«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 31 de março de 2016

A revolução de Francisco em um mundo aos pedaços

Balanço da caminhada de três anos de pontificado

Entrevista com Massimo Borghesi
Professor titular de Filosofia Moral da Universidade de Perugia (Itália)

Luca Marcolivio
Zenit
12-03-2016

Um pontífice que coloca as cartas sobre a mesa, que dribla todos os esquemas ideológicos e que, precisamente, por isso é profundamente admirado ou asperamente criticado
PAPA FRANCISCO
Um Papa que une fé e calor humano!

No entanto, em apenas três anos de pontificado o Papa Francisco não fez mais que colocar novamente no centro a dimensão do encontro entre Deus e o homem, do qual surgem numerosas e evidentes consequências tanto em nível de magistério e de pastoral como de ação diplomática da Igreja.

Massimo Borghesi foi, nos últimos três anos, um dos mais agudos “hermeneutas” do pontificado de Bergoglio, colocando em relevo suas características “proféticas”. Ao mesmo tempo, Borghesi explica por que o papa argentino é tão incômodo para muitos, sobretudo entre os próprios católicos.

Eis a entrevista.

Três anos após ser eleito, o Papa Francisco segue sendo um grande quebra-cabeça para muitos intelectuais, mas sobretudo para os acérrimos defensores das ideologias do século XX. Ele não é de esquerda nem de direita. Sua pastoral e sua linguagem acessível colocam-no mais perto do povo do que das elites eclesiais ou laicas. Você, como filósofo, como interpreta sua personalidade?

Massimo Borghesi: Tudo o que você disse é verdade. Desde o princípio do seu pontificado, o Papa Bergoglio fez entrar em crise os comentaristas e analistas por esse seu estilo completamente novo. Comentaristas e analistas que se esforçam para encontrar as “raízes” do Papa latino-americano para compreendê-lo, e em muitos casos para poder criticá-lo e deslegitimá-lo. Sobretudo, certa corrente conservadora que nos anos de Bento XVI já tentou, sem sucesso, ajustar a imagem do Papa Ratzinger ao seu gosto, e agora acusa o Papa Francisco de ser populista, peronista, partidário da Teologia da Libertação etc. Também o acusaram de “duplicidade jesuítica”, desempoeirando as armas de um velho laicisimo, que curiosamente hoje é empunhado pela direita católica.

Tudo isto demonstra uma boa dose de ignorância e de preconceito. O Papa Bergoglio nunca foi filo-marxista. Simplesmente nunca foi de direita. Sua Teologia do Povo nasce no contexto da Argentina dos anos 70 como resposta “católica” à teologia da revolução. Não se trata de uma concepção ideológica, mas que a fé se arraiga na mística popular, em uma tradição cristã viva, histórica, que a Igreja Institucional não pode desconhecer sem correr o risco de tornar-se abstrata e formalista. O sensus fidei do povo crente é um “lugar teológico”, assim como os pobres são os prediletos, aqueles que Deus ama de uma maneira especial. A Teologia do Povo é uma resposta às posturas ideológicas, de direita ou de esquerda, ao elitismo de marca iluminista ou ao gnosticismo que reduz a fé à “doutrina”.

De tudo isto se desprendem consequências importantes. A primeira é uma concepção “carnal”, “física”, do cristianismo. Um povo nasce de uma relação viva, real, não de uma proposta abstrata. O cristianismo, por natureza, comunica-se na situação concreta do ver-ouvir-tocar-abraçar. A isto se deve a simplicidade da linguagem evangélica, cheia de exemplos e de convites, que não se limita a instruir, mas que quer envolver o coração. Quer construir uma relação real entre Deus e aqueles que o escutam. Um Deus que o coração pode sentir: isso é o cristianismo para Bergoglio.

Um fator controverso é a suposta descontinuidade de Francisco com seus predecessores, pelo menos em nível pastoral. Esta é, na sua opinião, uma leitura correta?

M. B.: Não. Na realidade, há um fio condutor que une Bergoglio com Ratzinger e consiste na percepção de que o cristianismo, em um mundo cada vez mais neopagão, só pode voltar a ocorrer se constituir um “encontro”. Assim o afirma a Evangelii Gaudium no n. 7, retomando o ponto n. 1 da Deus caritas est, que diz: “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva”. É um ponto de convergência importante, porque tanto na vida como na fé, o ponto de partida decide tudo.

Este é o ponto que Ratzinger e Bergoglio compartilham com dois grandes mestres e educadores cristãos do século XX: Romano Guardini e Luigi Giussani. Se o cristianismo, hoje assim como há dois mil anos, recomeça a partir de um “encontro”, e não da organização, da militância, da dialética, etc., então o testemunho vem em primeiro lugar. A re-presentação de Cristo no mundo é, tanto para Bento como para Francisco, a tarefa essencial da Igreja no contexto histórico atual, esse aspecto fundamental que o clericalismo esquece dando-o como evidente.

Isso quer dizer que o enfoque pastoral de ambos os papas é o mesmo. A diferença, em todo caso, está no estilo. A reserva e timidez de Bento XVI são diferentes do abraço físico de Francisco. Esta dimensão de Bergoglio não é um dado que o caracteriza, mas o resultado de uma maneira de entender a fé que nasce do espetáculo do povo crente na geografia espiritual da América Latina. É o que dizia antes. A fé se alimenta dentro de um povo, de uma comunidade viva, de uma proximidade real.

No primeiro ponto da Evangelii Gaudium, Francisco afirma: “O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista”. Ou seja, o Ocidente está afetado pela tristeza individualista. Neste sentido, sem dúvida há uma diferença entre Francisco e Bento, porque há uma superação do enfoque eurocêntrico que caracteriza a visão cultural do Papa Ratzinger. Com Francisco, entra em cena a perspectiva de uma fé viva, atual, arraigada em um tecido popular e solidário, que à senil Europa parece, pela influência iluminista, a herança de um passado muito distante.
PAPA FRANCISCO
A evangelização compreendida como "encontro", como "experiência" com o Sagrado e não
como mera assimilação de doutrinas e credos!

Que juízo merecem as reformas e inovações de Bergoglio (como o redimensionamento da cúria, a sinodalidade, a atenção às “periferias” e a modernidade), à luz do Concílio Vaticano II?

M. B.: São reformas que se inscrevem na perspectiva aberta pelo Concílio Vaticano II. O redimensionamento da cúria – a reforma mais difícil! – corresponde a uma política de economia e procede em consciente oposição ao processo de burocratização eclesial que imperou nas últimas décadas. A cúria deve recuperar a sobriedade no desempenho de suas funções, evitando na medida do possível carreirismos e protagonismos que prejudicam seriamente o ministério petrino. Neste sentido, a discrição que caracteriza o atual secretário de Estado é um claro exemplo.

Outra reforma refere-se ao exercício sinodal, a forma que a autoridade deve assumir na Igreja. Bento XVI já havia falado desse tema em uma entrevista concedida à Rádio Vaticano de 5 de agosto de 2006, auspiciando um pontificado não monárquico. O problema de superar a forma “monárquica” e absolutista do papado é um ponto central de reflexão desde o Vaticano II. Inclusive o diálogo com a Igreja ortodoxa, que acaba de viver um momento culminante com o abraço entre Francisco e Kirill, requer uma volta ao enfoque eclesial do primeiro milênio.

Quanto ao encontro entre fé e modernidade, Bergoglio não tem dúvidas. Disse em várias oportunidades: o Concílio Vaticano II constitui o encontro entre a Igreja e o mundo moderno. É um ponto sem retorno. Isso significa, em primeiro lugar, uma rejeição da teologia política, do uso político da religião. Com respeito a Ratzinger, o matiz que distingue Bergoglio ao propor a relação entre fé e modernidade consiste em que o moderno não é só europeu, mas também latino-americano. A América Latina é um contexto onde a secularização não levou à “privatização”, à solução individualista da fé.

Do Iluminismo europeu resgata a clara distinção entre Igreja e Estado e o tema dos direitos e liberdades. Ao contrário, rejeita seu elitismo intelectualista, seu rosto não popular. Neste sentido, a perspectiva da “periferia” corrige a perspectiva do centro. Mas trata-se de uma correção, de um ponto de vista privilegiado, não de uma alternativa terceiro-mundista ao Ocidente. Quem interpreta assim o Papa Francisco comete um grave erro. A visão de Francisco é “polar”, e uma polaridade fundamental é entre o “centro” e a “periferia”.

No magistério social, que ocupa uma parte importante do seu pontificado, a atenção que o Santo Padre dá ao tema do meio ambiente e é sintetizado na Laudato si’, configura um espaço novo e original. A ecologia passa a ser pela primeira vez objeto de interesse para a Igreja ou neste sentido a encíclica é antes um ponto de chegada, embora seja intermediário?

M. B.: A encíclica Laudato si’ [clique aqui para baixá-la e lê-la] é um documento que foi muito criticado, mas pouco lido. Criticado pela direita liberal, sobretudo nos Estados Unidos, porque interpreta o texto como um perigoso ataque contra a doutrina do laisser-faire, contra a doutrina do mercado acima de qualquer limitação ética ou jurídica. Na realidade, a encíclica critica severamente o “paradigma tecnocrático” que na era da globalização se impõe sem limites. É o mesmo paradigma que leva a considerar os idosos, os embriões com patologias, os doentes terminais, as pessoas com deficiências e os pobres em geral como “descartados”, seres inúteis, não produtivos, pesos mortos para a sociedade.

A devastação ecológica de regiões inteiras do planeta é fruto de um modelo que simultaneamente rejeita a humanidade débil e desprotegida. As correntes da direita cristã que lutam contra o aborto e a eutanásia não captam este duplo vínculo, e então são completamente liberais em matéria ecológica e ambiental, subordinando-se aos interesses do neocapitalismo mundial. Como afirma a Laudato si’ no número 117: “Quando, na própria realidade, não se reconhece a importância de um pobre, de um embrião humano, de uma pessoa com deficiência – só para dar alguns exemplos –, dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza. Tudo está conectado”.

Em sua análise do paradigma tecnocrático como módulo dominante na economia das últimas décadas, Bergoglio se deixa guiar pela reflexão sobre o poder na era da técnica desenvolvida por um de seus autores preferidos, Romano Guardini. A Laudato si’ está cheia de citações de Guardini.

Por último, observamos que a importância da questão ecológica como problema planetário começa em Bergoglio de sua clara consciência de que os países da “periferia”, da África, da América Latina, etc., se converteram no depósito de lixo do mundo. O que o Ocidente protege para si mesmo, com a proteção da natureza e do meio ambiente, é destruído nos países mais pobres, que sofrem a exploração indiscriminada de seus recursos, o desmatamento, a contaminação da água e do ar e a reciclagem de resíduos tóxicos. A questão ecológica afeta diretamente as periferias, os subúrbios do planeta, não as verdes campinas do mundo rico.
PAPA FRANCISCO ABRAÇA O PATRIARCA RUSSO-ORTODOXO KIRILL
Em Havana (Cuba) antes da viagem aos Estados Unidos
Sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Com relação à diplomacia vaticana. Um grande êxito de Francisco foi ter posto paz entre Cuba e os Estados Unidos depois de 50 anos. Paralelamente, está trabalhando na frente ecumênica ortodoxo-católica (é histórico o seu encontro com o patriarca Kirill), e também para salvar o Oriente Médio do abismo e os cristãos medio-orientais da perseguição. A que novo ordenamento geopolítico poderia levar o trabalho diplomático do Papa?

M. B.: Sem dúvida há três questões sobre o tapete. A primeira: apoiar o processo de distensão entre o Leste e o Oeste, entre a Rússia e o Ocidente, para evitar um conflito cujos resultados seriam catastróficos. O abraço entre Francisco e Kirill tem um valor geopolítico enorme. Assim como teve, na sua época, a mão que Francisco estendeu a Putin com sua oração em São Pedro pela paz na Síria, para frear o projeto estadunidense de intervir diretamente na guerra contra Assad. Sem avalizar os planos hegemônicos do Kremlin, o Papa contribuiu para que a Rússia pudesse sair do beco sem saída em que perigosamente a haviam encurralado.

A segunda questão está relacionada com a anterior. Trata-se de apoiar todos aqueles fatores que possam favorecer processos de paz na Síria e no Oriente Médio, para proteger os cristãos e os próprios muçulmanos. O respeito que Francisco mostra pelo Islã, junto com a firme crítica contra o fundamentalismo religioso, tem como objetivo a convivência pacífica dos povos. Sobretudo os que estão sendo desgarrados por trágicas guerras civis. É o que a direita cristã não entende, aferrada ao cenário teocon [neologismo que une Theós = deus, em grego, com con de “conservadorismo”; portanto, católicos de posições conservadoras] do enfrentamento entre o Islã e o Ocidente.

A terceira questão importante para o Papa é a China. O sonho de relações diplomáticas plenas, que garantam a completa liberdade do catolicismo chinês, é sem dúvida um dos grandes desejos de Francisco. Já foram dados passos importantes e sinais de respeito recíproco. O futuro está nas mãos de Deus. Também neste caso, uma relação plena ajudaria para o encontro entre o Ocidente e o Oriente, que sempre redundaria em benefício da paz no mundo.

A informalidade deste Papa, seus frequentes discursos improvisados, a facilidade com que dá entrevistas, também são objeto de polêmica. Em definitiva, que tipo de linguagem utiliza?

M. B.: É uma linguagem simples acompanhada pela linguagem do rosto, das mãos, do corpo. Em seu livro O sonho do Papa Francisco, o Pe. Antonio Spadaro descreve muito bem este aspecto do testemunho papal: “Bergoglio – afirma Spadaro – ‘habita’ a palavra que pronuncia. Assim como ele não é capaz de viver sozinho, mas necessita de uma comunidade, da mesma maneira sua palavra tem necessidade de assumir uma forma para aqueles que tem diante de si. Nunca é pronunciada porque é bela, mas porque é capaz de construir uma relação com o Evangelho. A palavra de Bergoglio é filha do sermão humilde de Santo Agostinho, porque quer ser uma ‘palavra-casa’, bela, acessível e clara, ‘suave’. Por isso, sempre se caracteriza pela oralidade, pelo diálogo, mesmo que esteja escrita. As palavras tomam corpo”.

Com relação à “informalidade” do Papa, Spadaro recorda que para Francisco ser “normal” é uma condição do ser cristão. Este homem, que hoje se converteu em um ícone midiático mundial, rejeita todos os clichês das “estrelas”, em primeiro lugar fazer alarde de distância e de excepcionalidade. O Deus semper maior [cada vez maior] entrou no mundo como um Deus absconditus [oculto], que participa plenamente da normalidade da vida. Como a famosa imagem do Papa que sobe as escadas do avião levando ele mesmo sua pasta preta.
MASSIMO BORGHESI
Filósofo italiano e Professor da Universidade de Perugia (Itália) - Entrevistado 

Nunca um Papa recebeu tantas críticas precisamente no mundo católico. Na sua opinião, são críticas puramente ideológicas ou nascem de interesses concretos que Francisco coloca em discussão?

M. B.: As duas coisas. Não há dúvida de que as reformas e o estilo de vida do Papa podem incomodar, momentaneamente, privilégios e carreiras construídos em base a sólidos interesses. Na Igreja, o clericalismo e a burocracia caracterizaram as últimas décadas. A desorientação diante de um Papa que utiliza um carro comum é bastante grande. Neste caso, o melhor ataque é acusá-lo de demagogia, de populismo, de buscar o aplauso das multidões. Na realidade, por trás das críticas não é difícil entrever a busca de cargos e ambições. Por isso, muitos esperam atrás de uma janela a passagem do ciclone [Francisco] e que tudo volte a ser como era antes. Enquanto isso, [para alguns] é suficiente atualizar a linguagem eclesiástica – as “periferias”, os “últimos”, a “misericórdia” – sem que nada mude realmente.

Por outro lado, é preciso entender que hoje Francisco é a única voz relevante, em nível mundial, que se opõe verdadeiramente à “ideologia” da globalização, ao dogma de um sistema econômico que dissolveu a esfera política e criou antíteses profundas dentro e entre os Estados. Diferenças que são a premissa para enfrentamentos, violências e guerras futuras. Atenuar os contrastes sociais é um imperativo para a paz no mundo; é isso que Francisco tem em mente.

O liberalismo econômico, sem freios, não construiu a unidade do mundo, mas todo o contrário. Na sociedade, criou a dupla exclusão de idosos e jovens sem trabalho. Os dois polos da sociedade, os idosos – que são a memória de um povo – e os jovens – que são seu futuro, sua esperança –, são os excluídos, os “descartados” em um mundo obcecado pelo seu próprio presente. Nisto consiste a atual decadência do mundo, que já não tem uma visão de seu próprio futuro porque cortou as raízes de seu próprio passado. Bergoglio não é um “progressista” iluminista. Sabe que não há progresso se não se proteger a memória popular, a memória dos “avós”, que não devem ser enxotados em casas geriátricas, mas que devem proteger os seus netos.

A direita católica, subordinada à direita liberal, não compreende a riqueza deste enfoque. Acusam o Papa de ser “modernista” e não compreendem que fazem o jogo de um neocapitalismo individualista e cínico, primeira causa da “revolução antropológica” que hoje dissolve toda certeza moral. Esta incapacidade para identificar o verdadeiro adversário é o ponto fraco de um pseudopensamento católico que perdeu as coordenadas para compreender o mundo atual.

Traduzido do italiano por André Langer. Para acessar a versão original desta entrevista, clique aqui e aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 30 de março de 2016 – Internet: clique aqui.

O preço que o PT paga para ficar, ainda, no poder

Fim de feira!

Editorial

A presidente Dilma Rousseff decidiu vender o governo a granel para
tentar impedir seu impeachment

No deplorável fim de feira em que se transformou seu mandato, a presidente Dilma Rousseff decidiu vender o governo a granel para tentar impedir seu impeachment. Não se trata somente de escancarar a administração pública federal aos políticos fisiológicos, distribuindo cargos e verbas a quem se dispuser a defendê-la no Congresso. Dilma também resolveu mostrar-se disposta a entregar de vez a chave dos depauperados cofres do Estado aos inimigos da racionalidade econômica, satisfazendo a agenda suicida dessa turma de irresponsáveis em troca de apoio. Essa situação torna o afastamento de Dilma ainda mais urgente: é preciso que a petista seja destituída o quanto antes, para que ela não tenha condições de ampliar a ruína do País.
DILMA ROUSSEFF
Parte para o "tudo ou nada" na tentativa de barrar o seu impeachment no Congresso:
para se ter uma ideia, o PP, partido com mais políticos implicados no escândalo da Petrobrás
é um dos partidos mais cortejados pelo PT hoje ! ! !

A inconsequência de Dilma, que já teria renunciado se tivesse algum apreço pelo Brasil, é o retrato perfeito do apego fanático da tigrada ao poder. Os lulopetistas consideram que os 54 milhões de votos que Dilma recebeu em 2014 conferem legitimidade automática a todos os seus atos, razão pela qual qualquer tentativa de fazê-la pagar pelos delitos cometidos por sua administração configura “golpe”. Ora, o voto não dá, nem a Dilma nem a ninguém, o direito de solapar as instituições, abrir as portas da administração à corrupção e envenenar a democracia.

Pois foi isso o que Dilma fez e continua a fazer, seguindo o padrão estabelecido pelo chefão Luiz Inácio Lula da Silva, patrono incontestável da roubalheira e da desfaçatez que se instalaram no governo federal desde a triste chegada do PT ao Palácio do Planalto. Portanto, nenhum observador razoavelmente informado da cena política nacional pode se dizer surpreso com as atitudes desesperadas tomadas por Dilma nos últimos dias, que lhe arrancaram a máscara de democrata e deixaram exposta sua natureza autoritária – pois a presidente não hesita em entregar anéis que não lhe pertencem na ilusão de que salvará os dedos com os quais se agarra sofregamente ao poder.

Na xepa [últimas mercadorias expostas em uma feira livre, geralmente mais baratas e de menor qualidade] de Dilma, os cargos do governo, mesmo aqueles que têm alguma importância, serão tirados dos partidos que abandonaram a presidente e redistribuídos a legendas de aluguel cuja representatividade é nula – são agremiações que espelham apenas os espertalhões que as criaram. Um exemplo é o Partido Trabalhista Nacional (PTN), que pode herdar a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), responsável por ações de saneamento e prevenção de doenças. Esse partido elegeu apenas quatro deputados em 2014, mas chegou a 13 graças ao vergonhoso troca-troca partidário e tem um voto na comissão da Câmara que analisa o impeachment. Outro nanico que pode ser contemplado com uma boquinha no governo é o exótico Partido da Mulher Brasileira (PMB), que tem apenas um deputado – justamente, decerto não por coincidência, o que tem vaga na comissão do impeachment.

Foi a esse espetáculo deprimente que se reduziu o segundo mandato de Dilma. No passado, os marqueteiros petistas ainda tentaram criar em torno da presidente a aura de chefe de Estado implacável com a corrupção, por ter afastado vários ministros flagrados em atitudes suspeitas. Conseguiram até mesmo emplacar a versão de que Dilma enfrentava dificuldades políticas por detestar o varejo do Congresso. Toda essa fraude está agora plenamente revelada. Não há marketing capaz de inventar para Dilma uma fantasia que esconda o fato de que ela, deliberadamente, está entregando o governo de bandeja ao que há de mais reles e inexpressivo na política, pondo preço vil em todos e em cada um dos 54 milhões de votos que recebeu.

Dilma, antes do último suspiro, insiste na impostura. Enquanto loteia o governo entre oportunistas profissionais, a presidente se rende cada vez mais à sua “base” – isto é, aos grupelhos petistas que, em troca de apoio, cobram dela o aprofundamento da insanidade fiscal. No entanto, sem dinheiro nem para tapar os buracos das estradas federais, conforme noticiou o jornal O Estado de S. Paulo, Dilma não tem mais nada para oferecer, razão pela qual os próprios “movimentos sociais” e o PT já consideram o impeachment inevitável e começam a treinar seu discurso de oposição raivosa – algo que eles fazem como ninguém.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Notas e Informações – Quarta-feira, 30 de março de 2016 – Pág. A3 – Internet: clique aqui.

O cenário do pós-Dilma: nada de otimismo!

Casamento mal-arranjado

José Roberto de Toledo

Há grande desconfiança na gestão do PMDB em caso de impedimento
de Dilma, e incertezas sobre o desfecho das crises política e econômica 
MICHEL TEMER, DILMA ROUSSEFF E LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Na cerimônia de posse como Presidente da República de Dilma

O impeachment de Dilma Rousseff segue favorito na Câmara, apesar do regateio do PP e assemelhados com o PT por cargos e verbas. Mas o otimismo sobre o que pode ser o pós-Dilma parece estar em refluxo. A perspectiva de:
* interinidade demorada de Michel Temer até o julgamento final da presidente pelo Senado,
* a chance de cassação de ambos pelo Tribunal Superior Eleitoral e, principalmente,
* o cheiro de pizza no ar - para safar a cúpula do PMDB na Lava Jato
sugerem meses de crise política e econômica, agora sob nova administração.

Não é apenas aos olhos de atores políticos que o pós-Dilma está ganhando tons de cinza. A população em geral não está propriamente entusiasmada com a ideia de um governo Temer - embora apoie por ampla maioria o impedimento de Dilma pelo Congresso. É o que mostra pesquisa inédita feita pelo Ideia Inteligência na segunda e terça-feiras, e que será divulgada hoje durante debate promovido pelo Brazil Institute, no Wilson Center, em Washington (EUA).

A maioria absoluta dos entrevistados (51%) espera uma gestão apenas “regular” por parte do atual vice. Entre os demais, o pessimismo é quatro vezes maior do que o otimismo: 39% preveem um governo ruim ou péssimo. Só 10% acreditam que, com o PMDB à frente da administração federal, a gestão será boa ou ótima. Ainda mais relevante, 55% dizem preferir novas eleições a um governo Temer (12%) - um a cada três não soube responder. O Ideia entrevistou 10 mil pessoas, pelo telefone, em 82 cidades.

O resultado é compreensível se levarmos em conta o histórico. Afinal, o PMDB tem sido sócio e avalista da gestão petista desde 2004. Daquele ano até 2012, a fatia peemedebista na administração federal só cresceu, inclusive na Petrobrás - a vaca leiteira que amamentou os esquemas de corrupção revelados pela Lava Jato. Foi em 2007 que o PMDB encontrou sua chance de ouro para engordar sua fatia de poder na gestão da estatal [Petrobrás].

Em novembro daquele ano, o governo Lula se comprometeu a patrocinar a entrada da Venezuela no Mercosul. Mas a ratificação do acordo empacou na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. O PMDB aproveitou para barganhar: trocou a entrada da Venezuela no bloco econômico pela nomeação de Jorge Luiz Zelada para a Diretoria Internacional da Petrobrás. Oito anos depois, Zelada seria condenado a 12 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro enquanto exercia o cargo.
JORGE LUIZ ZELADA
Foi indicado à Diretoria Internacional da Petrobrás pelo PMDB com a tarefa de captar dinheiro para o partido

Apesar dos conflitos inerentes à relação entre os dois maiores partidos políticos brasileiros, a parceria PMDB-PT vicejou durante anos. O auge ocorreu em 2010, quando o próprio Lula arranjou Temer como vice de Dilma na chapa à Presidência. Foi o ex-presidente que abençoou a união dos dois. Após a eleição, a relação presidente e vice nunca deixou de ser fria. As tensões aumentaram após a “faxina” de Dilma no seu ministério em 2011. E viraram conflito durante as eleições municipais de 2012.

O PMDB se convenceu de que enquanto o PT ganhava eleitoralmente com a parceria, a sigla encolhia. Petistas e peemedebistas protagonizaram o maior número de coligações nas eleições de prefeito de 2012 e - ao mesmo tempo - o maior número de confrontos diretos entre dois partidos. Como resultado, o PT saiu das urnas maior do que entrou, e o PMDB, menor.

A ressaca veio em 2013. À eleição de Eduardo Cunha como líder do PMDB na Câmara em fevereiro seguiu-se o soluço da economia e a avalanche de manifestações de junho que solapou a popularidade do governo petista. Nem a renovação dos votos de casamento de Dilma e Temer na eleição de 2014 conseguiu salvar a relação.

Há mais de um ano que segmentos cada vez mais numerosos do PMDB trabalham pela separação litigiosa de Dilma e do PT. Esta semana, simularam sair de casa, mas, na verdade, estão é empurrando o cônjuge para fora. Jamais largariam o poder.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Quinta-feira, 31 de março de 2016 – Pág. A6 – Internet: clique aqui.

Começar de novo

Dora Kramer

Se a provável interrupção do governo Dilma não resultar numa proposta firme e séria de recomeço, o impeachment não terá valido de coisa alguma.
EDUARDO CUNHA (presidente da Câmara dos Deputados),
MICHEL TEMER (vice-presidente da República) e
RENAN CALHEIROS (presidente do Senado):
Todos do PMDB - O Brasil ficará, ainda, nas mãos deles?

O PMDB ontem encerrou um capítulo da longa narrativa da crise ao confirmar a retirada de seu apoio ao governo e, com isso, aproximar o Brasil da possibilidade de ver interrompido o segundo mandato presidencial no espaço de pouco mais de 20 anos.

O epílogo dessa história, no entanto, ainda está por ser escrito. Caso venha mesmo a ocorrer o impeachment da presidente Dilma Rousseff, essa tarefa caberá ao conjunto das forças políticas – se possível com o PT incluído – em aliança com a sociedade e as demais instituições. O País não aguenta mais o atual governo, é verdade.

A hipótese do fim antes do tempo regulamentar propicia um horizonte de alívio imediato, embora não represente a solução para os males que nos assolam nem significa o fim do caminho. Ao contrário: marca a urgente necessidade de um recomeço, pois o Brasil tampouco aguenta mais conviver com a incúria, a corrupção e o cinismo na forma de fatores imprescindíveis ao exercício do poder.

A luta, portanto, continua, vai além do ciclo do PT. É muito maior que a montagem de um governo de transição “surpreendentemente bom”, conforme as palavras do senador José Serra, espectador e interlocutor privilegiado do episódio atual e daquele que resultou na queda de Fernando Collor há 24 anos. Se a provável interrupção do governo Dilma não resultar numa proposta firme e séria de recomeço, o impeachment não terá valido de coisa alguma.

Suas excelências estejam atentas: trocar seis por meia dúzia não vai angariar a simpatia do público escaldado e temente até de água fria. O governo de Itamar Franco cumpriu seu dever de transição. Serviu a uma alteração de paradigmas logo de imediato, mas não se prestou à extinção das velhas e viciadas práticas. Apesar disso, construiu algo ao resultar no Plano Real que estabilizou a economia e preparou o País para o crescimento.

Se for o caso de Dilma ser substituída, a quem vier a assumir no lugar dela – o vice ou um novo eleito – caberá dar início a um processo de demolição de uma obra podre e, ato contínuo, a reconstrução de um Brasil em alicerces fincados em valores segundo os quais incúria, corrupção, cinismo, demagogia não sejam regra e passem a ser exceção.

Disposição transitória

Os tucanos, inclusive aqueles favoráveis à participação do PSDB em eventual governo de transição presidido por Michel Temer, defendem como premissa para qualquer acordo o compromisso do vice de não se candidatar a presidente em 2018.

No ano passado, quando as conversas sobre o tema consideravam o afastamento de Dilma como hipótese ainda remota, o tucanato chegou a propor a Temer a apresentação de uma emenda ao capítulo das Disposições Transitórias da Constituição, cujo texto contemplaria essa condição.

Na época, Temer rechaçou a proposta.

Para concluir

A título de mero registro: dos ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal que já se pronunciaram em prol da legalidade do processo de impeachment, repudiando a tese do “golpe”, cinco foram indicados em governos do PT:
* Luis Roberto Barroso,
* Antônio Dias Toffoli,
* Cármen Lúcia,
* Carlos Ayres Britto e
* Eros Grau.

Isso sem contar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que durante os últimos anos esteve entre a omissão e a ponderação no tocante a críticas ao governo, que não apenas respalda como acaba de apresentar novo pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

Evidência de que, no caso em tela, a espada é a lei.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Quarta-feira, 30 de março de 2016 – Pág. A6 – Internet: clique aqui. 

quarta-feira, 30 de março de 2016

“Para se reinventar, o PT precisa sair do poder”

Entrevista com Daniel Aarão Reis
Professor do curso de História na Universidade Federal Fluminense (UFF) e estudioso da esquerda

Débora Melo
DANIEL AARÃO REIS
Historiador e pesquisador sobre a esquerda política

Com a proximidade da votação do pedido de impeachment na Câmara, a presidenta Dilma Rousseff negocia com a base as condições para evitar que aliados desembarquem do governo.

Para o historiador Daniel Aarão Reis, que colaborou com a fundação do PT e hoje é crítico ao partido, a cláusula constitucional que permite o impeachment é “essencialmente antidemocrática”, mas a presidenta precisa esclarecer de que forma pretende continuar conduzindo o País. “A grande questão é a seguinte: Dilma quer se manter no poder para que, exatamente? Ela não está fazendo o tipo de política com a qual se comprometeu no segundo turno. Vai fazer agora?”, questiona.

Em entrevista a CartaCapital, o historiador defende que, diante de um cenário de perda de identidade política, uma “cura de oposição” faria bem ao PT.

Professor do curso de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), Aarão Reis afirma que a corrupção está na essência do sistema político e só poderá ser combatida a partir de uma profunda reforma política. “Um mínimo de isenção nos leva a concluir que o nosso sistema político acoberta e incentiva a corrupção em escala industrial”, diz.

Leia a íntegra da entrevista, concedida por e-mail:

CartaCapital: Na sua avaliação, a presidenta Dilma Rousseff tem condições de escapar do impeachment?

Daniel Aarão Reis: Em tese, sim, sobretudo acionando a capacidade de articulação do Lula. Embora desgastado, o homem tem notórias habilidades. Outro aspecto favorável é a divisão do PMDB, com a rivalidade entre Renan [Calheiros – Presidente do Senado] e [Michel] Temer. Recorde-se que, mesmo que a Câmara considere admissível o impeachment, será necessário ter maioria no Senado. Nesta altura, a definição do PMDB parece decisiva. Se rachar, a Dilma mantém chances. Se se colocar como um bloco, as chances do impeachment crescem bastante.

CC: Para escapar do afastamento, a presidenta precisa de apoio no Congresso. A forma como o PT conseguiu esse apoio ao longo dos anos foi um dos fatores que nos trouxe à atual condição. Como, então, buscar esse apoio?

D.A.R.: Essa cláusula constitucional de “impedir” um presidente eleito pelo povo por meio do Congresso é essencialmente antidemocrática. A instituição democrática para esses casos é o “recall”, ou seja, você convoca novamente o eleitorado para decidir. Acontece que a cláusula do impeachment pelo Congresso foi usada – e abusada – pelo PT anteriormente. Assim, o PT e o governo estão fragilizados para fazer a defesa da ilegalidade do impeachment.

O PT construiu uma tradição de maiorias obtidas por cargos e favores, quando não, através de meios heterodoxos. Numa situação política crítica como a que vivemos, essas benesses vão perdendo a capacidade de atração, inclusive porque os sucessores de Dilma podem oferecer – e já estão oferecendo – benesses tão ou mais tentadoras.

Já estão transbordando nos jornais as articulações entre Aécio, Serra, Temer e companhia. Dividem cargos e programam um futuro pós-Dilma. Pode ser que tudo volte atrás, pode ser que se aprofunde. Vai depender muito de como agirão os aliados do governo e de como se comportarão as pessoas nas ruas. Com o PMDB não há alianças sólidas. As alianças com o PMDB são "infinitas enquanto duram", enquanto duram os postos e os cargos. São sempre alianças com o governo...

CC: O governo está abalado, entre outras coisas, pela Operação Lava Jato. Ao nomear para a Casa Civil o ex-presidente Lula, que está no foco das investigações, a presidenta não traz a crise ainda mais para o centro do governo?

D.A.R.: Penso que foi muito infeliz a nomeação do Lula. Ele poderia acionar sua capacidade de articulação mesmo sem ser ministro. No limite, se fosse preso, porque a hipótese não podia mesmo ser descartada, sairia como um mártir, tal a arbitrariedade, nas condições atuais, de uma decisão como essa. Dilma e Lula, e os demais dirigentes do PT, às vezes parecem sem a serenidade e o sangue frio que exige a situação crítica atual. As gravações os mostram muito nervosos e tendo comportamentos erráticos. Não são atitudes adequadas para enfrentar os perigos que enfrentam.
ATO DE FUNDAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT):
Colégio Sion - São Paulo (SP), 10 de fevereiro de 1980

CC: Caso Dilma reaja e sobreviva, como o senhor enxerga o futuro do governo? O que a presidenta pode propor, o que ela pode salvar?

D.A.R.: Dilma enfraqueceu-se muito com a guinada à direita que deu logo depois de eleita. Criticou contundentemente os adversários como candidatos de “banqueiros”. Ora, basta ver a sua prestação de contas entregue ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para ver como os bancos e as empreiteiras contribuíram para sua campanha. Por outro lado, escolheu como ministro da Fazenda um grande banqueiro – que acabou não aceitando, indicando o triste Joaquim Levy...

As políticas adotadas por ela configuram um estelionato eleitoral. Trata-se de algo que já vai virando uma tradição na República pós-ditadura: Sarney, Collor e FHC o praticaram alegremente. Mas Dilma, ao reiterar o comportamento, fragilizou-se muito perante suas bases sociais e eleitorais. Imaginou que isso “sossegaria” as oposições. Não surtiu efeito. Assim, ela não conseguiu apoio das elites e perdeu suas bases. Ficou numa situação muito complicada.

Muitos manifestantes contra o impeachment estão deixando claro que não são pró-Dilma, mas é uma posição também difícil de ser defendida. A grande questão é a seguinte: Dilma quer se manter no poder para que, exatamente? Para fazer que tipo de política? Ela não está fazendo o tipo de política com a qual se comprometeu no segundo turno. Vai fazer agora? Se esse é o caso, precisaria esclarecer. Mas ela manteria o apoio de Sarney e de Renan? É um mato sem cachorro...

CC: Em um eventual impeachment, qual seria o papel do PT como oposição? Ou o PT não seria oposição?

D.A.R.: Bem, se o impeachment for aprovado, não parece razoável imaginar o PT apoiando um governo fruto do impeachment. Teria que ir para a oposição, certamente. E isso poderia fazer bem ao partido. Tendo-se lambuzado no poder, como disse o Jacques Wagner, uma “cura de oposição” faria bem ao PT.

Eu diria que, para se reinventar, o PT precisa sair do poder. Como já aconteceu com muitos partidos populares na história, e mesmo na história do Brasil, participar do poder apenas para gerenciar a ordem dominante é receita certa para perder a identidade política. E o que é mais importante para um partido político do que manter sua identidade? 

CC: Ainda pensando em um eventual cenário de impeachment, há risco de radicalização do PT, caso o partido e a militância acreditem que foram afastados do governo por um processo não legítimo?

D.A.R.: A rigor, a radicalização está aí, já instalada. Como disse o (escritor Luis Fernando) Veríssimo, estamos esperando o primeiro morto. As direitas parecem-me, aliás, bem mais radicalizadas e agressivas do que as esquerdas, insultando e batendo em pessoas nas ruas, nos restaurantes e até em hospitais. O triste é que essa radicalização não se dá em torno de plataformas programáticas, mas em torno da questão da corrupção.

Ora, um mínimo de isenção nos leva a concluir que o nosso sistema político acoberta e incentiva a corrupção em escala industrial. O PT, neste caso, foi o último a aderir, embora não lhe tenha faltado gula. A luta pela corrupção deve continuar, evidentemente. Mas o nó da questão é a reforma política, em profundidade, do atual sistema. Enquanto esse sistema estiver aí, teremos corrupção em grande escala.

CC: Que previsão o senhor faz para o futuro da esquerda brasileira? Independentemente do desfecho, como a herança do PT será absorvida?

D.A.R.: O PT, com suas políticas de conciliação, foi responsável por alguns avanços notáveis, enquanto durou a conjuntura de grande prosperidade. A inclusão social e uma série de políticas de defesa e “empoderamento” das camadas populares, das maiorias negras e pardas e dos mais pobres tiveram resultados apreciáveis.

Ao mesmo tempo, contudo, o PT estabeleceu relações carnais com as grandes empresas, os bancos e as empreiteiras, e isso representou uma perda muito grande para as esquerdas brasileiras, em geral, porque o PT, inegavelmente, tornou-se o maior e o mais representativo partido das esquerdas brasileiras.

Resta às forças alternativas, inclusive àquelas que ainda estão no interior do PT, formular plataformas de reforma política. Crises podem enfraquecer e até serem fatais. Mas podem ser também “janelas de oportunidade”. A ver se as esquerdas alternativas estarão à altura dos grandes desafios que a crise tem apresentado.

Fonte: CartaCapital – Política – 28/03/2016 – 04h18 – Atualizado em 28/03/2016 às 07h30 – Internet: clique aqui.

Refutando aqueles que bradam: «Não vai haver golpe!»

Apenas a lei

Editorial

Trata-se de evidente malandragem, cujo único objetivo é confundir a opinião pública. O processo de impeachment, se levado adiante e tiver como desfecho o afastamento de Dilma, terá cumprido seu papel exatamente como prevê a Constituição.
CÁRMEN LÚCIA
Ministra do Supremo Tribunal Federal - Brasília (DF)

A presidente Dilma Rousseff está desesperada. Para se segurar na cadeira presidencial, a petista desistiu de vez de exercer seu mandato e se dedica, dia e noite, a acusar os que defendem seu impeachment – hoje a maioria absoluta dos brasileiros – de promover um golpe de Estado. De acordo com esse discurso, os lulopetistas e seus cúmplices são agora os patronos da Constituição, protegendo-a dos “golpistas” que, segundo dizem os governistas, tramam na surdina contra Dilma para derrubá-la sem nenhuma razão prevista em lei. Em síntese: impeachment, para essa turma, configuraria uma “ruptura institucional” que estaria “sendo forjada nos baixos porões da baixa política”, conforme as claudicantes palavras da chefe do Executivo.

Trata-se de evidente malandragem, cujo único objetivo é confundir a opinião pública. O processo de impeachment, se levado adiante e tiver como desfecho o afastamento de Dilma, terá cumprido seu papel exatamente como prevê a Constituição: é instrumento legítimo que se presta a punir o governante que for flagrado no cometimento de crime de responsabilidade. É isso o que têm reiterado importantes magistrados – não os autoproclamados “juristas” que aderiram à claque palaciana contra o tal “golpe”, mas aqueles que conseguem manter o equilíbrio necessário para analisar este grave momento.

O processo de impeachment é previsto na Constituição e nas leis brasileiras. Não se trata de um golpe. Todas as democracias têm mecanismos de controle, e o processo de impeachment é um tipo de controle”, explicou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli ao Jornal Nacional. Para deixar ainda mais claro que não se pode falar em ruptura de nenhuma espécie, Toffoli lembrou o óbvio: que “aqueles que se sentirem atingidos podem recorrer à Justiça brasileira”. Para ele, “o que ocorre hoje é a democracia” e “é muito melhor vivermos dessa forma do que sob uma ditadura”.
DIAS TOFFOLI
Ministro do Supremo Tribunal Federal - Brasília (DF): indicado ao cargo por Dilma Rousseff
e ex-advogado do PT ! ! !

Assim como Toffoli, a ministra do STF Cármen Lúcia declarou que “o impeachment é um instituto previsto constitucionalmente” e acrescentou, a propósito das críticas de Dilma e dos petistas à atuação do juiz Sergio Moro e da força-tarefa da Lava Jato, bem como à articulação da oposição pelo afastamento da presidente, que “estão sendo observadas rigorosamente a Constituição e as leis”.

Na mesma linha argumentou Ayres Britto, ex-presidente do Supremo. Em entrevista à Folha de S. Paulo, Britto afirmou que “toda previsão constitucional”, caso do processo de impeachment, “pré-exclui a possibilidade de golpe”. Ademais, ele lembrou que a legitimidade de um presidente depende não só da chancela dos eleitores, mas do exercício do mandato dentro do mais absoluto respeito à lei. “A presidente tem de se legitimar o tempo todo. Se se deslegitima, perde o cargo”, afirmou Britto.

Além disso, o ex-presidente do STF salientou que o “conjunto da obra” do juiz Sergio Moro, tão contestado pela presidente, pelo capo Lula e por seus sequazes, “continua íntegro, hígido”, razão pela qual “96% dos recursos atacando suas decisões foram derrubados pelos tribunais superiores”. Britto aproveitou para cobrar respeito pelo Judiciário. “Chega de contestar decisões com agressões”, disse o ex-ministro, que lembrou o óbvio: se Moro errar, “o Brasil tem quatro instâncias judiciais para corrigir isso”.
AYRES BRITTO
Ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)

Essas simples constatações de eminentes magistrados deveriam bastar para desmoralizar a mobilização lulopetista pela “legalidade”, campanha que Dilma usa para dizer que Sergio Moro “opta por descumprir as leis e a Constituição” e para acusar a oposição de cometer “crime contra a democracia” por defender seu impeachment sem “provas inquestionáveis”. Foi o que ela declarou no comício que fez no Planalto com seus “juristas” de estimação.

A esta altura, já está claro que os lulopetistas, aflitos com a iminente perda do poder, adotaram a estratégia deletéria de desacreditar as instituições empenhadas em obrigar Dilma, Lula e seus comparsas a responder por seus atos, que ofenderam a lei e debilitaram o País. Que esse grosseiro ardil não prospere.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Notas e Informações – Domingo, 27 de março de 2016 – Pág. A3 – Internet: clique aqui.

Aposentadorias: onde está o nó da questão?

Gasto com 980 mil servidores é igual
ao de todo o INSS

Alexa Salomão

Déficit de ambos os sistemas está na casa de R$ 90 bilhões; para reduzir rombo, alternativa é funcionalismo dobrar valor da sua contribuição

Em 2013, houve quem pensasse que o nó financeiro da previdência pública federal estava finalmente desfeito. A presidente Dilma Rousseff sancionara a lei que criava a Funpresp, a Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais, responsável pela criação dos fundos de previdência complementar para os novos servidores. O nó, porém, permanece bem atado. Apesar de o gasto com o pagamento de aposentadorias e pensões ter arrefecido, permanece elevado e, com a crise, pode se tornar impagável.

As apresentações de dados sobre gastos com pessoal no serviço público federal não são separados pelo governo – salários de quem está na ativa e benefícios ficam entrelaçados. Encerraram o ano em R$ 251,5 bilhões. O economista Nelson Marconi, coordenador executivo do Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas, separou as duas despesas.

No ano passado, o pagamento de aposentados e pensões na esfera da União demandou R$ 105,4 bilhões, ou cerca de 43% do total. As contribuições previdenciárias de quem está na ativa, porém, não cobrem nem de longe esse valor: somaram R$ 12,6 bilhões. A enorme diferença gerou um déficit perto de R$ 92,9 bilhões.

É uma cifra monumental. Equivale praticamente ao valor explosivo do rombo de R$ 90,3 bilhões registrado no pagamento de benefícios do INSS. Com uma diferença alarmante: enquanto o déficit do INSS reflete o atendimento a 32,7 milhões de pessoas, no serviço público, um buraco do mesmo tamanho é gerado para pagar somente 980 mil benefícios.

Eu sei que vou ser linchado pelos funcionários públicos, mas não tem jeito: é preciso aumentar a contribuição de quem está na ativa”, diz Marconi.
NELSON MARCONI
Economista Fundação Getúlio Vargas

A conta ainda pesa por uma razão simples. Com as mudanças de regras, a União garante para novos funcionários, que ingressaram no serviço público depois de 2013, uma aposentadoria igual a paga aos trabalhadores do INSS. Se ele quiser uma aposentadoria maior, precisa aderir a um fundo de previdência complementar. Mas os servidores antigos ficaram de fora, mantendo os direitos adquiridos – e a conta com essa parcela puxa o gasto para cima.

A bomba-relógio da aposentadoria integral, sem contribuição, estancou a partir de 2013”, diz o economista. Agora há também uma estabilização dessa despesa. Em 2015, em relação a 2014, ocorreu até uma queda. No entanto, o gasto segue em um patamar muito elevado, e promete pressionar as despesas com a folha, principalmente agora, momento de retração econômica e queda na receita.

“O desequilíbrio vai perdurar e eu sei que politicamente é muito difícil, mas o ideal é que a alíquota de contribuição fosse elevada, em algo como o dobro do que é hoje”, diz Marconi. Hoje a alíquota é de 11%.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Economia – Domingo, 27 de março de 2016 – Pág. B3 – Internet: clique aqui.