«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 9 de maio de 2022

A religião detrás das guerras culturais

 Um caso exemplar: a proibição ou manutenção do aborto nos Estados Unidos

 Fareed Zakaria

Jornalista norte-americano e colunista do jornal «Washington Post» 

Protestos, em frente ao Supremo Tribunal norte-americano, pela manutenção da legalidade do aborto nos Estados Unidos

Estudos mostram uma grande polarização entre os conservadores e os secularistas americanos

À medida que cresce a possibilidade de derrubar Roe versus Wade [decisão da Suprema Corte norte-americana, tomada em 22 de janeiro de 1973, que reconhecia o direito de Jane Roe, pseudônimo de Norma McCorvey, uma mãe solteira grávida pela terceira vez, de realizar o aborto, em seu estado, o Texas] e os Estados Unidos se preparam para uma nova rodada de guerras culturais, fico intrigado sobre por que esses embates a respeito de valores parecem mais intensos neste país do que em qualquer outro e por que esse campo parece mais dividido do que antes. 

Uma resposta para essas perguntas pode ser encontrada em uma pesquisa de 2020 do Pew Research Center – a sondagem constata que, sobre muitas questões culturais, a divisão política nos Estados Unidos é a maior em comparação aos demais países ricos analisados. 

TRADIÇÕES 

Quando questionados sobre os Estados Unidos ficarem ou não “em melhor situação no futuro se mantiverem suas tradições e estilo de vida”, 65% dos entrevistados de direita disseram “sim”, em comparação a apenas 6% dos entrevistados de esquerda, um hiato de 59 pontos porcentuais. 

Em comparação, esse hiato sobre tradição na França é de 19 pontos. A respeito da questão de ser cristão representar ou não um aspecto crucial para a cidadania no país, o hiato nos Estados Unidos foi de 23 pontos, em comparação com apenas 7 pontos no Reino Unido. 

Essas atitudes também transpareceram em um estudo de 2018 do Pew Research Center que perguntou aos habitantes de 27 países ricos se a religião deve ou não desempenhar um papel maior em suas sociedades. 

CONSERVADORES 

Nos Estados Unidos, 71% das pessoas que se identificam como conservadoras disseram “sim”, enquanto apenas 29% dos progressistas concordaram. Essa diferença – de 42 pontos porcentuais – foi enorme em comparação com outros países. 

O hiato foi 17 pontos maior do que nos outros países que mais registraram essa diferença (Canadá e Polônia) e aproximadamente 4 vezes maior que o hiato entre direita e esquerda na Suécia e na Alemanha. No Reino Unido, 35% dos conservadores afirmaram que queriam uma participação maior da religião em seu país, contra 28% dos progressistas (meros 7 pontos de diferença). 

POLARIZAÇÃO 

Por que os Estados Unidos são excepcionalmente polarizados? É uma pergunta difícil de responder. Muitas das forças que parecem contribuir para isso – globalização, mudanças tecnológicas, imigração – também operam em outras sociedades. Na realidade, se usarmos a magnitude do comércio na economia de um país como medida, os Estados Unidos são menos globalizados do que muitos países europeus. Isso não ocorre especialmente nos Estados Unidos nem em relação à imigração. O Canadá e a Suécia têm índices maiores de estrangeiros em suas sociedades. E a tecnologia está presente em todos os cantos. 

Em seu livro Religion’s Sudden Decline (“O súbito declínio da religião”), o destacado cientista social Ronald Inglehart deu uma resposta. Ele apontou que a mudança cultural mais marcante nos nossos tempos é o declínio da religiosidade na maioria dos países. Quando Inglehart e sua colega Pippa Norris analisaram dados de pesquisas sobre religião realizadas entre 1981 e 2007, constataram que a maioria dos países do estudo se tornou mais religiosa. Mas, entre 2007 e 2020, a “maioria absoluta se tornou menos religiosa”.

Tradução do título e do subtítulo: "O súbito declínio da religião: O que isso está provocando, e o que vem depois?" - Livro publicado, até o momento, somente em inglês
RELIGIÃO 

Os Estados Unidos chamaram a atenção nos estudos recentes. Por um longo período, o país saía da curva ao demonstrar que nações ricas e avançadas também podiam ser religiosas. Em anos recentes, porém, os Estados Unidos têm revertido esse rumo, com efeitos dramáticos. 

“Desde 2007, os Estados Unidos estão se secularizando mais rapidamente do que qualquer outro país”, notou Inglehart, acrescentando, “por um critério amplamente reconhecido, os Estados Unidos se colocam agora como 12.º país menos religioso do mundo”. 

Inglehart afirmou que esse processo de secularização tem muitas causas, relacionadas principalmente ao declínio de normas grupais de mecanismos de controle e à ascensão do individualismo. 

SECULARIZAÇÃO 

Mas aqui vai a informação mais interessante: essa ampla mudança nos Estados Unidos coincide com o aumento da polarização no país. O quadro que emerge é de uma nação que se seculariza rapidamente, mas, ao mesmo tempo, testemunha uma forte reação contrária a esse processo. Grandes transformações estão ocasionando grandes reações. 

Outros fatores operam. Como sempre, as relações raciais nos Estados Unidos desempenham um papel importante. Este é outro campo em que as diferenças entre esquerda e direita são muito mais marcadas do que em outros países (conforme também pode ser visto na pesquisa Pew de 2020). Tudo isso evidencia uma nova realidade: não dá mais para entender os Estados Unidos considerando médias. 

Os Estados Unidos se tornaram dois países. Um é urbano, tem mais estudo, é multirracial, secular e principalmente de esquerda. O outro é rural, tem menos estudo, é religioso, branco e principalmente de direita. 

RONALD F. INGLEHART (1934-2021): cientista político, professor e pesquisador norte-americano, ligado à Universidade de Michigan, nos Estados Unidos

MAPA CULTURAL 

Inglehart e o acadêmico Christian Welzel formularam um mapa cultural que agrupa países conforme suas respostas a questões sobre valores. Até 2020, os Estados Unidos eram os “diferentões” do mundo ocidental, mais próximos a países como Uruguai e Vietnã do que Suécia e Dinamarca. 

No entanto, se os Estados Unidos fossem divididos em dois países, um democrata e o outro republicano, suspeito que veríamos os Estados Unidos democratas se encaixarem perfeitamente entre os países protestantes do norte da Europa, enquanto os valores culturais dos Estados Unidos republicanos os colocariam mais próximos à Nigéria e à Arábia Saudita. 

A questão central para o futuro político do país agora é:

esses dois Estados Unidos serão capazes de encontrar uma maneira de viver, trabalhar e cooperar um com o outro?

Se a resposta for não, a batalha do aborto pode ser o prenúncio de lutas ainda maiores. 

Traduzido do inglês por Guilherme Russo. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional / Washington Post – Sábado, 7 de maio de 2022 – Pág. A21 – Internet: clique aqui (Acesso em: 09/05/2022 – às 16h40).

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