«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

UM ABSURDO ! ! !

O Brasil desperdiça a riqueza de 26,4 milhões
de trabalhadores

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População,
Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE

“O Brasil não tem conseguindo criar empregos formais e de qualidade no padrão necessário, pois fez uma opção pela especialização regressiva, primarizando a economia e aumentando a dependência das commodities. Produzir petróleo, minério e soja não é suficiente para criar empregos decentes para a maioria da população brasileira”
Jovens são os mais atingidos pelo desemprego e subutilização da força de trabalho no Brasil

Os clássicos da economia política nos ensinam que o trabalho é uma indispensável fonte de riqueza das nações. A primeira frase do pioneiro livro de Adam Smith “A Riqueza das Nações”, de 1776, diz: “O trabalho anual de cada nação constitui o fundo que originalmente lhe fornece todos os bens necessários e os confortos materiais que consome anualmente”. Karl Marx (cujo ducentésimo aniversário de nascimento se comemorará em 05/05/2018) reafirmou a teoria do trabalho como a verdadeira fonte de valor e de geração de mais-valia. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem como uma das suas bandeiras centrais, atingir e universalizar a meta de: “Pleno Emprego e Trabalho Decente”.

Porém, o Brasil está na contramão da história e mantém fora do círculo de riqueza e bem-estar 26,4 milhões de pessoas, que estavam desempregadas ou subutilizadas no 4º trimestre de 2017, segundo dados da PNAD contínua do IBGE.

O gráfico abaixo mostra a taxa de ocupação e as taxas combinadas de subutilização da força de trabalho no Brasil do Brasil entre 2012 e 2017. Nota-se que a taxa composta de subutilização da força de trabalho (medida mais ampla do desperdício do potencial produtivo do país) era de 20,9% no primeiro trimestre de 2012, caiu para o nível mais baixo de 14,8%, no 3º trimestre de 2014 e subiu durante a recessão econômica, atingindo 22,2% no 4º trimestre de 2016 e alcançando o pico para o fim de ano, de 23,6% no 4º trimestre de 2017.

O incrível é que entre o final de 2016 e o final de 2017 a taxa combinada de subutilização da força de trabalho aumentou, mesmo que a dita retomada da economia. No ano passado, segundo o Banco Central, o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), registrou uma expansão de 1,04% na comparação com 2016. Ou seja, o Brasil saiu da recessão, mas o emprego não cresceu e a desocupação (em sua medida mais ampla) aumentou.

É a primeira vez na história brasileira que uma retomada da economia,
depois de uma recessão, trouxe mais desocupação.

A publicação do IBGE explica a metodologia adotada (ver referência abaixo) e, de maneira simplificada, a “Taxa composta da subutilização da força de trabalho” traz no numerador – Subocupados por insuficiência de horas + desocupados + força de trabalho potencial; e no denominador – Força de Trabalho ampliada.

O gráfico abaixo mostra que, para o Brasil, no 4º trimestre de 2017:
* a taxa de desocupação foi de 11,8%,
* a taxa combinada de subocupação por insuficiência de horas trabalhadas foi de 18%,
* a taxa combinada de desocupação e força de trabalho potencial foi de 17,8% e
* a taxa composta da subutilização da força de trabalho foi de 23,6%.

As mesmas taxas para a região Nordeste foram muito mais altas, sendo que a taxa composta da subutilização da força de trabalho foi de impressionantes 34,6%. Ou seja, mais de um terço dos potenciais trabalhadores do Nordeste não encontram postos de trabalho para contribuir com a riqueza do Brasil. As menores taxas de desocupação encontram-se na região Sul. Evidentemente, a região Sul possui uma renda per capita maior do que a região Nordeste.

A tabela abaixo mostra a taxa composta da subutilização da força de trabalho para as regiões e as Unidades da Federação (UF). A menor taxa é encontrada em Santa Catarina que tinha um desperdício da força de trabalho de 11,3% no 1º trimestre de 2012 e caiu para 10,7% no 4º trimestre de 2017. Já o Piauí tinha uma taxa elevada, de 35,2%, no 1º trimestre de 2012 e subiu ainda mais para 40,7% no 4º trimestre de 2017. Ou seja, de cada 10 potenciais trabalhadores do Piauí, 4 estavam fora do círculo de geração de riqueza. Se a situação geral do Brasil e do Nordeste é crítica, pior ainda é para os JOVENS que apresentam taxas muito mais elevadas.

Portanto, o Brasil não tem conseguindo criar empregos formais e de qualidade no padrão necessário, pois fez uma opção pela especialização regressiva, primarizando a economia e aumentando a dependência das commodities. Produzir petróleo, minério e soja não é suficiente para criar empregos decentes para a maioria da população brasileira. Manter baixas taxas de poupança e altos níveis de endividamento reduz as taxas de investimento e sem renovação da capacidade produtiva é impossível gerar empregos de qualidade. Com o intenso e precoce processo de desindustrialização, as jovens gerações – uma parte daqueles que foram às ruas em junho de 2013 – são as mais prejudicadas.

Políticas de transferência de renda ajudam a minorar os problemas da extrema pobreza, mas unicamente o pleno emprego com trabalho decente poderá fazer o país sustentável em termos econômicos. Somente empregos produtivos geram riqueza. Com a falta de oportunidades decentes no mercado de trabalho, o Brasil está criando uma geração perdida, pois cresce o número de desempregados e o número dos chamados nem-nem-nem (jovens que nem estudam, nem trabalham e nem procuram emprego).

Jovens sem perspectiva de melhoria de vida são presas fáceis para o crime e possuem
alta probabilidade de atuarem como atores ou vítimas da violência.

Sem trabalho o Brasil não tem futuro. Em termos populacionais e de estrutura etária, o país vive o seu melhor momento do bônus demográfico. Nunca houve tantas pessoas em idade de trabalhar no país. Mas o desperdício do potencial de 26,4 milhões de trabalhadores é o mesmo que jogar fora nossa janela de oportunidade e manter a população na armadilha da renda média.

Baixe:

Indicadores IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Divulgação Especial Medidas de Subutilização da Força de Trabalho no Brasil, IBGE, RJ, 23/02/2018, clique aqui.

Fonte: EcoDebate – Site de informações, artigos e notícias socioambientais – Segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018 – Internet: clique aqui.

Sensacional: palavras do Papa a um padre

Ao despedir-se do padre José Tolentino Mendonça, que pregou o retiro quaresmal à Cúria Romana e ao Papa,
eis as palavras de Francisco
PAPA FRANCISCO
dirige as palavras finais de agradecimento a Pe. José Mendonça Tolentino

«Padre, gostaria de agradecer, em nome de todos, por este acompanhamento nesses dias, que hoje se prolongarão com o dia de oração e jejum pelo Sudão do Sul, o Congo e também a Síria.
Obrigado, Padre, por nos ter falado da Igreja, por nos ter feito sentir a Igreja, este pequeno rebanho. E também por nos ter advertido a não “diminuí-lo” com as nossas mundanidades burocráticas!
Obrigado por nos ter recordado que a Igreja não é uma gaiola para o Espírito Santo, que o Espírito voa também fora e trabalha fora. E com as citações e as coisas que o senhor nos disse, nos fez ver como trabalha nos não crentes, nos “pagãos”, nas pessoas de outras confissões religiosas: é universal, é o Espírito de Deus, que é para todos.
Também hoje existem os “Cornélios”, “centuriões”, “guardiões da prisão de Pedro” que vivem uma busca interior ou sabem também distinguir quando há algo que chama.
Obrigado por esta chamada a nos abrir sem medo, sem rigidez, para sermos suaves no Espírito e não nos mumificar nas nossas estruturas que nos fecham.
Obrigado, padre. E continue a rezar por nós. Como dizia a madre superiora às irmãs: “Somos homens!”, pecadores, todos.
Obrigado, padre. E que o Senhor o abençoe.»
PE. JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
pregando o Retiro Espiritual da Quaresma - Arricia - Itália (18 a 23 de fevereiro de 2018)

O papa Francisco partiu este domingo (dia 18 de fevereiro) para Arricia, a cerca de 30 quilómetros de Roma, para fazer um retiro espiritual de alguns dias sob a direção do padre e teólogo português José Tolentino de Mendonça.

O papa abandonou o Vaticano pelas 15:00 de Lisboa (13h00 de Brasília, DF), de autocarro e na companhia de alguns elementos da Cúria, o governo do Vaticano, para durante uma semana fazer um retiro espiritual que todos os anos realiza durante a época da Quaresma.

As sessões de meditação, em torno do tema «O elogio da sede», decorrerão sob a orientação do padre José Tolentino de Mendonça, vice-reitor da Universidade Católica de Lisboa (Portugal), segundo um comunicado da Santa Sé.

O tradicional retiro da Quaresma do papa Francisco e da Cúria Romana decorre na Casa do Divino Mestre, dos religiosos paulinos, em Ariccia.

Tolentino de Mendonça, ordenado padre em 1990, é também consultor do Conselho Pontifício para a Cultura (Santa Sé).
 
PE. JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
Teólogo, biblista e escritor português
Tolentino Mendonça fala do retiro que pregará ao papa

Fernando Pessoa, Clarice Lispector e Antoine de Saint-Exupéry são alguns dos poetas que inspiraram as meditações que o Pe. José Tolentino Mendonça vai apresentar entre amanhã e sexta-feira, em Ariccia, perto do Vaticano, nos exercícios espirituais quaresmais do papa Francisco e da Cúria Romana. [...]

O tema das periferias, caro ao papa, será também assinalado pelo Pe. Tolentino: «Cristo era um periférico, uma voz escondida, e depois porque os cristãos são hoje expressão de um cristianismo que já não é central, urbano e ocidental».

Porque escolheu a sede como tema das suas reflexões?

Tolentino: Uma coisa que me preocupa muito concretamente é que a fé não tenha só uma credibilidade racional, mas que seja também credível do ponto de vista antropológico. A fé não é uma ideologia: é uma experiência. A sede é um tema que o mostra bem. A sede não é uma ideia, mas revela a vida na sua realidade. Não é por acaso que a Sagrada Escritura faz da sede um tema recorrente. Por exemplo, mais de uma vez, nos Evangelhos, escutamos Jesus dizer que tem sede. O que significa esta sede? E que coisa pode significar para nós neste tempo concreto da vida da Igreja? A espiritualidade e a mística cristã cultivaram com sabedoria a temática da sede, mas esta para nós pode funcionar também como um útil mapa para abordar o presente.

Que respostas se podem dar hoje à sede espiritual do ser humano?

Tolentino: Quando acolhemos verdadeiramente o desafio da sede, percebemos que a coisa mais importante não é propriamente satisfazê-la, mas interpretá-la, aprofundar-lhe o significado, intensificá-la, levá-la mais longe. A sede, por si própria, é um património espiritual. Como dizia a poetisa Emily Dickinson, «a água é ensinada pela sede». Devemos ter a coragem de assumir a sede como mestra nos caminhos da alma.

A sede é também uma das pobrezas materiais do ser humano. Qual é a tarefa dos cristãos diante deste desafio?

Tolentino: É uma questão muito importante porque corremos o risco de entender comodamente a sede só em sentido simbólico e espiritual, esquecendo-nos do seu sentido literal. A sede, porém, não nos fecha em nós mesmos. Pelo contrário, coloca-nos perante a pergunta que Deus faz no início: «Onde está o teu irmão?». Há uma sede das periferias que nos obriga a reinventar o significado da fraternidade, não como um conceito, mas como uma prática, um estilo de relação eclesial.

Mas sede de Deus e sede do ser humano muitas vezes não coincidem. Como se pode encontrar um ponto de encontro?

Tolentino: A sede do nosso coração precisa de ser purificada e redirecionada. Numa sociedade do consumo, como é aquela típica do mundo ocidental, a sede é muitas vezes reduzida a um gesto consumista. O que hoje percepcionamos como um problema grave das nossas sociedades é que a hiperestimulação do desejo está a gerar uma incapacidade de desejar. As pequenas sedes que nos absorvem transformam-se num obstáculo para viver a GRANDE SEDE: a sede de significado, de verdade, de beleza, de absoluto ou de infinito.

Fontes: Vatican News  Papa  Sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018 - 11h45 (07h45 horário de Brasília - DF) Internet: clique aquiDiário de Notícias – Mundo – Domingo, 18 de fevereiro de 2018 – 17h24 (14h24 horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui; iMissio – Vaticano – Domingo, 18 de fevereiro de 2018 – Internet: clique aqui.

domingo, 25 de fevereiro de 2018

2º Domingo da Quaresma – Ano B – Homilia

Evangelho: Marcos 9,2-10

Naquele tempo:
2 Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, e os levou sozinhos a um lugar à parte sobre uma alta montanha. E transfigurou-se diante deles.
3 Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar.
4 Apareceram-lhe Elias e Moisés, e estavam conversando com Jesus.
5 Então Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: «Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias.»
6 Pedro não sabia o que dizer, pois estavam todos com muito medo.
7 Então desceu uma nuvem e os encobriu com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz: «Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!»
8 E, de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus com eles.
9 Ao descerem da montanha, Jesus ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto,
até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos.
10 Eles observaram esta ordem, mas comentavam entre si o que queria dizer «ressuscitar dos mortos».

JOSÉ ANTONIO PAGOLA
"Transfiguração do Senhor" - mosaico de Marko Rupnik SJ
na capela da relíquia do Santuário Nacional do Papa São João Paulo II
Washington (DC) - Estados Unidos

A QUEM ESCUTAR?

Os cristãos ouviram falar desde crianças de uma cena evangélica chamada tradicionalmente «a transfiguração de Jesus». Não é mais possível saber com segurança como se originou esse relato. Foi acolhido na tradição cristã, sobretudo, por dois motivos: ajudava a recordar a «realidade oculta» encerrada em Jesus e convidava a «escutá-lo» somente a ele.

No cume de uma «montanha alta» os discípulos mais próximos veem Jesus com o rosto «transfigurado». Acompanham-no dois personagens legendários da história de Israel: Moisés, o grande legislador do povo, e Elias, o profeta de fogo, que defendeu Deus com zelo abrasador.

A cena é sugestiva. Os dois personagens, representantes da Lei e dos Profetas, têm o rosto apagado: somente Jesus irradia luz. Por outro lado, não proclamam nenhuma mensagem, vêm «conversar» com Jesus: somente este tem a última palavra. Somente ele é a chave para ler qualquer outra mensagem.

Pedro não parece tê-lo entendido. Propõe fazer «três tendas», uma para cada um. Põe os três no mesmo plano. A Lei e os Profetas seguem ocupando o lugar de sempre. Não captou a NOVIDADE de Jesus. A voz saída da nuvem vai esclarecer as coisas: «Este é o meu Filho amado. Escutai-o». Não há que escutar a Moisés ou Elias, mas a Jesus, o «Filho amado». Somente suas palavras e sua vida nos revelam a verdade de Deus.

Viver escutando Jesus é uma experiência única. Finalmente, está escutando alguém que diz a verdade. Alguém que sabe porque e para que se deve viver. Alguém que oferece as chaves para construir um mundo mais justo e mais digno do ser humano.

Entre os seguidores de Jesus não se vive de qualquer crença, norma ou rito. Uma comunidade vai se fazendo cristã quando põe em seu centro o EVANGELHO e somente o EVANGELHO. Aí se joga nossa identidade. Não é fácil imaginar um fato coletivo mais humanizador que um grupo de crentes escutando juntos o «relato de Jesus». Cada domingo, poderão escutar seu chamado a olhar a vida com olhos diferentes e a vivê-la com mais sentido e responsabilidade, construindo um mundo mais habitável.

A ARTE DE ESCUTAR

Os seres humanos não têm mais tempo para escutar. Resulta-nos difícil aproximar-nos em silêncio, com calma e sem preconceitos do coração do outro para escutar a mensagem que todo homem e mulher pode nos comunicar.

Fechados em nossos próprios problemas, passamos perto das pessoas sem quase nos determos para escutar realmente alguém. Pode-se dizer que o ser humano contemporâneo está esquecendo a arte de ESCUTAR.

Neste contexto, tampouco resulta tão estranho que os cristãos tenham se esquecido que ser crente é viver escutando Jesus. E, no entanto, somente a partir dessa escuta a vida cristã adquire verdadeiro sentido e originalidade. Mais ainda. Somente a partir da ESCUTA nasce a verdadeira fé.

Um famoso médico psiquiatra dizia, em certa ocasião: «Quando um enfermo começa a escutar-me ou a escutar de verdade os outros... então, está já curado». Algo semelhante pode se dizer do crente. Se começa a escutar de verdade a Deus, está salvo.

A experiência de escutar Jesus pode ser desconcertante. Não é o que nós esperávamos ou havíamos imaginado. Inclusive, pode suceder que, em um primeiro momento, decepcione nossas pretensões ou expectativas.

Sua pessoa nos escapa. Não se encaixa em nossos esquemas normais. Sentimos que nos arranca de nossas falsas seguranças e intuímos que nos conduz para a verdade última da vida. Uma verdade que não queremos aceitar.

Porém, se a escuta é sincera e paciente, há algo que vai se impondo. [...] Começa a iluminar-se nossa vida com uma luz nova. Começamos a descobrir com Jesus e a partir dele, qual é a maneira mais humana de enfrentar os problemas da vida e o mistério da morte. Damo-nos conta de onde estão os grandes equívocos e erros de nosso viver cotidiano.

Contudo, não estamos mais sozinhos. Alguém próximo e único nos libera uma e outra vez do desânimo, do desgaste, da desconfiança ou da fuga. Alguém convida-nos a buscar a felicidade de uma maneira nova, confiando ilimitadamente no Pai, apesar de nosso pecado.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: Sopelako San Pedro Apostol Parrokia – Sopelana – Bizkaia (Espanha) – J. A. Pagola – Ciclo B – Internet: clique aqui.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Que reforma deseja Papa Francisco

Uma “reforma da reforma” diferente:
Papa Francisco e a Cúria Romana

Massimo Faggioli
Historiador da Igreja
Professor da Villanova University (EUA)
LA CROIX INTERNATIONAL
05-02-2018

Apesar das esperanças dos liberais e dos temores dos conservadores,
o Papa Francisco não governa por decreto, 
nem mesmo quando se trata da Cúria
PAPA FRANCISCO

O governo central da Igreja Católica, também conhecido como Cúria Romana, é uma instituição enigmática. É mais criticado do que realmente compreendido.

Seu mistério se deve, em parte, ao fato de que conhecemos apenas pedaços e peças da sua história complexa e muito longa. Também se deve aos seus fracos fundamentos teológicos, que forçaram as lideranças da Igreja, os teólogos e os eclesiólogos a empregarem argumentos complexos a fim de explicar e justificar sua existência.

Mas a Cúria Romana não é uma monstruosidade. Ela não é um desvio do conceito da Igreja de governar e liderar a comunidade dos fiéis durante sua história no Ocidente. Significativamente, todos os papas do século passado – de Pio X a Bento XVI – enfrentaram o problema da governança e da reforma da Cúria. E a maneira como cada um deles abordou a questão da Cúria foi indicativa de outros aspectos fundamentais de seus pontificados.

Por exemplo, Paulo VI recentrou a Cúria em torno da Secretaria de Estado em 1967, o que era consistente com sua aplicação descendente do Concílio Vaticano II (1962-1965). De sua parte, João Paulo II reforçou os poderes legislativo e administrativo da Cúria, o que correspondia com o seu relacionamento com as Igrejas locais e o episcopado. Enquanto Bento XVI, um típico teólogo acadêmico católico pós-Vaticano II que via na Cúria um objeto que não possui substância teológica, nunca tentou realmente uma revisão abrangente do governo central da Igreja Católica.

Agora, temos uma situação semelhante com o Papa Francisco. Aspectos importantes de seu pontificado podem ser mais bem compreendidos observando o que ele está fazendo (e não fazendo) em relação à Cúria Romana. Aqui é importante saber que, há vários dias, foi revelado que o papa não publicará uma nova constituição apostólica para uma Cúria romana reformada em breve. Isso apesar das promessas repetidas que remontam a 2013 de que uma nova carta seria redigida para substituir a que João Paulo II emitiu em 1988, a Pastor Bonus.
Reunião do Conselho de Nove Cardeais juntamente com o Papa Francisco

A revelação de que não haverá uma nova constituição apostólica veio de um artigo noticioso do bispo Marcello Semeraro, um italiano que atua como secretário do Conselho dos nove cardeais conselheiros do papa (C9). Nesse longo artigo, que foi publicado na revista católica Il Regno, com sede em Bolonha, Semeraro traça os passos que Francisco tomou até agora para reformar alguns aspectos da Cúria (por exemplo, a criação, de sua parte, da Terceira Seção da Secretaria de Estado em novembro de 2017). Mas o mais importante é que ele nos diz aquilo que a reforma da Cúria por parte do papa não será, apesar das expectativas que muitos católicos tinham desde a eleição de Francisco há quase cinco anos.

Em primeiro lugar, a reforma não criará a nova posição de um moderator Curiae, uma espécie de administrador-chefe de todos os escritórios, porque, de acordo com Semeraro, “a analogia entre a Cúria Romana e a Cúria diocesana não é apropriada”. Em vez disso, uma seção recém-criada na Secretaria de Estado tratará dos recursos humanos da Cúria.

Em segundo lugar, o C9 não está apenas supervisionando a reforma da Cúria. Ele também lida com outras questões importantes a pedido do papa, que é a maneira como Francisco frequentemente atua para ignorar os vários escritórios e congregações curiais quando ele julga oportuno.

Em terceiro lugar, essa reforma da Cúria é um trabalho em andamento. “Parece prematuro identificar o momento da publicação da nova constituição apostólica sobre a Cúria Romana”, diz Dom Semeraro. E ele acrescenta este importante qualificador: “Isso também está ligado, e não secundariamente, ao modo de entender a ‘reforma’ por parte do papa”.

Semeraro descreve vários princípios-chave que estão orientando a reforma da Cúria por parte de Francisco. Eles incluem o princípio:
* da gradualidade do discernimento e das experimentações (flexibilidade);
* o princípio da tradição como fidelidade à história (nada de mudanças drásticas);
* o princípio da inovação (por exemplo, o novo dicastério para a comunicação, criado entre 2015 e 2017);
* o princípio da simplificação (fusão de dicastérios, mas também descentralização).

Em seu artigo, o secretário do C9 mostra que a visão de Francisco sobre a Igreja, o papado e a Cúria Romana está fortemente conectada. A Cúria existe não apenas para transmitir mensagens para o resto da Igreja, mas também para receber mensagens de uma Igreja sinodal. Ela existe para uma Igreja Católica não em retirada, mas no mundo, de acordo com a constituição pastoral do Vaticano II, Gaudium et Spes.

Além disso, a existência da Cúria é vital para uma Igreja que conta com o gênio romano; isto é, a aspiração de Roma de ser a síntese e o ponto de encontro entre as dimensões universal-internacional e local-particular da Igreja (o que significa um papel mais relevante para a diplomacia papal hoje do que no passado).
Yves-Marie-Joseph Congar (1904-1995) teólogo dominicano e Cardeal francês.
É considerado um dos maiores eclesiólogos do século XX.

Trata-se de intuições importantes, não apenas para compreender a reforma da Cúria por parte do Papa Francisco, mas também todo o seu pontificado. O papa leva a sério a ideia de reforma de Yves Congar:
* o primado da caridade e da pastoralidade;
* a preservação da comunhão;
* paciência e respeito pelos atrasos; e
* renovação através de um retorno ao princípio da tradição.

Essa é uma boa notícia, de um ponto de vista teológico. Creio eu que não existe nenhuma alternativa real à proposta de Congar para uma reforma da Igreja, exceto aquela que leva a um cisma. Mas, do ponto de vista das atuais políticas eclesiais, a questão é muito mais complicada. A ideia de Congar sobre a reforma da Igreja pode ser frustrante para aqueles que perderam a paciência que o teólogo francês invocava há 50 anos.

Muitos católicos esperavam que Francisco já tivesse implementado uma reforma institucional visível da Cúria depois de cinco anos no cargo. Mas o papa não acredita na revisão burocrática. Isso o distingue dos dois notáveis antecessores que são teologicamente mais próximos dele – João XXIII, que anunciou os planos para o Vaticano II em 1959, apenas a menos de três meses após sua eleição; e Paulo VI, que reformou a Cúria quatro anos após sua eleição, com a constituição apostólica de 1967 Regimini Ecclesiae Universae.

Apesar das esperanças dos liberais e dos temores dos conservadores do status-quo, o Papa Francisco não está governando por decreto, nem mesmo a Cúria. Isto é, apesar de uma tradição de papas que lidaram com sua burocracia em uma abordagem weberiana legal-racional e, em última análise, “funcionalista”. A ideia de reforma do Vaticano II não foi imune ao moderno funcionalismo racional-burocrático (por exemplo, a inovação da idade de aposentadoria de 75 anos para os bispos).

Mas Francisco tem uma ideia mais teológica e menos burocrática de reforma. Ele não separa sua eclesiologia da maneira como ele vê o problema da Cúria Romana. Para ele, a reforma é, em primeiro lugar, movimento, e não apenas a mudança estrutural das instituições. É uma mudança de mentalidade, que não começa com uma mudança na lei. É uma descentralização, o que significa que as “periferias” devem assumir mais responsabilidades. Ela faz parte do caminho para uma Igreja mais colegial e sinodal, que é salvaguardada através do papel universal do bispo de Roma.

O atraso sine die [sem data] da constituição apostólica para a reforma da Cúria por parte de Francisco não é, acredito eu, um sintoma de um fiasco do C9 ou do pontificado. Em vez disso, é algo totalmente consistente com a abordagem desse papa à Cúria Romana, que provou ser diferente dos seus antecessores desde os primeiros dias de seu pontificado.

“É bonito pensar na Cúria Romana como um pequeno modelo da Igreja, ou seja, como um ‘corpo’ que busca ser, séria e cotidianamente, mais vivo, mais saudável, mais harmonioso e mais unido em si mesmo e com Cristo”, disse Francisco às autoridades da Cúria em seu encontro pré-Natal em 2014.
MASSIMO FAGGIOLI
Autor deste artigo

Essa passagem foi digna de nota porque um problema-chave da Cúria sempre foi a natureza questionável da sua legitimidade teológica, além das suas históricas funções institucionais e políticas. Mas, nesse discurso, Francisco tentou descrever a Cúria Romana como um “pequeno modelo da Igreja”, deixando claramente de lado o fato de que, fundamentalmente, falta-lhe uma base eclesiológica e de que ela desconsidera as diferenças, por exemplo, entre a sociologia muito diversificada da Igreja global hoje e a sociologia quase totalmente clerical da Cúria.

Francisco sempre ofereceu seu diagnóstico dos problemas da Cúria Romana – especialmente nos temidos discursos de Natal às autoridades do Vaticano – com uma linguagem que define uma experiência espiritual, em vez de uma linguagem que descreve uma má gestão funcional. Sua abordagem não funcionalista da Cúria é claramente consistente com sua crítica ao “paradigma tecnocrático” na sua encíclica Laudato si’ de 2015.

Isso, é claro, pode acabar decepcionando aqueles que esperam uma revisão abrangente do governo central da Igreja Católica durante seu pontificado. Com a paciência que Congar urgia, teremos que esperar para ver se Francisco tem tempo suficiente para que sua “reforma da Cúria como movimento” realmente tenha efeito.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018 – Internet: clique aqui.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

5º Domingo do Advento – Ano B – Homilia

Evangelho: Marcos 1,29-39

Naquele tempo:
29 Jesus saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, para a casa de Simão e André.
30 A sogra de Simão estava de cama, com febre, e eles logo contaram a Jesus.
31 E ele se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se. Então, a febre desapareceu; e ela começou a servi-los.
32 É tarde, depois do pôr-do-sol, levaram a Jesus todos os doentes e os possuídos pelo demônio.
33 A cidade inteira se reuniu em frente da casa.
34 Jesus curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou muitos demônios. E não deixava que os demônios falassem, pois sabiam quem ele era.
35 De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto.
36 Simão e seus companheiros foram à procura de Jesus.
37 Quando o encontraram, disseram: «Todos estão te procurando».
38 Jesus respondeu: «Vamos a outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso que eu vim».
39 E andava por toda a Galileia, pregando em suas sinagogas e expulsando os demônios.

JOSÉ ANTONIO PAGOLA 

UM CORAÇÃO QUE VÊ

Os evangelhos relatam com certo destaque episódios e atuações concretas de Jesus. Porém, frequentemente, oferecem «resumos» ou «sumários» onde se descreve o perfil de seu estilo de viver: aquilo que ficou mais gravado na recordação de seus seguidores.

Na comunidade onde se escreveu o Evangelho de Marcos recordavam-se, sobretudo, destes traços: Jesus era um homem muito atento à dor das pessoas. Incapaz de passar ao largo se via alguém sofrendo. Sua preocupação não era só pregar. Deixava tudo, inclusive a oração, para responder às necessidades e dores das pessoas. Por isso, os enfermos e desvalidos o buscavam tanto.

Li com alegria o primeiro escrito de Papa Francisco a toda a Igreja, pois, junto a outros acertos, soube expor de maneira certa o que ele chama de «programa do cristão», que se depreende do «programa de Jesus». Segundo sua esplêndida expressão, o cristão deve ser, como Jesus, «um coração que vê. Este coração vê onde se necessita amor e atua em consequência».

O Papa olha o mundo com muito realismo. Reconhece que são grandes os progressos no campo da ciência e da técnica. Porém, apesar de tudo, «vemos cada dia o quanto que se sofre no mundo por causa de tantas formas de miséria material e espiritual».

Quem vive com um coração que vê, sabe «captar as necessidades dos outros no mais profundo de seu ser e fazê-las suas». Não basta que haja «organizações encarregadas» de prestar ajuda. Se eu aprendo a olhar o outro como olhava Jesus, descobrirei que «posso oferecer-lhe o olhar de amor que ele necessita».

O Papa não está pensando em «sentimentos piedosos». O importante é «não desinteressar-se» daquele que sofre. A caridade cristã «primeiramente e simplesmente a resposta a uma necessidade imediata em uma determinada situação: os famintos hão de ser saciados, os nus vestidos, os enfermos atendidos, os prisioneiros visitados».

É necessária uma atenção profissional bem organizada. Papa Francisco considera-a fundamental, porém «os seres humanos necessitam sempre algo mais que uma atenção tecnicamente correta. Necessitam de humanidade. Necessitam de atenção cordial».

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: Sopelako San Pedro Apostol Parrokia – Sopelana – Bizkaia (Espanha) – J. A. Pagola – Ciclo B – Internet: clique aqui.