Um país onde poucos ganham!
A agenda em discussão hoje é do Brasil velho
Economista e presidente do Insper
Para
economista, há uma frustração com o País que pode favorecer um debate mais
sério nas eleições de 2022
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MARCOS LISBOA |
Para ele, podemos até ter um momento
melhor no curto prazo, um ano um pouco melhor, mas a perspectiva é de um País
medíocre.
“A agenda legislativa hoje é o Brasil
velho. A promessa pode ser de uma agenda modernizadora, mas sempre
carregada de jabutis e mais distorções na economia, que prejudicam o crescimento
do País”, diz ele, depois de uma semana em que os indicadores tiveram piora
significativa como resposta aos movimentos do governo e do Congresso que
aumentaram as incertezas para 2022.
Eis a entrevista.
O
Brasil vive um momento de inflação e dólar altos e juros em processo de
elevação. O que está acontecendo com a economia?
Marcos Lisboa: Tem duas coisas acontecendo. Por um lado, o impacto da pandemia foi muito menor nos principais países do que o esperado no começo. Foi impressionante, sobretudo, como o setor formal se ajustou ao trabalho remoto com rapidez, e a recuperação veio muito bem. Essa é uma boa notícia para o País e para as contas públicas. Além disso, resultou também nessa alta dos preços das commodities (produtos básicos, como minério de ferro, petróleo e alimentos), que é mais uma boa notícia para o Brasil. Tem uma segunda notícia que não é boa, que é a INFLAÇÃO. O Brasil tem um problema de inflação mais sério e isso ajudou as contas públicas. Não é uma maneira saudável, mas ajudou. O que está acontecendo é que, apesar disso, estamos com uma pauta carregada de medidas preocupantes a para frente e que repete os tradicionais problemas brasileiros de muito tempo, mas que estão se agravando.
De
que forma?
Marcos
Lisboa: O Brasil tem o Estado capturado por grupos de interesse e o que
preocupa é uma série de medidas que vão na direção de agravar essas distorções,
podendo prejudicar, em particular, as contas públicas para os próximos anos. A
incerteza sobre a trajetória fiscal para os anos à frente vira essa
volatilidade dos preços. Essa é a primeira parte da história. A segunda é que, quando
a gente vê a agenda legislativa em discussão hoje, é do Brasil velho. A
promessa pode ser de uma agenda modernizadora, mas sempre carregada de jabutis
e mais distorções na economia, que prejudicam o crescimento.
É um País que cresce pouco há 40 anos e, em vez de ter uma
agenda para ajustar essas distorções, estamos tendo uma agenda que preocupa
e vem agravando os problemas estruturais do País.
O que é mais preocupante entre essas medidas?
Marcos
Lisboa: O problema é o conjunto da obra. Algumas propostas podem ser
sedutoras pelo que prometem, mas os problemas estão nos detalhes, que é onde
ocorre a captura do Estado por parte dos grupos de interesse. Vou dar um
exemplo: a questão do Imposto de Renda. Uma série de grupos simplesmente
fala “olha, eu não quero pagar imposto de renda como pagam os trabalhadores
no Brasil”. Esse é o caso de muitos profissionais liberais com empresas
no lucro presumido (um regime simplificado muito usado por médicos,
advogados, economistas e contadores, por exemplo).
Têm renda de alguns milhões por ano e
pagam uma alíquota de imposto muito menor do que quem tem carteira assinada.
O Congresso não está preocupado com a opinião da sociedade?
Marcos Lisboa: É o contrário. Acho que está bem preocupado com os grupos de interesse que se mobilizam. E muitos deputados repercutiram e apoiaram as demandas de profissionais liberais para preservar seus privilégios tributários no lucro presumido. Vale lembrar que muitos desses grupos estão no 0,1% mais rico do País, mas pagando bem menos IR que os demais.
Além
do Imposto de Renda, qual outro exemplo?
Marcos Lisboa: O caso da Eletrobras (estatal focada na geração e distribuição de energia). Capitalizar a empresa era uma boa iniciativa. Mas durante o processo de aprovação apareceram bilhões de reais de pedidos de favorecimento que foram atendidos. E um desenho em que o gás vai ter de viajar até o interior para depois viajar de novo para as regiões que mais consomem energia. Claro que quem faz gasoduto deve estar bem feliz. Mas isso também significa que nossa conta de energia vai ficar mais cara do que seria necessário.
Essa
espiral negativa que o mercado está vivendo nas últimas semanas tende a
continuar?
Marcos
Lisboa: Essa combinação de retrocessos institucionais e a ameaça de
aprovação de medidas que fragilizam as contas públicas para os próximos anos
têm colaborado para essa piora dos preços dos ativos (como o dólar e o índice
da Bolsa). Com o ciclo de commodities que o Brasil teve era para o
câmbio estar muito mais valorizado. Um exemplo de retrocesso: começamos com
as emendas individuais, de bancadas, orçamento impositivo e mais recentemente
emenda do relator.
Boa parte dos recursos livres do governo é
capturada por interesses paroquiais descoordenados, ineficientes e sem
considerar o bem comum.
Como avalia a ação do governo na condução dessas propostas?
Marcos
Lisboa: Muito distante. Esse é o ponto. O governo faz grandes
anúncios e, quando se vai ler os projetos de lei, eles decepcionam e, em muitos
casos, assustam. A impressão que fica é que o governo abandona os projetos
depois de encaminhados ao Congresso, onde ocorre uma disputa miúda
para atender a grupos de interesse. E, a maior parte do governo, não todos
obviamente, parece descuidar da gestão pública. Veja o caso da energia.
Temos problemas antigos, bem conhecidos e com
propostas de reformas. O que avançou nesses dois anos? Fortalecemos
as agências reguladoras?
A seca pode ter surpreendido, mas isso ocorre eventualmente. A regulação deficiente não permite corrigir os riscos da hidrologia (escassez de chuvas). O resultado é o preço da energia bastante alto e o risco de falhas no sistema, se continuar assim.
A
quem interessa a aprovação dessas propostas?
Marcos
Lisboa: Eles estão ouvindo os grupos de
interesse. Essa é uma agenda do Brasil antiga:
*
as distorções tributárias,
*
de comércio exterior e
*
distribuição para setor primário e
*
para corporações de servidores vêm de muito tempo.
Isso gera baixo crescimento. Essas distorções induzem a escolher tecnologias ineficientes por razões tributárias ou porque importar é difícil ou mesmo impossível. Os setores protegidos se unem com a burocracia e seus representantes no Congresso para preservar seus privilégios. E a conta é paga pelo restante da sociedade.
Com
esse cenário, como acha que será 2022, ano de eleições?
Marcos Lisboa: Eu vejo com preocupação, e também para os próximos anos. Não conseguimos entrar nessa agenda de reduzir as distorções. Pega o exemplo dos PRECATÓRIOS (dívidas da União com pessoas físicas, jurídicas, Estados e municípios reconhecidas em decisões judiciais definitivas). Eles vêm crescendo significativamente há anos, mais de 110% acima da inflação entre 2013 e 2021. Além disso, tem uma ação que a União perdeu já algum tempo, que é do Fundef (fundo para o desenvolvimento do ensino fundamental e valorização do magistério, que vigorou até 2006). Houve problema de gestão para tomar as medidas para lidar com um problema há muito conhecido.
A
eleição vai piorar esse ambiente?
Marcos Lisboa: A impressão é que em muitos casos o governo se envolve pouco nos detalhes das medidas, como se não fossem relevantes. São muitos os exemplos, alguns inacreditáveis como isenção de pedágio para motos ou toda a tentativa de conceder benefícios para caminhoneiros. Nada mais Brasil velho. Enquanto isso, descuida da política nacional, do bem comum. E os recursos para política pública em geral? Perde-se a capacidade de fazer uma política de interesse nacional, do bem maior.
De
que forma o debate eleitoral antecipado piora esse ambiente?
Marcos Lisboa: Tem uma decepção de quem achava que uma agenda (de reformas) iria andar. Tem o lado que a perspectiva de longo prazo do País, de crescimento, é muito frágil. Podemos ver algo melhor no curto prazo, um ano um pouco melhor, mas a perspectiva é de um País medíocre. Se o governo conseguir botar ordem na agenda de medidas paroquiais em discussão no Congresso, podemos ter uma recuperação, reduzir o risco que aparece nos preços. As commodities estão favorecendo, a reação à pandemia no mundo foi muito melhor do que o esperado. Mas a perspectiva de longo prazo não é de crescimento sustentável elevado.
O
crescimento deve ficar menor que 2% em 2022?
Marcos Lisboa: Estamos patinando há muito tempo. Nos melhores momentos, que foi ali nos governos Fernando Henrique e Lula, andamos na média do mundo. O Brasil tem dificuldade de crescer. E quando o Estado distribui recursos, com uma frequência muito grande, os recursos são capturados por empresas ineficientes ou por atividades pouco produtivas. O que eu espero é que na eleição a gente possa discutir um caminho diferente de País, criar uma direção diferente, com uma agenda para levar o Estado chegar ao cidadão e avaliar a política pública de quanto ela impactou a vida das pessoas. Para o Brasil voltar a crescer.
O
empresariado que apostou nas reformas e na modernização da economia no governo
Bolsonaro, como está?
Marcos Lisboa: Sempre achei que havia certa inconsistência entre as promessas e as medidas, as propostas. Quem sabe dessa vez se consiga, de fato, conhecer mais os detalhes e que a sociedade possa fazer uma aposta mais consistente para tirar o Brasil dessa longa estagnação e baixo crescimento. Agora, de novo, se cairmos na polarização “contra Estado e a favor do Estado”, “mercado versus Estado”, “teto de gastos e não teto”, continuaremos nesse debate superficial. Não cuidamos dos detalhes das medidas, das sutilezas da implementação, e depois nos surpreendemos com os fracassos. E isso vale para governos de ambos os polos que mobilizam o debate atual.
Mas
e a resposta sobre os empresários? Foram enganados?
Marcos Lisboa: Acho que muitos foram incrivelmente superficiais.
O
que vai fazer isso mudar na eleição de 2022?
Marcos Lisboa: Tem frustração com o País. Vemos como está o câmbio, isso reflete a frustração que tem com o Brasil, um País que não consegue encontrar o caminho do desenvolvimento. Quem sabe isso leve um caminho diferente do que temos visto até agora.
O
que será fundamental nesse debate?
Marcos
Lisboa: Temos de discutir com muito cuidado o papel do Estado
brasileiro. Por que ele é tão capturado por projetos ineficientes? Por que
sai tão caro? Porque colocamos o dinheiro público em projetos que fracassam
numa escala tão grande, programas que prometem muito e não entregam. Avalia-se
muito a política no Brasil, quanto o Estado gasta. Tem de ser como ela afeta a
vida das pessoas. Se ele gasta muito e as crianças estão com aprendizado
atrasado, tem alguma coisa de errado.
Temos de fazer gestão da política pública
com base na avaliação do seu impacto na vida das pessoas.
Quem sabe dessa vez conseguimos superar tantas décadas de fracasso para a grande maioria.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Economia & Negócios – Domingo, 22 de agosto de 2021 – Pág. B4 – Internet: clique aqui (Acesso em: 27/08/2021).
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