«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Brasil tem como principal causa de morte entre jovens o homicídio [Calamidade!]


Viviane Tavares
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
25-01-2013

Em quase todos os países do mundo, assim como no Brasil, as principais causas de mortes entre as pessoas são doenças como as cardíacas, isquêmicas, acidentes vasculares cerebrais, câncer, diarreias e HIV. 
Mas, outro fator vem ganhando as primeiras posições nas últimas décadas: 
o da violência. 
Segundo dados da Vigilância de Violências e Acidentes do Sistema Único de Saúde
(Viva SUS 2008-2009), o homicídio tem ficado em terceiro lugar 
do ranking de causas de mortes dos brasileiros e, 
estratificando-se pela faixa etária de 1 a 39 anos, 
este número alcança a primeira posição.
Participação dos homicídios no total de óbitos juvenis (15 a 24 anos)
por Estado da Federação Brasileira

Ratificando este índice, de acordo com a pesquisa Global Burden of Disease (GBD) – Carga Global de Doença, em português, publicada neste mês pela revista inglesa The Lancet e organizada pela Universidade de Harvard, dos Estados Unidos, o Imperial College, de Londres, e a Organização Mundial da Saúde (OMS), o fator violência é apontado como a principal causa de mortes entre jovens no Brasil e Paraguai. Entre os países da América Latina, a Argentina, Chile e Uruguai têm os assassinatos em 12ª colocação, enquanto na Europa Ocidental, que inclui países como Inglaterra, França e Espanha, as mortes violentas ficam em 50º lugar.

Dados nacionais desenvolvidos pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Observatório de Favelas e o Laboratório de Análise da Violência (LAV-Uerj) divulgados no mês de dezembro de 2012 destacam a parte deste número de homicídios que acontece ainda na adolescência. De acordo com o Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), criado em 2007 por estas instituições, o número de mortes entre jovens de 12 a 18 anos vem aumentando ao longo do tempo. Para cada mil pessoas nesta faixa etária, 2,98 é assassinada. O índice em 2009 era de 2,61. Este índice representa cerca de 5% dos casos de homicídio geral. Entre as principais causas de homicídio está o conflito com a polícia. E o estudo aponta uma expectativa não muito animadora: até 2016 um total de 36.735 adolescentes poderão ser vítimas de homicídio.


LUIZ EDUARDO SOARES - sociólogo
Para Luiz Eduardo Soares, cientista político e especialista em segurança pública, esse quadro já não é novidade para quem estuda o assunto, mas traz uma reflexão urgente. “Há 20 anos estamos vendo este cenário se repetir. E é isso que o torna cada vez mais grave porque sabemos quem são as vítimas, mas não somos capazes de ajudá-las, de reverter estas estatísticas”, lamenta.

Doriam Borges, do LAV-UERJ e um dos responsáveis pelo levantamento do IHA, explica que o índice de homicídios entre os jovens expressa a metamorfose que a violência vem sofrendo ao longo do tempo. “Nas décadas de 1960 e 1970, a violência era caracterizada por assalto a bancos e, embora houvesse homicídio e latrocínio, o número era menor. Atualmente, o tráfico de drogas nacional e internacional foi ganhando força no país, mas o que é mais relevante é o aumento do tráfico de armas e a facilidade de acesso a estes instrumentos”, explica.

Além de idade, as vítimas têm cor

Em artigo publicado pela Carta Capital em agosto do ano passado, "A violência contra jovens negros no Brasil", o especialista em análise política pela Universidade de Brasília (UNB) e ex- consultor da Unesco e da Fundação Perseu Abramo para o tema das relações raciais e de juventude, Paulo Ramos, aponta que o diagnóstico apresentado ao Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) pelo Governo Federal, baseado no DataSUS/Ministério da Saúde e no Mapa da Violência 2011, mostra que: 

  • em 2010 morreram no Brasil 49.932 pessoas vítimas de homicídio, 
  • um total de 26,2 para cada 100 mil habitantes
  • Dessas vítimas, 70,6% eram negras
  • No mesmo ano [2010], 26.854 jovens entre 15 e 29 sofreram homicídio, ou seja, 53,5% do total de vítimas em 2010. 
  • Destes 74,6% eram negros e 91,3% do sexo masculino
Paulo Ramos reforça ainda que faltam força e organização política para a mudança deste cenário. "Existe uma dissonância entre elementos fundamentais para o êxito de uma ação que vise combater os homicídios de jovens negros. Para estas políticas, quando há orçamento, não há reconhecimento de diferenças; quando o projeto aborda a juventude negra, não há recursos. E quando há reconhecimento com recursos, não existe foco nos jovens mais vulneráveis", explica, no artigo.

Em entrevista à EPSJV/Fiocruz, o consultor relembrou que estes índices de violência aos jovens negros vêm sendo apontados há muito tempo pela sociedade civil e por organizações não-governamentais, mas pouco tem sido feito para mudar essa realidade. “Se pegarmos o histórico, em 1968 foi lançado um livro chamado ‘O Genocídio do Negro no Brasil’; uma década depois, em 1978, foi criado o Movimento Negro Unificado, um ato cujo estopim foi a morte de alguns negros em São Paulo. Fora isso, existem iniciativas de comunidades negras como a criação de uma carteirinha contra a abordagem violenta de policiais, entre outras. Apesar disso, continuamos vendo em dados e estatísticas os mesmos resultados. Precisamos ir além para não vermos mais isso se repetindo”, analisa.

A edição de 2012 do Mapa da Violência: "A cor dos homicídios no Brasil" desenvolvido pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, Secretaria de Políticas de promoção de Igualdade Racial e a Flacso Brasil mostra que este índice está aumentando ao passar das décadas. A pesquisa mostra que:
  • entre 2002 e 2010, segundo os registros do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), morreram  no país 272.422 cidadãos negros, com uma média de 30.269 assassinatos ao ano. 
  • Além disso, destaca ainda o ano de 2010 como o mais crítico, por ter um somatório de 34.983 mortes por essa causa.
“Várias pesquisas há muito tempo têm mostrado que as vítimas são preferencialmente jovens, negros e solteiros. No estudo realizado pela LAV-UERJ em parcerias com as outras instituições, é possível perceber que os adolescentes negros têm quase três vezes mais chances de serem vítimas de homicídio do que os jovens brancos da mesma faixa etária”, explica o pesquisador Doriam Borges. E completa: “Vivemos em uma sociedade socialmente e racialmente desigual. E elas têm uma relação muito forte. Não é que os negros deveriam ser mais vítimas, mas, por conta de toda essa desigualdade social, eles continuam sendo vítimas porque já são vítimas de tantas outras violências há muito tempo”.
Três jovens mortos em confronto com policiais: 28 de agosto de 2012
(São Gonçalo dos Campos - Bahia)
Violência e políticas públicas

O relatório do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva SUS), a ser divulgado no início deste ano, mostra que os indivíduos do sexo masculino representaram a maior proporção dentre os atendimentos de casos de violência realizados pelo SUS, totalizando 71,1%. Além disso, ele estratifica, evidenciado que a faixa etária de 20 a 30 anos concentra 34,8% deste montante; e os atendimentos envolvendo pessoas com cor da pele parda e preta são de 51,4% e 17,8%, respectivamente.

Deborah Malta, coordenadora de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis do Ministério da Saúde, explica que o Ministério tem feito diversas estratégias para dar suporte à implementação de políticas públicas nessa área. “Enquanto política setorial, temos reportado as ações sobre mortalidade, apoiando os estados para que desenvolvam projetos específicos de prevenção, proteção e vigilância. Além disso, o Ministério da Saúde vem desenvolvendo projetos de capacitação de equipes de saúde em relação a acidentes e violência e ao trabalho de notificação de vítimas de violência. Mas, como a compreensão deste tipo de violência está muito relacionada a um conjunto de questões sociais, muitas vezes extrapola a capacidade de intervenção e de dar respostas do setor de saúde”, explica.

No entanto, Paulo Ramos critica a falta de políticas públicas, especialmente de saúde, focadas nesta população negra. “Hoje o Ministério da Saúde desenvolve ações para as mulheres, que acabam atendendo às necessidades das jovens negras, mas políticas especificamente para os homens não existem”, analisa.

Doriam Borges concorda que as políticas públicas existentes hoje são muito abrangentes e que precisam ser mais focalizadas a públicos específicos. “É preciso em primeiro lugar uma política séria de desarmamento. A chance de os jovens morrerem por arma de fogo é muito maior do que por outros meios. Além disso, é importante que se criem políticas específicas de prevenção e redução de homicídios contra adolescentes e jovens, que é o público alvo. Não temos políticas específicas de violência letal. Temos algumas políticas mais abrangentes, como as de segurança pública, mas, muitas vezes, as políticas públicas de segurança acabam sendo mais reativas, e nós precisamos de políticas preventivas na área de letalidade de juventude”, comenta. De acordo com a pesquisa do IHA, o risco de morte com arma de fogo entre adolescentes é seis vezes maior do que por outros meios.

Como forma de orientar políticas públicas mais específicas, as instituições responsáveis pelo IHA também criaram o Guia Municipal de Prevenção da Violência Letal contra Adolescentes e Jovens com intuito de proporcionar uma metodologia de orientação aos gestores municipais na elaboração de políticas públicas voltadas para a redução da violência desta faixa etária. “Nesse guia, damos algumas orientações sobre como os gestores podem desenvolver políticas públicas. Cada cidade precisa de políticas específicas para suas realidades”, aponta Doriam.


Tenha acesso ao conteúdo deste "Guia",
clicando no link abaixo:

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quarta-feira, 30 de janeiro de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/517279-brasil-tem-como-principal-causa-de-morte-entre-jovens-o-homicidio

Jesus politicamente incorreto


Gianfranco Ravasi*
Il Sole 24 Ore
27-01-2013

Consideramos Cristo apenas como "manso e humilde de coração" e, portanto, doce, terno, calmo, e a considerar o "evangelho" apenas como uma "boa notícia". Isso é verdade, mas o amor não suprime a justiça, a bondade deve se conjugar com a verdade, a delicadeza não é sinônimo de ingenuidade, a suavidade não pode beirar o despreparo, 
e o bem não é ingenuidade.

Cardeal Gianfranco Ravasi
Quando atracam com o barco em Cafarnaum, na margem norte do lago de Tiberíades, os peregrinos logo vislumbram as colunas e as paredes que ficaram de pé da antiga sinagoga do século IV, sinal da importância dessa cidadezinha de trânsito para a Síria, agora porém reduzida apenas a um campo arqueológico administrado pelos franciscanos. 

Nessa área sinagogal, em um edifício pré-existente agora desaparecido, Cristo proferiu um discurso longo e desconcertante sobre a sua carne como alimento e sobre o seu sangue como bebida.

Se pensarmos que, naquela cultura, era proibido até mesmo tocar em um corpo dilacerado e sanguinolento, porque o sangue, sinal da vida intangível, contaminava aqueles que o manipulavam, conseguimos compreender a reação de muitos discípulos de Jesus registrada pelo evangelista João: "Este discurso é sklerós", ou seja, "duro", inaceitável (6, 60).

O próprio Cristo é consciente disso e responde: "Isso escandaliza vocês?", e em grego skándalon é a pedra de tropeço que faz com que uma pessoa que avança por um caminho acidentado tropece e caia. Não é por nada que, dirigido aos 12, os apóstolos por ele escolhidos, ele havia interpelado com uma pergunta clara e radical: "Vocês também querem ir embora?" (6, 67). 

Diante dos muitos outros discípulos que voltaram atrás e não andavam mais com Jesus, seria o apóstolo Pedro que reagiria: "A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna" (6, 68). Essa promessa tão clara, no entanto, estava destinada não raramente a se ofuscar diante de outras palavras e comportamentos "duros" do Mestre.

Quisemos evocar essa cena evangélica para apresentar um livro que um monge da Comunidade de Bose, do Piemonte, Ludwig Monti (Le parole dure di Gesù [As palavras duras de Jesus], Ed. Qiqajon, Bose, Biella, 172 páginas), dedicou justamente às "palavras duras de Jesus", um livro que na capa tem o impressionante rosto de Cristo in opus sectile da Domus de Porta Marina em Ostia (século IV), de olhos aterradores e arrepiantes.

Eu mesmo, há muito tempo, consagrei uma coluna semanal da revista Famiglia Cristiana, a um contagem sistemática não só de "palavras duras" de Jesus, mas também de todas as passagens do Evangelho que são verdadeiras "pedras de tropeço" (skándalon) do leitor. Este, de fato, é propenso a considerar Cristo apenas como "manso e humilde de coração" e, portanto, doce, terno, calmo, e a considerar o "evangelho" apenas como uma "boa notícia".

Isso é verdade, mas o amor não suprime a justiça, a bondade deve se conjugar com a verdade, a delicadeza não é sinônimo de ingenuidade, a suavidade não pode beirar o despreparo, e o bem não é ingenuidade. 

O biblista de Bose coleta 34 passagens evangélicas articulando-as segundo os destinatários (ao menos de acordo com a redação dos evangelistas), isto é, os 12 ou os discípulos, as pessoas religiosas da época (pensamos nos escribas e nos fariseus), a multidão judaica e outros, para acabar com uma frase dirigida a Deus e aparentemente problemática: "Eu peço por eles, não peço pelo mundo" (João 17, 9).

O que cria dificuldades interpretativas ou embaraço, na realidade, são muitas outras palavras de Jesus, e talvez é por isso que Monti acrescenta, no fim, uma bibliografia "para ir além...". Certamente, muitos leitores dos Evangelhos não raramente se confrontam com frases chocantes (hard sayings, as definia, em um artigo de 1983, o estudioso norte-americano Frederick F. Bruce), como por exemplo, este convite impressionante dirigido por Jesus a um aspirante a discípulo que recém havia perdido o pai e devia participar do funeral: "Siga-me, e deixe que os mortos sepultem seus próprios mortos" (Mateus 8, 22).

Ou ainda, de modo igualmente provocativo e "escandaloso": "Se alguém vem a mim, e não odeia o seu pai, a sua mãe, a mulher, os filhos, os irmãos, as irmãs, e até mesmo a sua própria vida, não pode ser meu discípulo" (Lucas 14, 26). Na realidade, aqui, o desconcerto (Jesus que impõe o ódio, depois de ter sempre exaltado o amor e a não violência!) é mais de índole linguística, sendo as línguas semíticas – como o aramaico subjacente ao grego dos Evangelhos – desprovidas do comparativo relativo, pelo qual "amar menos" se torna "odiar". Nesse caso, então, a perturbação diante de tal apelo se dissolve, pensando que Jesus queria dizer: "Se alguém vem a mim, e me ama menos do que o seu pai...". Mas por que Lucas, que lidava bem com o grego, não adotou logo essa forma? 

Responde adequadamente Monti: "Ao custo de ofender os seus leitores de língua grega, Lucas mantém o verbo 'odiar' para ressaltar a paradoxalidade do pedido de Jesus". Em outras palavras, Jesus não é um político que, ao custo de agregar votos para si e de conservar o poder, está pronto para qualquer compromisso. Melhor poucos discípulos (o "pequeno rebanho") conscientes das exigências da escolha a ser feita, do que uma massa de seguidores aproximativos e propensos à fuga diante de um compromisso sério e severo.

Poderíamos continuar essa lista, citando mais um exemplo, como esta embaraçosa declaração de Cristo: "Qualquer pecado ou blasfêmia será perdoado; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada" (Mateus 12, 31). Santo Agostinho já confessava a sua impotência para decifrar a afirmação, reconhecendo que "nas Sagradas Escrituras não há, talvez, nenhuma questão mais comprometedora e não se encontra outra mais difícil". O nosso autor propõe uma solução sugestiva, levando-se em conta o contexto em que está em cena a luta contra Satanás e o pecado. Lá, tem-se a afirmação de Jesus que declara que "expulsa os demônios através do Espírito de Deus" (12, 28). 

Então, "se o Espírito é a remissão dos pecados, blasfemar contra ele é fechar-se ipso facto ao perdão dado por Deus e recusar a se deixar converter por ele. Jesus não pronuncia uma palavra de castigo, limita-se a uma triste constatação dessa realidade de fato", que revela, dentre outras coisas, o destaque da liberdade humana.

Paremos por aqui, deixando que os leitores descubram outras "palavras duras" de Cristo, sem falar daquelas passagens evangélicas problemáticas ou complicadas, que aqui não são abordadas e às quais penso em dedicar, eu mesmo, no futuro, uma análise essencial, destinada a quem não tem uma preparação exegética específica. 

Gostaríamos, de fato, que todos pudessem dar razão dos textos e da sua dificuldade, conscientes de uma frase do historiador inglês do século XVII Thomas Fuller, que, na sua Gnomologia, defendia: "Tudo é difícil antes de se tornar simples".

Tradução do italiano por Moisés Sbardelotto.

* Gianfranco Ravasi, cardeal presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, biblista e teólogo.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quarta-feira, 30 de janeiro de 2013 - Internet:

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Luto ensina que as pessoas que morrem fazem parte da nossa vida para sempre

CLÁUDIA COLUCCI
DE SÃO PAULO


Um incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), causou a morte de 
234 pessoas e deixou mais de cem hospitalizadas, 
na madrugada de 27 de janeiro.
Reconhecimento dos corpos acontece no Centro Desportivo Municipal,
em Santa Maria (RS) - Foto: Ronald Mendes / Agencia RBS
Aceitar e elaborar o luto. Essa é a difícil tarefa que familiares e amigos dos jovens mortos em Santa Maria terão pela frente a partir de agora.
Estudiosos do assunto consideram difícil precisar a duração "normal" para o luto. Em geral, o processo pode levar de um a três anos.

Há pelo menos quatro etapas a serem percorridas:
  • aceitar a realidade da perda, 
  • elaborar a dor da perda, 
  • ajustar-se a um ambiente onde está faltando a pessoa que morreu e, finalmente, 
  • continuar vivendo sem a pessoa amada.
Para um dos maiores especialistas em luto, o psiquiatra inglês Colin Murray Parkes, o luto é o preço que se paga pelo amor, por uma vida feliz. É assim que ele impulsiona seus pacientes a não esquecer o ente querido que morreu, mas seguir com a boa lembrança.
Segundo Parkes, uma das coisas que o luto ensina é que as pessoas que amamos nunca perdemos. Elas são parte da nossa vida para sempre.

O problema é que, no primeiro momento em que se perde alguém, sente-se que todas as coisas boas que vieram com essa pessoa se perderam também.

Só quando a pessoa para de tentar recuperar é que percebe que nunca perdeu, diz o psiquiatra na obra "Luto, Estudos sobre a Perda na Vida Adulta" (editora Summus).

O luto por um filho jovem é tido como um dos mais complicados, que pode demorar décadas para ser elaborado.

Atualmente, até eventos cardíacos estão associados a lutos mal elaborados. Nessas situações, há uma liberação excessiva de hormônios relacionados ao estresse, como a adrenalina e a cortisona, que provocam fraqueza do músculo cardíaco.

Por isso, recomenda-se que os sistemas de saúde tenham planos de emergência que ofereçam suporte psicológico às vítimas de tragédias.

Fonte: Folha de S. Paulo - Cotidiano - Tragédia no Sul - 29/01/2013 - 04h00 - Internet: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1222026-analise-luto-ensina-que-as-pessoas-que-morrem-fazem-parte-da-nossa-vida-para-sempre.shtml

A RAZÃO DA CRISE ELÉTRICA


José Eli da Veiga*
Valor Econômico 
29-01-2013

"A opção preferencial do lulismo foi se submeter aos lobbies favoráveis à construção de termelétricas movidas a combustíveis fósseis. Jogando no lixo a linha formulada pelo PT antes das eleições de 2002, sob a liderança e coordenação de 
Luiz Pinguelli Rosa (UFRJ) e Ildo Sauer (USP)"
Segundo ele, "na contramão do lulismo, muitos estudos independentes demonstram que a melhor alternativa para o sistema elétrico brasileiro 
é oferecida pela dobradinha "hidroeólica".
"Em suma - conclui Eli da Veiga - se a atual crise elétrica se deve a alguma falta, 
essa falta é de democracia e de transparência no planejamento energético. 
Neste caso, Dilma e Lula não se diferenciaram de 
Fernando Henrique Cardoso, Itamar, Collor e Sarney".
ENERGIA EÓLICA NO BRASIL

É versão corrente na mídia que a crise do sistema elétrico resulta de falta de planejamento. Até o diretor da Eletrobras, Valter Cardeal, precisou desmentir que tenha feito essa crítica ao também dilmista da gema Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Isso é muito estranho, pois uma simples visita ao site da EPE mostra que o planejamento tem sido até frenético. Além do Plano Nacional de Energia 2030, concluído em 2008, estão disponíveis seis planos decenais de expansão elaborados entre 2006 e 2012, com o último - PDE-2021 - ainda em forma de proposta.

Então, se não é por falta de planejamento, com certeza houve sérios erros de concepção nesses sete exercícios. E o principal é bem conhecido, pois todos os especialistas que não são chapa-branca concordam que as fontes renováveis modernas - como a eólica, a biomassa, ou mesmo a solar - foram vítimas do viés pró-fóssil de "lobistas, empresários, políticos, intermediários e atravessadores" que sempre controlaram o chamado "setor" elétrico.

O caso da eólica é exemplar, pois seu recente avanço nada teve a ver com os planos. Foi na raça, desde que alguns empreendedores farejaram que erguer cataventos podia ser bem rentável, além de viável, ao contrário do que afirmavam os planos preparados pela EPE para as pantominas do Ministério de Minas e Energia (MME). Daí a falta de linhas de transmissão que deixam tanta energia "parada" em parques eólicos, como mostrou Rodrigo Polito no Valor de 17/1.
USINAS TERMELÉTRICAS NO BRASIL - Dados de 2010
Para compensar a forçosa insuficiência sazonal das hidrelétricas, a opção preferencial do lulismo foi se submeter aos lobbies favoráveis à construção de termelétricas movidas a combustíveis fósseis. Jogando no lixo a linha formulada pelo PT antes das eleições de 2002, sob a liderança e coordenação de Luiz Pinguelli Rosa (UFRJ) e Ildo Sauer (USP). Para entender tão grave "vira-casaca", nada melhor que a entrevista dada por Sauer à "Revista da Adusp" de outubro de 2011.

Na contramão do lulismo, muitos estudos independentes demonstram que a melhor alternativa para o sistema elétrico brasileiro é oferecida pela dobradinha "hidroeólica", como expôs Joaquim F. de Carvalho (UFRJ) no Valor de 01/11/12. Tese fundamentada em detalhe por Adilson de Oliveira (UFRJ) e Osvaldo Soliano (CBEM) em seus respectivos capítulos do livro "Energia Eólica", lançado em outubro pela editora Senac. Também pelo amplo grupo de especialistas liderado por Gilberto Jannuzzi (Unicamp) que elaborou o relatório "Além de grandes hidrelétricas" para o WWF-Brasil. E no recente artigo "An assessment of wind power prospects in the Brazilian hydrothermal system", publicado na "Renewable and Sustainable Energie Reviews" 19 (2013) 742-53 por Juliana F. Chade Ricosti e Ildo L. Sauer.

São incalculáveis os prejuízos causados pela guinada lulista em favor das máfias que controlam o "setor elétrico". Além dos inúmeros "apaguinhos" e dos exorbitantes custos monetários do funcionamento das térmicas, precisam ser computadas suas emissões de carbono, incoerentes com a também lulista Política Nacional Sobre Mudança do Clima (PNMC), instituída pela lei 12.187, de 29/12/09.

Enquanto se aguarda os tétricos dados de 2012, é preciso saber que já em 2011 as emissões de gases de efeito estufa (GEE) das termelétricas se aproximavam dos 30 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (MtCO2 e), das quais é desconhecida a distribuição por tipo de combustível para os pouco mais de 10 MtCO2 e da autoprodução. Mas, para os quase 20 MtCO2 e dos sistemas integrado e isolados, sabe-se que os vários óleos (principalmente diesel) causaram quase 40% dessas emissões, o carvão pouco mais de 30% e o gás natural quase 30%. E que metade desse estrago foi obra de empresas da Eletrobras, com destaque para a Amazônia-Energia, a gaúcha CGTEE e a Eletronorte.

Tão absurda situação teria sido evitada se os planos elaborados pela EPE tivessem sido submetidos a amplo debate público e a escrutínio parlamentar, mesmo que só no Senado. Assim, ao menos teriam sido convocados para audiência pública pesquisadores que há muito insistem que a confiabilidade do sistema exige renováveis modernas para a complementação da base hidráulica.

Em vez disso, o país é vítima de planejamento tecnocrático e autoritário, no qual prevalece a regra de que o papel aceita tudo. Para consolidar a linha pró-fóssil, é suficiente que um tecnocrata escreva que em 2011 as emissões de GEE do sistema elétrico nem atingiram a metade do que seria uma meta setorial para 2020. Pouco lhe importa que o uso de termelétricas seja considerado crime de "lesa-humanidade" pelo emérito da Unicamp Rogério Cezar de Cerqueira Leite (Folha, 31/03/09). Algo que com certeza importaria para a opinião pública e, consequentemente, para parte de seus representantes no legislativo.

Em suma, se a atual crise elétrica se deve a alguma falta, essa falta é de democracia e de transparência no planejamento energético. Neste caso, Dilma e Lula não se diferenciaram de FHC [Fernando Henrique Cardoso], Itamar, Collor e Sarney.

* José Eli da Veiga é professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ).

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Terça-feira, 29 de janeiro de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/517277-a-razao-da-crise-eletrica

A triste sina da democracia brasileira [Vale a pena ler!]


LUIZ WERNECK VIANNA* 

JÜRGEN HABERMAS - filósofo alemão
De fato, para quem é leitor da mídia eletrônica e de alguns notáveis do colunismo econômico da grande imprensa, se vale o que é dito, parece que estamos em meio a mais uma floração do nacionalismo tanto nos rumos atuais da política interna quanto nos da externa, embora não se precisem a sua natureza nem as forças contra as quais se opõe. Nesse vasto material, nas citações abundantes dos colunistas de maior renome, em suas interpretações sobre o estado de coisas no mundo, uma ausência pode ser considerada sintomática, a de Jürgen Habermas, tido - o que ninguém lhe nega - como um dos maiores pensadores contemporâneos.

Faz sentido, Habermas, a seu modo, um herdeiro das tradições libertárias da filosofia clássica alemã, é um cosmopolita e, como tal, refratário à estatolatria, patologia que encontra terreno fértil nos contextos nacionais de capitalismo politicamente orientado, aberto ou encapuzado, como aqui. De outra parte, e em igual medida, é também refratário às concepções sistêmicas que confiam ao mercado o destino das sociedades, na crença de que ele conhece mecanismos de autoajuste. Tudo contado, sua obra monumental se aplica na valorização da política, da democracia como prática de homens dotados de autonomia para agir e pensar livremente, e não à toa ele se voltou, em plena maturidade, para o estudo do Direito e dos direitos, com ênfase especial nos direitos humanos, seara propícia à sua perspectiva universalista.

Nossos maîtres à penser [trad.: mentores], senhores da língua franca dos economistas - hoje, dominante na comunicação -, na contramão das correntes intelectuais que sondam as possibilidades de evasão dessa gaiola de ferro que construímos para nós mesmos, sem controlar o alcance das nossas micro e macrodecisões, reagem ao cenário da globalização numa aceitação tácita do mundo tal como ele se nos apresenta. Diante dela, o esforço concentra-se na busca de janelas de oportunidade para uma inscrição com grandeza na economia-mundo, sob a pilotagem de peritos nas navegações de longo curso exigidas pelas peripécias do mercado. Nos dias que correm, sob a condução geral da presidente Dilma Rousseff, ela mesma uma economista, falante da língua franca dessa grei, por livre escolha em diálogo permanente com alguns dos seus membros mais eminentes.

Mas, além desses personagens, há outros, no caso, os maiores interessados no sucesso dessa navegação de longo curso, os empresários das grandes empresas, nem sempre inteiramente nacionais, das finanças, das empreiteiras e do agronegócio. Para eles franqueia a cornucópia dos recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do financiamento estatal a fim de alavancarem os seus empreendimentos no País e fora dele, como na África e na América do Sul, quando, especialmente estes últimos, são revestidos do manto de aura que os identifica como portadores do interesse nacional, parceiros na política de projeção do poder estatal.

Com essa manobra ideológica, tais personagens são alçados, sob a mediação do Estado, da dimensão da economia para a da política, apresentados como "campeões", heróis-empresários que desbravam o mundo em torno, não na busca de território, como na atuação de um barão do Rio Branco e suas motivações ibéricas, mas como novos bandeirantes que levam à frente o capitalismo brasileiro em nome da representação de presumidos interesses gerais da sociedade.

DILMA ROUSSEFF - Presidente da República
Nessa roupagem, o nacional é subsumido à lógica da modernização econômica, que, na nova tradução que lhe concede o governo Dilma, passa a ser um processo conduzido condominialmente pelo poder político, pela tecnocracia e pelo grande empresariado, novo ator ativo na tomada de decisões, ao contrário dos surtos modernizantes anteriores, em que o poder político agia monocraticamente. Sob esse estatuto de acento bismarkiano, o nacional se apresenta sem vínculos com a agenda da sociedade civil, que se tem orientado, desde a democratização do País, em torno da agenda de direitos. Nesse registro, quando muito, a sociedade civil é vista como uma beneficiária indireta dos êxitos da acumulação capitalista resultante dos empreendimentos econômicos bem-sucedidos no interior de nossas fronteiras e fora delas.

Trata-se, pois - e isso precisa ser declarado em alto e bom som - de um projeto nacional grão-burguês, que manipulações ideológicas ora em curso pretendem aproximar retoricamente da configuração do ideário nacional-popular.

O ideário nacional-popular começou a tomar forma a partir dos últimos meses do segundo governo Getúlio Vargas, encontrou sua expressão nos últimos anos da democracia de 1946 e foi sustentado por intensa participação popular em favor de mudanças sociais de largo alcance até ser varrido do léxico político brasileiro pelo regime militar. Não há o nacional-popular sem a presença e a voz da sociedade e dos seus setores subalternos.

Dez anos atrás, em seu belo discurso de posse, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, logo depois de evocar - sem o citar - as lições de Gilberto Freire sobre o sincretismo e a mestiçagem como a contribuição original brasileira ao mundo, dizia que "(a nossa) política externa refletirá também os anseios que se expressaram nas ruas".

As ruas estão, há tempo, silenciosas e mal têm notícias dos feitos do nosso Estado e das nossas grandes empresas, aqui e lá fora, com seus consultores e suas elites dirigentes imersos em cálculos de macroeconomia e artes afins, empenhados em realizar um projeto de País às nossas costas, no qual só há lugar para as razões instrumentais que nos elevem ao estatuto de grande potência mundial, triste sina que, mais uma vez, acomete a democracia brasileira.

* LUIZ WERNECK VIANNA É PROFESSOR-PESQUISADOR DA PUC-RIO. 
E-MAIL: LWERNECK096@GMAIL.COM

Fonte: ESTADÃO.COM.BR - Opinião - 27 de janeiro de 2013 - 02h06 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-triste-sina-da--democracia-brasileira-,989319,0.htm

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Trabalho escravo no Brasil: ganância, miséria e impunidade

Boletim da CNBB
25-01-2013

Os fiscais Nelson José da Silva, João Batista Soares Lage,
Eratóstenes de Almeida Gonsalves
e o motorista Aílton Pereira de Oliveira

No próximo dia 28 de janeiro [hoje, portanto], o Brasil celebra o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. A data é uma homenagem ao assassinato dos auditores fiscais do trabalho Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, e o motorista Ailton Pereira de Oliveira, no ano de 2004, quando apuravam denúncia de trabalho escravo na zona rural de Unaí (MG). A data foi oficializada em 2009, no entanto, essa luta é mais antiga. Desde o início dos anos 1970, a Igreja, com dom Pedro Casaldáliga, e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), tem denunciado a utilização do trabalho escravo na abertura das novas fronteiras agrícolas do país.

A CPT foi pioneira no combate ao trabalho escravo e levou a denúncia às Organização das Nações Unidas (ONU). “A Igreja precisava tomar um posicionamento diante da realidade já muito explícita de trabalho escravo no Brasil, o Governo negava que existia esse tipo de situação”, disse o assessor da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e da Paz, padre Ari Antônio dos Reis. Com isso, o Estado se comprometeu em criar uma estrutura de combate a esse crime em território brasileiro.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho escravo apresenta características bem delimitadas. Além das condições precárias, como falta de alojamento, água potável e sanitários, por exemplo, também existe cerceamento do direito de ir e vir pela coação de homens armados. Os trabalhadores são forçados a assumir dívidas crescentes e intermináveis, com alimentação e despesas com ferramentas usadas no serviço.

Por parte do Estado, existem ações que podem auxiliar no combate ao trabalho escravo, como por exemplo, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438. A "PEC do Trabalho Escravo" é considerada um dos projetos mais importantes de combate à escravidão, tanto pelo forte instrumento de repressão que pode criar, mas também pelo seu simbolismo, pois revigora a importância da função social da terra, já prevista na Constituição.

A PEC 438 foi apresentada em 1999, pelo ex-senador Ademir Andrade (PSB-PA), e propõe o confisco de propriedades em que forem encontrados casos de exploração de mão-de-obra equivalente à escravidão, e/ou lavouras de plantas psicotrópicas ilegais, como a maconha. A PEC 438/2001 define ainda que as propriedades confiscadas serão destinadas ao assentamento de famílias como parte do programa de reforma agrária.

A Igreja do Brasil está atenta à realidade do tráfico humano. Prova disso, é que a Campanha da Fraternidade de 2014 terá como tema “Fraternidade e Tráfico Humano” e lema “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). “A partir do trabalho e da reflexão dentro da CNBB, e do Conselho de Pastoral, foi aprovado para a Campanha da Fraternidade de 2014, tratar do trabalho escravo, por sua vez, ligado ao tráfico humano. Então nós vamos trabalhar na Campanha essas duas propostas: a denúncia do tráfico de pessoas e trabalho escravo, e todas as consequências que essas denúncias trazem para a Igreja”, explicou padre Ari.

De acordo com a secretária do Grupo de Trabalho (GT) de Enfrentamento ao Tráfico Humano, da CNBB, irmã Claudina Scapini, o trabalho escravo é uma entre as modalidades do tráfico humano. “O trabalho escravo, a exploração sexual, o tráfico de órgãos, e a adoção irregular, são, para nós, as grandes modalidades do tráfico de seres humanos”, afirmou.


Segundo os últimos dados da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, os casos de trabalho escravo em 2012, somaram 189, com a libertação de 2.723 trabalhadores, em todo o país. Ainda de acordo com as informações, o número de trabalhadores resgatados do trabalho escravo cresceu 9% em relação a 2011. Os maiores índices foram encontrados na região Norte, onde foi registrada metade do número total de trabalhadores envolvidos em situação de escravidão, e 39% dos que chegaram a ser resgatados.

No ano de 2011, o estado do Pará havia deixado de ser o campeão permanente do ranking entre os estados, pelo número de trabalhadores envolvidos em situação de escravidão. Já em 2012, voltou ao topo do ranking em todos os critérios: número de casos (50), número de trabalhadores envolvidos (1244) e número de libertados (519). O Tocantins vem logo em seguida com 22 casos, 360 envolvidos e 321 libertados (três vezes mais que em 2011).

No estado do Amazonas, onde a fiscalização passou a operar mais recentemente, foram identificados 10 casos, e resgatados quase três vezes mais trabalhadores do que no ano anterior: 171 pessoas. Alagoas, em apenas um caso, passou de 51 para 110 trabalhadores resgatados e o Piauí (com 9 casos), de 30 para 97.

Outro dado que chama a atenção é o aumento da participação da região Sul na prática desse crime. Em 2011, foram registrados na região 23 casos, envolvendo 158 trabalhadores, sendo que 154 foram resgatados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

De uma forma geral, os números mostram que houve resgate de trabalhadores em 20 estados, o que demonstra que essa prática criminosa persiste de norte a sul do nosso país, mesmo diante das ações de órgãos do governo e de organizações sociais que lutam pelo seu fim. A CNBB é aliada ao combate desse tipo de prática, fazendo o chamamento ao diálogo de dioceses, paróquias, comunidades e entidades ligadas à missão pastoral.

Persistem alguns desafios para o Estado, a Igreja e a sociedade civil, voltados na perspectiva de enfrentamento e superação desta situação. Destacam-se a fiscalização eficiente, a mobilização social contra esta prática, a reforma agrária, superação da miséria. A impunidade, ainda constante, precisa ser combatida.  Na chacina de Unaí, nove anos depois, nenhum dos nove réus indiciados foi julgado. Agora são oito réus, pois Francisco Elder Pinheiro, acusado de ter sido o contratante dos pistoleiros, morreu no último dia 7 de janeiro, aos 77 anos, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC).

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Segunda-feira, 28 de janeiro de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/517221-trabalho-escravo-no-brasil-ganancia-miseria-e-impunidade

Igrejas arrecadam R$ 20 bilhões no Brasil em um ano

FLÁVIA FOREQUE

Receita dos variados templos (de católicos a evangélicos) equivale 
a metade do Orçamento da cidade de São Paulo
Crescimento foi de 12% em 5 anos; doações aleatórias e dízimo 
foram principais fontes do declarado em 2011

Em um país onde só 8% da população declaram não seguir uma religião, os templos dos mais variados cultos registraram uma arrecadação bilionária nos últimos anos.
Apenas em 2011, arrecadaram R$ 20,6 bilhões, valor superior ao orçamento de 15 dos 24 ministérios da Esplanada - ou 90% do disponível neste ano para o Bolsa Família.

A soma (que inclui igrejas católicas, evangélicas e demais) foi obtida pela Folha junto à Receita Federal por meio da Lei de Acesso à Informação. Ela equivale a metade do Orçamento da cidade de São Paulo e fica próxima da receita líquida de uma empresa como a TIM.
A maior parte da arrecadação tem como origem a fé dos brasileiros: R$ 39,1 milhões foram entregues diariamente às igrejas, totalizando R$ 14,2 bilhões no ano.

Além do dinheiro recebido diretamente dos fiéis (dos quais R$ 3,47 bilhões por dízimo e R$ 10,8 bilhões por doações aleatórias), também estão entre as fontes de receita, por exemplo, a venda de bens e serviços (R$ 3 bilhões) e os rendimentos com ações e aplicações (R$ 460 milhões).

"A igreja não é uma empresa, que vende produtos para adquirir recursos. Vive sobretudo da doação espontânea, que decorre da consciência de cristão", diz dom Raymundo Damasceno, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

Entre 2006 e 2011 (último dado disponível), a arrecadação anual dos templos apresentou um crescimento real de 11,9%, segundo informações declaradas à Receita e corrigidas pela inflação.
A tendência de alta foi interrompida apenas em 2009, quando, na esteira da crise financeira internacional, a economia brasileira encolheu 0,3% e a entrega de doações pesou no bolso dos fiéis. Mas, desde então, a trajetória de crescimento foi retomada.


IMPOSTOS

Assim como partidos políticos e sindicatos, os templos têm imunidade tributária garantida pela Constituição.
"O temor é de que por meio de impostos você impeça o livre exercício das religiões", explica Luís Eduardo Schoueri, professor de direito tributário na USP. "Mas essa imunidade não afasta o poder de fiscalização do Estado."

As igrejas precisam declarar anualmente a quantidade e a origem dos recursos à Receita (que mantém sob sigilo os dados de cada declarante; por isso não é possível saber números por religião).

Diferentemente de uma empresa, uma organização religiosa não precisa pagar impostos sobre os ganhos ligados à sua atividade. Isso vale não só para o espaço do templo, mas para bens da igreja (como carros) e imóveis associados a suas atividades.

Os recursos arrecadados são apresentados ao governo pelas igrejas identificadas como matrizes. Cada uma delas tem um CNPJ próprio e pode reunir diversas filiais. Em 2010, a Receita Federal recebeu a declaração de 41.753 matrizes ou pessoas jurídicas.

PENTECOSTAIS

Pelo Censo de 2010:
  • 64,6% da população brasileira são católicos, 
  • enquanto 22,2% pertencem a religiões evangélicas. Esse segmento conquistou 16,1 milhões de fiéis em uma década. 
  • As que tiveram maior expansão foram as de origem pentecostal, como a Assembleia de Deus.
"Nunca deixei de ajudar a igreja, e Deus foi só abrindo as portas para mim", diz Lucilda da Veiga, 56, resumindo os mais de 30 anos de dízimo (10% de seu salário bruto) à Assembleia de Deus que frequenta, em Brasília.

"Esse dinheiro não me pertence. Eu pratico o que a Bíblia manda", justifica.

Fonte: Folha de S. Paulo - Poder - Domingo, 27 de janeiro de 2013 - Internet: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/90806-igrejas-arrecadam-r-20-bilhoes-no-brasil-em-um-ano.shtml

sábado, 26 de janeiro de 2013

3º Domingo do Tempo Comum - Ano "C" - Homilia

Evangelho: Lucas 1,1-4; 4,14-21


1 Muitas pessoas já tentaram escrever a história dos acontecimentos que se realizaram entre nós, 
2 como nos foram transmitidos por aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da palavra. 
3 Assim sendo, após fazer um estudo cuidadoso de tudo o que aconteceu desde o princípio, também eu decidi escrever de modo ordenado para ti, excelentíssimo Teófilo. 
4 Deste modo, poderás verificar a solidez dos ensinamentos que recebeste. 
Naquele tempo, 4,14 Jesus voltou para a Galileia, com a força do Espírito, e sua fama espalhou-se por toda a redondeza. 
15 Ele ensinava nas suas sinagogas e todos o elogiavam. 
16 E veio à cidade de Nazaré, onde se tinha criado. Conforme seu costume, entrou na sinagoga, no sábado, e levantou-se para fazer a leitura. 
17 Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: 
18 “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa-nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos 
19 e para proclamar um ano da graça do Senhor”. 
20 Depois fechou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. 
21 Então começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”.

JOSÉ ANTONIO PAGOLA
PROFETA

Numa aldeia perdida da Galileia, chamada Nazaré, os moradores se reúnem na sinagoga numa manhã de sábado para escutar a Palavra de Deus. Depois de alguns anos buscando a Deus no deserto, Jesus volta ao povoado onde havia crescido.

A cena é de grande importância para conhecer Jesus e entender bem sua missão. Segundo o relato de Lucas, nesta aldeia quase desconhecida por todos, Jesus fará sua apresentação como Profeta de Deus e exporá seu programa, aplicando-se, a si mesmo, um texto do profeta Isaías.

Depois de ler o texto, Jesus o comenta com uma só frase: "Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir". Segundo Lucas, as pessoas "tinham os olhos fixos nele". A atenção de todos passa do texto lido à pessoa de Jesus. O que nós, hoje, podemos descobrir se fixarmos os nossos olhos nele?

Movido pelo Espírito de Deus. A vida inteira de Jesus está impulsionada, conduzida e orientada pelo sopro, pela força e pelo amor de Deus. Crer na divindade de Jesus não é confessar, teoricamente, uma fórmula dogmática elaborada pelos concílios. é ir descobrindo, de maneira concreta, em suas palavras e em seus gestos, em sua ternura e em seu fogo, o Mistério último da vida que os crentes chamam "Deus".

Profeta de Deus. Jesus não foi ungido com azeite de oliva como se ungia os reis para transmitir-lhes poder de governo ou aos sumos sacerdotes para investi-los do poder sacro. Foi "ungido" pelo Espírito de Deus. Não vem para governar nem reger. É profeta de Deus dedicado a libertar a vida. Somente poderemos segui-lo, se aprendermos a viver com seu espírito profético.

Boa notícia para os pobres. Sua atuação é Boa Notícia para a classe social mais marginalizada e desvalida: os mais necessitados de ouvir algo bom; os humilhados e esquecidos por todos. Começamos a nos parecer com Jesus, quando nossa vida, nossa atuação e amor solidário podem ser captados pelos pobres como algo bom.

Dedicado a libertar. Vive ocupado em libertar o ser humano de toda classe de escravidões. As pessoas o veem como libertador de sofrimentos, opressões e abusos; os cegos o veem como luz que liberta da falta de sentido e da desesperança; os pecadores o acolhem como graça e perdão. Seguimos Jesus, quando ele nos vai libertando de tudo aquilo que nos escraviza, diminui ou desumaniza. Então, cremos nele como Salvador que nos encaminha para a Vida definitiva. 

NÃO SOMENTE UM ASSUNTO PRIVADO

É muito comum, entre nós, a tendência de compreender e viver a fé como um assunto puramente privado. Muitas pessoas pensam que a presença comprometida da Igreja na vida pública seja algo totalmente alheio à ação evangelizadora desejada por Jesus.

A Igreja teria uma missão exclusivamente religiosa, de ordem sobrenatural, alheia aos problemas políticos e econômicos, deveria limitar-se a ajudar seus fiéis em sua santificação individual.

Porém, logo se observa uma postura curiosa. Abençoa-se e aprova-se a intervenção da Igreja quando vem legitimar ou fortalecer as próprias posições, e condena-se essa intervenção como sendo uma degradação de sua missão ou uma intrusão ilegítima, quando critica as próprias opções.

Este duplo critério na hora de valorizar a intervenção da Igreja não está indicando uma fidelidade maior à própria opção sócio-política do que a busca sincera das autênticas exigências da fé?

Sem dúvida, a Igreja pode, em algum ocasião, não respeitar devidamente a autonomia própria do político e econômico. Porém, o que provoca suspeita é essa reação, quase visceral, diante de qualquer posicionamento da Igreja que trate de concretizar as exigências sociais da fé, sem coincidir com nossa própria posição.

O paradoxal é que, com frequência, pede-se à Igreja que "se dedique ao que é seu". Porém,  acontece que "o seu" [da Igreja], é atuar animada pelo mesmo Espírito de Jesus, o qual se via "enviado a dar a Boa Notícia aos pobres, a anunciar a libertação aos cativos... e a dar liberdade aos oprimidos".

Não se quer entender que a Igreja, se quiser seguir Jesus, deve buscar a salvação integral do homem, que inclui as pessoas concretas, os povos, as estruturas e as instituições criadas pelo homem e para o homem.

A Igreja é, entre nós, uma instituição de grande incidência pública, um "poder de fato" [real], como dizem alguns. O problema da Igreja é como converter-se em serviço evangelizador, inspirador de uma sociedade mais humana e fraterna, como colocar sua influência social a serviço dos mais desfavorecidos da sociedade.

A salvação cristã não pode reduzir-se ao econômico nem ao político ou cultural, porém a Igreja "não admite circunscrever a sua missão somente ao terreno religioso, desinteressando-se dos problemas temporais do homem". É um dever seu "ajudar a nascer a libertação... e fazer que seja total. Tudo isto, não é estranho à evangelização" (Papa Paulo VI).

Tradução do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: MUSICALITURGICA.COM - Homilías de José A. Pagola - Quarta-feira, 23 de janeiro de 2013 - 09h28 - Internet: http://www.musicaliturgica.com/0000009a2106d5d04.php

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

BIG BROTHER BRASIL E OUTROS "REALITY SHOWS" SÃO RITOS DE TORTURA

Apresento um livro recém lançado, 
mas que já está dando o que falar!
Vale a pena conhecê-lo e aprofundar o debate 
que ele provoca.


Título do livro: RITUAIS DE SOFRIMENTO
Autora: Silvia Viana
Prefácio: Gabriel Cohn
Posfácio: Pedro Rocha de Oliveira
Páginas: 192
Ano de publicação: 2013
Editora: Boitempo Editorial (São Paulo - SP)
ISBN: 978-85-7559-309-7
Preço: R$ 37,00

Professora de sociologia na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e doutora pela USP, Silvia Viana leva a sério o aparente escárnio da designação “reality show” em Rituais de sofrimento, novo livro da coleção Estado de Sítio a ser publicado pela Boitempo. 

“Não lidamos aqui com um ritual como outro qualquer, não se trata de uma festa ou do consumo, ambos cerimoniais oferecidos aos deuses do prazer. Trata-se de algo mais perturbador, pois o que se vê nos reality shows é a proliferação de rituais de sofrimento”, afirma a pesquisadora no primeiro capítulo. 

Silvia Viana analisa tais rituais e mecanismos de dominação em vários produtos televisivos da indústria cultural brasileira, com especial atenção ao maior deles, o Big Brother Brasil, no ar há treze anos. O estudo também abrange programas e filmes de Hollywood que perpetuam a mesma lógica brutal. Assim como no BBB, o assassino Jigsaw da franquia Jogos Mortais, por exemplo, não almeja a morte/eliminação de suas vítimas: ele quer que elas sobrevivam. Mais que isso, que sobrevivam a qualquer preço. 

Quais são as molas que movem esse lado fake [= falso] e nem por isso menos real do mundo em que vivemos? Onde estão as roldanas que dirigem as cordas, quem são as figuras que elas agitam, como o conjunto se fecha sobre si mesmo sem deixar lacunas? Silvia reflete sobre essas questões em um relato clínico, com traços firmes e finos, sem poupar nada nem ninguém. 

GABRIEL COHN - sociólogo
Segundo o sociólogo e professor da USP Gabriel Cohn, a fatura desse livro parece seguir uma regra básica: quanto mais o tema se revela repugnante, tanto mais refinada deve ser a sua exposição. O resultado é uma escrita em que não cabe o gesto banal da indignação moral nem a repulsa à má qualidade estética – ambas provocações já programadas no espetáculo –, mas algo mais fundo. 

Apesar de permanecer na sociedade o debate em torno de um de seus discursos de origem, o mote do espetáculo da realidade e seu maior apelo junto aos telespectadores é a concorrência, não o voyeurismo. “É esse o fundamento que atrai o nosso olhar, pois é o fundamento de nossa reprodução social”, afirma Silvia. 

Para além dos inúmeros recordes acumulados pelo programa Big Brother Brasil, é digno de atenção o espírito que, ao longo de três meses anuais, toma o público. A disputa hipnotiza as cidades como um espectro: sem entender como, sabemos nomes e acontecidos, o programa toma o ar e sufoca. É onipresente; está em todas as mídias e em todas as conversas; suscita contendas nos ônibus e táxis. 

Mas é na internet que o comprometimento do público toma corpo: sites, grupos de debate, blogs, salas de bate-papo, tuitagens, comunidades virtuais e campanhas inflamadas para a eliminação de fulano ou beltrano proliferam e deixam o rastro do dinheiro, trabalho e tempo oferecidos gratuitamente ao show de horror. Em espaços de reclusão, que pela própria dimensão já inspiram pesquisas acadêmicas, é unânime o desejo do embate feroz entre os aprisionados. Neles, impera o princípio muito bem formulado pelo organizador da rinha: importa muito mais a queda que a salvação

O princípio violento do BBB não é oculto, pelo contrário, o próprio programa faz questão de afirmá-lo constantemente – e funciona inúmeras vezes como propaganda – ao enfatizar o caráter eliminatório e cruel do jogo. Cada edição impõe a seus participantes situações mais árduas. “Não é um jogo de quem ganha. É um jogo de eliminação. Esse saber generalizado, no entanto, não impede que uns se submetam e outros castiguem, nem que aqueles que se submetem também castiguem. Pelo contrário, a participação é a pedra fundamental do espetáculo. Mais que a aceitação passiva desse princípio nem um pouco subjacente, o programa conquista o engajamento ativo, frequentemente maníaco, nessa engrenagem de fazer sofrer”, afirma Silvia. 

Dividido em quatro partes, “Show de horror”, “Das regras”, “Dos jogadores” e “Das provas”, o livro conta também com o posfácio “Breve história da realidade: sofrimento, cultura e dominação”, do professor-adjunto de filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora Pedro Rocha de Oliveira, e com texto de orelha assinado por Gabriel Cohn

Trecho do livro 

“A dificuldade de se escrever a respeito da ideologia hoje é que para o juízo bastaria a descrição, mas essa já não o (co)move. Se uma pessoa se mostra crítica ou mesmo condoída diante do sofrimento que se avoluma nesse tipo de programa de TV, a ela caberá a pecha de idiota (ou invejosa!). 

A dominação se mostra a céu aberto em dia claro, sem que se renuncie à sua prática. Todo discurso a respeito de justiça, liberdade, igualdade e até mesmo bondade é descartado com virilidade em nome de uma dura realidade. [...] Não são poucas as vezes em que coloco o problema do sofrimento ao qual são submetidos os participantes e a resposta é: “Mas foram eles que se voluntariaram”. 

Uma das ideias centrais que sustentam o estado de direito é a da inalienabilidade: não se pode abrir mão da dignidade, por exemplo, mesmo que se queira. Em tese, nenhum contrato assinado pelos participantes de reality shows poderia ser válido em qualquer lugar no qual a democracia e os direitos humanos vigoram. E o problema jurídico posto por essas produções não responde sequer ao paradoxo dos direitos humanos colocado por Hannah Arendt, segundo a qual tais direitos só podem ter vigência quando levados a cabo pelos estados nacionais, ou seja, os apátridas não os têm. 

Os participantes são cidadãos brasileiros, alemães, norte-americanos, holandeses, argentinos e um longo etc. A vida à disposição da produção de entretenimento a que se assiste em reality shows é um índice mais do que transparente de que vivemos em um estado de exceção permanente, pulverizado e onipresente.” 

Sobre a autora 

Silvia Viana possui graduação em ciências sociais, mestrado e doutorado em sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Suas áreas de estudos são sociologia, crítica cultural e filosofia, com ênfase em teoria crítica contemporânea, teoria sociológica e sociologia da cultura e nos temas ideologia, indústria cultural, consumo, trabalho e subjetividade.

Assista a entrevista da autora deste livro, Silvia Viana, 
no programa METRÓPOLIS
Metrópolis é da TV Cultura e foi levado ao ar em 20 de janeiro de 2013.
Entrevista realizada por Marina Person e Manuel da Costa Pinto.
Veja a matéria completa clicando no link abaixo:

Fonte: Boitempo Editorial - Site Oficial - Acesso em: 22/01/2013 - às 18h00 - Internet: http://www.boitempo.com/livro_completo.php?isbn=978-85-7559-309-7