Quem aprende ou não no Brasil
A análise do Enem feita pela USP
Editorial
Jornal «O Estado de S. Paulo»
Pesquisa dá informações estatísticas
decisivas para a formulação de novas políticas educacionais no país
A primeira constatação dá a dimensão da falta de rumo do governo, uma vez que o orçamento previsto para aquilo que o titular do Ministério da Educação (MEC) considera prioritário vem sofrendo drásticos cortes orçamentários. Já a segunda constatação diz respeito a uma nova fonte de informações estatísticas para a formulação de políticas públicas. O estudo revela como as áreas educacionais que não foram afetadas pelos propósitos anti-iluministas do governo Bolsonaro são capazes de fornecer evidências científicas para fundamentar programas destinados a melhorar a qualidade do ensino.
A pesquisa se concentrou no período
2012-2017. Apesar de mais de 5 milhões de pessoas terem participado do Enem
em cada um dos anos analisados, os pesquisadores levaram em conta uma
amostra anual de 1,3 milhão. Com auxílio de algoritmos que desenvolveram, eles
calcularam as notas médias das provas de redação e de cada uma das áreas do
conhecimento. Em seguida, dividiram os alunos em três grupos – os
que tiveram baixo, médio
e alto desempenho. Com base nesses dados, promoveram
três tipos de análise:
1ª) foi sobre o
nível de aprendizagem demonstrado pelos alunos do ensino médio de cada uma das
regiões do País.
2ª) Análise comparou
o desempenho dos estudantes da rede pública com os das escolas particulares.
3ª) Foi voltada à compreensão do que ocorreu com os alunos com baixo desempenho.
A surpresa dos pesquisadores se deu
justamente quando investigaram a elevação da pontuação média do grupo de alta
performance, especialmente no período entre 2014 e 2017. Foi detectado que, nos
primeiros anos desse período, os estudantes das Regiões Sudeste e Centro-Oeste
obtiveram as melhores pontuações. No entanto, a cada ano as pontuações dos
estudantes com alto desempenho do Nordeste, região menos desenvolvida do que as
outras duas, foram crescendo progressivamente. Com isso, em 2017 o
Nordeste se tornou a segunda região com melhor desempenho educacional de todo o
País nas provas do Enem, ultrapassando o Centro-Oeste. Câmpus da USP, em São Carlos (SP), local onde se produziu o estudo sobre o ENEM
“Isso indica que, provavelmente, quem administra as escolas públicas do Nordeste passou a investir mais na preparação para o Enem, adotando novos métodos que propiciaram resultados mais satisfatórios”, afirma o pesquisador Afonso Souza Lima. Por isso, agora é necessário fazer um levantamento mais profundo do que aconteceu no Nordeste, “para replicar as práticas de sucesso em outros locais”, diz ele.
Outra surpresa detectada pelos pesquisadores está relacionada à diminuição da participação, no Enem, dos estudantes com deficiência oriundos da rede pública e ao aumento de alunos oriundos da rede privada. “Isso pode indicar que a escola particular está adotando alguma estratégia muito boa ou que a escola pública está piorando. Mas o fato é que as escolas privadas estão ficando mais atrativas para esses alunos”, aponta Robson Cordeiro, professor do ICMC/USP. Essa é uma informação importante, uma vez que, segundo a Unesco, 24% da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência.
Considerado uma fonte fidedigna de
dados estatísticos para nortear o desenvolvimento de programas educacionais do
ensino médio conforme as especificidades de cada região do País, esse estudo
já propiciou um artigo publicado na revista científica Journal of Information and Data Management.
O título do artigo é «Analysis of ENEM’s
attendants between 2012 and 2017 using a clustering approach» (= Análise dos
atendentes do ENEM entre 2012 e 2017 usando uma abordagem de agrupamento),
você pode baixá-lo, clicando aqui
Infelizmente, em vez de levar em consideração trabalhos como esse, mobilizando a partir dele gestores e instituições com o objetivo de criar uma educação pública de qualidade e com equidade, nos últimos anos o MEC vem perdendo tempo com questões menores e demagógicas, como homeschooling e a proposta da “escola sem partido”.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Notas & Informações – Domingo, 22 de agosto de 2021 – Pág. A3 – Internet: clique aqui (Acesso em: 23/08/2021).
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