«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 30 de agosto de 2014

22º Domingo do Tempo Comum – Ano A – HOMILIA

Evangelho: Mateus 16, 21-27

Naquele tempo:
21 Jesus começou a mostrar a seus discípulos que devia ir à Jerusalém e sofrer muito da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei, e que devia ser morto e ressuscitar no terceiro dia.
22 Então Pedro tomou Jesus à parte e começou a repreendê-lo, dizendo: “Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isto nunca te aconteça!”
23 Jesus, porém, voltou-se para Pedro, e disse: “Vai para longe, Satanás! Tu és para mim uma pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens!”
24 Então Jesus disse aos discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga.
25 Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la.
26 De fato, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida?
27 Porque o Filho do Homem virá na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta.”

JOSÉ ANTONIO PAGOLA

APRENDER A PERDER

O dito está presente em todos os evangelhos e se repete até seis vezes: “Se alguém quiser salvar sua vida, a perderá, porém o que a perde por mim, a encontrará”. Jesus não está falando de um tema religioso. Está expondo aos seus discípulos qual é o verdadeiro valor da vida.

O dito é expresso de modo paradoxal e provocativo. Há duas maneiras bem diferentes de orientar a vida: uma conduz à salvação, a outra à perdição. Jesus convida todos a seguirem o caminho que parece mais difícil e menos atraente, mas conduz o ser humano à salvação definitiva.

O primeiro caminho consiste em apegar-se à vida vivendo, exclusivamente, para si mesmo: fazer do próprio “eu” a razão última e o objetivo supremo da existência. Este modo de viver, buscando sempre o próprio ganho ou vantagem, conduz o ser humano à perdição.

O segundo caminho consiste em saber perder, vivendo como Jesus, abertos ao objetivo último do projeto humanizador do Pai: saber renunciar à própria segurança ou ganho, buscando não somente o próprio bem, mas também o bem dos demais. Este modo generoso de viver conduz o ser humano à sua salvação.

Jesus está falando a partir de sua fé num Deus Salvador, porém suas palavras são uma grave advertência a todos. Que futuro pode esperar uma Humanidade dividida e fragmentada, onde os poderes econômicos buscam seu próprio benefício; os países, seu próprio bem-estar; os indivíduos, seu próprio interesse?

A lógica que dirige, atualmente, a marcha do mundo é irracional. Os povos e os indivíduos estão caindo, pouco a pouco, na escravidão do “ter sempre mais”. Tudo é pouco para nos sentirmos satisfeitos. Para viver bem, necessitamos sempre mais produtividade, mais consumo, mais bem-estar material, mais poder sobre os demais.

Buscamos, insaciavelmente, o bem-estar, porém não nos estamos desumanizando sempre um pouco mais? Queremos “progredir” cada vez mais, porém, que progresso é este que nos leva a abandonar milhões de seres humanos na miséria, na fome e na desnutrição? Quantos anos podemos desfrutar de nosso bem-estar, fechando nossas fronteiras aos famintos?

Se os países privilegiados buscam, somente, “salvar” nosso nível de bem-estar, se não queremos perder o nosso potencial econômico, jamais daremos passos para uma solidariedade global. Porém, não nos enganemos. O mundo será, cada vez mais, inseguro e mais inabitável para todos, também para nós. Para salvar a vida humana no mundo, temos de aprender a perder.

JESUS DIANTE DO SOFRIMENTO

Queiramo-lo ou não, o sofrimento está incrustado no próprio interior de nossa experiência humana, e seria uma ingenuidade tratar de contorná-lo. Às vezes é a dor física que sacode o nosso organismo. Outras, o sofrimento moral, a morte do ser querido, a amizade rompida, o conflito, a insegurança, o medo ou a depressão. O sofrimento intenso e inesperado que logo passará ou a situação penosa que se prolonga consumindo nosso ser e destruindo nossa alegria de viver.

Ao longo da história, as posturas que o ser humano adotou diante do mal têm sido muito diversas. Os sofredores acreditaram que a postura mais humana era enfrentar a dor e aguentá-la com dignidade. A escola de Epicuro [filósofo grego, viveu de 341 a 270 a.C.] propagou uma atitude pragmática: fugir do sofrimento, desfrutando o máximo enquanto se pode. O budismo, por sua vez, intenciona arrancar o sofrimento do coração humano suprimindo “o desejo”.

Portanto, na vida diária, cada um se defende como pode. Alguns se rebelam diante do inevitável; outros adotam uma postura de resignação; há quem se afunda no pessimismo; alguém, pelo contrário, necessita sofrer para sentir-se vivo... E Jesus? Qual foi a sua atitude perante o sofrimento?

Jesus não faz de seu sofrimento o centro entorno ao qual devem girar os demais. Ao contrário, a sua dor é solidária, aberta aos outros, fecunda. Não adota, tampouco, uma atitude de vítima. Não vive compadecendo-se de si mesmo, mas escutando os padecimentos das demais pessoas. Não se queixa de sua situação nem se lamenta. Está atento mais às queixas e lágrimas daqueles que o rodeiam.

Não se desanima com fantasmas de possíveis sofrimentos futuros. Vive cada momento acolhendo e presenteando a vida que recebe do Pai. Seu sábio slogan diz assim: “Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá sua própria preocupação. A cada dia basta o seu mal” (Mateus 6, 34).

E, acima de tudo, Jesus confia no Pai, põe-se, serenamente, em suas mãos. E, inclusive, quando a angústia lhe afoga o coração, de seus lábios brota uma oração: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: MUSICALITURGICA.COM – Homilías de José A. Pagola – Terça-feira, 26 de agosto de 2014 – 10h33 – Internet: clique aqui.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Perda de água chega a quase 40% nas maiores cidades do Brasil

Luana Lourenço

A cada 10 litros de água tratada nas 100 maiores cidades do país, 
3,9 litros (39,4%) se perdem em vazamentos, ligações clandestinas e outras irregularidades. 
Caso de tubulação rompida que abriu cratera em Juazeiro do Norte - Julho de 2014
(Foto: TV Verdes Mares Cariri/Reprodução)

O índice de perda chega a 70,4% em Porto Velho e 73,91% em Macapá. Os números são do Ranking do Saneamento, divulgado em 27 de agosto pelo Instituto Trata Brasil, com base em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento de 2012.

O estudo considerou a perda no faturamento, ou seja, a diferença entre a água produzida e a efetivamente cobrada dos clientes. De acordo com o instituto, o indicador de referência para a perda de água por faturamento é 15%. Dos 100 municípios da lista, quatro possuem nível de perda menor ou igual ao patamar. Em 11 deles, as perdas superam 60% da água produzida.

De acordo com o presidente executivo da entidade, Édison Carlos, as perdas se refletem diretamente na capacidade de investimento das empresas e podem comprometer a expansão e qualidade dos serviços. “A perda é um reflexo da gestão da empresa. Qualquer autoridade que pensa em saneamento como um negócio, teria que atacar as perdas. Quando a empresa tem perdas muito altas, não consegue nem custear o próprio serviço”, avaliou. “Qualquer litro de água recuperado é um litro a mais que ele vai receber”, acrescentou.

Apesar dos registros, os municípios fazem pouco para reduzir as perdas de água por faturamento, de acordo com o estudo. Entre 2011 e 2012, mais da metade das cidades pesquisadas (51) não reduziu em nada as perdas ou até piorou os resultados no período. Segundo o Trata Brasil, os números sugerem que “diminuir perdas de água não vem sendo uma prioridade entre os municípios brasileiros”.


Apenas 10% dos municípios analisados na pesquisa registraram melhoria de mais de 10% na redução de perdas de água. Em média, de acordo com o levantamento, a melhora nas perdas dos municípios foi de apenas 0,05% na comparação entre 2011 e 2012.

As soluções, segundo Carlos, variam de acordo com o tamanho e as características de cada município. Em cidades com índices de perda muito elevados, por exemplo, a instalação de equipamentos como controladores de vazão e pressão tem reflexos rápidos na perda por vazamentos.

Em relação ao saneamento, o ranking mostra que, nos 100 maiores municípios do país, 92,2% da população têm acesso à água tratada. Em 22 das cidades, o atendimento chega a 100%, atingindo a universalização do serviço.

No entanto, os dados de coleta e tratamento de esgoto são bem inferiores. A média de população atendida por coleta de esgoto nas cidades avaliadas é 62,46%. Os números do tratamento são ainda menores: em média, 41,32% do esgoto do grupo de maiores cidades do país é tratado. Entre as 10 cidades com piores índices no quesito, três são capitais: Belém, Cuiabá e Porto Velho, sendo que as duas últimas têm tratamento de esgoto nulo.

Considerando acesso à água, coleta e tratamento de esgoto e o índice de perdas, o estudo fez um ranking com os 20 municípios com melhores e os 20 com piores resultados em saneamento [veja lista abaixo]. Além disso, o instituto traçou uma perspectiva de universalização dos serviços nos próximos 20 anos, como quer o governo federal, com base na evolução dos indicadores entre 2008 e 2012.

Entre as 20 cidades com melhores resultados, todas atingiram ou atingirão a meta nos próximos anos. No entanto, nos 20 municípios com piores notas, entre eles seis capitais, apenas um deve atingir a universalização se o ritmo de melhoria se mantiver. “É um dado preocupante, na medida em que a gente tem uma meta clara para duas décadas”, avalou Édison Carlos.

De acordo com o presidente do Trata Brasil, a situação só será revertida se as políticas de saneamento entrarem na agenda de prioridades dos gestores públicos e a população pressionar por avanços no setor. “Tem que ser prioridade, principalmente dos prefeitos, mesmo as cidades em que os serviços são operados por empresas estaduais. Isso não tira a responsabilidade dos prefeitos, que têm que brigar por metas mais rápidas e mais amplas. É preciso foco”, avaliou. “O eleitor, o cidadão, tem que cobrar. É investimento, não é milagre”, comparou.

As 20 melhores cidades do ranking do saneamento

1- Franca (SP)
2- Maringá (PR)
3- Limeira (SP)
4- Santos (SP)
5- Jundiaí (SP)
6- Uberlândia (MG)
7- São José dos Campos (SP)
8- Sorocaba (SP)
9- Curitiba (PR)
10- Ribeirão Preto (SP)
11- Ponta Grossa (PR)
12- Taubaté (SP)
13- Londrina (PR)
14- Niterói (RJ)
15- São José do Rio Preto (SP)
16- Volta Redonda (RJ)
17- Praia Grande (SP)
18- Belo Horizonte (MG)
19- Uberaba (MG)
20- Piracicaba (SP)

As 20 piores cidades do ranking do saneamento

81- Natal (RN)
82- Manaus (AM)
83- Várzea Grande (MT)
84- Cariacica (ES)
85- Aparecida de Goiânia (GO)
86- Belford Roxo (RJ)
87- Canoas (RS)
88- Juazeiro do Norte (CE)
89- Teresina (PI)
90- São Gonçalo (RJ)
91- Santarém (PA)
92- Gravataí (RS)
93- Duque de Caxias (RJ)
94- São João de Meriti (RJ)
95- Nova Iguaçu (RJ)
96- Macapá (AP)
97- Belém (PA)
98- Jaboatão dos Guararapes (PE)
99- Ananindeua (PA)
100- Porto Velho (RO)

Fonte: Agência Brasil – 27/08/2014 – 16h29 – Internet: clique aqui.

Para derrotar Dilma, mercado "marinou"

Talita Moreira e Cristiano Romero
Jornal Valor Econômico
29-08-2014
Estudantes fazem "selfies" com Marina Silva na Bienal Internacional do Livro (São Paulo)

Marina Silva (PSB) está longe de ser a candidata dos sonhos do mercado financeiro, mas tem ganhado adesões de peso entre banqueiros e gestores de recursos, que veem nela a grande chance de derrotar a presidente Dilma Rousseff (PT) nas urnas. Respaldada pelas últimas pesquisas, que mostram a candidata do PSB vencendo a eleição em segundo turno por diferença razoável da presidente Dilma, uma ala significativa do mercado já "marinou".

"Os bancos 'marinaram', sim, neste ambiente de 'PT nunca mais'", disse ao Valor um profissional experiente.

Prevalece o pragmatismo: o sonho de dez entre dez integrantes do mercado financeiro é ver a derrota da candidata do PT. Banqueiros ouvidos pelo Valor preferem, em geral, o candidato do PSDB, Aécio Neves. O tucano agrada porque é considerado mais experiente e, sobretudo, porque teria Armínio Fraga no comando de sua equipe econômica caso fosse eleito. No entanto, Aécio não decola nas pesquisas. Além disso, foi quem mais perdeu espaço com a entrada de Marina na disputa.

O presidente de um grande banco avalia que Aécio perdeu a mão conforme a campanha começou a avançar. "Ele começou muito bem, mas depois se saiu mal no episódio do aeroporto de Cláudio e, agora que começou o programa eleitoral, fica claro que ele não consegue se comunicar com a população", comentou.
Aécio Neves - candidato à Presidência da República pelo PSDB

Sobre Marina Silva, esse mesmo banqueiro disse não acreditar que as propostas econômicas defendidas por ela sejam resultado de convicções pessoais. Mas ele se mostra confortável com os compromissos assumidos pela candidata, como a: 
  • manutenção do tripé macroeconômico (austeridade fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante), 
  • a independência do Banco Central (BC) e 
  • um menor intervencionismo na economia.
"O mercado já vê Marina com completo conforto", atestou um ex-diretor do BC, que, a exemplo de todos os entrevistados, exigiu anonimato para dar seu depoimento. A razão seria o fato de os bancos serem um setor regulado pelo BC. "Não se vê diferença entre o grupo de Marina e o do PSDB em matéria de assuntos econômicos", disse o ex-diretor, lembrando que "a preocupação reinante no cenário econômico é a de que o país, sob Dilma, está indo pelo caminho errado" e que tanto Marina quanto Aécio prometem corrigir isso.

Muitos agentes do mercado têm preferido engrossar desde já a campanha de Marina como um antídoto para a reeleição de Dilma - que seria, na visão deles, o pior dos cenários. A candidata do PSB sabe da importância de ganhar o apoio desse segmento. Não à toa, explicitou o compromisso de restabelecer o tripé macroeconômico e tem reafirmado isso sempre que pode.

O discurso vem desde o ano passado, quando Marina e o então candidato Eduardo Campos fizeram um périplo por São Paulo, onde se reuniram com os banqueiros, investidores e gestores para deixar claro que pretendiam trilhar, na gestão macroeconômica, o caminho da ortodoxia. Segundo um banqueiro de investimentos, a escolha de Eduardo Giannetti e André Lara Resende, dois expoentes do pensamento econômico liberal no Brasil, como mentores da candidata dá o conforto necessário para se acreditar que o compromisso com o tripé não é da boca para fora.
Dilma Rousseff - atual Presidente da República e candidata à reeleição pelo PT

"O fato de Giannetti estar acompanhando Marina há tanto tempo mostra que nada do que está sendo dito é uma novidade. Há uma compatibilidade de opiniões e convicções entre eles e a direção está muito clara: é preciso restabelecer o ambiente macroeconômico na direção correta", observou um gestor. "Giannetti, ao contrário de assessores econômicos de outras campanhas, nunca foi desmentido por ela."

Segundo esse gestor, nas últimas duas semanas, o grupo de Marina afinou o discurso, de forma que todos estão falando a mesma língua, ao contrário da expectativa inicial, que previa a eclosão de desencontros após a trágica morte do ex-governador Eduardo Campos.

"Houve um movimento articulado das lideranças de Marina e da própria candidata para acalmar o mercado e mesmo os setores que se sentem desconfortáveis com o antigo radicalismo dela em questões ambientais", disse uma fonte do mercado, mencionando entrevistas concedidas, em curto espaço de tempo, por João Paulo Capobianco (articulador do grupo junto ao agronegócio), Neca Setúbal (coordenadora do programa de governo), Roberto Amaral (presidente do PSB) e Eduardo Giannetti, além da própria participação de Marina no debate da Band e de sua entrevista ao Jornal Nacional, na Rede Globo.
André Lara Resende e Eduardo Giannetti da Fonseca (ambos economistas)

"Há uma linearidade e uma coerência muito grande em todos os discursos", elogia um gestor. O compromisso da candidata, por exemplo, com a instalação do Conselho de Gestão Fiscal, previsto desde 2000 pela Lei de Responsabilidade Fiscal, foi percebido como algo relevante.

Embora o compromisso com o tripé econômico seja um denominador comum, há nuances na forma como Marina é vista no mercado financeiro. Para alguns, mesmo sendo a melhor opção disponível, a candidata do PSB, caso seja eleita, poderá enfrentar problemas de governabilidade, pelo menos num primeiro momento, advertiu o executivo de um banco.

Outros também têm dúvidas quanto à capacidade de Marina de montar um time de peso. Isso vale, inclusive, para a equipe econômica. Para um banqueiro que trabalhou com ambos, Giannetti e Lara Resende são conselheiros "brilhantes", mas não têm perfil de gestor e talvez nem queiram atuar no dia a dia. Giannetti já deixou claro que não pretende ocupar cargo executivo. O que se sabe é que ele vai influir na definição dos nomes para a área econômica, o que ajuda desde já a tranquilizar o mercado.

Há quem aposte que Marina conseguirá agregar nomes de primeira linha - e com boa reputação no mercado - em um eventual governo. "Se ela chamar o Armínio [Fraga, hoje assessor de Aécio Neves], ele vai. O mesmo vale para todos os ministérios", afirmou um banqueiro experiente. "Por enquanto, Marina não precisa indicar quem será seu Armínio. Se ela estivesse colada no Aécio, precisaria fazer isso. Com a vantagem que tem, ganha tempo. Talvez, tenha que fazer no segundo turno, dependendo de como andarem as pesquisas. Mas, por enquanto, o mercado já "precificou" Marina", explicou uma fonte do mercado.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 29 de agosto de 2014 – Internet: clique aqui.

ECONOMIA BRASILEIRA ... VAI MAL!

PIB cai 0,6% no segundo trimestre e
Brasil entra em recessão técnica

GUSTAVO SANTOS FERREIRA

Produção de bens e serviços da economia nacional também foi negativa no primeiro trimestre de 2014, em 0,2%, de acordo com correção anunciada pelo IBGE; indústria teve recuo de 1,5%

O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil sofreu variação negativa de 0,6% no segundo trimestre de 2014 comparado ao resultado dos três meses imediatamente anteriores - informou nesta sexta-feira, 29, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em relação ao segundo trimestre do ano passado, a queda foi ainda maior: de 0,9%.

Nesta versão das Contas Nacionais, também foram revisados os dados do primeiro trimestre deste ano: a alta de 0,2%, anunciada em maio, foi corrigida para recuo de 0,2% ante o último trimestre de 2013. Foi revisado para baixo também o terceiro trimestre de 2013, da queda de 0,3% para 0,6%. Esse resultado e o do último trimestre só não foram inferiores ao do primeiro trimestre de 2009, quando a atividade econômica regrediu 1,7%.

Entre as três atividades econômicas componentes do PIB, a indústria teve o pior desempenho no segundo trimestre [2014]: queda de 1,5% - é a quarta queda seguida do setor. O segmento de serviços recuou 0,5%. A produção da agropecuária subiu 0,2%. Pela ótica do consumo, o das famílias cresceu 0,3%; e o do governo, caiu 0,7%.

O Brasil alcançou a metade do ano com uma taxa de poupança de 14,1% - quase a mesma do segundo trimestre de 2001, quando o índice ficou em 14,0% do PIB. Esse fator está diretamente ligado à capacidade investimento de um país, por representar o que sobra de dinheiro para na economia quando excluímos o consumo das famílias e os gastos do governo. A taxa de investimento até junho foi de 16,5%. Está próxima dos 16,4% do PIB apresentados em período equivalente em 2006.
 
No segundo trimestre do ano, a chamada Formação Bruta de Capital Fixo (representada pela taxa de investimento) caiu 5,3% sobre os primeiros três meses do ano. Comparada ao mesmo período do ano passado, despencou 11,2%. Esse item é o estoque de bens duráveis, como máquinas e equipamentos e investimentos em infraestrutura, destinados a aumentar a produção.

Recessão

Fica constatada, assim, a recessão técnica da atividade econômica brasileira - embora essa tese não seja unânime (o IBGE, por exemplo, refuta a ideia). De todo modo, a recessão técnica ocorre quando, por duas vezes seguidas, a soma trimestral da produção de riquezas de um país é menor que a obtida anteriormente. Ou seja, na prática, boa parte de economistas e analistas de mercado do mundo inteiro consideram agora que o PIB do Brasil entrou em processo de redução.

A última vez que isso aconteceu foi no auge da crise financeira mundial, entre outubro de 2008 e fevereiro de 2009 - mostra a base de dados do IBGE. As turbulências da economia internacional eram incomparavelmente mais severas que as atuais - ainda que, até hoje, a economia mundial não tenha recuperado totalmente a prosperidade de antes.

Com esse resultado, o atual governo retoma, em seu último ano de mandato, cenário econômico semelhante ao do primeiro semestre de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência. A variação negativa do PIB no primeiro semestre de 2003, por outro lado, viria a ser revertida para uma taxa anual média de crescimento de 4,0%, conquistada entre 2003 e 2010 - bem acima do ritmo de expansão média de 2,3% por ano do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002.

O mercado aposta neste ano, mostra pesquisa do Banco Central, em avanço de 0,7% do PIB. Caso isso se confirme, a média de crescimento deste governo será de 1,7%. Na próxima segunda-feira, 1.º, nova consulta a analistas e consultorias será divulgada. Já por 13 vezes consecutivas a expectativa do mercado piorou.

Fonte: ESTADÃO.COM.BR – Economia – Sexta-feira, 29 de agosto de 2014 – 09h00 – Texto atualizado às 11h35 – Internet: clique aqui.

Contas do governo têm pior resultado para meses de julho em 18 anos

Alexandro Martello

No mês passado, houve déficit primário de R$ 2,19 bilhões, diz Tesouro.
Foi o pior resultado para o mês da série histórica, que começa em 1997. 

As contas do governo registraram um déficit primário (despesas maiores que receitas, sem a inclusão de juros) de R$ 2,19 bilhões em julho deste ano, informou a Secretaria do Tesouro Nacional nesta sexta-feira (29). É o pior resultado para meses de julho desde o início da série histórica, em 1997. 


Para compreender melhor o que significa "superávit primário", clique aqui.

O resultado aconteceu em um mês de fraca arrecadação federal. Em julho, a arrecadação do governo caiu 1,6% frente ao mesmo mês do ano passado, configurando o menor resultado para meses de julho desde 2010.
Com o menor nível de atividade da economia brasileira e reduções tributárias (desonerações), o governo tem coletado menos impostos.

Acumulado do ano

Nos sete primeiros meses deste ano, ainda segundo dados do Tesouro Nacional, as contas do governo registraram um superávit primário de R$ 15,23 bilhões. O superávit é a economia feita para pagar juros da dívida pública e tentar manter sua trajetória de queda.

Com isso, recuou 60% frente ao mesmo período do ano passado, quando o esforço fiscal somou R$ 38,31 bilhões. Foi o pior resultado para o período de janeiro a julho desde 1999, quando o superávit foi de R$ 14,66 bilhões.

Meta fiscal de 2014

O fraco desempenho das contas públicas até julho torna mais difícil alcançar a meta de superávit primário estabelecida para este ano.

Ao anunciar em fevereiro o corte de R$ 44 bilhões no orçamento deste ano, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, revelou que o objetivo fiscal de todo o setor público (governo, estados e municípios), neste ano, é de R$ 99 bilhões, o equivalente a 1,9% do PIB, o mesmo percentual registrado em 2013.

Somente para o governo, a meta foi fixada em R$ 80,8 bilhões neste ano, ou 1,55% do PIB. Até junho, portanto, o governo cumpriu 18,8% da meta anual.
O governo federal confirmou que conta com receitas extraordinárias, como aquelas do Refis da Copa, programa de parcelamento de tributos atrasados, e não recorrentes (como de concessões) para arrecadar mais e tentar atingir a meta fiscal deste ano.

Somente com o Refis da Copa, podem ingressar de R$ 18 bilhões a R$ 20 bilhões nos próximos meses, segundo informou Mantega nesta semana. Além disso, o governo também espera receber R$ 13 bilhões em concessões (incluindo o leilão do 4G), que são valores pagos por empresas pela execução de serviços públicos, como manutenção de rodovias e aeroportos.

Dividendos, concessões e CDE

O superávit primário recuou 60% nos sete primeiros meses deste ano apesar de o governo ter recebido mais dividendos (parcelas dos lucros) das empresas estatais. De janeiro a julho de 2014, os dividendos pagos pelas empresas estatais ao Tesouro Nacional somaram R$ 10,49 bilhões, contra R$ 7,76 bilhões no mesmo período do ano passado. O aumento foi de R$ 2,73 bilhões neste ano.

Por outro lado, caíram as receitas de concessões e subiram os pagamentos feitos à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) até julho. As concessões, que renderam R$ 6,1 bilhões nos sete primeiros meses de 2013, engrossaram os cofres públicos em R$ 2,65 bilhões no mesmo período deste ano. Ao mesmo tempo, foram pagos R$ 5,3 bilhões para a CDE em 2014. No mesmo período do ano passado, os aportes à CDE somaram R$ 518 milhões.

Essa parcela de R$ 5,3 bilhões paga de janeiro a julho pelo governo faz parte de um valor total de até R$ 13 bilhões estimados com recursos orçamentários para todo este ano. Desde o final de 2012, o país vem utilizando mais energia gerada pelas termelétricas por conta do baixo nível dos reservatórios de hidrelétricas. A operação das térmicas ajuda a poupar água dessas represas, mas tem um custo maior, que normalmente seria repassado às contas de luz.

Receitas, despesas e investimentos

De acordo com dados do governo federal, as receitas totais subiram 6,8% nos sete primeiros meses deste ano, contra o mesmo período do ano passado, para R$ 702 bilhões. O crescimento das receitas foi de R$ 44,4 bilhões de janeiro a julho deste ano.

Ao mesmo tempo, as despesas totais cresceram 10,5% nos sete primeiros meses deste ano, para R$ 564 bilhões. Neste caso, a elevação foi de R$ 53,66 bilhões. Os gastos somente de custeio, por sua vez, avançaram bem mais de janeiro a julho: 16,7%, para R$ 122 bilhões.

Já no caso dos investimentos, os gastos somaram R$ 47,1 bilhões de janeiro a julho deste ano, informou o Tesouro Nacional, valor que representa um aumento de 21,3% frente a igual período de 2013 (R$ 38,8 bilhões).

No caso das despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que somaram R$ 33,8 bilhões nos sete primeiros meses de 2014, houve alta de 27,9% sobre igual período do ano passado (R$ 26,5 bilhões), informou a Secretaria do Tesouro Nacional.

Fonte: G1 – Economia – 29/08/2014 – 09h33 - Atualizado em 29/08/2014 às 11h10 – Internet: clique aqui.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O PODER DOS SUPERMERCADOS

Esther Vivas
Publico.es
21-08-2014

A grande distribuição comercial (supermercados, hipermercados, cadeias de lojas…) teve nos últimos anos um forte processo de expansão, crescimento e concentração industrial. As principais empresas de venda a varejo passaram a fazer parte do ranking das maiores multinacionais do planeta e converteram-se num dos atores mais significativos do processo de globalização capitalista.

O seu aparecimento e desenvolvimento mudou radicalmente os nossos hábitos de alimentação e consumo, subordinando estas necessidades básicas a uma lógica mercantil e aos interesses econômicos das grandes empresas do setor. Produz-se, distribui-se e come-se aquilo que se considera mais rentável.

“Operação supermercado”

No Estado espanhol, a abertura do primeiro supermercado aconteceu no ano de 1957 e teve lugar em Madrid. Tratava-se de um “supermercado-autosserviço” de caráter público promovido pelo regime franquista sob o programa “Operação supermercado”, que importou o modelo de distribuição comercial norte-americano sob a influência do Plano Marshall. O seu objetivo: modernizar o “comércio pátrio”. A experiência foi um sucesso total, dando lugar em muito pouco tempo a uma rede de supermercados públicos em várias cidades como San Sebastian, Bilbao, Zaragoza, Gijón, Barcelona, Corunha, etc.

Em 1959 foi aberto o primeiro supermercado de capital privado em Barcelona, fundado pelas famílias Carbó, Prat e Botet, proprietárias de mercearias, e que o batizaram com o nome de Caprabo, juntando a primeira sílaba da cada um dos seus sobrenomes. A abertura, como conta o livro Caprabo 1959-2009, significou uma autêntica “revolução” entre os consumidores, atraídos, sobretudo, pelo fato de poder escolher diretamente das estantes os produtos a comprar. Com a passagem do tempo, os supermercados privados, que o próprio governo franquista estimulou, impuseram-se, criando uma extensa rede de supermercados em todo o Estado, e os de carácter público foram desaparecendo.

Nesse mesmo momento na Europa, os supermercados eram uma realidade emergente. Em 1957, na Grã-Bretanha, existiam 3.750 estabelecimentos, na República Federal da Alemanha 3.183, na Noruega 1.288 e em França 663. O Estado espanhol e a Itália situavam-se na fila, com 3 e 4 supermercados respectivamente. Os supermercados eram considerados um símbolo de modernidade e progresso. A partir de então, a sua extensão foi crescendo, dez anos mais tarde, em 1968, o número de supermercados na Espanha somava já 3.678 e vinte anos depois, em 1978, a cifra atingia os 13.215 estabelecimentos. O seu modelo de distribuição e venda a varejo generalizou-se ao longo das décadas dos anos 80 e 90, passando a exercer atualmente um domínio absoluto da distribuição alimentar.

Além disso, a maior parte de nossas compras, entre 68% e 80%, é adquirida em supermercados, hipermercados e cadeias de lojas. Segundo a revista especializada Alimarket, e com dados de 2012, 68,1% da alimentação embalada e dos produtos farmacêuticos são adquiridos neste tipo de canais, principalmente nos supermercados, face a 1,5% que adquirimos no comércio tradicional, 25,1% em comércios especializados e 5,3% noutros. Segundo o relatório Expo Retail 2006, quase 82% da compra de alimentos realiza-se através da grande distribuição, 2,7% no comércio tradicional, 11,2% em estabelecimentos especializados e 4,2% é adquirido noutros lugares. Em consequência, o consumidor tem cada vez menos portas de acesso aos alimentos e o produtor menos opções para chegar ao consumidor. O poder de venda dos supermercados é total.

Muito poder em poucas mãos

Uma distribuição moderna que, além disso, se concentra em muito poucas empresas. De fato, a maior parte das nossas compras no supermercado são feitas em apenas seis cadeias, que controlam 60% desse mercado [isso na Espanha]. Trata-se de Mercadona, com 23,8% da quota de mercado, Carrefour com 11,8%, Eroski (que inclui a Caprabo) com 9,1%, Dia com 6%, Alcampo (que integra os supermercados Sabeco) com 5,9% e El Corte Inglés (com SuperCor e OpenCor) com 4,3%. Seguem-se Lidl, Consum, AhorraMás e DinoSol, que em conjunto constituem as dez principais empresas do setor. Nunca o mercado da distribuição alimentar tinha estado em tão poucas mãos.

Na Europa, a dinâmica é a mesma. No conjunto do continente, as dez principais cadeias de supermercados controlavam, com dados de 2000, mais de 40% da quota de mercado. Atualmente, calcula-se que a concentração seja ainda maior. Em países como a Suécia, só três empresas de supermercados monopolizam cerca de 95% da distribuição, e em países como Dinamarca, Bélgica, França, Holanda e Grã-Bretanha, umas poucas empresas dominam entre 60% e 45% do total, segundo um relatório de Veterinários Sem Fronteiras.

Além disso, algumas das maiores fortunas na Europa estão vinculadas à história da grande distribuição. Na Alemanha, a pessoa mais rica do país foi até 16 de julho de 2014, data da sua morte, Karl Albrecht, fundador e coproprietário dos supermercados Aldi. Depois do seu falecimento, o primeiro lugar passou a ser ocupado por Dieter Schwarz, proprietário do grupo Schwarz, que inclui as cadeias de supermercados Kaufland e Lidl. Em França, a segunda fortuna do país está nas mãos de Bernard Arnault, proprietário do grupo LVMH de artigos de luxo e com uma participação muito importante no Carrefour. E sem ir mais longe, no Estado espanhol, o segundo posto do ranking das grandes fortunas recai em Juan Roig, proprietário de Mercadona.

A “teoria do funil”

Uma concentração que se vê claramente na chamada “teoria do funil”: milhares de camponeses por um lado e milhões de consumidores pelo outro e apenas umas poucas empresas da grande distribuição controlam a maior parte da comercialização dos alimentos. Tomemos o exemplo do Estado espanhol. Na parte superior do funil, contamos com cerca de 720 mil camponeses e pessoas que trabalham no campo e na parte inferior 46 milhões de habitantes e consumidores, no meio 619 empresas e grupos do setor da distribuição alimentar (com Mercadona, Carrefour, Grupo Eroski, Dia, Alcampo, El Corte Inglés, Lidl, Consum, AhorraMás, Makro, Gadisa, Grupo El Árbol, Condis, Bon Preu, Aldi, Alimerka à cabeça) determinam a relação entre ambos. E um dado a ter em conta: destas 619 empresas, as 50 primeiras controlam já 92% de total da quota de mercado.

São estas empresas que determinam a que preço se pagam os produtos ao agricultor e que custo têm para nós no “super”, dando-se o paradoxo de que o camponês recebe cada vez menos dinheiro por aquilo que vende e nós, como consumidores, pagamos mais. Fica claro, quem ganha. Trata-se de um oligopólio, onde umas poucas empresas controlam o setor:
  • que empobrece a atividade camponesa,
  • homogeneíza aquilo que comemos,
  • torna precárias as condições laborais,
  • acaba com o comércio local e
  • promove um modelo de consumo insustentável e irracional.
O poder da grande distribuição é enorme e a nossa alimentação fica subordinada aos seus interesses econômicos. Pensamos que somos nós quem decide o que comemos, mas será assim?

Traduzido do espanhol por Carlos Santos (portal: Esquerda.net).

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 28 de agosto de 2014 – Internet: clique aqui.

ESSE COMPLICADO ORIENTE MÉDIO...

Redenção do inimigo

Gilles Lapouge
Bashar al Assad (Presidente da Síria) e Barack Obama (Presidente dos EUA)

O Oriente Médio é uma das regiões mais complicadas do mundo, um aspecto repetido por todos os politólogos. Mas não é só isso. Há um outro inconveniente: é uma região agitada, que muda sempre, jamais se aquieta. Basta um instante, ou um ano, e todas as cartas são de novo embaralhadas. Os inimigos de ontem tornam-se amigos. Os companheiros de anteontem não podem se ver nem pintados. Um quebra-cabeça para os diplomatas. E particularmente para o presidente Barack Obama.

É o caso da Síria. Desde março de 2011, quando surgiram as grandes insurreições democráticas, o tirano Bashar Assad tem provocado o asco do mundo. Um carniceiro. Matou centenas de milhares de opositores. Há um ano 1.400 pessoas foram mortas por armas químicas na planície de Goudha.

Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a França, revoltados, há muito tempo
sonham com a deposição de Assad. E agora, o que ocorre? Assad tenta retornar à cena.

Por que a mudança? O responsável é Abu Bakr al-Baghdadi, conhecido como o califa Ibrahim, o homem que, na chefia dos seus jihadistas fanáticos, proclamou o nascimento de um califado no Iraque e na Síria ao mesmo tempo - uma vez que a marca do califado é exatamente não levar em conta as "fronteiras".

Obama percebeu rapidamente o perigo representado pelas tropas do califa Ibrahim, não só para a região, mas também para o restante do mundo. Obama, que tem uma lembrança pavorosa da guerra absurda lançada por Bush no Iraque, decidiu bombardear os jihadistas prestes a arrebatar o Iraque xiita e atingir a região autônoma curda ao norte do Iraque. As bombas americanas bloquearam seu avanço.

Mas o Estado Islâmico (EI) é resiliente. Quando seus militantes foram presos no Iraque, Ibrahim retomou a ofensiva na Síria. Obama está diante de um dilema difícil: intervir na Síria como fez no Iraque, para atacar os fanáticos do EI?

A pílula é amarga: como explicar que Assad, banhado de sangue do seu povo, repentinamente torna-se um protegido dos EUA? Como justificar que o "demônio" de ontem transformou-se agora num "cordeiro"? De fato, até o momento não está decidido que Washington lançará bombas contra os jihadistas sírios.
Tradução:
Cidades com a presença ou sob controle do ISIS (sigla inglesa para: Estado Islâmico do Iraque)

Salvação

Washington vai se manter nessa posição? Certamente o presidente sírio
não perde a esperança de ser, milagrosamente, salvo pelos EUA. Na segunda-feira o chanceler sírio, Walid Mouallem, declarou que a Síria está disposta a cooperar com Washington e Londres para destruir a ameaça radical islâmica.

O ministro sírio espera que os aviões americanos ataquem os terroristas na Síria como fizeram no Iraque. Indo ainda mais longe, ele acredita que os ataques americanos não serão suficientes. "É preciso acabar com as fontes do terrorismo e garantir um intercâmbio de informações, o que não ocorre atualmente", disse ele.

E Washington? Oficialmente está afastada a ideia de ajudar o tirano Assad. Mas a decapitação do jornalista americano James Foley teve o efeito de um choque elétrico. Por causa da sua barbárie, o exército do califado agora é o inimigo n.º 1 do mundo civilizado, um inimigo ainda mais forte e mais sinistro do que os terríveis assassinos da Al-Qaeda.

Além do que, alguns americanos i nsistem que os EUA devem atacar os jihadistas do EI não só no Iraque, mas também na Síria.

Aliás, é provável que, apesar das negativas oficiais, a ajuda americana à Síria já tenha começado.

No início do verão no Hemisfério Norte, os americanos transmitiram ao Exército sírio, por meio dos seus homólogos alemães, informações sobre a localização e armamento dos combatentes do califado. Graças a essas informações, a aviação de Assad conseguiu lançar ataques fulminantes contra as legiões do califa Ibrahim na Síria.

Os espíritos evoluem. Talvez seja o início de uma gigantesca redistribuição de papéis em todo o Oriente Médio. No domingo Arábia Saudita, Egito, Catar, Emirados Árabes e Jordânia proclamaram "a necessidade absoluta de agir contra o EI. Javad Zarif, chanceler do Irã, confirmou a participação de seu país no combate à jihad. É verdade que o novo presidente do Irã é Hassan Rohani, um político moderado.

TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional – Quinta-feira, 28 de agosto de 2014 – Pg. A14 – Internet: clique aqui.

“Estado Islâmico cresceu pela paralisia da
comunidade internacional”

Jamil Chade

Extremistas islâmicos controlam um terço do território da Síria e parte da
responsabilidade é justamente da comunidade internacional que abandonou a guerra e abriu espaço para o avanço sem precedentes do Estado Islâmico [EI]. O alerta é do brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, presidente da Comissão de Inquérito da ONU para os crimes na Síria.

Ontem, a entidade publicou informe e alertou que a rede de jovens europeus e americanos que foram recrutados é uma "bomba relógio", já
que muitos dos radicais voltarão a seus países dispostos a promover atos
terroristas. A seguir, principais trechos da entrevista:
Paulo Sérgio Pinheiro - Presidente da Comissão de Inquérito da ONU para a Síria

Qual a dimensão do EI na Síria?

Pinheiro: Se somarmos todas as cidades que controlam, um terço da Síria está nas mãos deles. Eles operam em dois países e se beneficiam de combatentes estrangeiros. O que é certo é que o terror não está restrito a Iraque ou Síria. Com os recursos obtidos, o EI afetou o equilíbrio de poder no conflito.

Como um grupo extremista conseguiu espaço para crescer de tal maneira?

Pinheiro: Isso ocorreu pela incapacidade da comunidade internacional de superar divisões e levar em conta a proteção dos civis na Síria. Tivemos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança divididos.

Vemos que estão recrutando na Europa. Qual o impacto?

Pinheiro: É uma geração que está sendo preparada para ser uma bomba de efeito retardado. Esse pessoal vai voltar a seus países. As democracias ocidentais não trataram do problema como deveriam fazer.

Como combater o EI?

Pinheiro: O mais eficiente seria acabar com o conflito na Síria. O EI não existiria sem o conflito na Síria. Portanto, foi a paralisia da comunidade internacional que é responsável, permitindo que a impunidade e o extremismo se fortalecessem.

Hoje o EI é uma ameaça maior que o governo de Assad?

Pinheiro: O EI não é novo na Síria, nem seus massacres. O que ocorre é que ele é hoje um poder expansionista que quer remover a humanidade.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional – Quinta-feira, 28 de agosto de 2014 – Pg. A14 – Internet: clique aqui.