Extremismos no Brasil
A extrema direita tem história
Silvio Caccia Bava
Jornalista – Editorial
O principal é a intolerância com os
diferentes, com as reivindicações das minorias; a tendência é excluir ou mesmo
eliminar os outros
Já nos anos 1920 foi criada
a Legião do Cruzeiro do Sul (1922); na década
de 1930 formaram-se vários movimentos, como a Ação
Integralista Brasileira (1932), a Ação Social
Brasileira (Partido Nacional Fascista), a Legião Cearense do Trabalho e o Partido
Nacional Sindicalista. A Ação Integralista Brasileira, a maior,
converteu-se em partido e contava, em 1936, com um importante contingente de militantes
– entre 600 mil e 1 milhão, num país cuja população total à época rondava os 40
milhões de pessoas.[1] Esses grupos opunham-se:
* ao
comunismo,
* à perda
da ordem moral,
* à separação
da Igreja e do Estado,
* à democracia,
* aos direitos
humanos.
Eram nacionalistas e defendiam um Estado totalitário, controlador dos indivíduos e de suas organizações coletivas.
Em 1960 foi criada a Tradição, Família e Propriedade (TFP), movimento que
se alia à ala conservadora da Igreja Católica. Dois bispos brasileiros – Dom Geraldo Sigaud e
Dom Antonio de Castro Mayer – lançaram
nesse ano o livro Reforma agrária: questão de consciência, no qual
expressam seu anticomunismo e sua oposição a processos de distribuição de
renda.[2]
Durante a ditadura de 1964-1985, os militares buscaram nos evangélicos conservadores seus novos aliados, afastando-se da Igreja Católica progressista e de sua Teologia da Libertação. Essa aliança defendia a agenda anticomunista, contra os cristãos de esquerda, de reafirmação das desigualdades sociais e de defesa de uma moral conservadora.
Com o fim da ditadura e a promulgação da Constituição de 1988, esses grupos não deixaram de existir, mas se recolheram. Novos atores entraram em cena, buscando aliciar adesões aos seus valores, à sua agenda. É o caso das emissoras de TV que sustentam programas de apologia da violência policial contra os pobres e promovem a identificação do favelado com bandido e o genocídio dos jovens negros. É o caso também das igrejas evangélicas neopentecostais, com sua agenda conservadora nos valores e sua oposição ao aborto e aos casamentos homossexuais.
Chegando aos dias de hoje, a
agenda da extrema direita se mantém. E é preciso dizer que ela e o governo
Bolsonaro têm o suporte das principais entidades de representação patronal – Febraban, CNI, Fiesp –, do agronegócio,
de setores do comércio, assim como dos principais jornais e emissoras de
TV. Na interpretação do cientista político alemão Jean
Werner Mueller, “as elites se retiraram do mundo social e político
comum”; não lhes interessa saber ou participar da vida em sociedade e da
convivência com os diferentes.[3]
A extrema
direita é “antissocial, autoritária, ultraliberal, promotora
do armamento de civis, negacionista da ciência e da educação
pública, controladora do pensamento científico, confrontadora das
instituições democráticas, dos poderes da República, do voto, das eleições”.[4]
O principal é a intolerância com os diferentes, com as reivindicações das minorias; a tendência é excluir ou mesmo eliminar os outros.
Essa extrema direita é uma minoria
– alguns analistas falam em 12% do eleitorado; outros até menos hoje em dia. Segundo
pesquisas, existe no Brasil (agosto de 2020):
* 15% de
eleitores fascistas e
* 15%
de conservadores não fascistas simpatizantes que apoiam o governo
Bolsonaro.[5]
Desde então esse número vem caindo e os simpatizantes reduziram.
Essa minoria que compõe o núcleo
duro do bolsonarismo é radical. Ela trabalha com:
* desinformação,
* aliena seu
público da realidade,
* retira a
possibilidade do pensamento crítico,
* se baseia na política do medo.
“Na guerra, vale tudo”, argumentam os coordenadores desses processos de produção de fake news. Sua presença nas redes sociais veio se tornando forte graças a políticas do Facebook e do WhatsApp, principalmente; com seus novos algoritmos, que buscam radicalizar o que cada um vê, vão puxando para o centro das atenções sites de extrema direita que antes eram marginais.
As tecnologias de inteligência
artificial modificaram profundamente o tecido social. Manipulam
o comportamento humano, as escolhas, a formação da opinião. Mas isso não basta.
O que vemos agora é o governo procurando monitorar o comportamento e
a visão política dos opositores, perseguir quem é contra, reduzir a
participação da sociedade em questões políticas. A negociação do governo
federal com Israel para comprar tecnologia de vigilância, o Pegasus, é para esse fim.[6]
Com recursos públicos, o governo federal criou o “gabinete do ódio”, para produzir as fake news, destruir reputações, criar a narrativa que identifica os inimigos e defender o governo. A partir daí, cerca de 100 hubs reproduzem e distribuem esse conteúdo; são:
*
influenciadores digitais (65%),
* políticos
e partidos de direita (20%) e
* o público
geral de direita (5%) que propagam essas mensagens.[7]
A agenda é criada para desviar a atenção das questões centrais,
como a destruição das políticas sociais, o aumento da desigualdade ou a
deliberada omissão no tratamento da pandemia, para propor uma guerra cultural.
As milícias digitais completam o serviço, ameaçam os opositores e destroem reputações.
Essa extrema direita se
fortalece com a guerra híbrida promovida pelos Estados Unidos no Brasil
desde a primeira eleição de Lula, recrudescendo a partir de 2016. É o estímulo
de conflitos identitários que exploram diferenças históricas, étnicas,
religiosas, socioeconômicas e geográficas e promovem a polarização na
sociedade. O objetivo é impedir o PT de chegar ao governo. A Lava Jato,
orientada pela Agência de Segurança Nacional (NSA) norte-americana, foi um de
seus principais instrumentos.[8]
N O T A S
[1] Hélgio Trindade,
“Integralismo”. Disponível em:
www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/integralismo.
[2] Benjamin Cowan, “Maiorias
morais nas Américas: Brasil, Estados Unidos e a criação da direita religiosa”.
In: André Pagliarini, “Religiosos e reacionários”, Folha de S. Paulo, 25
jul. 2021.
[3] Entrevista com Jean Werner
Mueller, O Estado de S. Paulo, 25 jul. 2021.
[4] Eliezer Rizzo, “Protagonismo
militar está em pleno ato”, O Estado de S. Paulo, 25 jul. 2021.
[5] Mauricio Mogilka, “Ascensão da
extrema direita e reconstrução do campo progressista no Brasil”. Disponível em:
https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs/article/view/6389.
[6] Francisco Gaetani e Virgílio
de Almeida, “Inteligência artificial e democracia”, Valor, 22 jul. 2021.
[7] MAP – agência de análise de
dados da mídia, resultados analisando a polêmica do voto impresso. “Renda e
saúde: a ‘vida real’ nas redes sociais”, O Estado de S. Paulo, 25 jul.
2021.
[8] Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena, “Agentes externos provocaram uma ‘guerra híbrida’ no Brasil, diz escritor”, Brasil de Fato, 19 out. 2018.
Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil – Editorial – Agosto 2021 – Edição nº 169 – Pág. 3 – Internet: clique aqui (acesso em: 09/08/2021).
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