«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Solenidade da Ascensão do Senhor – Ano C – Homilia

 Evangelho: Lucas 24,46-53 

Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

O Cristo não se separa de seus discípulos, mas ascende aos corações de seus seguidores

Para compreender a passagem que a liturgia nos apresenta na festa da Ascensão, devemos nos referir à concepção cosmológica, ou seja, como a relação entre a terra e o céu era compreendida no tempo dos evangelistas. Deus estava localizado em cima, nos céus, seres humanos eram colocados na terra, de modo que tudo que vinha de Deus era dito que descia para os homens, e tudo que ia dos homens para Deus subia.

Então vamos ler o que o evangelista nos escreve, é o capítulo 24, versículos 46-53. Em primeiro lugar, o evangelista escreveu que Jesus “abriu-lhes a inteligência para entenderem as Escrituras” (Lc 24,45). Não basta ler as Escrituras, é preciso abrir a mente, ou seja, abrir-se para o novo, caso contrário não as compreenderemos. 

Lucas 24,46:** «Jesus disse aos seus discípulos: “Assim está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dentre os mortos ao terceiro dia,...»

Jesus já ressuscitou, confirma que tudo isso fazia parte do plano de Deus, mas sobretudo que a morte não impediu Jesus. Jesus ressuscitou ao terceiro dia e o número três, sabemos agora, pela simbologia bíblica, significa o que está completo, o que é definitivo, daí a vitória definitiva sobre a morte. 

Lucas 24,47: «... e em seu nome será proclamado o arrependimento, para o perdão dos pecados, a todas as nações, começando por Jerusalém.»

O termo usado pelo evangelista indica as nações pagãs, portanto é uma mensagem que é universal. Aqui, o evangelista retoma o mesmo anúncio de João Batista, modificando-o ligeiramente. João Batista havia anunciado um batismo de conversão para o perdão dos pecados, aqui o batismo é omitido e a conversão é proclamada a todos os povos.

A conversão significa uma mudança nos valores que orientam a vida de uma pessoa. Se você viveu para si mesmo até agora, a partir de agora você vive para os outros.

A mudança de vida, deixando para trás o egoísmo que orientou a existência e abrindo-se ao novo, obtém o cancelamento do passado pecaminoso.

E, sublinha o evangelista, parece uma ênfase leve, mas na realidade tem um grande significado, “começando por Jerusalém”. É um desafio que Jesus lança porque era em Jerusalém, no templo, que as pessoas tinham que ir para obter o perdão dos pecados trazendo oferendas, sacrifícios a serem feitos a Deus. Bem, para Jesus não há mais necessidade de um espaço sagrado, não há mais necessidade de um rito litúrgico para o perdão dos pecados, mas é necessária a mudança de vida. 

Lucas 24,48: «Vós sois as testemunhas destas coisas.»

Mas não só isso, Jesus havia dito que “será proclamado a todos os povos”, indicou os povos pagãos, e nos coloca “a partir de Jerusalém”. Jerusalém, a cidade santa, sede da instituição religiosa, é equiparada por Jesus aos povos pagãos, “sois as testemunhas destas coisas”. 

Lucas 24,49: «Eu enviarei sobre vós o que meu Pai prometeu. Por isso, permanecei na cidade, até que sejais revestidos da força do alto.”»

Jesus está anunciando o envio de seu Espírito que dará força aos discípulos para entender sua mensagem e, sobretudo, traduzi-la em atitudes vivificantes para os outros. Mas Jesus pede que, até aquele momento, literalmente, “permaneçam sentados”, portanto, imóveis, inativos, “até que sejais revestidos da força do alto”. Assim é o anúncio do que, mais tarde, será o Pentecostes. 

Lucas 24,50: «Então, Jesus levou-os para fora, até perto de Betânia. Ali ergueu as mãos e abençoou-os.»

Aqui, o evangelista usa um verbo técnico, que é o usado no livro do Êxodo, para indicar a ação libertadora de Deus ao povo judeu, escravizado no Egito. O Senhor é aquele que tirou seu povo da terra da escravidão. Bem, o fato de o evangelista usar essa mesma expressão significa que a terra prometida, realmente, se transformou em terra de escravidão.

Foi a instituição religiosa que aprisionou Deus e aprisionou seu povo por seu próprio interesse, por sua própria conveniência.

E, então, o êxodo de Jesus termina por tirar os homens dessa instituição, tornando-os totalmente livres.

Este levantar das mãos é um sinal de vitória. Aqui, o evangelista se refere ao livro do Êxodo, quando Moisés levanta as mãos na batalha contra Amalec [Ex 17,10-11]. Quando Moisés levanta as mãos ele vence, então o de Jesus é um gesto de vitória. Ele triunfou sobre a morte, ele triunfou sobre a instituição religiosa. 

Lucas 24,51: «E enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi elevado ao céu.»

Eis que, como dissemos no início, o que o evangelista quer nos dar não é uma cena de separação, mas de proximidade. Não é um distanciamento, uma ausência aquilo que o evangelista nos está apresentando, mas uma presença ainda mais intensa. Jesus está, agora, na plenitude da condição divina. O homem que os sumos sacerdotes assassinaram, considerando-o amaldiçoado, na realidade, tem em si a plenitude da condição divina! 

Lucas 24,52-53: «Eles se prostraram, adorando-o. Em seguida voltaram para Jerusalém, com grande alegria. E estavam sempre no templo, bendizendo a Deus.»

O final do evangelho é decepcionante:Eles se prostraram, adorando-o. Em seguida voltaram para Jerusalém”. Mas como? Jesus os tirou de Jerusalém e eles voltam para lácom grande alegria”. E, aqui, está a surpresa final: “E estavam sempre no templo, bendizendo a Deus”. Mas como no templo? Eles não perceberam que o véu do templo foi rasgado [cf.: Lc 23,45] e que Deus não estava mais no templo?

Aquele templo que Jesus denunciou como covil de ladrões, como covil de bandidos [cf.: Lc 19,45-48], e pelo qual esperava desaparecer [cf.: Lc 21,5-6], aquele templo que era o lugar mais perigoso para Jesus, para os discípulos é o lugar que lhes dá segurança.

Será necessário o Espírito Santo, será necessário o Pentecostes para libertá-los de tudo isso. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 5. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2021.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“Assim como ele subiu ao céu sem se afastar de nós, também nós já estamos com ele, embora o que ele nos prometeu ainda não tenha sido realizado em nosso corpo.” (Santo Agostinho (354 – 430): filósofo, teólogo, escritor)

Muita atenção!!!

Essa festa da Ascensão pode nos induzir a um grave erro, como nos bem adverte J. M. Castillo: «Nunca se deve entender esta celebração como a superação do “humano”, para transcender a um plano superior, que seria o plano do “divino”. Jesus ressuscitado e glorificado é sempre a plenitude do humano. E segue sendo a imagem do divino, encarnado no humano. Jesus segue sendo tão humano quanto divino». 

O Espírito Santo não substitui Jesus! Ele segue sendo, até o final dos tempos, a presença de Deus entre os seres humanos. Contudo, o Espírito Santo possui um papel fundamental: manter sempre viva e atual essa presença, essa recordação do que Jesus Cristo foi, é e sempre será! 

Por outro lado, é muito reconfortante saber que Jesus, nos momentos finais de sua vida na Terra, trazia em seu coração a preocupação de que o anúncio do perdão e da misericórdia divinos chegassem a todos os povos, incluindo os pagãos! Ele queria e, ainda, quer, que o chamado a CONVERSÃO e a oportunidade de viver na intimidade com o Pai cheguem a todas as pessoas da Terra!

Jesus deseja que todos saibam que Deus compreende e ama seus filhos e filhas sem limites!

Agora, aqui temos uma novidade! Quem Jesus encarrega de levar essas BOAS NOVAS que elencamos acima a todos os povos?

Ele quer «testemunhas» (Lc 24,48: «Vós sois as testemunhas destas coisas») que comuniquem não teorias, mas sua experiência de um Deus bom e contagiem as pessoas com seu estilo de vida ao trabalharem por um mundo mais humano!

O grande perigo é nos esquecermos que, nós cristãos, somos os portadores dessa BOA NOVA de Cristo, bem como, de sua BÊNÇÃO ao mundo! 

Como nos adverte J. A. Pagola:

«Nossa primeira tarefa é sermos testemunhas da bondade de Deus, manter viva a esperança, não nos rendermos perante o poder do mal. Este mundo, que às vezes parece um “inferno maldito”, não está perdido. Deus o olha com ternura e compaixão

Jamais podemos duvidar que as pessoas podem mudar, elas podem ser diferentes:

* mais solidárias e menos egoístas,

* mais austeras e menos consumistas,

* mais pacíficas e menos violentas,

* mais bondosas e menos invejosas,

* mais honestas e não corruptas...

Há que se promover um cristianismo da BONDADE! O mundo precisa sentir, perceber e visualizar em cada cristão uma das TESTEMUNHAS DE CRISTO, o amor e a misericórdia de nosso Deus!


 Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Anunciarei o teu nome aos meus irmãos, vou te louvar no meio da assembleia.

Louvai o Senhor, vós que o temeis, que toda a raça de Jacó lhe dê glória, que o tema toda a estirpe de Israel; pois ele não desprezou nem desdenhou a aflição do pobre; não lhe ocultou a sua face, mas ao gritar por socorro o atendeu.

Tu és o meu louvor na grande assembleia, cumprirei meus votos diante dos seus fiéis.

Os pobres comerão e ficarão fartos, louvarão o Senhor os que o procuram: “Viva para sempre o coração deles!”

Recordarão e voltarão ao Senhor todos os confins da terra: diante dele se prostrarão todas as famílias dos povos.

Pois o reino pertence ao Senhor, ele domina sobre as nações.

Só diante dele se prostrarão os que dormem debaixo do chão; diante dele se curvarão os que descem ao pó da terra. Quanto a mim, para ele viverei, a ele servirá a minha descendência. Do Senhor se falará à geração futura; anunciarão a sua justiça; dirão ao povo que vai nascer: “Eis a obra do Senhor!”»

(Salmo 22[21], 23-32)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – Ascensione del Signore – 02 giugno 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 22/05/2022).

sexta-feira, 20 de maio de 2022

6º Domingo da Páscoa – Ano C – Homilia

 Evangelho: João 14,23-29 

Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

Somente quem serve os outros com amor tem algo a ver com Jesus e nele habita Cristo e o Pai

três perguntas feitas por três discípulos a Jesus, o número três, como sabemos, indica aquilo que está completo - então eles não são tanto três discípulos, mas toda a comunidade que se expressa através deles. E essas três perguntas são objeções, Tomé perguntando a Jesus: “Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos saber o caminho?” (Jo 14,5). E Jesus responderá que ele é o caminho a seguir. Filipe que lhe diz: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta” (Jo 14,8) e Jesus responderá: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,9), e Judas (não o Iscariotes, mas o outro discípulo) que lhe pergunta: “Senhor, como se explica que tu te manifestarás a nós e não ao mundo?” (Jo 14,22). É uma tentação que Judas faz a Jesus. Judas quer que Jesus se manifeste como o messias esperado.

E aqui está a resposta de Jesus nesta passagem deste domingo, uma resposta que contém uma das pedras angulares do Evangelho de João e uma afirmação que, se compreendida, muda radicalmente a relação com Deus e consequentemente com os outros. Vamos ouvir o que João nos diz. 

João 14,23:** «Jesus respondeu-lhe: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra; meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos a nossa morada.»

Guardar a palavra de Jesus” significa fazer da própria vida um dom de amor ao serviço dos outros, como ele. Bem, a resposta de Deus é:meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos a nossa morada”. Essa afirmação de Jesus não é uma promessa para o além [= após a vida terrena], mas a resposta do Pai para aqueles que aderem a Jesus. No início de seu Evangelho, no Prólogo, o evangelista havia escrito que Deus, este Verbo, havia armado sua tenda entre nós, em NÓS [Jo 1,14]. Agora, Jesus está dizendo algo extraordinário: para aqueles que o amam, portanto, quem, como ele, dirige sua vida para o bem dos outros, é objeto do amor do Pai e ele e o Pai vêm a esse indivíduo e passam a residir com ele.

Deus pede a cada pessoa para ser acolhido em sua vida, para se fundir com ela, expandir sua capacidade de amar e fazer de cada indivíduo e de cada comunidade o único verdadeiro santuário do qual irradia o amor misericordioso de Deus.

Portanto, não há mais um templo onde o Senhor reside, mas toda criatura é o templo onde Deus se manifesta.

Esta afirmação de Jesus tem uma importância muito grande. Para a vida, Deus não é algo externo, Deus não é uma entidade distante, mas Deus é íntimo do ser humano e esse Deus que é íntimo do homem, nas profundezas do homem, se manifesta sempre que o homem é mais humano.

Quanto mais o ser humano é HUMANO, mais ele manifesta o divino que está nele.

Mas esta afirmação de Jesus não diz respeito apenas à vida do indivíduo, mas também à passagem pela morte. Costuma-se dizer que quando uma pessoa morre vai para o céu, voltou para a casa do Pai, não, não vamos para o céu porque o céu está em nós, não vamos para a casa do Pai porque nós somos esta casa.

Portanto, esta é a declaração extraordinária de Jesus. 

João 14,24: «Quem não me ama, não guarda as minhas palavras. E a palavra que ouvis não é minha, mas do Pai que me enviou.»

Quem não faz de sua vida um serviço de amor ao bem dos outros não tem nada a ver com Jesus.

As autoridades tendiam a separar Jesus do Pai, e Jesus, aqui, afirma que há perfeita unidade, há perfeita harmonia, porque juntos eles continuam a ação criadora ao comunicar vida, ao restaurar a vida, ao enriquecer a vida dos outros. 

João 14,25-26: «Eu vos tenho falado dessas coisas estando ainda convosco. Ora, o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito.»

O que é este Paráclito? Ele é quem vem em socorro, o protetor. Esta é a ação do Espírito. Não é uma ação que vem no momento da emergência, mas uma ação que a precede. Por isso, Jesus convida a sua comunidade à plena serenidade e confirma a presença do Espírito Santo.

Esta é a garantia para a comunidade cristã, para a Igreja. Tendo dentro de si o Espírito Santo, esse protetor, esse ajudante, ele sempre poderá dar novas respostas às novas necessidades que surgirão na sociedade. Este é o significado das palavras de Jesus: “ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito”:

* compreender,

* tornar-se plenamente consciente da mensagem de Jesus e

* saber reformulá-la de uma forma completamente nova diante de novas situações que surgem na comunidade. 

João 14,27: «Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Eu não a dou, como a dá o mundo. Não se perturbe, nem se atemorize o vosso coração.»

Não é um desejo. Jesus não diz: “A paz esteja convosco”. Mas é um dom, onde a paz é tudo o que contribui para a plenitude da vida. E, então, ele diz: “Eu não a dou, como a dá o mundo”. A paz era a saudação que se fazia no momento da despedida. Para Jesus não é uma despedida, mas uma presença ainda mais intensa. É por isso que ele diz: “Não como o mundo dá”.

Jesus não quer que haja medo em seus seguidores, mas amor. 

João 14,28: «Ouvistes o que vos disse: ‘Eu vou, mas voltarei a vós’. Se me amásseis, ficaríeis alegres porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu.»

Aqui, Jesus não está pensando em seus sofrimentos, mas apenas no bem dos seus. Por que ele diz: “Se me amásseis, ficaríeis alegres porque vou para o Pai”? Porque na plena dimensão divina com o Pai, a ação de Jesus será ainda mais incisiva com os seus seguidores.

Ao ir ao Pai, Jesus não só não se separa dos seus, mas torna esta presença mais intensa.

Há pouco vimos: “Eu e o Pai viremos a ele e nele faremos a nossa morada”, de modo que ir ao Pai não significa um afastamento de Jesus, mas uma presença no indivíduo que emergirá através das ações da vida da pessoa. 

João 14,29: «Disse-vos isso agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, creiais.”»

Jesus propõe um desafio. Ele será condenado como alguém amaldiçoado por Deus. Então, Jesus pede aos discípulos que decidam em quem acreditar, ou no sumo sacerdote ou nele. Se eles acreditam em Jesus, eles não acreditarão mais no sumo sacerdote. Se eles acreditam em Jesus, não acreditarão mais nas instituições religiosas que sentenciaram o Filho de Deus à morte. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 5. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2021.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“O verdadeiro amor nunca se desgasta. Quanto mais se dá mais se tem.” (Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), no livro “O Pequeno Príncipe”)

Antes de morrer, Jesus revela aos seus amigos e amigas, aos seus seguidores, os seus últimos e mais íntimos desejos. E, como sabemos, os últimos desejos de uma pessoa são os mais importantes de sua vida! Porque são fruto do amadurecimento e da longa vivência que essa pessoa teve. Portanto, devemos prestar uma atenção especial àquilo que Jesus nos diz neste evangelho dominical. 

Inspirando-nos na bela síntese que J. A. Pagola faz, podemos dizer que, basicamente, são três os desejos maiores de Jesus:

1º) Que sua mensagem não se perca, não seja esquecida e deturpada: Jesus deseja que seus seguidores e seguidoras mantenham viva a recordação e execução de seu projeto humanizador, o projeto do Reino de Deus. Um projeto de mundo onde predomina o amor, a justiça, a paz e a misericórdia! Por isso, Jesus é tão insistente e sério, quando diz: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra” (Jo 14,23).

* Será que nossa Igreja está guardando fielmente a mensagem de Cristo ou a estamos manipulando segundo os nossos próprios interesses?

* O Evangelho que apresentamos ao mundo, em nossas celebrações eucarísticas, em nossos cursos e assembleias, em nossas reuniões e encontros é autêntico ou ocultamos a Boa Nova com nossas doutrinas e teorias?

2º) Não quer deixar órfãos os seus seguidores e seguidoras: por isso, garante que o Pai enviará um Consolador, um Defensor, um Mestre denominado Espírito Santo! Jesus conhece as limitações, as fragilidades de seus discípulos e discípulas. A tarefa do Espírito Santo, segundo Jesus, é dupla: a) “ele vos ensinará tudo”, ou seja, não permitirá que nos desviemos da palavra, da vontade de Cristo. E a vontade de Cristo é que os pobres sejam evangelizados, acolhidos e protegidos; b) “ele vos recordará tudo o que eu vos tenho dito”, isto é, educará as pessoas no estilo de vida de Jesus, fazendo com que não se esqueçam do que é ser cristão.

* Na Igreja, nós nos deixamos guiar, de verdade, pelo Espírito de Deus?

* Sabemos atualizar a mensagem de Jesus para os tempos de hoje, mantendo-a sempre viva e eficaz?

* Vivemos atentos aos que sofrem? Sabemos interpretar os sinais dos tempos?

3º) Quer que seus discípulos(as) vivam na mesma paz que ele: essa paz de Jesus era fruto de sua união íntima com o Pai. Portanto, somente Jesus pode nos dar essa sua PAZ! Acolhendo o Espírito de Deus, podemos experimentar, de fato, essa paz em nós. Ela nos impulsiona a abrir caminhos para um mundo mais saudável e justo. Quem experimenta a PAZ DE CRISTO jamais terá medo: “Não se perturbe, nem se atemorize o vosso coração” (Jo 14,27b). A pior coisa da vida é viver com medo, viver movido(a) pelo medo! “Se cremos em Jesus, o medo jamais poderá ser o motor de nossas decisões” (J. M. Castillo)!

* Por que, após mais de vinte séculos de cristianismo, o medo do futuro, o medo da sociedade presente nos paralisa?

* Por que tanto medo da morte, das doenças, das dificuldades da vida? Há muita gente com fome de Jesus, o que estamos fazendo por elas?

 


Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«O Senhor firma os passos do homem e se agrada de seu caminho. Quando cair, não ficará prostrado, pois o Senhor sustentará a sua mão. Fui jovem, agora estou velho, e nunca vi um justo abandonado nem um seu descendente mendigando pão. Todo dia, ele se compadece e empresta, e a sua descendência será abençoada. Foge do mal e faze o bem, e habitarás sempre na tua casa. Pois o Senhor ama o direito e não abandonará os seus fiéis. Os injustos serão dispersos para sempre e a descendência dos ímpios, exterminada. Os justos, porém, herdarão a terra e nela para sempre habitarão. A boca do justo medita a sabedoria, e a sua língua enuncia palavras de justiça; a lei de Deus está no seu coração e seus passos não vacilarão.»

(Salmo 37[36], 23-31)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – VI Domenica di Pasqua – 26 maggio 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 17/05/2022).

segunda-feira, 16 de maio de 2022

Como se movimentam os militares

 “Militares querem o aparelhamento do Estado”

João Pedro Soares

Jornalista 

Entrevista com Piero Leirner

Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1991), mestrado (1995) e doutorado (2001) em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo. Tem pós-doutorado no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (2008), no Departamento de Antropologia da USP (2013) e na Universidade Estadual de Campinas (2019). Desde 1998 é professor na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) 

PIERO LEIRNER


Para antropólogo que estuda Forças Armadas, ameaças golpistas são parte de estratégia para barganhar poder e verbas. Generais, longe de estarem sendo arrastados para crise com Justiça Eleitoral, são protagonistas da ação

O impasse criado entre comandantes das Forças Armadas e ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou um ambiente de tensão. Representados na Comissão de Transparência Eleitoral, os militares sugeriram, sem provas, que as urnas eletrônicas teriam problemas de segurança. 

A hipótese foi descartada pelo TSE, mas deixou dúvidas sobre a postura que as Forças Armadas irão adotar nas eleições. Em meio às falas golpistas do presidente Jair Bolsonaro, o questionamento à transparência das urnas pelos militares levanta novas dúvidas sobre a estabilidade democrática do Brasil. 

Para o antropólogo Piero Leirner, que pesquisa o meio militar há mais de três décadas, trata-se de mais uma “esticada de corda” das Forças Armadas. O especialista ressalta que o objetivo final não é claro. Porém, Leirner acredita que a ameaça recorrente à democracia sirva para barganhar maior presença no Estado. 

Eis a entrevista. 

DW Brasil: Como você enxerga a gravidade da tensão criada entre as Forças Armadas e o TSE?

Piero Leirner: A situação, por si, é muito grave, mas a reboque de um conjunto maior de elementos, em que as Forças Armadas definitivamente se imbricaram no processo político. Isso não vem de agora. Muito mais grave é eles terem deixado o Bolsonaro fazer campanha eleitoral dentro de instalações militares – da Aman por exemplo – desde 2014. Já evidencia que eles estavam tomados há muito tempo por uma ação política que visava a alguma coisa: um processo de aparelhamento do Estado. Isso é cada vez mais claro. 

Existe um padrão nisso. Todo ano, tem uma hora em que começa uma tensão com as Forças Armadas. Elas brotam, entram no cenário, a imprensa toda discute, depois amansa, até brotar de novo. Cria-se uma alergia dentro do sistema político, que aparentemente agora subiu um pouco mais. A gente precisava ver exatamente aonde se quer chegar, porque não está muito claro para ninguém. 

JAIR BOLSONARO, em 2017, fazendo campanha política no interior de uma instalação militar no Rio de Janeiro. Apoio total das Forças Armadas!

Considerando o histórico dos militares na política brasileira, a participação das Forças Armadas no processo eleitoral é apropriada?

Piero Leirner: Do ponto de vista global, é completamente anômalo as Forças Armadas de um país estarem envolvidas em processos eleitorais. Mais anômalo ainda é que elas vejam nisso um tema de segurança nacional. O que estão entendendo por segurança nacional, quando atrelam essa questão à votação? Assim, transformam a gente em uma espécie de república de bananas, sempre passando uma imagem subliminar de que só os militares garantem a normalidade democrática do país. 

Isso surge agora como discurso, em uma espécie de “repeteco” do que estava acontecendo em 2018, em outros termos. Em fevereiro daquele ano, começou a aparecer em tudo quanto é lugar a ideia de que o Brasil estava na beira da anomia. 

Nesse momento, eles decretaram a intervenção militar no Rio de Janeiro. Primeiro, empurrando a ideia da intervenção como se fosse um plano que tivesse saído da cabeça do [então presidente] Michel Temer. Hoje, temos elementos para suspeitar que isso saiu da cabeça dos generais Etchegoyen e Braga Netto. Eles elaboraram todo o esquema da intervenção e depois passaram para a imprensa como se isso fosse um negócio de última hora, “nós não queríamos etc.”. 

GENERAL SÉRGIO ETCHEGOYEN

Justiça e Militares: uma aliança fora do radar 

Como a intervenção federal de 2018 se relaciona com o momento atual?

Piero Leirner: Primeiramente, transmitiu para a sociedade inteira a ideia de que só os militares estavam resolvendo um problema gravíssimo para o Brasil. Isso foi uma espécie de propaganda subliminar do candidato que eles já estavam apoiando. Além disso, eles travaram todas as Propostas de Emenda Constitucional [PEC] no Congresso. 

Sob intervenção federal, não é possível aprovar nenhuma PEC. Então, o Temer não tinha como entregar nada, tudo o que que ele estava prometendo no último ano, para capitalizar isso e lançar um candidato qualquer da coalizão deles. Os militares travaram isso e conseguiram emergir o candidato “antissistema”. 

O Bolsonaro não foi protagonista nesse processo, tem uma rede de construções. O que ele faz é uma ação por procuração, que veste muito bem no papel teatral que ele construiu, mas que sobretudo visa a obliterar, abafar um pouco a ação dos personagens que estão realmente construindo isso. E são os personagens que não estão só interferindo no processo eleitoral, mas em tudo. No momento em que o general Villas-Bôas faz o tuíte antes do julgamento do Lula, eles estavam no STF, no gabinete do Dias Toffoli. 

GENERAL FERNANDO AZEVEDO E SILVA o primeiro militar a ocupar cargo no gabinete do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a convite de Dias Toffoli, em seguida, quando Bolsonaro assumiu a Presidência da República, ele foi promovido a Ministro da Defesa

Como você observa a relação dos militares com o STF?

Piero Leirner: Tudo tem que ser mantido dentro da ideia de que as eleições nesse país correm livres, sem interferências e, quando aparece uma interferência, as instituições correm para tentar fazer o ajuste dentro dos parâmetros burocráticos. Este é um discurso que já existiu em 2018, por exemplo, repetido ad nauseam: a ideia de que as instituições estavam funcionando normalmente, quando não estavam. 

Se você olha a própria postura do STF hoje, julgando a parcialidade da Lava Jato, vai ver que aquele processo foi viciado.

A eleição de 2018 está fraudada desde o começo. O mínimo que se esperava é ver a anulação de todo aquele processo, só que isso sequer é questionado.

Toda essa coisa está cheia de códigos cifrados e gerando muito ruído. O aumento de tom deles em relação a esses questionamentos vem a reboque da mensagem que eles precisam afirmar, de que o Bolsonaro é quem está arrastando as Forças Armadas para esse processo. 

Isso causa um apagamento da ideia de que são eles os protagonistas de toda essa ação. Fica parecendo que o Bolsonaro é o grande articulador e que está desestabilizando todas as instituições do país. De fato, parece que está mesmo, mas precisamos ver o quanto disso é uma aparência, e em que medida há um jogo tácito entre as próprias instituições. 

Eu me recuso a crer que o STF, que participou de todos esses acordos em 2018, entre em uma situação agora se fingindo de vítima, como se os ministros não soubessem do que se trata e como se não tivesse um acordo de bastidor com as mesmas Forças Armadas que provocaram várias situações tácitas, de 2018 até agora. 

Todo mundo sabia claramente da inconveniência do convite do Barroso aos militares. Era uma coisa tão óbvia, mas ninguém falou nada na hora, porque ele estava endossado dessa posição, construindo o discurso do consenso entre instituições. Mas ele sabia muito bem que estava assinando uma coisa que ia esquentar o clima em uma determinada hora, porque este é o interesse também, para depois apresentar o STF como a instituição que vai salvar a pátria dessa anomalia. 

GENERAL HEBER GARCIA PORTELLA na Comissão de Transparência das Eleições! O Ministro Barroso introduziu a "raposa" no galinheiro!

Mas qual seriam o interesse ou as amarras do STF com as Forças Armadas nesse jogo?

Piero Leirner: Nos últimos anos, todos os atores corporativos estatais produziram uma espécie de insurgência, na qual as corporações de segurança e de justiça pretendem ter uma centralidade na vida política, da qual você nunca mais vai se desfazer. Esta é a minha hipótese. 

Portanto, instâncias do Judiciário e das Forças Armadas estão aparelhando o Estado e produzindo amarras internas, de modo que, qualquer que seja o resultado eleitoral daqui para frente, a gente vai ter um mecanismo de controle desses agentes estatais muito grande. 

Seja com setores de informações, que estão na mão dos militares, seja nos setores de auditoria, compliance, na mão dessas burocracias que vêm de uma “audit culture”. Temos a CGU, AGU, enfim, as controladorias do Judiciário o tempo inteiro se enxertando nas decisões políticas dos outros poderes. Eu acho que este foi o acordo de longa duração. 

O governo Bolsonaro foi feito para criar uma sensação de instabilidade geral no processo democrático, desde o primeiro momento.

Justamente para provocar o consenso de que as instituições precisam retomar esse acordo sobre o seu próprio protagonismo. Ninguém mais, hoje, questiona a Justiça. Veja o nível de consenso que se fabricou. O único dissenso que se tem vem daqueles a que chamamos bolsonaristas. Cria-se uma guerra entre esses dois lados e não tem uma terceira interpretação sobre isso, alguém que chegue e diga que tem alguma coisa muito errada nesse negócio. 

GENERAL BRAGA NETTO

O dono da chave do cofre de informações 

O general Braga Netto agora é cotado para vice da chapa à reeleição. Qual é o seu papel na articulação do bolsonarismo?

Piero Leirner: Ele é o dono da chave do cofre do setor de informações. Na despedida do Villas Bôas, o general disse, em agradecimento “por 2018”:

“Refiro-me ao próprio presidente Bolsonaro, que fez com que se liberassem novas energias, um forte entusiasmo e um sentimento patriótico há muito tempo adormecido. Ao ministro Sergio Moro, protagonista da cruzada contra a corrupção ora em curso e ao general Braga Netto, pela forma exitosa com que conduziu a Intervenção Federal no Rio de Janeiro. Todos demonstraram que nenhum problema no Brasil é insolúvel”.

Em uma entrevista, o Braga Netto diz o seguinte: a gente vai montar, no Rio de Janeiro, uma espécie de mini-GSI [Gabinete de Segurança Institucional], um mini centro de operações que vai ser um laboratório para o Brasil. Olha como esses caras já estavam pensando o que ia ser o projeto do setor de informações militares dali para frente. 

Ali, ele produziu a máquina do grampo, do dossiê, então ele tem guardadas todas as informações do que aconteceu lá no Rio em 2018, que não foi pouco: o assassinato da Marielle, a campanha do Bolsonaro... Como eu disse, o Braga Netto é o sujeito que tem a chave do cofre, é o cara que tem a capacidade de implodir tudo. Isso não é pouco.

Escândalos e fatos inexplicáveis ocorrem frequentemente envolvendo as Forças Armadas
Garantindo os privilégios e o poder 

Daí o convite para ele estar como vice na chapa que concorre à reeleição?

Piero Leirner: Se é que esse convite vai vingar, isso a gente precisa ver. Os militares não têm exatamente na cabeça a ideia de "eu vou apostar neste elemento aqui, Bolsonaro é o nosso candidato". Esta é uma novela cujo final vai sendo escrito conforme as coisas vão acontecendo, eles não têm o dom da onisciência e da manipulação da realidade. 

Mas eles têm muita coisa na mão, eles têm coesão, informações e uma capacidade muito importante de produzir contrainformações que vão sair na imprensa de modo a atingir objetivos que eles queiram. 

Todo esse processo que está sendo feito aqui é uma esticada de corda. A gente não tem com clareza nem quais são os objetivos, nem quem são os atores, mas a ideia é levá-los para uma mesa de negociação. Eles estão botando na mesa a ameaça justamente para ter uma garantia do que vai acontecer logo depois. 

Se tem alguma hipótese central entre as que estou elaborando, é esta:

não de que eles vão melar a eleição, é de que eles estão garantindo que vão ter uma posição na qual não vão ser traídos de 2023 para frente.

A ideia de melar o processo não tem muito sentido, o custo disso para os próprios militares é muito alto, sendo que eles já têm posições muito garantidas. 

O intuito sempre tem, como pano de fundo, drenagem de verbas para os militares.

Desde o começo do governo Bolsonaro, de que se tratou? Houve perdas em todos os ministérios, menos no da Defesa, que invade a seara alheia.

Como processo geral, vemos o seguinte: todo o Estado de bem-estar seca, e essas corporações ficam no centro do Estado. Esta é a ideia. 

Fonte: Deutsche Welle Brasil – Política/Brasil – Sexta-feira, 13 de maio de 2022 – Internet: clique aqui (Acesso em: 16/05/2022 – às 19h).

sexta-feira, 13 de maio de 2022

5º Domingo da Páscoa – Ano C – Homilia

 Evangelho: João 13,31-35 

Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

Há, apenas, um mandamento a seguir: amar!

No capítulo 13 do Evangelho de João, o evangelista apresenta a Última Ceia de Jesus com seus discípulos, na qual, até o último momento, Jesus faz a tentativa de oferecer seu amor também ao discípulo que o trairá, a Judas. Oferece-lhe o pão, que representa a sua vida, mas Judas não come este pão, ou seja, não assimila Jesus, toma-o e sai. O evangelista diz que “afundou na noite” [Jo 13,30b]. 

João 13,31:** «Depois que Judas saiu, Jesus disse: “Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele.»

Quando Judas saiu (do Cenáculo), pegou o bocado de pão que lhe foi dado, não o assimilou, mas foi trair a pessoa de Jesus, Jesus disse: “Agora...” Ao longo do Evangelho esta hora de Jesus foi anunciada e o evangelista diz que, agora, está acontecendo. Por que Jesus diz isso depois que Judas o traiu para condená-lo à morte?

Porque no amor incondicional que também é oferecido ao inimigo, a glória de Deus se manifesta ali, ou seja, a glória é a manifestação visível do que Deus é. E o que é Deus?

Deus é amor que se oferece também ao inimigo, ao traidor.

Jesus fala de si mesmo como o “Filho do Homem”, por que usa essa expressão que lhe é muito cara? “Filho do Homem” significa homem com a condição divina, então...

Jesus é filho de Deus, Deus na condição humana, e é filho do Homem, ou seja, homem com a condição divina.

E Deus foi glorificado nele.” O evangelista apresenta uma dinâmica contínua na vida de Jesus, que deve ser também a do crente, do amor recebido e do amor comunicado. 

João 13,32: «Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará logo.»

Este é um versículo que é omitido em muitos manuscritos, onde o evangelista não faz nada além de repetir o mesmo conceito. Como ele irá glorificá-lo imediatamente? Dando-lhe a capacidade de enfrentar a morte, a qual não será um fim, mas um começo, porque na morte de Jesus o Espírito se derramará sobre sua comunidade. 

João 13,33: «Filhinhos, por pouco tempo ainda estou convosco. Vós me procurareis, e agora vos digo, como eu disse também aos judeus: ‘Para onde eu vou, vós não podeis ir’.»

Então Jesus, pela primeira vez, a única vez, tem uma expressão de tanta e profunda ternura para com seus discípulos. Ele os chama de “Filhinhos”, literalmente “criancinhas ou minhas crianças”. Aqui, quando menciona o que disse aos judeus, Jesus está equiparando os discípulos a seus adversários, às autoridades. Por que eles não podem ir com Jesus? Porque os discípulos estão prontos para morrer por Jesus, mas não para morrer como Jesus, para dar a vida com ele e como ele. É por isso que Jesus diz que, por enquanto, eles não podem ir para onde ele vai. E, em seguida, está a conclusão deste capítulo extraordinário, capítulo 13, a novidade de Jesus. 

João 13,34: «Eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros.»

Eu vos dou um mandamento novo”. Jesus não diz: “Eu vos dou um novo mandamento” [como, aliás, consta da tradução da CNBB], ou seja, há os de Moisés e agora eu vos dou o meu. “Dou-vos um mandamento novo”, a palavra grega para “novo” significa o melhor, que substitui tudo o mais. O evangelista havia dito isso no Prólogo de seu Evangelho: “A lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” [Jo 1,17].

A nova relação que Jesus estabeleceu com o Pai e os discípulos não poderia se enquadrar nos termos da antiga aliança e precisa de uma nova aliança que se expressa em um único e novo mandamento.

Portanto, “novo” na medida em que a qualidade deste mandamento eclipsa todos os outros.

É importante observar que Jesus não fala com verbos no futuro, ele não diz “como eu vos amarei”. Jesus não está anunciando a morte, o sacrifício total que fará na cruz, mas diz “como eu vos amei”. E como é que Jesus amou? Estamos no contexto da Última Ceia segundo João, quando Jesus começou a lavar os pés dos discípulos.

O amor não é real se não for transformado em SERVIÇO que purifica a vida dos outros.

Este é o amor que Jesus requer de nós. 

João 13,35: «Nisso conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns para com os outros.”»

O serviço é o único traço distintivo do crente na comunidade de Jesus e, de fato, Jesus confirma: “Nisso”, isto é, no amor que se torna serviço, “conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns para com os outros”.

Jesus, com esta afirmação muito clara, exclui qualquer outro distintivo.

Portanto, NÃO aos brasões, roupas, sinais ou condecorações que queiram mostrar a relação que se tem com o Senhor, mas apenas um amor que se põe a serviço dos outros.

E quando esses substitutos são usados, é uma luz de alarme que se acende, uma luz de alerta que acende, que talvez esse amor que se transforma em serviço não seja tão comum a ponto de ser o único distintivo da comunidade cristã.

Portanto, Jesus deixa um único mandamento, ele que o evangelista apresentou como a palavra de Deus, a palavra se fez carne, e esta palavra de Deus é formulada e expressa com um único mandamento que eclipsa todos os outros. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 3. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2019. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“Amar não é olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direção.” (Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944): escritor, ilustrador e piloto francês)

No relato do Evangelho deste domingo, Jesus faz a mais surpreendente afirmação de toda a sua vida! Isso mesmo! Afinal, quem poderia esperar dele que falasse de “glorificação”, “ser glorificado” ao constatar que um de seus amigos mais íntimos havia decidido traí-lo e entregá-lo à morte? No cume do sofrimento e do fracasso, em meio a uma das mais dolorosas situações de sua vida, Jesus levanta sua voz e proclama: “Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele” (João 13,31). 

O esplendor do poder divino, a glorificação, para Jesus, não está na vitória, em ser bem sucedido, mas em seu aparente fracasso e derrota! Isso que se parece a algo desumano, na verdade, é a realização da mais plena humanidade: amar e ser amado! É neste momento de sua vida, que Jesus revela o seu TESTAMENTO, aquilo que ele quer deixar para todos os que o seguirem: amem-se uns aos outros como eu vos amei! Portanto, como bem sintetiza J. M. Castillo:

«Aquele que ama o ser humano, seja quem for, este é o que ama a Deus

E o cristianismo se resume a isso!!!

Mas, atenção, não se trata de um amor qualquer! O amor que Jesus pede de cada um de nós é: “como eu vos amei (João 13,34). E como é que ele nos amou? Ele nos amou, resumindo, de três modos:

a) Como amigos: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (João 15,15). Na Igreja e fora dela, todos devemos nos amar como amigos. E entre amigos há igualdade, proximidade e apoio mútuo. Ninguém que é verdadeiro amigo se sente e se coloca acima do(a) outro(a) amigo(a).

b) Como servidor: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos” (Marcos 10,45 // Mt 20,28; Lc 22,27b). Na Igreja não deve haver disputa por posições, cargos, fama, poder. Pelo contrário, o protagonismo está em SERVIR, em vir ao encontro das necessidades dos outros.

c) Acolhendo a todos: essa comunidade de amigos, reunida entorno a Jesus, não se fecha em si mesma! Ao contrário, a amizade com Jesus e entre os seus seguidores promove a abertura e acolhida de todos, especialmente, dos pecadores, dos excluídos e desprezados. E Jesus simboliza isso, mediante a figura de uma criança: “Quem recebe, em meu nome, uma só criança como esta, recebe a mim mesmo” (Marcos 9,37 // Mt 18,5; Lc 9,48). 

É inevitável surgir as seguintes questões em nossa mente:

* O modo como nós vivemos, hoje, na Igreja e fora da comunidade eclesial, indica que somos cristãos?

* As pessoas, observando nossas atitudes, palavras e ações nos identificam, imediatamente, como seguidores de Jesus Cristo?

* Será que grande parte de nosso insucesso em atrair mais pessoas para Cristo, não se deve ao fato de não sermos um “outro Cristo” para o mundo onde vivemos? 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Eu te amo por ti mesmo, eu te amo por teus dons,

Eu te amo por tua causa

e eu te amo tanto que,

se algum dia Agostinho fosse Deus

e Deus fosse Agostinho,

eu gostaria de voltar a ser o que sou, Agostinho,

para fazer de ti o que tu és,

porque só tu és digno de ser quem tu és.

Senhor, tu vês,

minha língua enlouquece,

Não sei me expressar,

mas o coração não enlouquece.

Tu vês o que eu sinto

e o que eu não posso te dizer.

Te amo, meu Deus,

e meu coração é estreito para tanto amor,

e minhas forças se rendem a tanto amor,

e meu ser é pequeno demais para tanto amor.

Eu saio da minha pequenez

e todo em ti, eu mergulho,

eu me transformo e me perco.

Fonte do meu ser,

fonte de todo o meu bem:

meu amor e meu Deus.»

(Santo Agostinho, Confissões)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – V Domenica di Pasqua – 19 maggio 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 10/05/2022).