Investimento em logística é muito baixo no Brasil

Entrevista com Paulo Resende
Coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral

Valéria França

Gastos das empresas com transporte podem chegar a 20% do PIB
se não houver uma forte modernização do setor
Paulo Resende

Investimentos públicos insuficientes – ou por vezes mal aplicados – em transporte e infraestrutura causam graves prejuízos à economia nacional. A Fundação Dom Cabral calcula em R$ 80 bilhões o valor que as empresas brasileiras perdem com a falta de condições de estradas, de malhas ferroviárias compatíveis com o tamanho do País, e de portos arcaicos. “O gasto das empresas com transporte de carga é da ordem de 12% do PIB. Se o investimento na área continuar no mesmo patamar, o custo pode subir para 20%”, afirma Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral. Nesta entrevista, Resende explica os nós da infraestrutura nacional, e o quanto eles comprometem a competitividade brasileira no mundo.

Qual é o maior problema da infraestrutura?

Paulo Resende: É a falta de comunicação entre os diversos modais no País, associada a baixos investimentos e grande burocracia. As ferrovias precisam se comunicar com os portos, com as hidrovias e rodovias, formando corredores logísticos eficientes. Tudo precisa estar interligado para que o sistema seja eficiente. E é a eficiência que garante fretes mais baixos e competitividade no mercado. O Brasil ocupa o 56º lugar no ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial (2012/ 2013). E isso se deve muito à infraestrutura que tem.

Por que os diferentes modais não foram interligados?

Paulo Resende: O Brasil tem um problema histórico. Até o governo militar, existia uma malha ferroviária bem estruturada. Naquela época a indústria pesada ganhava fôlego no País, as montadoras estavam se estabelecendo, e o governo resolveu apostar na “rodoviariação” [transporte por meio de rodovias, em veículos automotores], deixando de lado os trens e até o incipiente sistema hidroviário. Todo mundo queria ter carro. As estradas são importantes, mas é preciso entender que cada tipo infraestrutura atende a uma demanda diferente. As rodovias atendem curtas distâncias e as ferrovias, grandes distâncias. Precisamos de uma rede ferroviária, associada a uma malha hidroviária e de cabotagem que conecte o Brasil. Hoje, a maior parte da rede ferroviária está concentrada no Sul e no Sudeste. No Norte, temos regiões sem estradas e sem ferrovias, onde o transporte é complicado, mas coincidente com os fluxos logísticos mais necessários para o escoamento da produção das fronteiras agrícolas.

Hoje, qual é o país mais competitivo?

Paulo Resende: A Suíça está em primeiro lugar, mas é pequena e por isso não pode ser comparada ao Brasil. Mas os EUA [Estados Unidos da América], que ocupam o 5º lugar em competitividade, possuem dimensões parecidas com o Brasil. Os EUA têm a maior rede ferroviária do mundo em extensão, 226 mil quilômetros. Além de recortar todo o território, as ferrovias americanas foram planejadas com uma logística inteligente, que permite a comunicação com os demais modais. Os EUA também têm uma excelente rede de rodovias, planejadas para que o motorista pudesse passar por todos os estados sem grandes interrupções ou reduções de velocidade. As estradas estão sempre bem conservadas e são seguras.

O quanto a malha rodoviária brasileira está atrasada em relação à americana?

Paulo Resende: A malha rodoviária brasileira é um vigésimo da americana. O Brasil investiu muito pouco em infraestrutura no decorrer dos anos. Não é uma questão desse governo. Pode-se dizer que é uma atitude histórica, recentemente associada a um jogo político de repartição de poderes.

O que é mais urgente?

Paulo Resende: Ferrovia é um investimento de longo prazo. O governo tem de colocar esforços para que a Norte-Sul, por exemplo, chegue ao fim. Também precisa dar eficiência aos trechos subutilizados e expandir para onde não existem ferrovias. Sobretudo, tem de recriar o conceito de planejamento a longo prazo, com agências reguladoras aparelhadas, independentes de ingerências políticas.

Por que os aeroportos conseguem ser eficientes e as ferrovias não?

Paulo Resende: Nos aeroportos, os consórcios são de empresas que de fato tem a excelência do trabalho no mundo. O Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim (Galeão, Rio de Janeiro), por exemplo, foi arrematado no fim de 2012 pelo Consórcio Aeroportos do Futuro, formada pela Operadora do Aeroporto de Cingapura SANGI (40%) e pela Odebrecht (60%). O Aeroporto de Cingapura é considerado o melhor do mundo. Tem até cinema gratuito 24 horas. O Aeroporto Internacional Tancredo Neves (Confins, Belo Horizonte) foi arrematado pelo Consórcio Aero Brasil, uma união entre a Operadora do Aeroporto de Zurique Flughafen Zurich AG (24%), Munich Airport International Beteiligungs GMBH ( 1%) e a CCR. Hoje alguns dos mais importantes aeroportos nacionais estão sob a operação de companhias internacionais reconhecidas. O governo tem de repassar o serviço para quem entende. Precisa regular e fiscalizar e não ser sócio de sistemas logísticos.

O que é preciso fazer para o mesmo processo se repetir nas ferrovias?

Paulo Resende: Os aeroportos são atraentes pelo fluxo de pessoas. Em 2012, o Galeão movimentou 17,5 milhões de passageiros. O governo precisa que a malha ferroviária seja mais atraente para que o investidor se interesse pelo negócio. Como disse, há trechos subutilizados. O investidor quer lucro e a contrapartida deve ser a qualidade do serviço que ele oferece. Hoje o setor aeroportuário é o mais organizado e eficiente.

O governo tem de investir mais em infraestrutura para dar um salto qualitativo?

Paulo Resende: Se considerarmos os países emergentes, como Rússia, Índia, China, Coreia do Sul, Vietnã, Chile, Colômbia, na média, eles estão investindo 3,4% do PIB em infraestrutura de transportes. No Brasil, estamos em apenas 0,6%. É muito pouco para o tamanho do País.


Fonte: O Estado de S. Paulo – Especial – Quinta-feira, 7 de agosto de 2014 – Pg. H7 – Internet: clique aqui.

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