«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 28 de abril de 2019

2º Domingo da Páscoa – Ano C – Homilia

Evangelho: João 20,19-31

19 Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e pondo-se no meio deles, disse: «A paz esteja convosco».
20 Depois destas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor.
21 Novamente, Jesus disse: «A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio».
22 E depois de ter dito isto, soprou sobre eles e disse: «Recebei o Espírito Santo.
23 A quem perdoardes os pecados eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos».
24 Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles quando Jesus veio.
25 Os outros discípulos contaram-lhe depois: «Vimos o Senhor!». Mas Tomé disse-lhes: «Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei».
26 Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: «A paz esteja convosco».
27 Depois disse a Tomé: «Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel».
28 Tomé respondeu: «Meu Senhor e meu Deus!»
29 Jesus lhe disse: «Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!»
30 Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro.
31 Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.

ENZO BIANCHI
Monge e biblista italiano – fundador da Comunidade de Bose (Itália)

O amor fiel do Ressuscitado

O capítulo final do Evangelho segundo João, Jo 20 (Jo 21 é um acréscimo posterior), deveria ser lido por inteiro, para se compreender em profundidade o primeiro dia da semana, o terceiro dia após a morte de Jesus, ocorrida na sexta-feira (sexto dia), 4 de abril do ano 30 da nossa era. A menção de que aquele era “o primeiro dia” dá o ritmo de todo o relato:
* ela se encontra no início do relato da aparição a Madalena (Jo 20,1),
* no início do relato da aparição aos discípulos (Jo 20,19) e, depois,
* está subentendida na expressão “oito dias depois” (Jo 20,26).

O primeiro dia da semana é o dia da ressurreição do Senhor, mas é também o dia em que o Ressuscitado se faz presente entre os seus: é o dia do Senhor (em grego: kyriaké heméra), o dia da intervenção decisiva de Deus que, ressuscitando Jesus, venceu a morte. A partir do Novo Testamento, sabemos também que precisamente “o primeiro dia da semana” (At 20,7; 1Cor 16,2) é o escolhido pelos cristãos para estar “no mesmo lugar” (epì tò autó: At 1,15; 2,1.14.47; 1Cor 11,20; 14,23), para ser assembleia de irmãos e irmãs juntos, que experimentam a vinda do Ressuscitado no meio deles.

Tendo caído a noite daquele primeiro dia, o desconforto e o desencorajamento reinam nos corações dos discípulos que não creram nem em Maria Madalena, que lhes anunciou a ressurreição de Jesus e o encontro com ele (cf. Jo 20,18), nem no discípulo amado que, só de ver o sepulcro vazio, tinha chegado à fé (cf. Jo 20, 8). Mas Jesus lhes havia prometido: «Depois da minha morte, “mais um pouco e vocês me verão”» (Jo 16,16; cf. 14,18)”, e, fiel à palavra dada, «entrou e pôs-se no meio deles». Jesus é visto pelos discípulos no meio deles, no centro da sua assembleia, como aquele que cria e dá unidade, que «atrai todos para si» (cf. Jo 12,32). A comunidade cristã tem assim o seu ícone autêntico: tem o seu centro apenas em Jesus ressuscitado, de modo que todos olhem para ele (cf. Jo 19,37; Zc 12,10).

Nessa posição de Kýrios, de Senhor, o Ressuscitado então diz: «Shalom ‘aleikhem! A paz esteja convosco!», a saudação messiânica, palavra eficaz que traz paz, vida plena e afasta o medo. E, para que as palavras sejam autenticadas pela sua pessoa de Mestre, Profeta e Messias, conhecido pelos discípulos nas suas vidas junto com ele, Jesus mostra as mãos e o lado que ainda carregam os sinais da sua paixão e morte (cf. Jo 19,34).

Visão paradoxal: Jesus está presente com um corpo que não é um cadáver reanimado, mas que também entra com as portas fechadas, não obedecendo às leis do tempo e do espaço; um «corpo de glória» (Fp 3,21), um «corpo espiritual» (1Cor 15,44.46), no qual, porém, permanecem os sinais da paixão, do fato de ter sofrido a morte por amor. São sinais de paixão e, ao mesmo tempo, de glória, de vitória sobre a morte, sinais do amor vivido «até o fim, ao extremo» (eis télos: Jo 13, 1). Para aqueles que temem ser perseguidos, Jesus se mostra como o perseguido que permaneceu fiel e que, vencedor a morte por causa do seu amor fiel e pleno, pode vir ao meio deles trazendo paz, solidez e força.

«Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor». Aconteceu aquilo que Jesus tinha profetizado: «Agora, vocês também estão angustiados. Mas, quando vocês tornarem a me ver, vocês ficarão alegres, e essa alegria ninguém tirará de vocês» (Jo 16,22). Nesta nova situação da comunidade, o Ressuscitado, que prometera não a deixar órfã (cf. Jo 14,18) e de lhe dar outro Consolador (cf. Jo 14,16), dá o dom dos dons, o dom para sempre. Ele repete a saudação «A paz esteja convosco!» e anuncia: «Como o Pai me enviou, também eu vos envio». Os discípulos acolheram o Enviado de Deus, seguiram-no e creram nele; agora, também eles são enviados por todo o mundo, para ser como ele, Jesus, foi em toda a sua vida: testemunhas da verdade, da fidelidade de Deus, isto é, do seu amor pela humanidade. Com a sua vida devem mostrar que «Deus amou de tal forma o mundo, que entregou o seu Filho único» (Jo 3,16). É apenas uma questão de viver o amor de Jesus Cristo pela humanidade: quem é enviado deve se tornar rosto, boca, mãos, ouvidos de quem o enviou, e assim os discípulos devem ser corpo de Cristo entre os outros, no mundo.

Para serem habilitados para essa missão, eles devem ser recriados, regenerados: era preciso uma imersão no Espírito Santo, era preciso o Espírito como novo sopro no coração de carne (cf. Ez 36,26), era preciso uma nova criação (cf. Is 43,18-19). Então, Jesus, o Ressuscitado que respira o Espírito Santo, efunde-o sobre a sua comunidade. Se esse Sopro santo é sopro vital para Jesus, uma vez soprado sobre os discípulos, torna-se o sopro vital deles: um só Sopro, um só Espírito nele e neles!

Nós, cristãos, vasos de barro frágeis e pecadores (cf. 2Cor 4,7), por dom de Jesus ressuscitado, respiramos o Espírito Santo que nos dá a vida, perdoa os pecados, habilita-nos para a vida eterna no Reino de Cristo. Somos, portanto, o corpo de Cristo, o «templo do Espírito Santo» (1Cor 6,19).

Esse é o Pentecostes para o quarto Evangelho, a Igreja dom do Espírito Santo soprado pelo Ressuscitado. O mesmo Espírito que ressuscitou Jesus da morte (cf. Rm 1,4; 8,11) é o doador de vida aos discípulos e, como «companheiro inseparável de Cristo» (Basílio de Cesareia), torna-se companheiro, amigo inseparável para todo cristão. É ele, presente em cada discípulo e discípula, que recorda as palavras de Jesus (cf. Jo 14,26), que o torna presente e testemunha que ele é o Senhor (cf. 1Cor 12,3).

O Espírito Santo, Espírito de Deus e Sopro de Cristo, nos é dado na nossa condição de corpo humano, de carne. Não se deve esquecer que, no quarto Evangelho, a carne (grego: sárx) é o lugar da humanização de Deus: «A Palavra se fez carne» (Jo 1,14). Para João, a carne não é apenas lugar de tentação e de pecado, mas também é um lugar não desprezível nem indigno, porque foi escolhido por Deus para estar conosco e no meio de nós. A carne é um lugar de conhecimento a serviço da Palavra de Deus que a habita: eis a morada do Espírito Santo.

Por isso, assim como Jesus foi concebido como carne pelo Espírito Santo e por uma mulher, assim também a Igreja é gerada pelo Espírito Santo e pela humanidade, e faz do sopro do Espírito a sua respiração.

Mas isso tem um impacto decisivo sobre a vida dos cristãos: significa remissão dos pecados, porque a experiência da salvação que podemos fazer aqui e agora na história, antes da transfiguração de todas as coisas na gloriosa vinda de Cristo, é a experiência da remissão dos pecados. Cantamos isso todas as manhãs no Benedictus: «... anunciando ao seu povo a salvação, que está na remissão de seus pecados» (Lc 1,77).

Receber o Espírito Santo é receber a remissão dos pecados,
isto é, viver aquela ação do Senhor que não apenas perdoa,
mas apaga, esquece os nossos pecados,
fazendo de nós criaturas novas (cf. Jr 31,34; Ez 18,22; 33,16).

Essa é a epifania da misericórdia de Deus, aquele amor de Deus profundo, visceral e infinito que, quando nos alcança, nos liberta das culpas e nos recria em uma novidade que nós não podemos nos dar! A comunidade dos discípulos é a comunidade do perdão recíproco, e não apenas como comunidade que tem a capacidade de apagar o pecado. Essa capacidade é dada a todos os discípulos por Jesus, e eles a mantêm e a exercem enquanto estiverem em comunhão com ele por meio do Espírito Santo. A capacidade de perdoar os pecados, isto é, de libertar da culpa e de fazer misericórdia, é dada por Jesus a todos os discípulos: não só aos Onze, porque, no cenáculo, no dia de Pentecostes, estão também as mulheres, está Maria junto com outros discípulos e discípulas (cf. At 1,13-15; 2,1).

Jesus, «o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (Jo 1,29), batizando os discípulos no Espírito Santo (cf. Jo 1,33), capacita-os para a sua missão: perdoar, fazer misericórdia, reconciliar com Deus e com os irmãos e as irmãs. Pela cruz e pela ressurreição, a humanidade foi reconciliada com Deus, mas tal evento deve ser anunciado a todos, e os discípulos são enviados para isso: aonde chegarem, devem manifestar e fazer reinar a misericórdia de Deus, devem viver o mandamento último e definitivo do amor recíproco (cf. Jo 13,34; 15,12), devem perdoar os pecados uns aos outros, habilitados, portanto, a pedir o perdão dos pecados a Deus.

Onde há um cristão autêntico,
há um ministro da misericórdia que faz o mal e o pecado recuarem,
e que faz a misericórdia reinar.

E que fique claro: as palavras de Jesus que acompanham o gesto de soprar o Espírito – «A quem perdoardes os pecados eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos» – são expressadas através de um estilo tipicamente semítico que se serve de duas expressões contrastantes para afirmar com mais força uma realidade. Não significam, portanto, um poder que os discípulos poderiam utilizar de acordo com o seu arbítrio e o seu juízo; pelo contrário, expressam com força que a sua tarefa é a remissão dos pecados, o perdão, a misericórdia, como foi para Jesus, que em toda a sua vida nunca condenou, mas sempre disse que veio não para julgar e condenar (cf. Jo 8,15; 12,47), mas para que todos «tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10,10).

«Como o Pai me enviou, também eu vos envio», em que esse «como» também remete a um estilo, a ponto de podermos parafrasear: «Como eu perdoei os pecados, também vós deveis perdoá-los; é com essa tarefa que eu vos envio». É o que Jesus afirmou de modo sumário, segundo Lucas, no início do seu ministério público na sinagoga de Nazaré:

O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque ele me consagrou com a unção,
para anunciar a Boa Notícia aos pobres;
enviou-me para proclamar a libertação aos presos
e aos cegos a recuperação da vista;
para libertar os oprimidos,
e para proclamar um ano de graça do Senhor (Lc 4,18-19; cf. Is 61,1-2).

Feita essa experiência, os discípulos anunciam a Tomé, não presente na primeira manifestação do Ressuscitado: «Vimos o Senhor!». É o anúncio pascal que deveria ser suficiente para acolher a fé no Ressuscitado. Mas Tomé não crê, essas palavras lhe parecem desvarios inconfiáveis, então ele responde com força: «Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei».

Mas, «oito dias depois», portanto no primeiro dia da segunda semana depois do túmulo vazio, eis Tomé e os outros discípulos novamente juntos, naquela casa em Jerusalém. É o primeiro, mas também o oitavo dia, dia da plenitude, do cumprimento. Os discípulos, que já vivem há uma semana nesse novo tempo iniciado pela ressurreição, continuam habitando no medo dos assassinos de Jesus. Deveriam levar com franqueza o anúncio pascal para toda a Jerusalém, mas, em vez disso, apesar do envio à missão, apesar do dom do Espírito Santo, permanecem fechados, dominados pelo medo.

Mas Jesus se faz novamente presente: «Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse:A paz esteja convosco”». Eis a fidelidade de Jesus que vem, que é Aquele que vem entre os seus, mesmo quando eles não merecem e não estão à sua espera. Ele vem ao meio dos seus, não se cansa de vir, fazendo sempre renascer a Igreja e o testemunho da sua ressurreição. Acima de tudo, ele entrega a paz, «a sua paz, não a do mundo» (cf. Jo 14,27), depois se dirige a Tomé, «chamado Dídimo», o «gêmeo» de cada um de nós. Sim, Tomé é o irmão gêmeo em quem devemos nos espelhar nos nossos entusiasmos, em que chegamos a dizer: «Vamos nós também para morrermos com ele» (Jo 11,16), assim como nos nossos momentos obscuros, em que não conseguimos crer, aderir, colocar a confiança no Senhor.

Tomé é o irmão gêmeo no qual há, assim como em nós, a lógica de querer ver para crer, de constatar, de ter provas. Tomé é como nós:
* quando se perfila o evento da ressurreição, vemos morte (cf. Jo 11,15-16);
* quando Jesus anuncia que ele nos precede, não sabemos qual é o caminho (cf. Jo 14,2-6);
* quando devemos confiar no testemunho dos nossos irmãos e irmãs, queremos ser aqueles que veem e decidem...

Mas Jesus também vem para Tomé, ovelha perdida procurada pelo pastor, e ele também se mostra com os sinais do seu amor: os estigmas da sua paixão impressos para sempre na sua carne gloriosa. A carne de Jesus, corpo de homem, passou pela paixão e morte, e o que ele viveu permanece também na sua carne de corpo glorioso.

A ressurreição apaga todos os sinais da morte e do pecado,
mas não os sinais do amor vivido, porque o amor vence a morte,
e ter amado tem uma força que transcende a morte.

Todo o cuidado pelos doentes que as mãos de Jesus praticaram, todas as carícias que ele fez, todo o seu amor vivido no coração, todas as forças liberadas pelo seu peito estão visíveis também no seu corpo ressuscitado. Jesus, portanto, convida Tomé a se aproximar e a colocar o dedo naqueles estigmas.

E aqui, atenção, não está escrito que Tomé colocou o dedo nos furos das mãos e na ferida do lado, mas sim que disse: «Meu Senhor e meu Deus!». Reconhecendo o amor vivido por Jesus, do qual os estigmas são o sinal perene, Tomé crê e confessa: “Ho Kýriós mou ho Theós mou!”. Jesus ressuscitado é o Kýrios; mais, é Deus. O Senhor de Tomé é o Deus de Tomé. Não há confissão de fé mais alta em todos os Evangelhos. Essa é a proclamação mais plena e sincera: Jesus é o Senhor, Jesus é Deus:
* É por isso que quem vê Jesus vê o Pai (cf. Jo 14,9);
* é por isso que Jesus é a exegese de Deus que ninguém jamais viu nem pode ver (cf. Jo 1,18);
* é por isso que Jesus é «o Vivente» (Lc 24,5) para sempre.

Tomé certamente não é um modelo, embora possamos nos reconhecer nele. Por isso que Jesus lhe diz: «Bem-aventurados os que creram sem terem visto». Não vendo, não constatando, mas sim contemplando o Crucificado, portanto conhecendo o seu amor vivido, é que se começa a crer. Milagres, visões, aparições não nos permitem acessar a verdadeira fé. Somente a palavra de Deus contida nas Sagradas Escrituras, somente o amor de Jesus do qual o Evangelho é anúncio e narração («sinal escrito», para usar a expressão do fechamento do Evangelho), somente estar no espaço da comunidade dos discípulos do Senhor é que podem nos levar à fé, podem nos fazer invocar Jesus como «meu Senhor e meu Deus».

Todo esse capítulo 20 do quarto Evangelho é um canto à misericórdia do Senhor que vem à sua comunidade com o perdão, com a remissão dos pecados, com a paciência de um Deus que nos ama sempre, mesmo quando nós não o merecemos e hesitamos em crer nele.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 26 de abril de 2019 – Internet: clique aqui.

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Denúncia: saúde indígena

Quais são os interesses políticos e econômicos
por trás dos ataques à saúde indígena?

Margarida Cordão

“Eles fazem uma armadilha dizendo que tem corrupção
para desmontar o sistema”,
denuncia o Conselho Indigenista Missionário – Cimi
Indígenas estão sendo ameaçados em seu atendimento de saúde, assim como,
no respeito às demarcações de suas terras e garantias de vida

Quando os repasses de recursos que deveriam abastecer os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) de todo o País foram suspensos, no começo do ano, o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta alegou que se tratava de uma medida de combate à corrupção.

O setor vem sofrendo com esquemas de fraudes endêmicas, por exemplo em licitações de aeronaves, helicópteros, aviões, planos de voo… A saúde indígena como um todo sofre uma perigosa associação entre ONGs, seus funcionários e prestação de contas”, disse o ministro, durante audiência pública na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal.

Que a implementação da Política Nacional de Saúde Indígena enfrenta problemas, já tem até relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) confirmando. Porém, das 13 recomendações dadas pelo TCU para o controle dos gastos, nenhuma propõe a suspensão dos pagamentos de salários dos cerca de 15 mil funcionários em todo o país.

Armadilha

Para Roberto Liebgott, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o discurso da corrupção é uma armadilha.

“Se você for a fundo, em toda administração pública vai encontrar problema. E o que eles fazem? Fazem uma armadilha dizendo que tem corrupção para desmontar o sistema, em vez de fortalecer e identificar onde tem problema e corrigir”.
ROBERTO LIEBGOTT - Conselho Indigenista Missionário - Cimi (CNBB)

O cacique Yssó Truká, um dos representantes indígenas no Conselho Nacional de Saúde (CNS), também criticou a decisão:

“O filho da gente erra, a gente tem que matar ele pra corrigir o erro?
Se a SESAI tem problema de corrupção, cabe ao ministro que é titular da pasta, mandar apurar. Não fechar a SESAI e nem paralisar as ações”.

A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) é a única do Ministério da Saúde que presta serviços diretos a uma população inteira. Para atender mais de 770 mil indígenas nas quase 5.600 aldeias espalhas pelo território nacional, o orçamento previsto para esse ano é de R$ 1,4 bilhão.

Perfil dos coordenadores de DSEI

Para operacionalizar esse sistema, o ministério firma convênios com Organizações Sociais (OS), ou entidades beneficentes, como algumas preferem ser identificadas. A gestão desses contratos é feita através dos 34 DSEI, que estão subordinados à SESAI, mas incluem transporte, recursos humanos e toda a estrutura necessária para cada aldeia. Até o ano passado, quando venceu o prazo dos contratos assinados em 2013, três entidades conveniadas podiam executar os recursos da Saúde Indígena.

Uma das conveniadas chama a atenção. Mais de 60% do montante destinado a custear as atividades nos DSEI iam para a Missão Evangélica Caiuá. O grupo religioso chegou ao Brasil pelas mãos de pastores presbiterianos dos Estados Unidos, no começo do século passado, com a missão de converter indígenas e se desdobrou em serviço hospitalar e depois de quase um século de atuação no Brasil, construiu conexões com políticos de renome nacional.

Atualmente, a Caiuá tem laços estreitos com o senador Romero Jucá, como contou o jornalista Maurício Angêlo para o Intercept Brasil.
Lideranças indígenas acompanharam a audiência com o ministro da Saúde no Senado
(Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

Para o cacique Yssó, se o governo tivesse mesmo interesse em mudar o cenário da saúde indígena, deveria começar estabelecendo critérios para nomeação dos coordenadores dos DSEI.

Os coordenadores distritais têm ligações político-partidárias. Eles não são servidores de carreira. Nós, no controle social, queremos critérios para que esses – que são políticos – passem a vir oriundos de serviços públicos, sejam profissionais de saúde pública. A gente traçou um perfil [para escolha dos coordenadores] e o ministério da saúde não aceitou”.

Uma olhada rápida nos nomes dos coordenadores chama atenção. À frente dos cuidados de mais de 12 mil indígenas no DSEI Alagoas-Sergipe, está Ivana Fortes Peixoto Toledo, empresária e esposa de Alexandre Toledo, usineiro e ex-deputado federal pelo Partido Republicano da Ordem Social (PROS). Para assumir o posto, ela teve como padrinho o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), integrante da tropa de choque do ex-presidente Michel Temer no Congresso.

Já o DSEI Interior Sul, responsável por coordenar a estrutura de saúde para 63 mil indígenas que vivem em São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, é comandado por Gaspar Luis Paschoal. O jovem advogado foi nomeado para o cargo em 2016, quando tinha 23 anos. É filho do ex-prefeito de Redentora, Adelar Paschoal (PMDB).

Em 2017, indígenas pediram a saída de Gaspar que foi acusado de assédio moral, sexual e má gestão de recursos. Quando o pai de Paschoal foi prefeito de Redentora, crianças indígenas morreram desnutridas. À época, a saúde indígena ainda ficava sob a responsabilidade dos municípios que recebiam suporte técnico da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

No Mato Grosso do Sul, onde os guarani Kaiowá são marcados pela violência de fazendeiros em um conflito fundiário que dura décadas, o coordenador é Edemilson Canale, ex-prefeito de Seara (SC) que assumiu o posto com as bênçãos da bancada ruralista no Congresso Nacional.

Já o DSEI Yanomami é território restrito, mas de fácil trânsito para o ex-senador Romero Jucá. O distrito é um entre os 19 contratos firmados com a Missão Evangélica Cauiá.
LUIZ HENRIQUE MANDETTA - Ministro da Saúde - governo de Jair Bolsonaro

Outro lado

A reportagem do Saúde Popular questionou o Ministério da Saúde sobre os critérios adotados para a nomeação dos coordenadores dos 34 DSEI e, especificamente, sobre as habilidades de cada um dos coordenadores aqui citados. Não houve resposta.

[Comentário pessoal: Seria essa a tal “nova política” tão propalada pelo atual governo? De nova, não há nada! Como disse, muito bem, o cacique Yssó Truká, não se mata o filho para se corrigir erros! O atendimento à saúde indígena que já não era dos mais adequados e melhores, piorou muito mais neste ano de novo governo!]

Mas questionado sobre o que está sendo feito para combater a corrupção na saúde indígena, o ministério diz que “ficou acordado entre a pasta e lideranças indígenas, após reunião no dia 28 de março, a manutenção da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI)”.

Ainda de acordo com a pasta, “no mesmo encontro, foi definida a criação de um Grupo de Trabalho para discutir a melhoria e os avanços na assistência à saúde indígena e a fiscalização dos recursos”.

Fonte: Saúde Popular – Notícias – Sexta-feira, 19 de abril de 2019 – Internet: clique aqui.

terça-feira, 23 de abril de 2019

Reformas de Papa Francisco

Papa propõe um abalo radical na Cúria Romana

Christopher Lamb
The Tablet
22-04-2019

A prioridade será a missão de evangelizar da Igreja,
limitando os poderes da toda poderosa 
Congregação para a Doutrina da Fé
O Papa Francisco cumprimenta o cardeal Angelo Sodano,
decano do Colégio dos Cardeais, durante a reunião anual antes do Natal do papa
com os funcionários da Cúria Romana e do Colégio Cardinalício.
Foto: Foto do CNS / Mídia Vaticana

As reformas do Papa Francisco na Cúria Romana contarão com a criação de um novo “superministério” dedicado à evangelização, que terá precedência sobre o outrora poderoso órgão doutrinal Vaticano.

A Congregação para a Doutrina da Fé, anteriormente Santo Ofício da Inquisição, é a instituição mais antiga da Cúria e conhecida como “La Suprema”. Durante anos, ela policiou teólogos, estabeleceu as linhas demarcatórias da doutrina católica e carimbou todos os principais documentos vaticanos.

Mas, de acordo com a Vida Nueva, a respeitada publicação católica espanhola, a Congregação não ocupará mais o primeiro lugar na Cúria. Com Francisco, a Congregação para a Doutrina da Fé já perdeu uma influência significativa, e a nova constituição estabelece formalmente que ela agora estará submetida à nova missão de pregar o Evangelho.

As mudanças estão contidas na nova constituição apostólica sobre a Cúria Romana, Praedicate Evangelium (“Preguem o Evangelho”), elaborada pelo papa e pelo seu conselho de cardeais conselheiros ao longo dos últimos cinco anos, e que poderia ser publicada no dia 29 de junho, Festa de São Pedro e São Paulo.

Toda a força da constituição põe a evangelização no centro da missão da Cúria Romana, o que significa que todo aspecto do serviço civil do catolicismo deve fluir a partir disso.

“O Papa Francisco sempre enfatiza que a Igreja é missionária. Por isso, é lógico que colocamos em primeiro lugar o Dicastério para a Evangelização e não a Doutrina da Fé”, disse à revista Vida Nueva o cardeal Oscar Rodríguez Maradiaga, coordenador do Conselho dos Cardeais, em uma reportagem que será publicada na revista no próximo sábado e que foi vista pela The Tablet.

“Desse modo, o Santo Padre enviou uma significativa mensagem de reforma ao Povo de Deus.”
ÓSCAR ANDRÉS RODRÍGUEZ MARADIAGA
Cardeal-Arcebispo de Tegucigalpa (Honduras) e Coordenador do Conselho de Cardeais
que assessora o Papa Francisco

O cardeal Oswald Gracias, outro membro do Conselho dos Cardeais – que agora é composto por seis membros – destacou que esse novo departamento se tornará o “primeiro dicastério”.

Ele explicou: “O ponto-chave da nova constituição apostólica é que a missão da Igreja é a evangelização. Ela [a Constituição] coloca a evangelização no centro da Igreja e de tudo o que a Cúria faz. Esse será o dicastério principal. O título do texto mostra que a evangelização é o objetivo número um, tendo prioridade sobre qualquer outra coisa”.

Em termos práticos, o superdicastério para a evangelização surgirá a partir de uma fusão entre o Pontifício Conselho para a Nova Evangelização, instituído por Bento XVI em 2010, e a Congregação para a Evangelização dos Povos, que supervisiona a Igreja nos antigos territórios de missão. Conhecida como Propaganda Fidei, é uma parte poderosa da Cúria, com um grande orçamento e influência sobre a nomeação dos bispos. Seu prefeito é conhecido como o “Papa Rosso” (“papa vermelho”).

Outra reforma estabelecida pela constituição é a instituição do Pontifício Conselho para a Proteção dos Menores como parte da Cúria, que daria uma maior autoridade ao órgão protetor das crianças instituído pelo papa e o tornaria mais eficaz. Uma das dificuldades que a comissão enfrentou foi a falta de qualquer status legal no Vaticano.

Junto com seu trabalho teológico, a Congregação para a Doutrina da Fé supervisiona os julgamentos da Igreja sobre os padres acusados de abuso sexual clerical, embora não esteja claro como o órgão de proteção dos menores trabalhará com o doutrinal nesse assunto.

Enquanto isso, a Vida Nueva relata que um novo dicastério que realiza obras de caridade em nome do papa também poderia ser criado na nova constituição.

Francisco já reforçou o ofício caritativo do esmoleiro papal, criando cardeal Konrad Krajewski, seu atual presidente, embora seu papel esteja sediado em Roma e possa ser expandido. Um departamento baseado na caridade também demonstraria que pregar o Evangelho significa que as palavras devem ser acompanhadas por ações.

“Depois da evangelização, tem que vir a caridade”, disse o cardeal Maradiaga.

Fundada em 1542, a Congregação para a Doutrina da Fé foi criada para difundir a “sã doutrina católica”.

Durante a liderança de 23 anos do cardeal Joseph Ratzinger – agora Papa Emérito Bento XVI –, ela ganhou a reputação de investigar e disciplinar os teólogos e desempenhou um papel importante nas batalhas doutrinais internas da Igreja.

Durante o pontificado de Francisco, as investigações de teólogos por parte da Congregação minguaram, e a Congregação para a Doutrina da Fé ficou em segundo plano com um papa pastoral que quer que a doutrina seja aplicada à missão da Igreja em vez de se transformar em ideologia.
OSWALDO GRACIAS
Cardeal-Arcebispo de Bombaim, na Índia - Membro do Conselho de Cardeais que assessora o papa

Mas o cardeal Gerhard Müller, que atuou como prefeito da Congregação com Francisco até a sua demissão em 2017, argumentou que o seu papel significava que a Congregação era responsável por “estruturar teologicamente” o papado de Francisco, porque o primeiro papa latino-americano era “mais pastoral”.

No entanto, isso pareceu ser um exagero do seu papel, pois, até 1965, os papas atuaram como prefeitos da Congregação doutrinal, e é o Romano Pontífice que tem o poder “supremo, pleno, imediato e universal” sobre a Igreja.

Desde a sua saída do cargo, o cardeal Müller tornou-se um dos críticos mais proeminentes de Francisco.

A nova constituição deve enfatizar a importância do Vaticano e da Cúria Romana a serviço do papa e das Igrejas locais [= dioceses], colocando os bispos diocesanos em pé de igualdade com os prefeitos dos departamentos da Cúria.

Nas décadas desde o Concílio Vaticano II (1962-1965), que previu um papel reforçado para os bispos e as Igrejas locais, houve inúmeras queixas de que algumas autoridades da Cúria Romana excediam sua autoridade.

Em vez de trabalhar com os bispos locais, nos últimos anos, os bispos diocesanos viram-se sendo mandados pelas autoridades vaticanas, particularmente quando se tratava de questões litúrgicas e doutrinais incômodas.

O Papa Francisco fez das reformas do Concílio a luz orientadora do seu pontificado, pedindo uma “saudável descentralização” da Igreja e conferindo mais poderes aos bispos locais no que se refere às traduções litúrgicas.

A nova constituição também prevê que sejam postos mais leigos em posições de liderança – algo falado há muito tempo – e que sejam fundidos o Pontifício Conselho para a Cultura e a Congregação para a Educação Católica em um só órgão. Não haverá mais distinções entre Conselhos e Congregações, que serão conhecidas como Dicastérios [parecidos com os Ministérios].

Mas o cardeal Maradiaga deixou claro que a reforma não tratou apenas da fusão de Congregações: “O principal objetivo é ressaltar a importância dos leigos na Igreja e para a Igreja”.

A nova constituição deixa claro que não são apenas os clérigos que precisam estar no comando dos departamentos (atualmente, há um único leigo encarregado de um dicastério vaticano – Paolo Ruffini, prefeito do Dicastério para a Comunicação).

Há também um possível rebaixamento na influência do papel da Secretaria para a Economia, antigamente liderada pelo cardeal George Pell.

O cardeal Pell, agora em uma prisão australiana depois de ter sido condenado por abuso sexual contra crianças, tentou se tornar o “administrador da Santa Sé” em questões financeiras. Mas a Vida Nueva relata que, no organograma hierárquico, essa secretaria ficará abaixo dos principais dicastérios.

O Conselho dos Cardeais deve discutir a Praedicate Evangelium, que atualiza a constituição Pastor Bonus de João Paulo II, de 1988, durante sua reunião entre os dias 25 e 27 de junho.

Embora seja possível que a Praedicate Evangelium seja promulgada pelo papa no dia 29 de junho, Festa de São Pedro e São Paulo, a data poderia ser adiada, já que as Conferências Episcopais em todo o mundo e a Cúria Romana foram solicitadas a oferecer um retorno sobre o esboço do texto. As revisões precisam ser enviadas até o fim de maio.

Não são esperadas mudanças significativas no texto, pois esta é a rodada final de consulta.

O papa queria um processo longo, em que as ideias pudessem decolar sem deixar as pessoas para trás”, disse o cardeal Gracias.

Depois que o novo documento for publicado, o Conselho dos Cardeais continuará aconselhando o papa sobre as reformas, incluindo uma atualização do Código de Direito Canônico e o debate de novas ideias sobre questões como a gestão financeira e o papel das mulheres.

O cardeal Maradiaga disse à Vida Nueva que um Sínodo dos Bispos poderia ser convocado para aplicar a “eclesiologia prática” prevista pela nova constituição.

O Espírito Santo continua soprando”, disse ele. “Ele não tira uma sesta nem sai de férias.”

Traduzido do inglês por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 23 de abril de 2019 – Internet: clique aqui.

Três critérios para avaliar a reforma da Cúria
por parte de Francisco

Thomas J. Reese
Padre jesuíta norte-americano e ex-editor-chefe da revista “America” dos jesuítas
dos Estados Unidos (1998-2005)
National Catholic Reporter
23-04-2019

Os cardeais que votaram no conclave para eleger o Papa Francisco
o fizeram esperando que ele reformasse a Cúria vaticana,
atormentada pelo escândalo, e a tornasse mais sensível às
preocupações da Igreja universal
Papa Francisco fala à Cúria Romana na Sala Clementina no Vaticano em 22 de dezembro de 2014
Foto: AP / Andreas Solaro, Pool

Seis anos depois, suas propostas de reforma deverão ser promulgadas no fim de junho, embora provavelmente sejam vazadas antes. Elas satisfarão os críticos da Cúria?

Reformar a Cúria vaticana tem sido um tema constante desde que o Concílio Vaticano II terminou em 1965. A Cúria tem sido acusada de ser ineficiente, bizantina, ditatorial e fora de sintonia com as necessidades dos católicos comuns. Acima de tudo, ela tem sido atormentada por escândalos financeiros e sexuais.

Os papas desenvolveram reformas, mas elas tiveram pouco impacto.

Paulo VI fez o máximo nos anos seguintes ao Vaticano II, exigindo que os chefes de escritórios da Cúria apresentassem suas renúncias aos 75 anos e forçando a saída de bispos e cardeais das Congregações (as comissões de cardeais e bispos que supervisionam o trabalho dos escritórios do Vaticano) quando eles completavam 80 anos.

Ele também criou novos escritórios, em resposta às prioridades do Concílio, para o diálogo com outras Igrejas cristãs e com outras religiões. Ele criou outro escritório para se focar nas questões de justiça e paz.

Papas posteriores acrescentaram escritórios para lidar com seus projetos favoritos.

Mas, em meio a essa inovação, os escritórios existentes não foram substancialmente modificados. Surgiu um conflito entre os antigos escritórios e os novos, como quando os envolvidos no diálogo ecumênico e inter-religioso foram repreendidos pela Congregação para a Doutrina da Fé e pela Congregação para a Evangelização dos Povos.

Francisco fez algumas mudanças iniciais na Cúria quando se tornou papa, fundindo alguns dos escritórios pós-Vaticano II para que menos pessoas se reportassem diretamente a ele. Ele também reuniu os vários escritórios de mídia, mas, por causa de uma liderança ineficaz, a fusão jogou as comunicações vaticanas no caos.

Talvez seu maior impacto tenha sido na cultura da Cúria, e não em sua estrutura. Sua ênfase constante no serviço e na escuta mudou o modo como as autoridades da Cúria interagem com os bispos visitantes. No passado, 55 minutos de uma reunião de uma hora seriam dedicados para que as autoridades da Cúria “ensinassem” aos bispos. Agora, dedica-se mais tempo para ouvir as preocupações dos bispos.

As novas propostas de reforma, no entanto, estão sendo apresentadas como uma reforma abrangente das estruturas da Igreja. Aqui estão três perguntas a serem feitas ao avaliar essas reformas:

Primeiro, a reforma converte o Vaticano de uma corte em um serviço civil?

O Vaticano ainda é organizado como uma corte real do século XVIII, em que príncipes (cardeais) e nobres (bispos) ajudam o rei (papa) a governar a nação (Igreja). O problema com tal estrutura é que você não pode demitir príncipes e nobres quando eles se mostram incompetentes. A Igreja precisa de um bom serviço civil, não de uma corte.

No passado, eu argumentei que as autoridades da Cúria não deveriam ser bispos ou cardeais, o que cria a impressão de que eles são a administração intermediária entre os bispos e o papa. Em vez disso, deveriam ser padres e leigos, com expertise em sua área de responsabilidade. Como tal, ficaria claro que eles não fazem parte do magistério. Pelo contrário, são servos do papa e do Colégio dos Bispos. São membros da equipe, não governantes.

Em segundo lugar, a reforma promove a descentralização? Quais decisões atualmente tomadas no Vaticano serão tomadas agora no nível diocesano ou da Conferência Episcopal?

Por exemplo, há mais de duas décadas, as Conferências Episcopais de língua inglesa desenvolveram uma tradução muito boa da liturgia, que foi vetada por Roma. O Vaticano, então, forçou os bispos a aceitarem a terrível tradução que temos hoje. Se o Vaticano não abrir mão do seu domínio sobre esse tipo de tomada de decisão, as novas reformas serão insignificantes. Se todas as decisões importantes devem ser revistas por Roma, então as coisas não mudaram.

No passado, os progressistas pressionaram pela descentralização, e os conservadores promoveram o poder papal. Isso mudará agora que progressistas como o papa e conservadores questionam suas políticas? Serão necessários mais cinco anos até que grande parte da velha guarda se aposente e que a Conferência dos Bispos dos Estados Unidos alcance o Papa Francisco. Enquanto isso, os progressistas querem lhes dar mais poder?
THOMAS J. REESE - padre jesuíta autor deste artigo

Terceiro, a reforma leva o Vaticano a separar os poderes executivo, legislativo e judiciário?

Como o Vaticano é modelado a partir de uma monarquia absoluta, não há nenhuma separação de poderes. Hoje, os escritórios da Cúria fazem as regras, policiam as regras e julgam aqueles que violam as regras.

Uma separação de poderes significaria dar mais autoridade ao Sínodo dos Bispos, tornando-o mais como uma verdadeira legislatura. Talvez o Sínodo pudesse ter comissões permanentes que substituíssem as comissões de cardeais que compõem as Congregações vaticanas.

O Vaticano também precisa de um DEPARTAMENTO DE JUSTIÇA separado para investigar e processar os crimes canônicos, sejam eles sexuais, financeiros ou outros. O acusado deve ser julgado perante um judiciário independente.

Eu espero, infelizmente, que as respostas para todas as minhas perguntas sejam “não”. Embora eu goste de Francisco, espero ficar desapontado com as suas propostas de reforma. Francisco é um pastor, não um especialista em gestão. Além disso, há fortes opositores da reforma na Cúria. Algumas das “caixinhas” do organograma serão movidas, mas isso fará pouca diferença.

Finalmente, todos nós que propomos reformas precisamos fazê-lo com humildade. As Ciências Sociais e a experiência nos advertem que toda reforma tem consequências imprevistas. É por isso que a Igreja tende a improvisar mudanças incrementais em vez de promover uma verdadeira revolução. Por outro lado, as mudanças incrementais não lidarão com os problemas enfrentados pela Igreja hoje. Precisa-se de mais.

Traduzido do inglês por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão original do artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 24 de abril de 2019 – Internet: clique aqui.