora dos preços dos ativos (como o dólar e o índice da Bolsa). Com o ciclo de commodities que o Brasil teve era para o câmbio estar muito mais valorizado. Um exemplo de retrocesso: começamos com as emendas individuais, de bancadas, orçamento impositivo e mais recentemente emenda do relator.

Boa parte dos recursos livres do governo é capturada por interesses paroquiais descoordenados, ineficientes e sem considerar o bem comum.

Como avalia a ação do governo na condução dessas propostas?

Marcos Lisboa: Muito distante. Esse é o ponto. O governo faz grandes anúncios e, quando se vai ler os projetos de lei, eles decepcionam e, em muitos casos, assustam. A impressão que fica é que o governo abandona os projetos depois de encaminhados ao Congresso, onde ocorre uma disputa miúda para atender a grupos de interesse. E, a maior parte do governo, não todos obviamente, parece descuidar da gestão pública. Veja o caso da energia.

Temos problemas antigos, bem conhecidos e com propostas de reformas. O que avançou nesses dois anos? Fortalecemos as agências reguladoras?

A seca pode ter surpreendido, mas isso ocorre eventualmente. A regulação deficiente não permite corrigir os riscos da hidrologia (escassez de chuvas). O resultado é o preço da energia bastante alto e o risco de falhas no sistema, se continuar assim. 

A quem interessa a aprovação dessas propostas?

Marcos Lisboa: Eles estão ouvindo os grupos de interesse. Essa é uma agenda do Brasil antiga:

* as distorções tributárias,

* de comércio exterior e

* distribuição para setor primário e

* para corporações de servidores vêm de muito tempo.

Isso gera baixo crescimento. Essas distorções induzem a escolher tecnologias ineficientes por razões tributárias ou porque importar é difícil ou mesmo impossível. Os setores protegidos se unem com a burocracia e seus representantes no Congresso para preservar seus privilégios. E a conta é paga pelo restante da sociedade. 

Com esse cenário, como acha que será 2022, ano de eleições?

Marcos Lisboa: Eu vejo com preocupação, e também para os próximos anos. Não conseguimos entrar nessa agenda de reduzir as distorções. Pega o exemplo dos PRECATÓRIOS (dívidas da União com pessoas físicas, jurídicas, Estados e municípios reconhecidas em decisões judiciais definitivas). Eles vêm crescendo significativamente há anos, mais de 110% acima da inflação entre 2013 e 2021. Além disso, tem uma ação que a União perdeu já algum tempo, que é do Fundef (fundo para o desenvolvimento do ensino fundamental e valorização do magistério, que vigorou até 2006). Houve problema de gestão para tomar as medidas para lidar com um problema há muito conhecido

A eleição vai piorar esse ambiente?

Marcos Lisboa: A impressão é que em muitos casos o governo se envolve pouco nos detalhes das medidas, como se não fossem relevantes. São muitos os exemplos, alguns inacreditáveis como isenção de pedágio para motos ou toda a tentativa de conceder benefícios para caminhoneiros. Nada mais Brasil velho. Enquanto isso, descuida da política nacional, do bem comum.  E os recursos para política pública em geral?  Perde-se a capacidade de fazer uma política de interesse nacional, do bem maior

De que forma o debate eleitoral antecipado piora esse ambiente?

Marcos Lisboa: Tem uma decepção de quem achava que uma agenda (de reformas) iria andar. Tem o lado que a perspectiva de longo prazo do País, de crescimento, é muito frágil. Podemos ver algo melhor no curto prazo, um ano um pouco melhor, mas a perspectiva é de um País medíocre. Se o governo conseguir botar ordem na agenda de medidas paroquiais em discussão no Congresso, podemos ter uma recuperação, reduzir o risco que aparece nos preços. As commodities estão favorecendo, a reação à pandemia no mundo foi muito melhor do que o esperado. Mas a perspectiva de longo prazo não é de crescimento sustentável elevado

O crescimento deve ficar menor que 2% em 2022? 

Marcos Lisboa: Estamos patinando há muito tempo. Nos melhores momentos, que foi ali nos governos Fernando Henrique e Lula, andamos na média do mundo. O Brasil tem dificuldade de crescer. E quando o Estado distribui recursos, com uma frequência muito grande, os recursos são capturados por empresas ineficientes ou por atividades pouco produtivas. O que eu espero é que na eleição a gente possa discutir um caminho diferente de País, criar uma direção diferente, com uma agenda para levar o Estado chegar ao cidadão e avaliar a política pública de quanto ela impactou a vida das pessoas. Para o Brasil voltar a crescer. 

O empresariado que apostou nas reformas e na modernização da economia no governo Bolsonaro, como está?

Marcos Lisboa: Sempre achei que havia certa inconsistência entre as promessas e as medidas, as propostas. Quem sabe dessa vez se consiga, de fato, conhecer mais os detalhes e que a sociedade possa fazer uma aposta mais consistente para tirar o Brasil dessa longa estagnação e baixo crescimento. Agora, de novo, se cairmos na polarização “contra Estado e a favor do Estado”, “mercado versus Estado”, “teto de gastos e não teto”, continuaremos nesse debate superficial. Não cuidamos dos detalhes das medidas, das sutilezas da implementação, e depois nos surpreendemos com os fracassos. E isso vale para governos de ambos os polos que mobilizam o debate atual. 

Mas e a resposta sobre os empresários? Foram enganados?

Marcos Lisboa: Acho que muitos foram incrivelmente superficiais

O que vai fazer isso mudar na eleição de 2022?

Marcos Lisboa: Tem frustração com o País. Vemos como está o câmbio, isso reflete a frustração que tem com o Brasil, um País que não consegue encontrar o caminho do desenvolvimento. Quem sabe isso leve um caminho diferente do que temos visto até agora. 

O que será fundamental nesse debate?

Marcos Lisboa: Temos de discutir com muito cuidado o papel do Estado brasileiro. Por que ele é tão capturado por projetos ineficientes? Por que sai tão caro? Porque colocamos o dinheiro público em projetos que fracassam numa escala tão grande, programas que prometem muito e não entregam. Avalia-se muito a política no Brasil, quanto o Estado gasta. Tem de ser como ela afeta a vida das pessoas. Se ele gasta muito e as crianças estão com aprendizado atrasado, tem alguma coisa de errado.

Temos de fazer gestão da política pública com base na avaliação do seu impacto na vida das pessoas.

Quem sabe dessa vez conseguimos superar tantas décadas de fracasso para a grande maioria. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Economia & Negócios – Domingo, 22 de agosto de 2021 – Pág. B4 – Internet: clique aqui (Acesso em: 27/08/2021).