SUICÍDIO - COMO DESMONTAR ESSA ARMADILHA?

JAIRO BOUER
Psiquiatra

Desafio é identificar quadros depressivos em pessoas
que sofrem caladas por anos a fio
Robin McLaurim Williams (1951-2014) foi um ator e comediante norte-americano

A morte recente do ator americano Robin Williams, de 63 anos, e do comediante brasileiro Fausto Fanti, de 35, do grupo de humor Hermes & Renato, traz novamente à tona a discussão sobre o suicídio, uma das principais causas de morte de homens nos dias de hoje. Os casos também mostram a importância de se pensar em formas de identificar riscos e planejar estratégias de prevenção.

O relatório deste ano do Escritório Nacional de Estatística do Reino Unido, divulgado em fevereiro, mostra que o suicídio é a primeira causa de morte em homens de 20 a 50 anos e a segunda principal dos garotos adolescentes britânicos. Em especial, na faixa etária dos 20 aos 34 anos, uma em cada quatro mortes de homens acontece por suicídio. A taxa de suicídio é hoje três vezes mais alta entre os homens do que entre as mulheres, no Reino Unido e em boa parte do mundo ocidental.

Na última semana, a mulher do ator americano revelou que ele enfrentava as fases iniciais de um diagnóstico de mal de Parkinson, além de lutar há décadas contra um quadro de dependência de álcool e drogas e de enfrentar transtornos de ansiedade e depressão.

Os transtornos emocionais e psiquiátricos como depressão, ansiedade, quadros psicóticos e uso nocivo de álcool e drogas estão entre as principais causas de suicídio. A depressão, em especial, é considerada o principal fator de risco. Identificar e tratar precocemente os quadros depressivos, contando com o suporte profissional e familiar, são um dos pontos centrais nas estratégias de prevenção ao suicídio. O desafio é identificar quadros depressivos em pessoas que, muitas vezes, sofrem caladas por anos a fio.

Doenças crônicas e incapacitantes também podem ser desencadeantes importantes do suicídio. O Parkinson, por exemplo, segunda doença degenerativa neurológica mais comum (depois do Alzheimer), tem uma relação estreita com quadros depressivos. Os especialistas não sabem, com certeza, se existe um determinante biológico comum (como um desequilíbrio dos neurotransmissores), ou se a reação emocional ao diagnóstico e a progressão da doença levariam à depressão.

Na esfera das reações aos eventos da vida, especula-se que algumas questões podem pesar mais para os homens do que para as mulheres. No universo feminino, guiado por prioridades como enfrentar qualquer sorte de desafio para criar filhos e garantir a continuidade da família, problemas decorrentes de uma separação, do luto ou da perda de emprego, talvez, sejam melhor trabalhados.

Em uma sociedade machista, que cobra do homem força, poder, sustento da família, lidar com eventuais fragilidades pode ser um obstáculo intransponível. O homem, isolado e envergonhado por não conseguir resolver suas dificuldades por conta própria, torna-se refém de uma armadilha emocional complicada de ser desmontada.

A questão da orientação sexual também pode pesar. Homens que têm conflitos com sua sexualidade, dificuldade em expor seus relacionamentos e parcerias, vergonha ou medo da reação da família e da sociedade, também podem estar em situação mais vulnerável ao suicídio. Essa situação pode ser ainda mais dramática entre os mais jovens.

Ao se pensar em estratégias de prevenção de risco de suicídio no universo masculino, muitas vezes, a família, os amigos e o médico teriam de agir de forma muito mais proativa, quebrando resistências e mostrando o caminho do tratamento e do suporte.

Mudanças de comportamento, isolamento, alterações súbitas de projetos e trajetórias pessoais, principalmente depois de um evento complicado na vida, precisam ser monitorados por quem está próximo. Talvez, só assim, a gente consiga evitar que tantos homens e mulheres tirem tão cedo sua vida.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Metrópole – Domingo, 17 de agosto de 2014 – Pg. A31 – Internet: clique aqui.

MORTES POR DEPRESSÃO
CRESCEM 705%

FABIANA CAMBRICOLI

Em 16 anos, número de casos no Brasil passou de 58 para 467, incluindo suicídios e óbitos decorrentes de problemas de saúde

Em 16 anos, o número de mortes relacionadas com depressão cresceu 705% no País, mostra levantamento inédito feito pelo jornal O Estado de S. Paulo com base nos dados do sistema de mortalidade do Datasus. Estão incluídos na estatística casos de suicídio e outras mortes motivadas por problemas de saúde decorrentes de episódios depressivos.

Foi a depressão, somada à dependência química, o que provavelmente levou o ator americano Robin William, de 63 anos, a se matar, na segunda-feira.

Os dados mostram que, em 1996, 58 pessoas morreram por uma causa associada à depressão. Em 2012, último dado disponível, foram 467. O número total de suicídios também teve aumento significativo no Brasil. Passou de 6.743 para 10.321 no mesmo período, uma média de 28 mortes por dia. As taxas de suicídio são muito superiores às mortes associadas à depressão porque, na maioria dos casos, o atestado de óbito não traz a doença como causa associada.

No Brasil, a faixa etária correspondente à terceira idade é a que reúne as estatísticas mais preocupantes. No caso de mortes relacionadas à depressão, os maiores índices estão concentrados em pessoas com mais de 60 anos, com o ápice depois dos 80 anos.

No caso dos suicídios, embora os números absolutos não sejam maiores entre os idosos, a maior taxa de crescimento no período analisado ocorreu entre pessoas com mais de 80 anos. Entre 1996 e 2012, o suicídio cresceu 154% nesta faixa etária.

Causas

Segundo especialistas, o aumento de suicídios e de mortes associadas à depressão está relacionado com dois principais fatores: o aumento das notificações e o crescimento de casos do transtorno. "Como o assunto é mais discutido hoje, há maior procura por atendimento médico e mais diagnósticos. Mas também está provado, por estudos epidemiológicos, que a incidência da depressão tem aumentado nos últimos anos, principalmente nos grandes centros", diz Miguel Jorge, professor associado de psiquiatria da Unifesp.

Ele explica que, além do componente genético, que pode predispor algumas pessoas à doença, fatores externos da vida atual, como o estresse e a grande competitividade profissional, podem favorecer o aparecimento da doença.

No caso dos idosos:
  • a chegada de doenças crônicas incuráveis,
  • o luto pela perda cada vez mais comum de pessoas próximas e
  • a frustração por não poder mais realizar algumas atividades
os tornam mais vulneráveis à depressão e ao suicídio.

"Um estilo de vida estressante, o uso de drogas e álcool e insatisfação em diversas áreas são fatores de risco para a doença. Fazer escolhas pessoais e profissionais que ajudem a controlar esses fatores é uma forma de prevenir a depressão", diz o especialista.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Metrópole – Domingo, 17 de agosto de 2014 – Pg. A30 – Internet: clique aqui.

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