ESSE COMPLICADO ORIENTE MÉDIO...
Redenção do inimigo
Gilles Lapouge
Bashar al Assad (Presidente da Síria) e Barack Obama (Presidente dos EUA) |
O
Oriente Médio é uma das regiões mais complicadas do mundo, um aspecto repetido
por todos os politólogos. Mas não é só isso. Há um outro inconveniente: é uma
região agitada, que muda sempre, jamais se aquieta. Basta um instante, ou um
ano, e todas as cartas são de novo embaralhadas. Os inimigos de ontem tornam-se
amigos. Os companheiros de anteontem não podem se ver nem pintados. Um
quebra-cabeça para os diplomatas. E particularmente para o presidente Barack
Obama.
É o
caso da Síria. Desde março de 2011, quando surgiram as grandes insurreições democráticas,
o tirano Bashar Assad tem provocado o asco do mundo. Um carniceiro. Matou
centenas de milhares de opositores. Há um ano 1.400 pessoas foram mortas por
armas químicas na planície de Goudha.
Os
Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a França, revoltados, há muito tempo
sonham
com a deposição de Assad. E agora, o que ocorre? Assad tenta retornar à cena.
Por que
a mudança? O responsável é Abu Bakr al-Baghdadi, conhecido como o califa
Ibrahim, o homem que, na chefia dos seus jihadistas fanáticos, proclamou o nascimento
de um califado no Iraque e na Síria ao mesmo tempo - uma vez que a marca do
califado é exatamente não levar em conta as "fronteiras".
Obama
percebeu rapidamente o perigo representado pelas tropas do califa Ibrahim, não
só para a região, mas também para o restante do mundo. Obama, que tem uma
lembrança pavorosa da guerra absurda lançada por Bush no Iraque, decidiu
bombardear os jihadistas prestes a arrebatar o Iraque xiita e atingir a região
autônoma curda ao norte do Iraque. As bombas americanas bloquearam seu avanço.
Mas o
Estado Islâmico (EI) é resiliente. Quando seus militantes foram presos no Iraque,
Ibrahim retomou a ofensiva na Síria. Obama está diante de um dilema difícil:
intervir na Síria como fez no Iraque, para atacar os fanáticos do EI?
A
pílula é amarga: como explicar que Assad, banhado de sangue do seu povo, repentinamente
torna-se um protegido dos EUA? Como justificar que o "demônio" de
ontem transformou-se agora num "cordeiro"? De fato, até o momento não
está decidido que Washington lançará bombas contra os jihadistas sírios.
Tradução: Cidades com a presença ou sob controle do ISIS (sigla inglesa para: Estado Islâmico do Iraque) |
Salvação
Washington
vai se manter nessa posição? Certamente o presidente sírio
não
perde a esperança de ser, milagrosamente, salvo pelos EUA. Na segunda-feira o
chanceler sírio, Walid Mouallem, declarou que a Síria está disposta a cooperar com
Washington e Londres para destruir a ameaça radical islâmica.
O
ministro sírio espera que os aviões americanos ataquem os terroristas na Síria como
fizeram no Iraque. Indo ainda mais longe, ele acredita que os ataques americanos
não serão suficientes. "É preciso acabar com as fontes do terrorismo e garantir
um intercâmbio de informações, o que não ocorre atualmente", disse ele.
E
Washington? Oficialmente está afastada a ideia de ajudar o tirano Assad. Mas a decapitação
do jornalista americano James Foley teve o efeito de um choque elétrico. Por
causa da sua barbárie, o exército do califado agora é o inimigo n.º 1 do mundo
civilizado, um inimigo ainda mais forte e mais sinistro do que os terríveis
assassinos da Al-Qaeda.
Além do
que, alguns americanos i nsistem que os EUA devem atacar os jihadistas do EI não
só no Iraque, mas também na Síria.
Aliás,
é provável que, apesar das negativas oficiais, a ajuda americana à Síria já tenha
começado.
No
início do verão no Hemisfério Norte, os americanos transmitiram ao Exército sírio,
por meio dos seus homólogos alemães, informações sobre a localização e armamento
dos combatentes do califado. Graças a essas informações, a aviação de Assad
conseguiu lançar ataques fulminantes contra as legiões do califa Ibrahim na Síria.
Os
espíritos evoluem. Talvez seja o início de uma gigantesca redistribuição de papéis
em todo o Oriente Médio. No domingo Arábia Saudita, Egito, Catar, Emirados
Árabes e Jordânia proclamaram "a necessidade absoluta de agir contra o EI.
Javad Zarif, chanceler do Irã, confirmou a participação de seu país no combate à
jihad. É verdade que o novo presidente do Irã é Hassan Rohani, um político moderado.
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO.
“Estado Islâmico cresceu pela paralisia da
comunidade internacional”
Jamil Chade
Extremistas
islâmicos controlam um terço do território da Síria e parte da
responsabilidade
é justamente da comunidade internacional que abandonou a guerra e abriu espaço
para o avanço sem precedentes do Estado Islâmico [EI]. O alerta é do brasileiro
Paulo Sérgio Pinheiro, presidente da
Comissão de Inquérito da ONU para os crimes na Síria.
Ontem,
a entidade publicou informe e alertou que a rede de jovens europeus e
americanos que foram recrutados é uma "bomba relógio", já
que
muitos dos radicais voltarão a seus países dispostos a promover atos
terroristas.
A seguir, principais trechos da entrevista:
Paulo Sérgio Pinheiro - Presidente da Comissão de Inquérito da ONU para a Síria |
Qual a dimensão do EI na Síria?
Pinheiro: Se somarmos todas as
cidades que controlam, um terço da Síria está nas mãos deles. Eles operam em
dois países e se beneficiam de combatentes estrangeiros. O que é certo é que o
terror não está restrito a Iraque ou Síria. Com os recursos obtidos, o EI
afetou o equilíbrio de poder no conflito.
Como um grupo extremista conseguiu
espaço para crescer de tal maneira?
Pinheiro: Isso ocorreu pela
incapacidade da comunidade internacional de superar divisões e levar em conta a
proteção dos civis na Síria. Tivemos os cinco membros permanentes do Conselho
de Segurança divididos.
Vemos que estão recrutando na Europa.
Qual o impacto?
Pinheiro: É uma geração que está
sendo preparada para ser uma bomba de efeito retardado. Esse pessoal vai voltar
a seus países. As democracias ocidentais não trataram do problema como deveriam
fazer.
Como combater o EI?
Pinheiro: O mais eficiente seria
acabar com o conflito na Síria. O EI não existiria sem o conflito na Síria.
Portanto, foi a paralisia da comunidade internacional que é responsável,
permitindo que a impunidade e o extremismo se fortalecessem.
Hoje o EI é uma ameaça maior que o
governo de Assad?
Pinheiro: O EI não é novo na
Síria, nem seus massacres. O que ocorre é que ele é hoje um poder expansionista
que quer remover a humanidade.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional –
Quinta-feira, 28 de agosto de 2014 – Pg. A14 – Internet: clique aqui.
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