Brasil ladeira abaixo!
O desmonte da ciência
brasileira
Clarissa Neher
Anos
de cortes no Ministério da Ciência e Tecnologia atingem em cheio pesquisas em
todas as áreas e já afetam parcerias com
agências europeias.
Governo
Bolsonaro acelera processo com
redução drástica no orçamento
![]() |
Laboratório de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) |
A ciência brasileira se
encontra num momento crítico. O último corte de recursos anunciado pelo governo
de Jair Bolsonaro agravou drasticamente uma situação que, há anos, já era tida
como crítica. A medida mais recente atingiu em cheio o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), subordinado ao Ministério
da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
O
contingenciamento de 42,27% das despesas do
Ministério
da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
coloca
em risco o financiamento de cerca de 11 mil projetos e
80
mil bolsas financiadas pela principal agência de
fomento
à
pesquisa do país.
"Nunca vi cortes da
magnitude dos que foram decretados recentemente. São cortes extremamente
pesados e, se não forem revertidos, destruirão a ciência brasileira. Esses
cortes representam um ataque sério ao desenvolvimento e à própria soberania
nacional", afirma Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira
de Ciências.
[Comentário pessoal:
como um governante pode dizer-se “patriota”, ter como slogan “Brasil acima de
tudo”, mas não valorizar aquilo que torna um país, de fato, grande, soberano e
autônomo: a ciência??? Sem ciência, sem pesquisa, sem tecnologia própria, um
país será sempre e, tão somente, um dependente dos demais países que investem
pesado naquilo que, de verdade, conta no mundo atual: o conhecimento! Hoje, o
Brasil tornou-se um exportador de matérias-primas, um exportador de minérios e
produtos agropecuários! Não somos produtores nem exportadores de produtos de
alta tecnologia!]
A avaliação de especialistas
do setor é de que pesquisas em todas as áreas, inclusive de humanas, estão
em risco. As primeiras afetadas são as pesquisas dependentes de
laboratórios, que já estão ficando sem manutenção, sem materiais e com uma
infraestrutura defasada.
Os cortes também prejudicam
cooperações internacionais e são observados com atenção na Europa. Segundo a
diretora do escritório regional do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico
(DAAD) no Brasil, Martina Schulze, no ano passado, em programas conjuntos da
agência alemã com instituições brasileiras, não foi possível conceder bolsas de
doutorado na Alemanha pelo CNPq, pois não havia garantias de que elas seriam
pagas.
"A incerteza quanto
às possibilidades de financiamento para as instituições de ensino superior
brasileiras e a pesquisa no país provocou um comedimento das universidades
alemãs, que ainda persiste. O DAAD pode notar isso devido ao menor fluxo de
recursos para o trabalho conjunto no ensino superior e na pesquisa com o Brasil",
diz Schulze.
![]() |
LUIZ DAVIDOVICH Físico brasileiro, professor da UFRJ e Presidente da Academia Brasileira de Ciências |
De acordo com a diretora da
agência alemã, em 2016, o DAAD destinou cerca de 11 milhões de euros para bolsas
e projetos com parceiros brasileiros. Em 2018, esse valor foi de apenas 8,7
milhões de euros.
Esse cenário, descrito por
pessoas da área como trágico, não surgiu de uma hora para outra, mas é fruto
de uma série de cortes que está em curso há algum tempo.
Processo
contínuo de cortes
Há cerca de 20 anos, as
ciências no Brasil viviam tempos áureos. A partir dos anos 2000, mais recursos
já começavam a ser investidos no setor, conta Ildeu de Castro Moreira,
presidente da presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC). Mas foi durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a partir de
2006, que o MCTIC viveu um período de real prosperidade, com o aumento
progressivo nas verbas destinadas à pasta. Em 2010, os investimentos no
ministério atingiram o ápice, chegando a aproximadamente 8,6 bilhões de
reais (em valores atualizados, quase 10 bilhões de reais).
Marca semelhante foi
alcançada em 2013. Na época, a cultura de investimentos em ciência parecia
estar se consolidando. Porém, a partir de 2014, teve início a crise que se
estende até os dias de hoje. O orçamento da pasta passou a sofrer cortes
constantes durante os anos seguintes do último governo Dilma Rousseff.
![]() |
ILDEU DE CASTRO MOREIRA Físico brasileiro, professor da UFRJ e atual Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) |
Sob Michel Temer, o
Ministério da Ciência e Tecnologia incorporou o das Comunicações e sofreu um
contingenciamento de 44% das despensas previstas para 2017. Naquele ano, foram
investidos apenas 3,77 bilhões de reais, o menor orçamento dos últimos 12
anos.
O impacto foi tanto que levou
entidades de pesquisa a se articularem no movimento "Conhecimento sem
cortes", que denunciou a morte lenta da ciência no país devido à
redução constante dos investimentos.
No início de 2018, a situação
parecia um pouco melhor com o anúncio de um investimento de 4,7 bilhões na
pasta, porém, houve novamente cortes, o que chegou a atrasar os pagamentos de
bolsas em dezembro do ano passado. Esse atraso levou o CNPq a entrar em 2019
com um rombo de 300 milhões de reais no orçamento.
Para este ano, o Congresso
havia aprovado um orçamento de 5,1 bilhões de reais para o MCTIC, porém, há
cerca de uma semana, o governo decretou o contingenciamento de 42% das despesas
da pasta, reduzindo para cerca de 2,9 bilhões de reais os recursos disponíveis para o ministério.
O presidente do CNPq, João
Luiz Filgueiras, afirmou ao portal G1 que a agência deve ter
verbas para pagar bolsistas apenas até setembro deste ano. A previsão,
porém, ainda não incluía o novo corte. Especialistas estimam que esse valor
cubra os pagamentos somente até julho.
Desde 2016, os repasses
para o pagamento de bolsas concedidas pelo CNPq vem caindo, passando de pouco mais de 1,1 bilhão para 784,7 mil
reais neste ano. Metade dos 80 mil bolsistas da agência fazem iniciação
científica e recebem apenas entre 100 e 400 reais por mês.
Além de correrem o risco de
ficarem sem receber, os mestrandos e doutorandos possuem ainda bolsas com
valores muito baixos, defasados pela inflação. Os valores de 1,5 mil reais
mensais para mestrado e 2,2 mil reais mensais para doutorado não são
reajustados desde 2013.
![]() |
JOÃO LUIZ FILGUEIRAS DE AZEVEDO Presidente atual do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) |
Pesquisas
de saúde em risco
Entidades ligadas à ciência
também afirmam que os cortes anunciados pelo governo Bolsonaro atingem o
Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que financia a
infraestrutura de instituições científicas. O fundo teve 80% de seus
recursos contingenciados.
"Está ocorrendo um
desmonte do sistema nacional de ciência e tecnologia, colocando em risco
grupos de pesquisa constituídos nos últimos anos. O atual corte pode afetar
grandes projetos como o Sirius e o Laboratório Nacional de Luz Síncotron,
que o Brasil construiu a duras penas, ou o Laboratório de Ciência e
Computação (LCC), que podem não ter condições de operar sem
manutenção", afirma Moreira, da SBPC.
O físico diz que, no
futuro, o país pode ter dificuldades também para desenvolver pesquisas
essenciais na área de saúde. Segundo ele, o Brasil só foi pioneiro nos
estudos sobre o zika porque na época havia condições para a realização de
pesquisas. Cientistas brasileiros foram os primeiros a descobrir a conexão
entre o vírus e os casos de microcefalia.
Com a falta de manutenção de
laboratórios, que se deterioram com o tempo, a redução dos investimentos também
representa uma perda dos recursos já aplicados no setor. Além disso, impulsiona
a fuga de cérebros, com pesquisadores deixando o Brasil para realizar seus
trabalhos em países que ofereçam melhores condições.
"Atualmente,
o protagonismo das nações está baseado muito mais no
poder
do conhecimento do que no das armas.
A
pergunta é o que vai acontecer no Brasil num mundo que
valoriza
cada vez mais o conhecimento.
A
resposta é óbvia:
o
país vai se atrasar cada vez mais em relação a outros países",
afirma
Davidovich.
O Brasil investe menos de
1% do Produto Interno Bruto (PIB) na área de ciência, tecnologia e inovação. Em alguns países europeus, o percentual gira em
torno de 3%, e nos Estados Unidos, é de cerca de 2%.
Comentários
Postar um comentário